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trada de Lamego á Regua, de Lamego no Douro, caminho de ferro do Porto á Regua e ponte sobre o Douro defronto da Regua.

«Camara dos pares, 22 de março de 1864. = José Izidoro Guedes.»

Mandou-se expedir.

O sr. Xavier da Silva: — Eu tinha hontem pedido a palavra para uma explicação, mas não a pude todavia dar, em consequencia do estado em que se achava a camara.

Peço. a V. ex.ª e á camara se consentem que substitua a proposta que hontem apresentei e que está sobre a mesa, por outra de novo copiada, addicionando-lhe uma palavra que omitti quando com a pressa escrevi e mandei a que está sobre a mesa; e vem a ser, quando se diz = sentimentos de respeito pelos direitos do estado = acrescentar-se = e da igreja =.

Aproveito esta occasião para dar as minhas explicações ácerca da adopção que fiz da proposta do digno par, o sr. conde de Thomar.

O regimento d'esta casa, no artigo 39.°, determina que quando um par retira com o consentimento da camara qualquer proposta, um outro par póde adopta-la, e prosegue a discussão como se não fosse retirada. Foi pois usando d'este direito, consignado no regimento, que hontem adoptei a proposta do sr. conde de Thomar, illiminando as expressões de censura. Com a pressa que tinha de não querer demorar a camara, aproveitei o mesmo papel apresentado pelo digno par, e não pedi licença a s. ex.ª para usar d'elle, porque as propostas depois de approvadas pela camara não são do proponente mas da camara; entretanto peço a s. ex.ª me desculpe, quando entenda que era necessaria a sua permissão.

O que me admira, sr. presidente, é ver que homens encanecidos no systema constitucional, homens que pela sua posição, antiguidade e conhecimento das praticas d'esta casa, não respeitem o direito que têem os membros d'esta casa, que lhe são garantidos no regimento, e que por maneiras pouco proprias impugnam uma verdade por todos reconhecida. O que eu espero, sr. presidente, é que V. ex.ª mantenha e faça observar sempre o regimento d'esta casa, especialmente nos artigos 52.* e 53.°, para que senão repitam desagradaveis incidentes, na certeza de que hei de sempre pugnar e usar dos meus direitos, como membro d'esta casa, embora isso desagrade a alguem.

A moção do digno par foi concebida nos seguintes termos: «A camara dos pares tendo ouvido aB explicações do governo ácerca das occorrencias que tiveram logar por occasião da nomeação por elle feita para o logar de escrivão da camara ecclesiastica do bispado de Coimbra, manifesta os seus sentimentos de respeito pelos direitos do estado e da igreja, passa á ordem do dia. = Augusto Xavier da Silva.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se consente que a proposta do digno par o sr. Xavier da Silva. seja substituida.

A camara assim resolveu.

O sr. Presidente: — Está portanto substituida e em discussão conjunctamente com a materia.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA INTERPELLAÇÃO DO DIGNO PAR, O SR. MARQUEZ DE VALLADA, SOBRE A NOMEAÇÃO DO ESCRIVÃO DA CAMARA ECCLESIASTICA DE COIMBRA

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

O sr. Bispo de Vizeu (interrompendo o orador): — Se V. ex.ª me dá licença, direi que pelo meu espirito evangélico fui achar a culpa toda na deficiencia das leis; não achei culpados, nem tratei de os procurar; e porque achei a culpa na deficiencia da legislação, concluí de accordo com esta idéa, dizendo que este inconveniente podiamos nós remedia-lo com a reforma d'essa legislação.

O Orador: —..................................

O sr. Rebello da Silva: — O digno par e meu amigo, que me precedeu, o sr. Sebastião José de Carvalho, disse, encerrando o seu bello discurso, que não desejava que, em virtude de uma Votação d'esta camara, o sr. ministro da justiça podesse vir a desamparar aquella cadeira...

O sr. Ministro da Marinha: — Se V. ex.ª e o digno par me dão licença darei uma explicação.

O Orador: — Pois não.

O sr. Ministro da Marinha: — O meu collega da justiça não desampara a discussão; não póde por emquanto estar presente por objecto de serviço n'outra parte, mas assim que poder aqui comparecerá.

O Orador: — Dizia eu que o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, encerrando o seu bello discurso, notara, que não desejava, que o sr. ministro saísse d'aquella cadeira em virtude de uma votação da camara, e sobre o assumpto que nos occupa. Sou da mesma opinião. Mas a direcção dada com tanta infelicidade a um negocio simples, e tão possivel de accommodar na sua origem, receio muito, que mais cedo, ou mais tarde produza os maus effeitos que todos deplorámos. Ninguém, mais do que eu, deseja que esta camara guarde a imparcialidade stricta, que é uma lei da sua indole conservadora, e um dever de prudencia perante as funcções, que póde ser chamada a exercer como tribunal de justiça; porém os caminhos por onde a questão tem andado desvairada parecem-me tão perigosos, que temo, que antevejo, um naufrágio infallivel ao cabo d'elles, com magoa o digo! São pontos melindrosos e de summa responsabilidade! Affectam interesses e principios gravissimos; disputam direitos do estado e preeminências do episcopado, que muito melhor fóra não agitar de leve e sem grandes motivos, sobretudo no ardor e vehemencia de um conflicto; e hoje, para maior complicação, saíndo da esphera de uma discussão entre o governo e o prelado de Coimbra, subiram á cúria de Roma, e é provavel que se tornem fecundos em dissabores. Estamos ainda no exórdio da questão, e já antecipo, que a successão natural dos factos ha de exacerbar o conflicto, e produzir as consequencias estremas que elle implica: a retirada do agente do poder executivo, ou a continuação da conflagração actual aggravada pelos incidentes de uma verdadeira complicação diplomatica (apoiados).

Foi com satisfação, que ouvi hontem aquella parte do discurso do illustre prelado de Vizeu, o sr. D. Antonio, em que s. ex.ª confirmou as suas antigas opiniões, sustentando que as regalias e immunidades, do estado não destruíam, antes eram essenciaes ao mutuo accordo entre elle e a igreja, podendo reinar entre ambos sempre a necessaria harmonia, fundada em relações sinceras e fecundas, harmonia que promette ás idéas modernas o apoio das idéas religiosas, alliando o respeito e veneração da igreja com a mais severa vigilancia pelos direitos do estado, que não carece de opprimir, nem de contestar as preeminências ecclesiasticas para conservar a dignidade do imperio e a integridade dos principios, assim como a igreja longe de se engrandecer e fortificar declina e diminue, quando pede a usurpações arrogantes, o que nem Christo, seu fundador, nem o interesso o a rasão politica lhe concederam.

Os homens passam, e as cousas ficam. Não é esta a epocha em que a igreja se póde consubstanciar com as theorias exageradas de Belarmino, de Bonald, e de Maistre. As reacções sempre foram funestas e a resurreição de pretensões e de máximas condemnadas pelo juizo, não só d'este seculo, mas dos que o precederam, seria um erro funesto. O governo das sachristias, a restauração das caducas e cegas doutrinas, que precipitaram o ramo primogenito dos Bourbons, e que foram o suicídio de todas as cousas, que as abraçaram, é como todas as restaurações um anachronismo, uma vaidade desamparada, um absurdo. Os mortos não governam os vivos. Os sepulcros não dão luz. As imprecações exaltadas do fanatismo absorvente caem ensurdecidas e sem echo diante da tribuna e da imprensa, diante da verdade historica e da opinião esclarecida.

Entre Bossuet e Fenelon, entre a águia de Meaux, alteando os vôos impetuosos por meio dos relâmpagos da eloquencia e das pompas do estylo, e o suave e persuasivo arcebispo de Cambray, todo uncção, todo piedade e amor como seu divino Mestre, não ha que hesitar na escolha. Um lembra-noa a voz inspirada, mas terrivel dos Videntes de Israel. Empunha o gladio de fogo, inflamma por onde passa, curva e esmaga a rasão. O outro com Oa olhos no symbolo sagrado, pastor cheio de mansidão sem intimidar a consciencia, sem a vergar, conforta-nos, suavisa-nos a vida, aponta-nos os caminhos da immortalidade, e derrama sobre nós em cada phrase o bálsamo consolador dos thesouros da sua ternura christã. Bossuet, o doutor austero, a palavra cheia de grandeza, a censura armada de terrores, fecha uma epocha. Fenelon, o apostolo, o discípulo dos mestres mais suaves do catholicismo, abre nos a outra. Os que não concebem a igreja senão exclusiva e prompta a fulminar censuras e maldições, que sigam por essa estrada os theologos, que tantas vezes a assignalaram de padrões cruéis, desde Savonarola e Galileu até Urbano Grandier e Vanini. Eu prefiro a outra — a que nos conduz por entre as obras de misericordia e o perdão das injurias pelos caminhos ensinados pelo Salvador á patria immortal, levando a fé por guia e a esperança por companheira e consoladora.

Esta estrada inculcou-a o digno prelado de Vizeu em algumas phrases eloquentes. A igreja, que elle nos aponta, não adora um Deus irado, não amaldiçoa a sociedade, não quer separar-se d'ella, para a dominar e trazer a seus pés arrastada como escrava, cegando-lhe a rasão, sequestrando-lhe a consciencia, negando lhe tudo, até a communhão das idéas e dos progressos do seculo, em que vive. Não é a igreja, que nos cerra todas as portas, menos a da intolerancia, em cujo átrio seitas sombrias e obsecadas por um fanatismo deshumano, saúdam as mordaças e os patíbulos como os unicos arguentes, que encarece a duvida. Não é a igreja dos canonistas de alem dos montes, que, oppondo-se á indispensavel concordancia entre o sacerdócio e o imperio, semeiam de tempestades o futuro, e calumniam as proprias promessas de Deus.

Pelo contrario é a igreja de Jesus, grande pela doçura evangélica, pela caridade, pela abnegação, que só quer a verdade, a verdade em tudo, mestra e não tyranna, não se inclinando aos poderes da terra para engrossar á sombra d'elles, porém não os combatendo, ou deprimindo tambem, para alimentar ambições excessivas. Os laços, que unem o poder espiritual e o poder temporal não podem relaxar-se, ou romper se de parte a parte sem grande imprudencia.

As raias que os limitam são tão delicadas, as usurpações de um contra o outro ferem tantos interesses, que todos tremem de pisar depois um terreno que lhes foge debaixo dos pés. Esta opinião não é só minha. Encontra-se em distinctos escriptores. Citarei entre elles Duprat no seu livro tão consultado sobre as «concordatas». Comparando a igreja e o estado a dois navios sulcando os mares de conserva, e seguindo a mesma derrota, observa com motivo, que se um se apartar, se a cerração o envolver, e se a tormenta estalar sobre elle n'essa direcção contraria, separados, e sem o amparo reciproco, o naufrágio ha de alcança-los, e podem perder-se ambos para nunca mais tornarem a encontrar-se. (Vozes: — Muito bem.)

Na meia idade, berço agitado da sociedade moderna, em que as trevas eram cortadas de tão pouca luz moral, quando os interesses e as paixões quasi ainda na brutesa primitiva se desenfreavam soltos dos vinculos das leis e dos laços do respeito humano, quando a força calava a rasão e o direito, quando no immenso cahos, em que referviam tantos elementos discordes se elaborava a lenta e successiva transformação, cuja aurora amanheceu com os primeiros clarões

do seculo XV, a cadeira de S. Pedro podia ser ás vezes o unico foco luminoso, que brilhava no meio da escuridão, e a dictadura universal, assumida pelos papas, foi reputada por historiadores insuspeitos não só como uma necessidade, mas como um dever. Salvou a civilisação em alguns lances, e reparou a miudo muitos males insuportáveis. Na onda soberba de crimes, de violencias, de ferocidades, e de attentados impunes, que se despenhava do alto sobre a terra, o throno do vigario de Christo era o unico asylo aberto no mundo aos pequenos, aos queixosos, aos opprimidos. Só os raios do Vaticano então inflammados da dupla chamma da fé e do terror podiam curvar as tyrannias locaes, mitigar a rudeza dos costumes, impor o jugo da obediencia aos prepotentes. N'esses dias de dôr, de ruina e de renovação, os vultos de Gregorio VII e de Innocencio III apparecem-nos envoltos nas pompas theocraticas, ditando em nome de Deus os seus decretos; e se acaso excederam a miudo os limites naturaes da sua auctoridade, não hesitando em asseverar, que as chaves da igreja em suas não a pesavam mais do que os sceptros, e lhes eram superiores, e que o pontificado era o sol da terra, hoje querer renovar do passado pretensões, que são já cinza na uma dos seculos, não seria mais ainda do que temeridade?!

Esses tempos não se repetem. Estão extinctos. A historia julgou-se e encerrou-os.

Seria mais rasoavel porventura abraçar-nos o fantasma da unidade monarchica, recuarmos ao seculo XVI, e recompormos pelo esqueleto da sociedade e da politica de Carlos V, de Francisco I, e de Sixto V, a sociedade do seculo XIX, d'este seculo, legitimo filho dos principios de 1789, discípulo mimoso da liberdade, herdeiro e representante de suas gloriosas conquistas? A idade media já corre tão longe de nós, que só uma erudição incansável sabe o segredo dos seus instinctos e aspirações. A unidade monarchica, o poder absoluto, o motu proprio duraram quasi até ás vesperas da nossa epocha, mais ou menos modificados pela philosophia e pela acção dos costumes. Quem póde ter saudades d'esses dias, em que o rei era tudo, e o povo nada; em que todos emudeciam e só elle mandava, em que leis, virtudes, serviços, honra publica e privada, riquezas, dignidades, consciencia e pensamentos, tudo dependia do aceno de ministros violentos ou humanos, instruídos ou ineptos?

A nobreza? O que foi ella aos pés de D. João V, ou debaixo do cutello do marquez de Pombal? O povo? O que lucrou elle com o silencio dos tres estados e o commentario da realeza do direito divino e do crime de lesa magestade feito pelos juizes commissarios do Senhor D. José I? O clero? Perguntem aos prelados de então quaes foram n'esse tempo as afflicções da igreja, que vicios impunes gangrenavam os seus ministros, que abusos escandalosos justificavam os clamores! O rei e o papa negociavam em Roma a suppressão successiva das proeminências episcopaes. Os beneficios premiavam a miudo a condescendência, ou o vicio. É melhor pararmos aqui! Não nos diz muito o estabelecimento da inquisição, a maior offensa das prerogativas dos prelados diocesanos, porque se fundou sobre as ruinas da sua auctoridade de mestres e conservadores da fé? Dormiam os pastores? Eram tíbios? Eram suspeitos? Que respondam os Jeronymos Osorios, e os Bartholomeus dos Martyres?

Saudades do passado, que diminuiu, restringiu, e mutilou a auctoridade episcopal para Roma se lucupletar com os seus despojos, para saciar a sede inextinguível de invasões que abrazou a cúria!... Não nos illudamos. Roma foi sempre a que mais de perto attrahiu a si tudo o que constituo em parte a essencia do poder espiritual dos bispos, a que se enriqueceu com o que elles perderam, ou cederam, a que armou o primado de todas as forças, que em epochas mais distantes enobreciam as mitras! Por isso o episcopado francez publicou em 1682 a sua famosa declaração, que é ainda hoje a base do direito ecclesiastico de França, do nosso em muitos pontos, e do de muitas nações esclarecidas.

Essa declaração, condemnada pelos doutores ultramontanos quasi como sacrílega, porque nega o poder absoluto pontifício, tem para responder pela pureza de suas doutrinas catholicas, alem da historia e das tradições, entre outros nomes illustres o grande nome de Bossuet. Não sejamos mais catholicos, do que o severo prelado de Meaux! Não vamos adiante d'elle na docilidade e no zêlo das crenças. A sua obra, atravessando os seculos, ainda sobrevive depois em parte da concordata de 1801, em muitos artigos da lei organíca do mesmo anno, e nas paginas eloquentes de muitos canonistas distinctos.

Senão queremos as exagerações da escola ultramontana aceitemos o episcopado, mas o episcopado dentro dos limites prescriptos nas leis. Senão queremos pactuar com a politica religiosa de alem dos montes, nem sanccionar usurpações perigosas, ou novidades grávidas de conflictos, respeitemos as preeminências dos prelados, quando ellas concordarem com os direitos do estado; fortifiquemos a igreja nacional. Se ella estiver fraca, incerta, e vacillante, a corôa será assas forte, ou estará desassombrada para lutar? A união intima e reciproca deve ser o interesse commum da corôa e do episcopado. A necessidade de mutuo apoio todos os dias se manifesta. Encaro assim a questão e não receio dize-lo. É o modo de diminuirmos o predomio de Roma. Uma cousa é resistir com vigor aos excessos e abusos, outra é provocar dessentimentos e aggrava-los. A prudencia deve dominar, porque a prudencia não é fraqueza. Aonde ella acaba começa o erro! (Vozes: — Muito bem!)

Não invocarei este, ou aquelle acto dos poderes, que regeram em Portugal em outras epochas. A questão ha de ser contemplada de mais alto. Não opporei tambem a lettra contradictoria de um diploma ás conclusões de outro, pela mesma rasão.

De pouco valem esses subsidios, laboriosamente colligi-