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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 12 DE ABRIL.

Presidencia do Em.mo. Sr. Visconde de Algés, Vice-presidente supplementar.

Secretarios - os Srs.

Conde de Mello

Brito do Rio.

(Assistia o Sr. Ministro da Fazenda.)

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 36 dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente.

O Sr. Conde de Thomar sente dizer que a lembrança adoptada pela Mesa n'uma das sessões passadas, de que as actas não devem ser o Diario da Camara, mas unicamente um resumo das propostas e decisões que se tomam aqui, não foi executada, porque a acta que acaba de ler-se é, em parte, mais extensa do que naturalmente será a sessão que tem de publicar-se no Diario do Governo!... Como poderá elle dizer que approva esta acta, na parte que é relativa ao Sr. Marquez de Vallada, e em que se dá conta do seu discurso, sem que elle esteja presente, e diga se é ou não exacto quanto delle se refere?... Só o orador que proferiu o discurso é que podo dizer como o proferiu e intendeu. É possivel que não haja nenhuma inexactidão, mas tambem é possivel que se refiram algumas expressões que não estejam bem exactamente no sentido em que as proferiu o digno Par. O orador pede portanto que se adopte a opinião de que a redacção da acta seja mui laconica, isto é, que se deixe para o Diario do Governo tudo aquillo que respeita á discussão, e unicamente se dê conta, em resumo, dos objectos que se discutem, e das resoluções que se tomam.

O Sr. Presidente pede licença ao digno Par para lhe observar que com quanto a acta esteja um tanto extensa, parece-lhe comtudo que nesta occasião haverá para isso justo motivo. S. Ex.ª observará que, pelo que respeita ao discurso do digno Par o Sr. Marquez de Vallada, não ha na acta senão uma circumstancia que os dignos Pares presenciaram, e que não podia deixar de ser mui expressamente consignada; isto é, que o Sr. Marquez de Vallada, alludindo ao discurso do, Sr. Ministro da Fazenda, disse que S. Ex.ª o tinha injuriado em certas expressões que proferira; elle Sr. Presidente observou-lhe que ellas não continham injuria alguma. Assim como tambem não podia deixar de consignar-se na acta que, tendo o Sr. Marquez de Vallada fallado de modo tal que o Sr. Ministro da Fazenda se deu por isso offendido, este pediu á Presidencia que convidasse o digno Par a retirar algumas expressões, que o digno Par effectivamente retirou, depois de algumas explicações a este respeito. Tudo isto são cousas que não podiam deixar de apparecer na acta com tal ou qual extensão; e não lhe parece que haja nisso nenhuma inexactidão. Agora, se o digno Par quer que na acta se façam algumas alterações, a Mesa ha-de por certo toma-las em consideração; mas para isso é necessario que as formule, e mande para a Mesa, para os Srs. Secretarios saberem quaes são as alterações que teem a fazer.

O Sr. José Maria Grande tambem concorda em que nas actas não se deve exarar senão aquillo que se propõe, e o que se resolve; mas ha ás vezes incidentes tão notaveis, e tão melindrosos, que é necessario que appareçam nas actas, ainda que tractados de um modo geral; por isso: julga que se deve lançar na acta a historia desagradavel do que houve na sessão passada. Mas não é só por essa circumstancia que elle pedia; e palavra, é tambem para notar que a acta tem algumas inexactidões, quando se refere a este mesmo acontecimento, e por isso desejaria elle orador que se approvasse, salva a redacção; pois. até mesmo lhe parecia que, em respeito á redacção, a acta não está muito de accôrdo com as regras que devem presidir a uma boa redacção.

Isto de actas é uma cousa muito importante e melindrosa; ellas devem por isso conter unicamente a historia do que se passa, mas sem entrar em detalhes. O que se deve consignar n'uma acta é o que se propõe, e o que se resolve, apenas com algumas observações que interessem á honra e pondunor dos individuos que nella foram involvidos.

O Sr. Presidente pede aos dignos Pares que declarem quaes são as alterações que julgam deverem fazer-se na acta, para os Srs. Secretarios saberem o modo por que hão de annuir ao pedido de SS. Ex.ªs

O Sr. José Maria Grande não quer occupar a Camara com uma cousa, que não julga de grande Importância; mas na verdade pareceu-lhe ouvir ler algumas cousas que não eram exactamente conformes ao que se tinha passado.

O Sr. Conde de Thomar com o devido respeito á opinião do Sr. Presidente e da Mesa, ainda sustenta que não acha conveniencia alguma em que n'uma acta se entre em muitos detalhes a respeito de explicações; quando muito, dando-se a circumstancia de se haverem proferido expressões fortes entre dois dignos Pares, ou entre estes e um Ministro, sobre as quaes se dêem por satisfeitos, depois das convenientes explicações, bastará dizer — tendo-se trocado algumas palavras que se julgaram offensivas, deram-se explicações satisfatorias.

Parece-lhe que seria isto bastante. Mas no caso em questão intende que não se póde approvar a acta, porque se tracta de uma questão que teve logar entre duas pessoas, uma das quaes se não acha presente; o Sr. Ministro da Fazenda póde neste momento dizer que está exacto o que lhe respeita, mas quem é que o póde dizer em relação a uma parte interessada que não está presente, e deve ser ouvida?... É pois sua opinião que essa parte da acta não póde ser approvada, sem ser ouvido o Sr. Marquez de Vallada.

O Sr. Presidente — Convido o digno Par a mandar para a Mesa a substituição, ou alteração sobre a passagem a que se refere.

Quanto á outra observação que S. Ex.ª fez, peço licença para discrepar inteiramente da sua opinião. O digno Par a que se refere póde vir á Camara, o dar as explicações que intender, mas a approvação da acta não. é objecto que dependa individualmente de nenhum dos dignos Pares; é absolutamente da competencia da Camara, porque é o transumpto da historia do que nella se passou, e uma vez que seja approvada pela maioria não póde ficar dependente da presença de qualquer digno Par, aliás aconteceria, que estava, na, mão de cada, um, dos dignos Pares que não viesse, á Camara, fazer com que se não podesse approvar a acta, na parte que lhe dizia respeito: portanto, discrepo inteiramente dá opinião do digno Par, quanto a este ponto. — Agora, pelo que pertence á redacção da acta, queira o digno Para mandar para a Mesa a alteração que julga necessario, fazer, para que ella possa ter effeito, se acaso não houver alguma reclamação, contra essa alteração

O Sr. Conde de Thomar não tem nada a mandar para a Mesa; apresentou unicamente uma lembrança que lhe pareceu adoptavel; e declara que actas de similhante natureza, não as póde approvar.

O Sr. Presidente De futuro seguir-se-ha a opinião do digno Par, mas agora hão-de fazer-se as alterações que a Camara determinar, porque os Srs. Secretarios, como já disse, não podem fazer por seu arbitrio, as alterações que quizerem; estão sujeitos á deliberação da Camara, se algum digno Par mandar alguma proposta.

O Sr. Conde de Thomar — Pois bem: eu proponho que se addie a approvação da acta, na parte que diz respeito ao Sr. Marquez de Vallada, até que S. Ex.ª esteja presente.

O Sr. Presidente — Consultarei a Camara sobre a proposta que o digno Par acaba de fazer.

O Sr. Visconde de Castro (sobre a ordem) - Sr. Presidente, parece-me que o meu digno amigo o Sr. Conde de Thomar nos poria em grande embaraço com esta proposta. O digno Par o Sr. Marquez de Vallada ha-de vir á Camara, ha-de saber o que a acta contém, e a todo o tempo póde mandar para a Mesa as explicações que quizer. Fica assim salvo qualquer melindre que haja a este respeito; mas de outro modo, como acaba de dizer o Sr. Presidente, não se poderia approvar nenhuma, porque sempre falta um ou outro digno Par, que assistio á sessão anterior. Eu serei o primeiro a dizer, que me parece injusto que se escreva na acta uma cousa que possa ser injuriosa a qualquer digno Par, mas como se póde mandar para a Mesa, em qualquer occasião, uma declaração para ser lançada na acta, não julgo que haja grande inconveniente em approva-la como se acha.

O Sr. Presidente — A Camara ouviu a proposta do Sr. Conde de Thomar, na qual pretende que seja addiada a parte da acta, que diz respeito ao Sr. Marquez de Vallada, sobre o conflicto que houve entre S. Ex.ª e o Sr. Ministro da Fazenda; o Sr. Visconde de Castro impugna esta proposta, dizendo que pelo que respeita ao Sr. Marquez de Vallada lhe fica salvo o direito de reclamar: portanto vai ser consultada a Camara, se approva a proposta do Sr. Conde de Thomar.

Indo a votar-se, disse

O Sr. Marquez da Fronteira — Eu não posso votar porque não estive hontem presente á sessão,

(O digno Par saiu da sala.)

A Camara não approvou a proposta do Sr. Conde de Thomar.

O Sr. Ministro da Fazenda — Ainda que a acta é positivamente um negocio interno da Camara, ella não estranhará por certo que eu diga duas palavras sobre o assumpto que me diz respeito.

Eu não quero fazer-me impertinente, nem tão pouco resuscitar a questão de hontem, não impugno mesmo que a acta se approve como está, desejo só dizer que me parece que não é demasiadamente exacta, quando diz que eu procurei combater as observações do Sr. Marquez de Vallada, pois me restringi unica e simplesmente a pedir ao Sr. Marquez de Vallada que declarasse, se aquellas expressões me eram referidas.

Julguei dever fazer unicamente esta observação, porque é a historia exacta do que se passou; pois, como disse, estou muito longe de querer resuscitar o incidente que hontem teve logar entre mim e o Sr. Marquez de Vallada.

O Sr. Presidente — Queira V. Ex.ª ouvir ler a parte da acta que lhe diz respeito.

O Sr. Secretario (leu).

O Sr. Presidente — Já vê o Sr. Ministro da Fazenda, que não é tão inexacto como suppunha o que na acta se acha exarado. Toda a Camara sabe que o discurso do Sr. Marquez de Vallada foi relativo ao Sr. Ministro da Fazenda, pois com quanto S. Ex.ª dissesse que não entrava na materia, porque não estava inteiramente habilitado para tractar della, é comtudo certo que foi em relação ao Sr. Ministro que baseou todo o seu discurso. Logo, quando se diz que o Sr. Ministro da Fazenda respondeu ao Sr. Marquez de Vallada, não é em relação á doutrina, mas sim a uma parte do seu discurso, conforme tinha sido produzido. Eu não sou redactor da acta, pertence isso ao Sr. Secretario, mas neste caso incumbe-me explicar o sentido em que ella está redigida.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu declarei a V. Ex.ª que não queria de maneira alguma fazer-me impertinente nesta questão, por isso não insisto mais na minha observação: satisfaço o meu fim, repetindo aquillo que disse hontem. Eu não respondi ao discurso do Sr. Marquez de Vallada — talvez tenha na algibeira os apontamentos que tirei - o Sr. Marquez de Vallada referiu-se a muita cousa a que eu não respondi uma só palavra, pois me limitei unicamente a convidar S. Ex.ª a declarar que se não referia. a mim em duas expressões que proferiu.

O Sr. Secretario (Conde de Mello) — Não ha nada mais facil do que alterar nessa parte a acta conforme ao que acaba de dizer o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu não insisto, até por delicadeza, visto que não está presente o digno Par.

O Sr. Presidente — Consultarei a Camara, se approva a acta conforme foi lida, e apenas com esta alteração.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Eu reconheço que não estando á acta inteiramente conforme ao que se passou, poderia admittir-se, e com justiça, que o Sr. Ministro desse a explicação que acaba de dar; mas concedendo-se-lhe este direito, que eu por modo nenhum pretendo negar a S. Ex.ª, e tendo usado delle de maneira que o Sr. Secretario se promptifica a fazer uma alteração na acta, como é que se póde deixar de ouvir o digno Par que teve a contestação com o Sr. Ministro? Tendo o Sr. Ministro explicado o modo como fallou, e alterando-se a acta em virtude dessa explicação, intendo que se não póde negar o mesmo direito ao digno Par o Sr. Marquez de Vallada, approvando-se a mesma acta sem que S. Ex.ª seja previamente ouvido.

O Sr. Presidente — Se o digno Par estivesse presente, ninguem lhe negava esse direito, de que aliás póde usar quando quizer e poder.

O Sr. Visconde de Castro — Pedi a palavra sobre a ordem para dizer que eu tambem tenho alguma pratica do Parlamento, e nunca vi que uma acta ficasse por approvar de uma sessão para outra (apoiados). Se me perguntarem se sou de opinião que a acta deva ser longa, declaro que não (apoiados); mas intendo tambem que um Par que se acha implicado n'um incidente desta natureza, ou n'outra qualquer cousa que lhe deva dar cuidado, tem obrigação de assistir á leitura da acta, para ver se ella está exacta; e se não vem, a acta não póde ficar suspensa. Nunca vi que se passasse á ordem do dia sem que a acta da sessão passada ficasse approvada. Além disso, não posso achar fundamento bastante, porque um digno Par não comparece, para que uma acta fique suspensa. Não é possivel. Mas tambem digo, e digo francamente, que quanto mais laconicas forem as actas, tanto melhor será.

Aproveito esta occasião, Sr. Presidente, para participar a V. Ex.ª e á Camara que o digno Par o Sr. José da Silva Carvalho não compareceu hontem, nem hoje por incommodo de saude, e talvez não compareça ainda por mais alguns dias.

O Sr. Conde de Thomar tambem tem alguma, pratica do Parlamento, e tambem sabe que nas actas não se copiam os discursos dos dignos Pares, e que por isso elles não podem julgar-se obrigados a assistirem á leitura das actas para verem se ellas estão ou não exactas. Aqui está a razão por que o Sr. Marquez de Vallada não tinha rigorosa obrigação de se achar aqui, pois não podia prever que tal se fizesse.

O Sr. Presidente — A Camara vê que ha uma discrepancia de opiniões. Um digno Par intende que na acta está o discurso do Sr. Marquez de Vallada, e outro intendo que não; mas elle, Sr. Presidente, não tem opinião neste assumpto, e sómente a honra de dirigir os trabalhos, e apresentar á Camara as differentes opiniões dos dignos Pares. O Sr. Conde de Thomar propoz que ficasse suspensa a acta na parte que dizia respeito ao Sr. Marquez de Vallada; esta proposta foi submettida á votação, mas a Camara não a approvou. O Sr. Ministro da Fazenda acaba agora de fazer uma reclamação, pedindo que algumas palavras fossem substituidas por outras que indicou; o Sr. Secretario já declarou que nesse sentido se redigiria a acta, e é com essa alteração que vou agora propô-la á approvação da Camara.

A acta foi approvada.

O Sr. Conde da Ponte de Santa Maria — Sr. Presidente, n'uma das sessões passadas foi o Governo interpellado nesta Camara, sobre graves acontecimentos que um periodico dizia terem tido logar em Monforte, e em resultado dos quaes haviam ficado, mortos dois soldados e oito paisanos. Eu tive noticias da provincia de Traz-os-Montes, e mesmo de Chaves, donde Monforte fica muito proxima; e por ellas sei que taes acontecimentos alli se não deram, tendo tido logar a feira com todo o socego, e com a maior concorrencia; por conseguinte é falso tudo quanto em contrario se disse nesse periodico.

O S. Conde de Thomar — Foi elle orador quem fez a pergunta ao Governo acerca dos acontecimentos que se dizia terem tido logar em Monforte; folga pois muito de que o illustre General, que se assenta no banco inferior, assegure, por noticias que teve, de que taes acontecimentos se não deram; mas sente que em quanto estas, noticias são recebidas de particulares, o Governo nada tenha recebido das suas authoridades. É na verdade para lamentar, que tendo apparecido aquelle artigo n'um periodico, nenhuma authoridade se apressasse a participar ao Governo que taes acontecimentos não tinham tido logar.

O Sr. Conde da Ponte de Santa Maria — Como é que as authoridades haviam de dar parte ao Governo quando nenhum acontecimento se tinha dado? E se eu disse que tinha recebido noticias daquella provincia, asseverando-me que os acontecimentos, que o periodico referia, não tinham tido logar, é porque as pessoas que me escreveram, tendo lido aquelle artigo, quizeram dizer-me que a noticia não era exacta, por isso que nenhum acontecimento desagradavel se tinha dado durante os dias de feira que, como já disse, fora feita cora muito socego e concorrencia. Ora as authoridades daquella provincia não podem ser suspeitas: são pessoas dignas da maior consideração e conceito, como o General Conde de Vinhaes, Commandante da divisão militar, e o Sr. Visconde de Lemos, Governador civil; e se estas authoridades nada disseram é porque effectivamente nada houve.

O Sr. Visconde de Granja — Pedi a palavra para ler um parecer da commissão de administração publica (leu). O Sr. Visconde de Fonte Arcada, membro da commissão, assignou com declaração.

O Sr. Presidente — Vai ser impresso, para de pois se distribuir pelas casas dos dignos Pares, a fim de entrar opportunamente em discussão.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte expediente:

Um officio do Ministerio das Obras Publicas enviando setenta e cinco exemplares do Boletim n.° 1 de 1855, do mesmo Ministerio.

Mandaram-se distribuir.

- do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos

e de Justiça, acompanhando o Decreto das Côrtes geraes, já sanccionado, que authorisa o Governo a dar o Real Beneplacito ás Letras Apostolicas que começam Inefabilis Deus.

Para o archivo.

O Sr. Presidente — Vai ler-se o projecto de lei com as emendas feitas por esta Camara, relativo aos legados pios, para ser remettido á outra casa do Parlamento.

(Lida na Mesa, e approvada a redacção, para ser remettido á outra Camara).

ORDEM DO DIA

Continúa a discussão do parecer n, 185.

Art. 2.°,

O Sr. Conde de Thomar - Começou dizendo que era de esperar que a presente discussão não fosse tão borrascosa, como a antecedente, porque não teria o Sr. Ministro da Fazenda a defender-se de ataques violentos, Não queria o digno Par dizer com isto que não appareceriam alguns chuveiros, e que para defender-se delles não seria S. Ex.ª obrigado a recorrer á sua tactica parlamentar, e empregar ô seu talento para dar explicações sobre algumas perguntas que o digno Par tinha a dirigir-lhe, tendentes na maxima parte a mostrar a inexactidão com que se ha o Sr. Ministro sempre que se occupa de explicar o seu systema financeiro.

O orador acha logicas as reflexões feitas pelo digno Par o Sr. José Maria Grande, de que a discussão tem versado sobre, materia estranha ao artigo 2.° do projecto; tambem intende que as considerações feitas por occasião da discussão do dito artigo, tinham mais cabimento na discussão da generalidade do projecto, e quando muito na discussão do artigo 1.º; era fora de duvida, que votada a authorisação para crear as inscripções de que se tracta, é forçoso votar a somma necessaria para o pagamento dos respectivos juros; notava comtudo, que além de se ter admitido uma discussão ampla, o mesmo digno Par, que estranhava similhante systema de discutir, o seguira, e imitára! (O Sr. José Maria Grande — Foi para responder ao que se tinha dito.) Exactamente para esse fim, e porque tem de responder ao que foi dito pelo digno Par, e pelo Sr. Ministro da Fazenda, se vê o orador obrigado a occupar-se, de objectos, que rigorosamente se não comprehendem no artigo 2.° do projecto em discussão.

Não admitto o digno Par que se possa avançar que algum membro da opposição combate a construcção dos caminhos de ferro, está essa parte de accôrdo com o que disse o Sr. Ministro da Fazenda, de que no estado do progresso da civilisação não é permittido sustentar uma opinião contraria aos caminhos de ferro; pede comtudo licença para dizer que ha duas questões muito distinctas a que é necessario attender neste objecto; na primeira questão, isto é, na conveniencia dos caminhos de ferro todos estão de accôrdo; na segunda, isto é, no modo e meios de os conseguir ha divergencia, nem esta póde ser estranhada. Observa que a opinião do Sr. Ministro e da maioria é que se devem fazer os caminhos de ferro, custem estes o que custarem, e sem attenção aos sacrificios que para tanto seja necessario fazer! Elle orador intende, que na construcção dos caminhos de ferro é necessario ter em vista as sommas que se gastam, e as vantagens reaes que desses sacrificios podem resultar; que se as vantagens não compensarem os sacrificios, é sua opinião, que taes caminhos se não devem fazer.

Que aproveitaria a occasião de dizer á Camara qual era o systema e modo de pensar do Ministerio de 18 de Junho, que elle orador, havia tido a honra de presidir — que tambem nessa época se apresentaram propostas para construcção de caminhos de ferro, e seguramente mais vantajosas do que as approvadas pelo actual Ministerio, e offerecidas por companhias que offereciam garantias solidas e seguras, mas que ainda assim esse Ministerio julgou que não devia acceita-las, não só pela esperança de as obter mais favoraveis, mas, e principalmente, porque era opinião firme desse Ministerio que, antes da

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construcção dos caminhos de ferro, se devia dotar o paiz com boas estradas (apoiados),

O Sr. José Maria Grande—É o contrario, primeiro que tudo caminhos de ferro.

O orador replica que, não obstante o que acaba de ouvir, acredita que o paiz lucraria muito mais se as enormes sommas, que se tem já consumido no caminho de ferro de leste, sem esperança de o ver aberto ao publico, fossem empregadas nas estradas que não temos, sendo quasi impossivel o transito de umas para outras povoações em certas estacões do anno. Não ha duvida de que os caminhos de ferro são de uma vantagem grande, mas esta vantagem diminuirá consideravelmente, se para se chegar a ella houver difficuldades quasi invensiveis. Tambem acredita que a facilidade e brevidade dos transportes trará a abundancia, e barateza dos generos indispensaveis avida, mas que sem estradas que conduzam ao caminho de ferro, mal poderão esses generos ser por elle transportados.

Em todo o caso é sua firme opinião de que o Governo tem tomado sobre si uma carga que não poderá desempenhar, porque na sua opinião, sendo já pesados os sacrificios que a nação tem de fazer para se construirem as estradas, esses sacrificios tornam-se insupportaveis, quando se exigem ao mesmo tempo as sommas pesadissimas para construir os tres caminhos de ferro, que se pertendem construir conjunctamente.

Como póde o digno Par avançar, que os caminhos de ferro devem preceder as estradas;.que o systema do Ministerio de 18 de Junho era errado, observando que o actual Ministerio, reconsiderando o seu systema, se decidio a final, ao ocupar-se do maior desenvolvimento das obras das estradas? Não mostra este procedimento, que o Ministerio se convenceu afinal, de que uma das nossas primeiras necessidades é a construcção dessas mesmas estradas? (Apoiados.)

O caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha póde ser de immensa vantagem: concorda no que se disse; póde effectivamente esse caminho de ferro, e em consequencia delle, o porto de Lisboa, tornar-se um caminho de ferro, e um porto europeu; mas isto só poderá verificar-se, se esse caminho de ferro entroncar com outro caminho de ferro no paiz visinho, e o deste seguir ainda até Paris: sem esta circumstancia, é opinião delle orador, que as vantagens de tal caminho, nunca hão de compensar os sacrificios enormes que tem de fazer-se.

Mas se esse caminho (continuou o orador), póde considerar-se como um caminho europeu, se o porto de Lisboa, como tal virá a ser considerado, razão de mais para dever marchar-se com segurança, pois acredita que taes circumstancias não deixarão de ser avaliadas pelos homens de Estado da nação visinha, para o fim de considerar se lhes convém por essa fórma augmentar a importancia do porto de Lisboa, diminuindo a de alguns portos da sua nação.

Que em outra época tractára de colher informações a tal respeito, e pertendera saber qual a opinião dos homens importantes do paiz visinho; e que em resultado colheu, que reconhecendo todos as vantagens de um tal caminho de ferro, não deixaram de reconhecer tambem a influencia que exerceria em alguns portos de Hespanha, julgando-se que ainda não era chegada a época de destruir talvez preconceitos que existiam a tal respeito.

Que bem sabe é hoje outra a época, e outras as idéas que governam aquelle paiz, mas não acredita que as idéas da união iberica, tão favoraveis ao caminho do ferro, possam predominar no animo daquelles que tom coração portuguez, para sacrificarem a independencia nacional a um caminho de ferro (apoiados geraes). Ninguem mais que o orador deseja vêr construido esse caminho de ferro, mas tem o sentimento de dizer, que não espera vê-lo concluido nos dias dos que o ouvem, porque além das muitas difficuldades que offerece, não é de pequena monta a idéa em que estão muitos dos nossos visinhos, de que reverterão em favor do porto de Lisboa vantagens que hoje colhem alguns portos de Hespanha.

Em vista de taes considerações desejaria que o Sr. Ministro da Fazenda declare se está seguro das intenções do Governo de Sua Magestade Catholica a tal respeito.

Sente ler de observar, que não colhem os argumentos deduzidos das vantagens que a Belgica está tirando dos caminhos de ferro; para demonstração do que diz, pede se atiçada a grande differença que existe entre a posição topographica dos dous paizes —que em quanto um está nos confins da Europa, outro é o centro do movimento europeu; poderá alguem avançar (exclamou o digno Par), que em Portugal haverá jamais tanto movimento nos caminhos de ferro como na Belgica?

Em conclusão, e sobre caminhos de ferro, disse o orador, que receava não vêr realisados os pensamentos do Sr. Ministro, porque havia lançado ao mesmo tempo sobre a nação demasiada carga, e sacrificios que não poderia satisfazer: que é verdade ler 8. Ex.ª dito, para animar a Camara em uma das sessões passadas, que o nosso estado financeiro nunca fora mais prospero do que agora; mais ainda, que o nosso estado financeiro era tão lisonjeiro, que se por qualquer circumstancia o Ministerio fosse obrigado a largar o Poder, o que lhe succedesse ficava habilitado para continuar os pagamentos em dia e com 600 contos de réis disponiveis para applicar a obras publicas!... Este quadro maravilhoso do nosso estado financeiro, tanta prosperidade fazia realmente acreditar, aquém não conhecesse as nossas miserias, que nós não só estavamos em circumstancias de supportar os enormes sacrificios que se exigem, mas que podemos ir muito mais além! E como póde avançar-se tal? Tem o Sr. Ministro da Fazenda a consciencia do que disse?

O Sr. Ministro da Fazenda—Tenho.

O orador julga impossivel que se possa dar uma similhante resposta, sendo sabido que na actualidade pesam sobre o Thesouro anticipações superiores ás que existiam antes, e mesmo ás que existiam em 1852, e que importam em nada menos que na somma (números redondos) mil e oitocentos contos de réis; que o Sr. Ministro, para fazer face ás despezas correntes, tem empenhadas, pagando o juro convencionado, para mais de tres mil e trezentos contos de réis de inscripções, pertencentes ao fundo de amortisação, e de que alias não podia dispôr na conformidade da Lei; e, finalmente, que existe um deficit de mil quatrocentos e tantos contos a prover! Parece ainda impossivel que tal se responda, quando é tambem sabido (e não é o digno Par que o diz, é um documento parlamentar elaborado de accôrdo com o Sr. Ministro da Fazenda), que nos sete mezes que decorrem desde Julho de 1854, até Janeiro de 1855, o deficit se eleva á importante somma de 633:000$000 réis!

Que se este é o nosso verdadeiro estado financeiro, como póde dizer-se, que elle nunca foi mais prospero, e que até é muito lisongeiro? Como se póde dizer que se o actual Ministerio largasse hoje o poder, os seus successores ficariam habilitados a continuar os pagamentos em dia, e com 600 contos de réis para applicar a obras publicas?

Em primeiro logar, e quanto aos pagamentos em dia, que é o brasão do Sr. Ministro da Fazenda, tinha a observar que uma tal proposição sómente poderia sustentar-se, quanto a Lisboa e Porto, pois era sabido que em alguns Districtos das provincias o atraso de alguns empregados era de muitos mezes: este facto provava a pouca exactidão das asserções do Sr. Ministro da Fazenda, o que se confirmava ainda com o erro de calculo provado sucessivamente, quanto á avaliação dos rendimentos publicos poios proprios orçamentos apresentados por S. Ex.ª

Pediria licença para notar, que o Sr. Ministro, no anuo de 1852-1853, tinha avaliado o deficit em 189:000$000 réis, e que o deficit real, como depois se provou, foi de 300:000$000 réis.. Que no anno de 1853-1854 avaliara o deficit em 193 contos, e que este se elevára a 541 contos de réis! Repetia que nada exaggerava, porque apenas referia as cifras apresentadas em documento parlamentar, elaborado de accôrdo com o Sr. Ministro; que, chegada a occasião opportuna, ainda faria ver que se havia nesse documento pertendido attenuar a desgraçada posição financeira, que o Sr. Ministro legará aos seus successores.

Em segundo logar, e pelo que toca aos taes 600 contos de réis para obras publicas, não póde realmente conceber, como se possa sustentar que exista disponivel uma tão forte somma, sendo sabido que o Sr. Ministro, para continuar as obras publicas, e para fazer outras despezas correntes, se tem visto obrigado a empenhar, com pagamento de juro forte, uma somma tão enorme de inscripções, como a que já referiu! Lembra-se o digno Par, de que S. Ex.ª se refere talvez ao producto das acções do caminho de ferro, que se dizem vendidas no Rio de Janeiro; mas quanto a estas, deve S. Ex.ª saber que tem o seu pro-dueto uma applicação especial pela Lei, e que, sem infracção manifesta desta, não póde ser distraído para outro fim (apoiados). Que essa somma, se fora permittido applica-la ás despezas correntes, não chegaria mesmo para pagamento da terceira parte das anticipações; e não póde, portanto, bem saber, como o Sr. Ministro tão desaffrontadamente diz que deixa 600 contos para obras publicas? Espera que o nobre Ministro explique este negocio; que. diga além disto qual é a applicação que tenciona dar ao producto das acções do caminho de ferro, vendidas no Rio de Janeiro, e quantas se venderam? Que espera, nas respostas de S. Ex.ª, ver mais exactidão, do que nas que lhe deu em outra occasião, sobre se tinha locado no fundo de amortisação, pois que tendo respondido nesta Camara com uma negativa absoluta, mais tarde respondera na outra casa, que é verdade havia locado no dito fundo, mas que fora por emprestimo, e com intenção de restituir, e que agora vinha confessar que não podia restituir! (Sensação.) Que uma tal confissão era tanto mais digna de censura, quanto o Sr. Ministro, sendo obrigado a reconhecer que violára umas poucas de Leis, declara que o fez, porque contava com a benevolencia das Camaras, attento o justificado fim da violação. Parece ao digno Par que ha grande perigo em admittir que os Ministros possam distrair da applicação legal os dinheiros publicos, porque SS. Ex.ªs intendem que para tanto existe justificado motivo; e que as Camaras devem mostrar-se mais rigorosas na avaliação de um similhante procedimento, para que cesse o habito que adquiriu o Sr. Ministro da Fazenda de violar as Leis, porque conta com a benevolencia das suas maiorias. Veja bem o Sr. Ministro que estas podem um dia não estar dispostas a absolver taes illegalidades.

Faltando mais particularmente sobre a materia do artigo em discussão, diria o orador, que não seguiria o systema de opposição proclamado pelo Sr. Ministro da Fazenda — isto é, que tudo se deve negar ao Ministerio que se combate — que. elle orador na opposição não tem esquecido as idéas governamentaes, e por isso considerando que o Ministerio é obnoxio ao paiz, que não respeita as Leis, nem os direitos de cada um, e que nos vai levando ao abysmo financeiro; não negará a approvação do projecto, que se discute, porque nelle nada mais vê do que o cumprimento de um contracto — não vota o projecto por attenção ao Sr. Ministro da Fazenda, porque não sabe se S. Ex.ª lançará mão destas inscripções, como já lançou mão das que deviam ter igual applicação, vota o projecto, porque, segundo já disse, tracta-se de manter a boa fé dos contractos que todos os Governos, e o Parlamento devem fielmente respeitar (apoiados). Não vota por consideração ao Ministerio, porque este em logar de deixar aos seus sucessos res uma posição tão brilhante como disse o Sr. Ministro da Fazenda — lega-lhe, pelo contrario, uma bem differente, e sente que seja justamente na época em que deve começar o novo reinado, aliás de tantas esperanças. Quer o Sr. Ministro saber o que legam á situação nova? Legam lhe uma situação em que a authoridade publica não tem força alguma para fazer respeitar as Leis; legam-lhe o assassino campeando por todas as provincias de bacamarte na mão sem que seja obrigado a parar na estrada dos horrorosos crimes que diariamente se praticam; legam-lhe um Exercito indisciplinado, esse Exercito que ainda ha pouco era modelo de disciplina, e de obediencia, e que hoje por vergonha do Commandante em Chefe do mesmo Exercito, até está fornecendo quadrilhas de salteadores, que atacam a vida e a propriedade dos cidadãos; esse Exercito cuja grande maioria, é a primeira a condemnar taes excessos e a lamentar que não sejam punidos com o maior rigor das Leis! E, não venham defender-se com a impunidade, como causa dos crimes, como ha dias se defendeu um Sr. Ministro, porque os Tribunaes teem feito o seu dever condemnando, o cumpre ao Governo fazer castigar executando as sentenças (apoiados). Legam-lhe um thesouro das graças vilipendiado com tanto excesso, que as graças honorificas já hoje pouco merecimento teem. Legam-lhe um abysmo em finanças, porque estão esgotados todos os meios da sua organisação. Eis-aqui o que os Srs. Ministros legam ao novo reinado. Lamento a situação em que se vai achar o novo Rei, o faço votos para que vença as difficuldades que lhe são legadas pelo actual Ministerio!

O orador voltando a mostrar a grande differença que existe entre o seu modo de fazer opposição áquelle com que foi combatido pelos seus adversarios politicos, declara novamente que vota o projecto porque deseja habilitar o Governo para ser fiel aos contractos; e concluo dizendo, que não deseja que o Sr. Ministro se retire por em quanto da Pasta da Fazenda, pois que ainda não chegou o momento de beber o cálix da amargura, resultado do seu errado systema financeiro—que o periodo das grandes difficuldades estava chegado, mas que ficou adiado por algum tempo com o producto das acções vendidas no Brasil — que esgotado esse. recurso, S. Ex.ª ou ha-de retirar-se victima do seu erro, ou ha-de ser obrigado para continuar os pagamentos em dia, a lançar novamente mão das medidas espoliadoras da propriedade alheia (apoiados). Essas medidas, que ainda seduziram alguem, porque o Sr. Ministro declarou as adoptava para organisar definitivamente a Fazenda publica, são hoje devidamente avaliadas, porque todos conhecem que,.depois de tudo, a cifra das anticipações é hoje maior do que era antes (apoiados), e que nada mais se tem feito do que viver de expedientes, cujo resultado póde ser fatal (apoiados).

O Sr. Presidente — Tem a palavra o digno Par o Sr. José Maria Grande.

O Sr. José Maria Grande — Eu vejo interesse no Sr. Ministro da Fazenda de querer fallar agora, e por isso cedo a palavra a S. Ex.ª, e usarei della depois.

O Sr. Ministro da Fazenda Declara que não pediu a palavra por parte do Governo, porque não é membro desta casa.

O Sr. Presidente — Não obstante essa razão, póde haver um motivo tão urgente, e forte, que convenha que o Sr. Ministro seja ouvido para dar explicações, qualquer que seja o estado da discussão: isto é expresso no regimento.

Como pois o digno Par que tinha a palavra a cede para fallar o Sr. Ministro, dou-a a V. Ex.ª

O Ministro da Fazenda — Com o que disse, quiz sómente significar que não pedia a palavra por parte do Governo. Entrando na discussão disse, que o digno Par que acaba de sentar-se não quer de certo que lhe agradeça o voto que elle dá ao projecto de que actualmente nos occupámos; porque a opposição de S. Ex.ª é bastante pronunciada nesta Camara para desejar um agradecimento delle Sr. Ministro; e se alguma duvida podesse ainda acolher-mo no seu espirito, ficaria completamente destruída, quando ouviu ao digno Par dizer, que não desejava que o Ministro da Fazenda saísse do Ministerio, porque ainda não tinha chegado o tempo de beber o cálix da amargura: que o desejo de S. Ex.ª era, pois, que elle Ministro beba o cálix da amargura até ás fezes! Espera porém na justiça divina que visto não o accusar a sua consciencia de grandes crimes, Deos lhe poupará essa terrivel provação. Conhece o orador que o desejo de qualquer cavalheiro que se acha na opposição, é de promover e augmentar as difficuldades, e até mesmo de fazer acreditar que ellas são maiores do que na verdade são. Assim, por exemplo, ha mezes que se diz por ahi: o estado da fazenda publica é de tal sorte assustador, que o Governo não póde viver dois mezes mais: e comtudo, o facto é, que o Governo vai vivendo, e tem pago regularmente dentro e fora do paiz, apesar das declarações que fez o digno Par, e das addicções que referiu, que elle orador declara não existirem, porque discremina entre anticipações e divida fluctuante: differença que julga effectivamente haver, e em que pede que se lhe permitta insistir. Quando elle tomou conta da pasta da Fazenda, havia essas anticipações que representavam a receita publica, compromettidas de tal sorte, que o Governo não podia usar dellas, por estarem adjudicadas por letras e contractos feitos com particulares e com companhias. Ainda que tem sempre uma grande repugnancia em voltar a fallar do passado, como por vezes aqui tem dito, a discussão o forca a entrar nesse terreno, o que lamenta do fundo do seu coração, porque deseja sempre, mesmo por tranquillidade propria, não se vêr precisado a faze-lo até porque com isto não se augmenta, nem melhora a sorte deste paiz. Tal era o estado das cousas quando entrou no Ministerio; e dizendo isto não quer fazer censura aos cavalheiros que nesse tempo estava na administração: bem sabe como, e porque se tem podido converter em divida fluctuante, o que eram anticipações. Se elle quizesse não ter usado dos penhores que tinha á sua disposição para levantar as sommas de que precisava, havia de proceder do mesmo modo que o seu antecessor: di-lo com toda a lealdade de que é capaz.

Mas o digno Par accrescentou; o Governo que succeder ao actual ha do encontrar-se em grandes difficuldades, senão tiver a coragem de fazei outro Decreto de 3 de Dezembro, porque o Governo deixa compromettida a fazenda publica; ao que o Sr. Ministro observa, que assim será, mas que não deixa a divida de 9:000 contos, que achou, mas pagos todos os servidores, do Estado, e uma divida fluctuante, que não é grande comparativamente fallando, com as de outras nações. Por este lado não lhe parece que haja nada assustador para a situação da fazenda publica, porque o digno Par tambem não julgou assustador 0 estado da fazenda publica no tempo da sua gerencia nem nunca se lhe ouvia dizer ue era assustadora a situação da fazenda publica quando o orçamento confessava um deficit de 700 contos, e a Camara, ainda agora ouviu, que o digno Par se referiu a um documento da outra Camara para mostrar, que havia um deficit de 600 contos, O Sr. Ministro reconhece os talentos e a capacidade do digno Par, e pede-lhe por bem das conveniencias, que devem guardar-se nesta Casa, que não considere esse deficit de 600 contos pelo que apparece escripto naquelle documento da outra Camara, para relevar o Governo da responsabilidade por ler levantado algumas quantias sobre as inscripções do fundo de amortisação, que pertenciam á Junta do Credito Publico; pois que com isso desauctorisa os seus discursos em objectos de fazenda.

--Observou, que se S. Ex.ª quer calcular a receita publica, em 31 de Janeiro, quando ainda se não tinham aberto os cofres em todos os districtos do reino para a contribuição directa; se o digno Par calcular assim o deficit do orçamento, então os seus argumentos peccam.

O Sr. Conde de Thomar — Note S. Ex.«que eu apenas me limitei a referir o facto da existencia do deficit de 633 contos relativos á época de Julho de 1854 a Janeiro de 1855; a S. Ex.ª é que pertence explicar as circumstancias que podem ter influencia para que esse deficit não venha a ser o mesmo, ou possa mesmo diminuir no semestre seguinte.

O Sr. Ministro da Fazenda continúa dizendo que não era proprio de S. Ex.ª outra cousa, mas devia apresentar essa idéa com a singeleza que é propria dosou discurso, porque é preciso não fazer acreditar ao publico que havia 600 contog de deficit em seis mezes: quem ouvisse o digno Par, ou lêsse os jornaes, diria que havendo um deficit de 600 contos em seis mezes, no fim do anno subiria a 1:200 contos: era isto o que se inferiria.

Observou ainda que o digno Par tirou daqui argumento para mostrar a falta de verdade com que elle Ministro vinha ás Camaras computar a receita e despeza do Estado; falta de verdade que não se justifica por isso.

Tem havido maior deficit do que o calculado, é verdade, e o que inferiu dahi o digno Par é que o Ministro faltou á verdade quando veio apresentar o estado da receita e despeza publica, que vem no orçamento em uma quantia maior. Mas, pergunta o Sr. Ministro, quando o digno Par era Ministro, e outros dignos Pares que tambem já foram Ministros, nunca lhe aconteceu apparecer um deficit superior ao que tinham calculado no orçamento? E notem que isso tem apparecido quasi sempre, sem se concluir por isso que os Ministros faltavam á verdade ao paiz (apoiados). Ha circumstancias accidentaes, que o Governo não póde calcular; ha actualmente a carestia dos cereaes; ha a influencia de uma guerra, e de outras calamidades publicas que tem affectado uma parte da Europa, e que actua na fazenda publica. Todas estas circumstancias extraordinarias havia o Ministro de previnir antecipadamente no orçamento feito anno e meio antes, e havia de adivinhar que devia haver uma guerra, uma calamidade publica, e a escacez da producção?! Neste caso, só no Ministerio da Guerra teve o Governo necessidade de estabelecer um credito por encarecerem os cereaes, e talvez o Governo, deva ser accusado por não ter ha anno e meio prevenido tudo isto! O que é necessario é que sejam todos justos, quer no ataque quer na defeza.

E, como é que o digno Par interpretou o parecer da commissão de fazenda da Camara dos Srs. Deputados? S. Ex.ª, para significar de uma maneira profunda e caracteristica o estado deploravel da fazenda publica, e o abysmo em que vamos ser despenhados em pouco tempo, disse: é tal o estado da fazenda publica, que temos de antecipações 1:800 contos; em inscripções hypothecadas ou empenhadas 3:300 contos; e em deficits accumulados dos annos anteriores 1:574 contos de réis! —Ao que replica o Sr. Ministro, que quem não esteja versado em finanças, ao ouvir mencionar estas tres cifras, todas avultadas, e que affectam o equilibrio da fazenda publica, ha-de fazer um juizo muito differente do nosso estado financeiro: porque não sabe que todas estas cousas são uma e a mesma, estes deficits accumulados dos annos anteriores é a mesma divida fluctuante, do sorte que esse golpho que havia de submergir a fazenda publica, fica reduzido á terça parte, o que já não é máo. O digno Par, de certo, pelo desejo que o anima (e nisso faz-lhe justiça, porque não crê que possa haver duas opiniões a este respeito) de que o Governo satisfizesse correntemente a todos os pagamentos, tanto dos servidores do Estado, como da divida interna e externa, lamenta que o Governo não tenha feito esses pagamentos regularmente; isto é, os paga

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mentos em dia, que nao são satisfeitos com regularidade em alguns districtos do reino, porque nesses estão os empregados atrasados mezes e mezes; e só n'alguns é que ha regularidade: mas quaes são os districtos do reino em que os pagamentos se acham feitos em dia, e que tem regulado ha tres annos como um relogio? Em Lisboa, aonde se paga a lista civil, toda a armada; aonde se paga aos agentes diplomaticos pelo Ministerio da Fazenda, aonde se paga a todos os officiaes arregimentados de todo o reino, e o pret de uma parte do exercito que está na capital; é aonde finalmente se pagam a maior parte dos encargos publicos, e n'uma palavra os juros da divida interna e externa; isto é, sem exaggeração nove decimos da despeza do orçamento: estes nove decimos da despeza do orçamento são pagos religiosamente (apoiados), o que diz sem exaggerar, mas tambem sem responder por esta cifra, porque o que com ella quer dizer é que em Lisboa, e principalmente juntando-lhe o Porto, como fez o digno Par, se paga quasi tudo (apoiados)'o que pertence á despeza publica.

Pondera o Sr. Ministro que tem havido occasiões em que n'um ou n'outro districto do reino, e uma ou outra classe de empregados se tem achado atrazados nos seus pagamentos dois ou tres mezes. Elle Ministro já apresentou na outra Camara, sobre uma interpellação que lhe foi dirigida a este respeito, e parece-lhe que já foi publicada, uma nota apresentando as circumstancias em que estão todos os pagamentos nos differentes districtos do reino. Ora, obrigar o Governo a pagar em dias determinados a todas as classes de empregados, em todos os districtos do reino, é impossivel, a menos que o Governo tivesse um excesso de receita de 600 contos de réis; mas nenhum Governo intendeu até agora que devia accumular a receita, porque o dinheiro deve ficar na algibeira dos contribuintes, e o Governo procurar a receita só até onde é necessaria para occorrer ás despezas publicas (apoiados): e comtudo era preciso que houvesse um excedente de receita desta ordem para o Governo poder pagar em dia a todos os empregados em dias certos. Esta situação ainda não existe entre nós, porque não temos commercio interno que o facilite em toda a parte; assim como os bancos, que não ha nas nossas provincias, e não havendo commercio interno, nem bancos, succede ás vezes que o Governo tem dinheiro para mandar para os districtos do reino, e não tem meios de o remetter. E como ha-de ser, se não ha sempre dinheiro nas localidades, e todos sabem que em todos os districtos do reino se cobra uma parte dos rendimentos publicos, que são as contribuições directas; de sorte que uma parte do anno não ha dinheiro nos cofres do Estado? Nesse caso o que se deve fazer é transferir dos districtos aonde ha fundos as quantias necessarias para os outros em que faltam poderem realisar os seus pagamentos. Mas isso é impossivel com essa regularidade e certeza mathematica que se exige, e nenhum Governo se póde comprometter a faze-lo sem haver um excesso de receita (apoiados). Portanto não se póde fazer carga ao Governo por não pagar a todos os empregados, em dias determinados: mas o digno Par póde ver pelas contas, porque as tem em dia, e já foram distribuidas a esta Camara — que durante o anno se pagam doze mezes a todos os funccionarios (apoiados. Tem havido algumas irregularidades, como disse; e que, salvas as circumstancias extraordinarias, a respeito de um individuo, ou de uma folha que foi recambiada por ter vindo errada, porque não se póde estabelecer regra geral, e são casos extraordinarios que não alteram a ordem regular.

É certo que se esses pagamentos não teem sido feitos com extrema regularidade em toda a parte, essa extrema regularidade tem-se dado nos pagamentos feitos em Lisboa e Porto, e com tudo é certo que nos outros districtos do Reino, com quanto se tenha dado alguma irregularidade, tem-se pago constantemente doze mezes n'um anno, tendo-se satisfeito com regularidade os juros da divida interna externa, e mandando-se até que os pagamentos feitos em Londres sejam effectuados trinta dias antes daquelle em que se effectuavam, porque antigamente esses pagamentos eram feitos em 30 de Fevereiro, e hoje o são em 30 de Janeiro e esta differença de trinta dias não é indifferente para o nosso estado, nem para o nosso credito, e todas essas desgraças teem acontecido durante a actual Administração! E aquelles que lhe sucederem de certo por este lado não hão de achar embaraços. Ha um deficit, não ha duvida, e elle, Sr. Ministro, confessa no orçamento, não de mil contos de réis, mas de trezentos e tantos contos, suppondo-se que as receitas não melhoram, antes muito baixarão. E este deficit apresenta-se, porque o Governo, com quanto reconhecesse a necessidade de se tomarem algumas medidas com as quaes se fizesse desapparecer esse deficit, e o paiz melhorasse para o futuro de situação, com tudo intendeu que o paiz na presente occasião não podia fazer sacrificio algum; e que por conseguinte se não haviam de ir sobrecarregar mais os contribuintes quando os generos de primeira necessidade estão tanto a subir de preço, que em verdade é uma calamidade para os povos.

Á vista disto parece-lhe que o digno Par se convencerá de que, por parte do Governo, não ha inexactidão alguma na apreciação dos factos; e S. Ex.ª que a tanto trabalho se tem dado, e ha de dar, examinando o orçamento, verá que os calculos dos algarismos se fazem como tinham sido feitos durante todas as Administrações que existiram até á entrada deste Ministerio; segue-se o mesmo systema, calculando-se as rendas eventuaes dos tres ultimos annos anteriores, porque não é possivel, como o digno Par sabe, fazer-se de outra maneira.

Observou que o digno Par fez algumas considerações, já sobre as conveniencias dos caminhos de ferro, já sobre a sua applicação ao nosso paiz, já sobre a construcção dessas vias de communicação: S. Ex.ª sem combater o principio geral da utilidade dos caminhos de ferro, porque não seria proprio da sua alta intelligencia e capacidade, comtudo intendeu que o estabelecimento dos caminhos de ferro não podia ser applicado ao nosso paiz, senão quando se provasse que as suas vantagens são superiores aos sacrificios que o paiz, para a sua construcção, teria que fazer. Eis-aqui o ponto a que o, orador quiz levar o digno Par: e por isso dir-lhe-ha que é tão difficil demonstrar mathematicamente que as vantagens dos caminhos de ferro são superiores aos sacrificios e encargos que elles trazem aos povos, como é difficil demonstrar tambem mathematicamente que estes sacrificios e encargos sejam superiores ás vantagens; deixa pois esta demonstração a cargo do digno Par, que de certo dar-se-hia a esse trabalho demonstrando, se poder, que effectivamente os sacrificios e encargos que exigem os caminhos de ferro são muito superiores ás vantagens que desses caminhos os que povos tirarão. Mas contra esta demonstração, é difficil, ha o protesto que apresentam com os seus exemplos as nações mais cultas da Europa. Não se tracte pois da Belgica, más vamos ás outras nações, que estão em circumstancias iguaes ás nossas: vamos ao paiz visinho, e não se diga que nelle ha maior movimento do que no nosso por estar entre Portugal e a França, porque as fazendas e os viajantes que vão de Portugal de certo não hão-de influir de um modo excessivo no movimento dos seus caminhos de ferro; pois esse paiz tracta por todos os meios possiveis de fazer uma rede de caminhos de ferro sobre o seu solo, e com este exemplo que apresenta dá uma resposta frisante á doutrina do digno Par, que julga perigoso o estabelecimento dos caminhos de ferro n'um paiz que não é um centro de communicações.

Ora, em materia de generalidade, tambem o Sr. Ministro podia dizer ao digno Par, porque ahi todos sabem alguma cousa; com isto porém não quer elle de modo algum comparar-me com o digno Par, com quem em cousa alguma póde comparar-se, mas diz que está persuadido que ao estabelecimento das vias de communicação se hão-de dever os grandes melhoramentos economicos de que o nosso paiz carece (apoiados).

O Sr. Ministro intende que um bom estado financeiro depende de um bom systema economico; melhorado, portanto, o estado economico de um paiz, melhorado está o seu estado financeiro: pois póde duvidar-se de que o estado economico de um paiz depende essencialmente do estabelecimento das vias de communicação? E nesta parte diverge de S. Ex.ª, quando elle Sr. Ministro pensa que primeiramente devemos fazer os caminhos de ferro, do que as estradas; e se não propõe já que se faça um caminho de ferro para cada povo, e para cada aldéa é por ser impossivel, e porque não temos para isso meios; mas as grandes arterias do paiz, por onde se ha-de communicar a vida real dos povos, que é o commercio interno e externo das nações, essas sim, porque são as indispensaveis, e que só podem fazer prosperar os povos, que hoje por toda a parte empregam esforços, e a todo o custo tractam de estabelecer as grandes vias ferreas.

Nós temos estado apertados dentro de um circulo de ferro, do qual não temos podido sair, e então é preciso que saltemos para fóra desta pressão, porque só dando nós um grande salto, é que podemos adquirir o que temos estado a perder ha tanto tempo; porque disse-se — temos um deficit, e em quanto tivermos um deficit, não podemos fazer estradas publicas; e assim temos andado neste circulo vicioso, donde se não póde sair, ou donde se não tem querido sair, mas sem o que é difficil achar uma solução ao nosso estado financeiro; porque para haver receita é preciso que haja riqueza, e para haver riqueza é preciso melhorar as condições economicas do paiz, para o que é preciso estabelecer vias de communicação. Mas não temos dinheiro para cobrir o deficit, e então que é necessario fazer? Romper por estes expedientes — contrair emprestimos, levantar dinheiros com que possamos estabelecer vias de communicação, creando assim as riquezas publicas com que depois o paiz ha-de pagar os encargos que pesam sobre elle. É isto o que p Governo tem feito; e o Sr. Ministro desejava que o digno Par, que: acompanha o Ministerio nos sentimentos, que o dirigem, o acompanhasse tambem no reconhecimento de que estes meios são os unicos e capazes de fazer prosperar um paiz.

Mas o digno Par repetiu hoje no seu discurso o que por ahi se tem dito muitas vezes, em relação ao caminho de ferro authorisado, decretado, e ha muito em discussão, e ainda o caminho de ferro! No entanto esse caminho de ferro hoje já é tido como bom! o que é um certo conforto para o Ministerio; e nem podia deixar de o ser. Com tudo, não quer com isto dizer que todos os illustres cavalheiros que teem votado contra os meios propostos pelo Governo para a realisação dos caminhos de ferro, sejam contrarios ao principio da vantagem do seu estabelecimento, mas não combatendo o fim combatem os meios, com o que julgam colher o mesmo resultado; porque combater de frente o principio não era proprio da intelligencia e do muito talento de tão illustres cavalheiros, seria isso um anacronismo, e seria até preciso fecharem-se todos os livros pertencentes a esta materia, e não vêr as estatisticas e relatorios das nações mais adiantadas no caminho da civilisação, relativos a tão importante objecto, o que de certo não faria um homem illustrado; e por conseguinte diz-se — o principio é bom, mas o modo, pelo qual se quer adoptar esse principio, é máo! É isto o que se faz quando se pertende fazer opposição: não ha duvida nenhuma, é este o systema, é esta tactica da opposição.

O digno Par referiu ha pouco o seu comportamento em comparação com o delle Sr. Ministro, e disse S. Ex.ª, que elle na outra casa do Parlamento, em outra época, e quando opposição, sendo então S. Ex.ª Ministro, dissera que o Ministerio de que S. Ex.ª fazia parte, era obnoxio e prejudicial aos interesses cio paiz, e que por isso o combatia. Talvez que dissesse isso, e intendendo que um Ministerio era obnoxio e prejudicial ao seu paiz, devia fazer-lhe opposição, negando-lhe até os meios de governar. É assim que se deve fazer opposição, porque se elle ámanhã, largando estas cadeiras, intendesse que o Ministerio que lhe succedia se tornava obnoxio e prejudicial aos interesses do paiz, ou se se persuadisse que a maxima parte dos seus actos era infesta ao paiz, ou que as suas tendencias, nas diversas circumstancias que se dão, porque dão-se muitas e variadas, eram prejudiciaes ao paiz, declara mui solemnemente, que votaria contra todas as medidas desse Ministerio, convencido de que nisso faria um bom serviço ao seu paiz. É-lhe portanto muito agradavel ouvir a um cavalheiro, como o digno Par, que faz uma forte opposição ao Ministerio, declarar que neste ponto quer ser governamental, apezar de reconhecer que o Ministerio é obnoxio e prejudicial ao seu paiz! E seria até para agradecer o seu voto se, a fallar a verdade, não fossem aquellas expressões de — querer com isso que o Ministerio esgotasse as fezes do cálix da amargura! (O Sr. Conde de Thomar — Eu disse que esgotaria as fezes do cálix da amargura se continuasse no mesmo systema que têm seguido). O orador: não reputa offensa da parte do digno Par esta expressão, e attribue unicamente essa declaração franca a um desejo mais vehemente, pronunciado por uma fórma menos agradavel.

O digno Par, referindo-se ao caminho de ferro de leste, perguntou se o Governo se tem intendido com o do paiz visinho, a fim de ver se elle está resolvido a ligar um dos seus caminhos de ferro com o nosso, ligando-se assim com os do resto da Europa? Elle Ministro não póde neste momento referir correspondencia com caracter official que tenha havido entre o nosso e o Governo do paiz visinho, porque intende que não estando as cousas ainda resolvidas, isso traria inconvenientes, e prejudicaria talvez o andamento dos negocios; é certo porém, e isso póde já declarar, que o Governo de Sua Magestade Catholica já nomeou uma commissão de engenheiros para se intender com outra de engenheiros portuguezes, a fim de examinar a nossa fronteira e fixarem quaes os pontos por onde o caminho de ferro deve começar e seguir, ou tocar, entroncando-se assim o nosso caminho de ferro de leste com o que de Badajoz ha-de seguir a Madrid, e dahi á fronteira de França, para nos ligar com o resto das nações da Europa; e este acto da parte do Governo de Sua Magestade Catholica é de tal modo significativo que o Sr. Ministro se abstém de dizer mais nada sobre as intenções daquelle Governo acerca de ligar o nosso caminho de ferro com o daquelle paiz. No entanto não se póde não convir em que este negocio é importante, e merece ser muito considerado: é necessario ver se as directrizes affectam este ou aquelle ponto, esta ou aquella povoação, e fazer os traçados de modo que os interesses das povoações por onde não toque o caminho sejam o menos prejudicados possivel em comparação do grande interesse que esse mesmo caminho ha-de levar ás povoações por onde toque; finalmente, é um objecto muito serio porque nenhum Governo da Peninsula ha-de querer sacrificar os interesses das suas povoações, e por conseguinte os seus interesses, aos da outra nação. No entanto tudo isto se ha-de conciliar muito bem, estabelecendo-se, como espera, a linha ferrea que corte e ligue os dous paizes da Peninsula — Hespanha e Portugal, e em breve de certo dar-se-ha a solução a este importante objecto. E ainda ha pouco sendo no Parlamento interpellado o Ministro do Fomento daquelle paiz (onde se póde pronunciar a palavra = fomento = sem excitar hilaridade), sobre o estabelecimento do caminho de ferro que venha juntar-se ao de Portugal, elle respondeu que já tinha mandado estudar os diversos pontos por onde esse caminho devia passar, mas que se apresentavam difficuldades quanto á execução do traçado projectado, e que se trabalhava em dar nova direcção ao caminho de ferro. Mas esse systema de traçado, da directriz, e outras circumstancias mais secundarias, ainda não fizeram reconhecer o proposito firme do Governo de Sua Magestade Catholica, que tem sim mostrado o desejo de fazer o caminho de ferro que ha-de ligar com a fronteira... Mas o digno Par póde, e sabe de certo apreciar alguma reserva sobre este objecto; o contrario não lhe parece conveniente, por isso que é negocio ainda não ultimado.

Pelo que toca, por exemplo, aos telegraphos electricos, já o Governo de Sua Magestade Catholica combinou com o Governo portuguez em fazer passar essa communicação pela fronteira; e nós já temos em Lisboa um constructor proprio e especial para se começar nessa empreza, depois de serios exames e das convenientes propostas sobre esse mesmo primeiro telegrapho electrico, de que se tracta para nos communicarmos com o paiz visinho, e por consequencia com o resto da Europa.

Dito isto não lhe parece conveniente cançar a Camara em mais longas dissertações, principalmente pela razão de não ter o digno Par combatido o artigo: tudo isto são circumstancias accidentaes, e episodios da discussão a que lhe parece ter satisfeito como devia.

O Sr. Presidente — A hora está a dar, e não ha numero segundo me diz um dos Srs. Secretarios. A ordem do dia para ámanhã é a continuação desta mesma.

Está levantada a sessão. — Passava das cinco horas da tarde.

Relação dos dignos Pares que estiveram presentes na sessão de 12 do corrente.

Os Srs. Duque da Terceira; Marquezes de Fronteira, e das Minas; Arcebispo Bispo Conde; Condes das Alcaçovas, do Bomfim, de Fonte Nova, de Mello, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Thomar, e de Villa Real; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Balsemão, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Francos, da Granja, e de Nossa Senhora da Luz; Barões de Chancelleiros, de Lazarim, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Ferrão, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Guedes, José Maria Grande, Brito do Rio, e Aquino de Carvalho.

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