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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. SILVA SANCHES

PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Visconde de Gouveia

Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 56 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou a seguinte correspondencia:

Um officio do presidente da camara dos senhores deputados, accusando a recepção de outro que da camara dos dignos pares se lhe enviara pedindo a sala para as -sessões, e promettendo convocar immediatamente a mesa para a decisão de tal pedido.

Outro do mesmo sr. presidente, communicando que aquella mesa resolveu não estar nas suas attribuições dispor da

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sala das sessões da camara dos senhores deputados, sem previo conhecimento e auctorisação da respectiva camara.

Outro do sr. Sebastião José de Abreu, remettendo 80 exemplares das reflexões juridicas e parecer do ex.mo conselheiro Silva Ferrão, sobre é vencimento do recurso de revista interposto pela caixa filial do banco união do Porto, estabelecida n'esta cidade, do accordão do tribunal commercial de 2.ª instancia, proferido na causa do fallido Thomás Maria Bessone, e pedindo o obsequio de se mandarem distribuir pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Um officio do presidente do conselho de ministros, participando que no dia 10 do corrente se apresentára n'esta camara o ministerio. — Inteirada.

O sr. Marquez de Niza: — Sentindo que a mesa da camara dos senhores deputados tivesse mostrado tão pouca fraternidade para com esta camara; e persuadido que se a instancia tivesse sido proposta á camara dos senhores deputados, em vez de ter sido á mesa, teria outra resolução, requereu que a mesa fosse auctorisada a renovar o pedido para a proxima sessão, que póde ter logar de noite: requerimento que disse fazer por subsistirem as mesmas rasões que o levaram a fazer o primeiro pedido.

O sr. Presidente: — Peço ao digno par que mande por escripto o seu requerimento.

O Sr. Marquez de Niza leu e mandou para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que seja consultada a camara sobre a conveniencia de se pedir á mesa da camara dos senhores deputados a sala das suas sessões, para que n'ella possa ter logar a proxima futura sessão d'esta camara ás sete horas da tarde, e, no caso affirmativo, que se auctorise a mesa a fazer o pedido. — Marquez de Niza.»

Lido na mesa, foi admittido.

O sr. Conde d'Avila: — Sente ver-se obrigado a combater as duas partes em que esta proposta se divide. Não lhe parece proprio da dignidade d'esta camara repetir uma instancia, que não foi attendida. O orador sempre esteve convencido de que este local não era adaptado ás necessidades de uma camara legislativa, e por isso foi, como ainda é, sua opinião de que é necessaria outra casa, mas não quere ria que fosse unicamente para tratar do assumpto a que a camara quer e deve entregar-se.

Quanto á segunda parte, a experiencia tem mostrado que não provam bem as sessões nocturnas, o que podem com elle reconhecer todos os velhos parlamentares (alguns dos quaes vê n'esta camara), assim desde 1834 para cá, como anteriormente áquella epocha. O que lhe parece melhor auctorisar a mesa para que se entenda com o governo para se transportarem as sessões d'esta camara para local mais accommodado, em que se possam tratar as graves questões que vae brevemente ser chamada a examinar, e que é impossivel discutir aqui.

O sr. Rebello da Silva: — Concorda com as observações que acaba de fazer o seu antigo collega, o digno par, sr conde d'Avila, quanto á inopportunidade de se repetir á mesa da camara dos senhores deputados uma instancia que ella se não julgou auctorisada, pelos seus proprios poderes, a deferir.

Todavia entende que entre a mesa da camara dos senhores deputados e os srs. deputados ha uma grande differença, e esta certo que quando a mesa da camara lhe der conta do que aconteceu, a votação de ss. ex.ªs ha de corresponder, de certo (faz-lhe n'isto devida justiça) áquelles deveres de fraternidade que sempre existiram entre os dois corpos co-legislativos.

Quanto ás sessões nocturnas, tambem se oppõe a ellas, principalmente sobre este assumpto, que talvez se não possa discutir placidamente; e não são os pares do reino que podem tomar a responsabilidade de qualquer conflicto que resulte de uma situação tão violenta, em que são innocentes. O orador falla assim porque os factos são publicos (apoiados).

Espera tomar uma parte activa no debate, mas deseja que tanto a discussão como as deliberações da camara, não possam ser nunca taxadas de falta de gravidade e decóro, ou respeito pelos principios, que são a garantia e a força do senado conservador (apoiados).

Não duvida, portanto, dizer tambem que esta casa é insufficiente para a camara funccionar, principalmente quando tenha de discutir questões graves que por isso mesmo interessam o publico, e excitam mais particularmente a sua curiosidade.

Não foram talvez Outras as intenções do sr. marquez de Niza, quando fez a sua proposta. E de uma necessidade urgente uma casa com as condições de publicidade que esta não tem. E reconhecido por todos, que não póde esta camara funccionar aqui todas as vezes que haja maior concorrencia; porque a publicidade é um dos caracteristicos do systema constitucional, principalmente, quando o parlamento se occupa em apreciar actos, como aquelle que se acaba de praticar. Pede portanto ao digno par e seu amigo que formule a sua proposta em termos, para poder o sr. presidente tomar desde já todas as providencias necessarias, a fim de que as discussões sejam n'um local mais adequado, porque n'esta casa não se póde fallar sem risco de vida, e não é possivel ter aquelle auditorio que é necessario que assista aos debates d'esta camara, não por vangloria dos oradores, mas por interesse da causa publica.

O sr. Marquez de Niza: — Quando mandou a sua proposta para a mesa não foi com a intenção de se repetir o pedido feito hontem. O seu fim era que a mesa d'esta camara officiasse á da outra para apresentar na sessão de amanha- a instancia agora feita; comtudo, como concorda com as idéas dos dignos pares que o precederam, tem já outra' proposta, que vae mandar para a mesa, pedindo licença para retirar a antecedente, que tem por fim dar á mesa toda a latitude para providenciar sobre o modo de se obter um local mais apropriado para estas sessões, o qual lhe parece que não póde ser outro senão o da outra camara, podendo as sessões começar ás quatro horas e acabar ás seis, pois que ellas não costumam durar mais de duas horas.

N'este sentido manda para a mesa a seguinte PROPOSTA

Requeiro que seja auctorisada a mesa para providenciar pelos meios que lhe parecerem convenientes, a fim de que a proxima sessão d'esta camara e as que se seguirem tenham logar em local mais amplo e adequado. = Marquez de Niza.

A camara permittiu que o digno par retirasse a sua primeira proposta.

A segunda sendo lida na mesa, foi admittida. O sr. Conde d"Avila: — Pediu a palavra para declarar que apoia esta segunda proposta, e que votará por ella, porque esta nas suas idéas.

O sr. S. J. de Carvalho: — Com surpreza minha vejo que se passaram dois factos que eu estava muito longe de pensar que se dessem: o primeiro é a não comparencia dos srs. ministros, depois do convite que lhes foi dirigido pela presidencia d'esta camara; e o segundo é a presidencia da outra casa do parlamento negar-se a conceder-nos a sala, onde em condições mais accommodadas a casa do parlamento podessemos funccionar, e onde o publico nos podesse ouvir. Quando eu, sr. presidente, passava pelos corredores que são avenida para esta sala, vi-me cercado de um grande numero de cidadãos que me pediam um accesso facil para a casa onde o deviam ter, para a casa onde tinham todo o direito de entrar, accesso que era impedido pela força armada que se acha disposta por esses corredores, como se a paz publica perigasse e como se Catilina se achasse ás portas de Roma! Eu não censuro a mesa, censuro o facto; porque tendo eu proposto na sessão passada que se nos concedesse a sala da outra camara, por isso que ella não funccionava hoje, desgraçadamente essa sala não se póde obter, não sei porque rasão.

Mas, sr. presidente, onde esta o governo, que foi convidado para vir hoje aqui? Porque não veiu elle? Estamos porventura ameaçados de mais -uma flagrante postergação dos principios constitucionaes? Quererá o governo ainda soccorrer-se ao expediente que hontem aqui apontei — ao adiamento - para não vir a esta casa ouvir a censura que a camara não póde deixar de comminar ao acto mais revoltante que se tem praticado desde que o systema constitucional se acha estabelecido entre nós?

Eu pedia a V. ex.ª, sr. presidente, que me informasse se o sr. presidente do conselho deu alguma resposta ao convite que se lhe fez; e em tal caso desejava saber as rasões por que o governo não veiu aqui, porque se é por ser dia de despacho, parece-me que os srs. ministros não têem nada que despachar, porque são ministros de hontem, em despacho terão elles estado na outra camara; mas seja como for o que é certo é que elles tinham rigoroso dever de se apresentarem aqui, para esta camara ficar sabendo officialmente qual era o modo por que o novo gabinete foi constituido...

O sr. Presidente: — O sr. presidente do conselho declara no seu officio que só ámanhã (10) se poderá apresentar aqui.

O Orador: — Mais uma rasão da pouca deferencia que o governo tem para com o poder parlamentar que nós representámos. A camara convida-o para hoje, e elle responde que só vem ámanhã; é uma falta de consideração que eu não posso deixar de lhe exprobar, e que eu não posso deixar de censurar, apresentando uma moção de ordem n'esse sentido.

Mas eu pedia a v. ex.ª que houvesse de mandar ler o officio do sr. presidente do conselho...

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Leu. O Orador: — Agora pedia tambem que fosse lido o officio que lhe foi dirigido por esta camara...

O sr. Presidente: — Vae-se mandar buscar á secretaria. O Orador: — Muito bem. No entanto eu vou aproveitando o tempo, fazendo mais algumas considerações, porque desejo chamar a attenção da camara sobre os factos irregularissimos que se estão dando e que não podem passar desapercebidos.

Sr. presidente, era provavel que o governo quizesse descansar um dia, não porque tivesse trabalhado muito) nos outros dias, fazendo saír a ordem do cahos, mas porque se achava cançado das fadigas e impressões dolorosas que de certo havia de sentir, sujeito á pressão das accusações mais graves que se têem formulado no parlamento portuguez contra qualquer ministerio; é possivel tambem que o' sr. presidente do conselho, convencido de que a sua posição é desgraçadissima, pretenda influir sobre o espirito dos seus collegas, apresentando-lhes a conveniencia de se dirigirem ao paço da Ajuda, a fim de pedirem a sua demissão. S. ex.ª que foi considerado por muito tempo, e sem grande direito para isso, como chefe do partido progressista, hoje que se vê attacado pelos seus proprios amigos, é provavel (não sei se o fará) que se tenha decidido a voltar á vida privada, espiando os seus erros no ostracismo de compaixão de seus adversarios e no ostracismo de esquecimento dos seus proprios amigos. Não sei, repito, se isto terá logar, porque estou pouco habituado a apreciar as qualidades e bom senso do illustre presidente do conselho, mas parece-me que as circumstancias em que s. ex.ª se acha são desgraçadissimas, e as accusações que se têem formulado na outra camara são taes, que se s. ex.ª tiver um vislumbre de desejos de salvar a propria dignidade e a do poder publico que representa, é possivel que tenha tomado a deliberação, aliàs sensata de remover assim a crise em que se acha o governo Talvez pois que o dia de hoje seja mais bem aproveitado do que podiamos suppor hontem. Mas parece-me que não será assim: parece-me que ao lado d'esta unica rasão justificativa da ausencia dos srs. ministros, esta a rasão inspirada pelo egoismo de ss. ex.ªs quererem descançar um dia, algumas horas mesmo, e estarem livres da pressão a que têem estado sujeitos e continuarão a estar, porque a declaração de guerra que se lhe fez na outra camara, e a que hontem aqui se lhe fez tambem, é a de uma guerra sem treguas nem transacções, e que só póde terminar com a saída de ss. ex.ªs do ministerio. Será essa a unica satisfação á violação flagrante dos principios constitucionaes, condemnada por todos os liberaes sinceros de todas as procedencias politicas, condemnação merecida e condemnação essencialmente necessaria, porque se á acção dissolvente do sr. presidente do conselho se não oppozer uma reacção salutar, receio, com bastante fundamento, que o systema representativo de todo se subverta desapparecido d'este paiz.

O sr. Secretario: — Leu o officio que foi enviado ao sr. presidente do conselho.

O Orador: — Agora é que eu não posso deixar de me dirigir á mesa, e de notar ou antes extranhar o modo porque foi expedido o officio, pois o negocio não se passou assim: o sr. conde de Thomar tinha com effeito apresentado essa proposta e eu que sabia que o governo havia de querer fugir pela tangente que o digno par involuntariamente lhe offerecia, fiz logo uma proposta como additamento á proposta do digno par, e V. ex.ª com a prespicacia e independencia com que sempre tem dirigido os trabalhos nas sessões d'esta casa (apoiados), e mesmo nas sessões da camara dos srs. deputados, como sempre observei emquanto tive a honra de me sentar ali sob a presidencia de V. ex.ª, entendeu, e entendeu muito bem que a camara o que queria era que, prescindindo da questão de formula, se apresentasse o que estava nas suas idéas, e para por isso procurou resolver por meio de quesitos que muito bem propoz á deliberação da camara a questão" que se agitara. Em consequencia pois d'esses quesitos foi resolvido que se officiasse ao governo para que comparecesse á sessão de hoje e... (Vozes: — Não foi isso o que se resolveu.) Não foi?! Não podia deixar de ser porque a camara tinha approvado tambem hontem a minha proposta para que houvesse sessão hoje; não havia mais nada a tratar n'esta sessão, e até eu tinha pedido á mesa da camara que officiasse immediatamente á presidencia da camara dos senhores deputados para que ali podesse ter logar a nossa sessão, e que se officiasse igualmente ao governo a fim de se apresentar hoje. Foi isto que se votou, e eu appello para o testemunho dos meus honrados collegas. Ora se isto é o que se passou, a consequencia é que de fórma nenhuma podia a proposta do sr. conde de Thomar ser enviada juntamente com o officio que acaba de ler-se na mesa, dando azo a que o governo com a pouco diligencia que todos lhe reconhecemos no cumprimento das suas obrigações para com o parlamento, aproveitasse a tangente que lhe offerecia essa proposta desacompanhada da outra que eu havia feito. E pois sobre isto que eu desejo explicações por parte da mesa porque é necessario que este negocio fique bem definido e convenientemente esclarecido.

O sr.'Presidente: — A mesa vae dar as explicações pedidas. Eu prezo-me de ter sempre cumprido as determinações da camara com todo o escrupulo, conforme ella as toma (muitos apoiados).

A camara approvou a proposta do sr. conde de Thomar, como se vê da acta (apoiados), e approvou-a tal qual foi por s. ex.ª formulada (apoiados); e n'essa conformidade resolveu que se perguntasse ao governo quando tencionava apresentar-se aqui. Foi exactamente no sentido em que officiei ao governo, e para elle ficar bem sciente de qual tinha sido a resolução da camara, mandei-lhe a proposta do sr. Conde de Thomar, que a camara tinha approvado, e na conformidade da proposta de s. ex.ª fiz-lhe constar no mesmo officio que a camara tinha resolvido que hoje houvesse sessão. Parece-me portanto que cumpri á risca a sua resolução. A camara decidirá se cumpri ou não' exactamente as suas deliberações (apoiados repetidos)'.

O sr. S. J. de Carvalho: — E escusado apoiar, porque a verdade dos factos é exactamente como s. ex.ª a apresenta (apoiados). Estimo os apoiados, mas o digno par o sr. Silva Cabral não quer apoiar agora. Parece-me pois, e n'isto é que insisto, que a mesa tambem devia ter enviado a minha proposta, em que se dizia que a camara Se reunia hoje em sessão e tanto se entendeu que era para esperar que o sr. presidente do conselho e os seus collegas do actual gabinete viessem dar explicações, que se auctorisou a mesa a convir e tratar com a presidencia da camara dos senhores deputados para que nos fosse concedida, como logar mais acommodado, a sala das suas sessões, attentas as circumstancias de, pela exaltação do espirito publico, se esperar grande concorrencia nas galerias.

Por consequencia, sr. presidente, se no officio se tivesse consignado o facto de que a mesa d'esta camara havia pedido licença á presidencia da camara dos senhores deputados para ali ter logar a sessão de hoje, depois de approvada a proposta do sr. conde de Thomar, para que fossem convidados os ministros, é de suppor que ss. ex.ªs comparecessem, como deviam ter comparecido, apesar de no officio se não precisar bem o que se havia passado na camara. O que tinhamos resolvido constava dos extractos das sessões que se publicam nos jornaes da capital.

Sr. presidente, antes de chegar ás avenidas d'este palacio, já me constava, por mais de uma pessoa, que o governo não apparecia, e que por insinuação sua nos não havia sido concedida a sala que pedíramos. É de suppor que assim fosse; eu creio bem que o governo empregue todos os meios ao seu alcance para que esta camara continue a funccionar aqui. O governo receia todos os elementos de publicidade, e emquanto aqui funccionarmos a publicidade dos nossos

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debates é quasi nenhuma, perdendo assim muito da sua importancia as nossas discussões (apoiados). Tomara o governo poder afugentar o publico das galerias da outra camara! (Apoiados.) Oh! que se o podesse fazer! Se podesse condemnar todos os elementos de publicidade com a mesma facilidade com que aqui o faz! Mas ha de tenta-lo. Hoje são quatro pretorianos impedindo o accesso do parlamento aos cidadãos que nos desejam ouvir, ámanhã será a força que for necessario para praticar qualquer d'estes actos de suprema violencia que accusam sempre a existencia dos governos fracos, mas viciosamente constituidos.

Sr. presidente, alguns dos dignos pares, quando na mesa, se acabou de fazer leitura do officio, apoiaram a V. ex.ª, e supponho que esses apoiados tinham a dupla significação não só de ratificar a verdade das asserções de V. ex.ª, como tambem de dar a entender que o governo tinha rasão em deixar de se apresentar n'esta camara em vista do convite que lhe fôra dirigido. Eu sinceramente declaro que sinto que o officio fosse redigido nos termos em que o foi. No regimen parlamentar não ha nada que se possa considerar insignificante, qualquer acto como este, que aliàs parece não ter grande importancia, póde te-la muitas vezes, e tem-na com effeito pelas circumstancias que d'elle se deduzem. Assim se o convite tivesse sido redigido nos termos em que o devia ter sido, a não comparencia do governo obrigava-me a apresentar uma moção de censura, que em vista do que se passou não apresento.

O desprezo pela mais pequena das formulas do systema constitucional e pelo que parece menos importante dos seus principios, conduz sempre a resultados que aliàs o espirito mais prespicaz não póde prever nem prevenir sem difficuldade. Assim, por exemplo, a questão de não terem sido lavrados os decretos da demissão dos ministros transactos e de se não terem publicado todos na folha official, parece ser uma cousa insignificante, pois não o é. Aquillo foi uma artimanha para fins, que eu depois accusarei, entre os quaes esta o de conservar a cadeira de' deputado ao sr. ministro das obras publicas que a teria perdido se o decreto da sua exoneração fosse publicado.

Parece, por exemplo, insignificante que o sr. presidente do conselho venha aqui, e por uma evasiva facil se recuse a dar as explicações que lhe pedimos sobre um acto, aliàs importantissimo, como foi, o de saber se s. ex.ª tomava a responsabilidade dos actos do seu collega da guerra? O sr. presidente do conselho disse então que não pedia immediatamente a palavra, mas que a pediria depois, e informaria a camara de quaes eram as suas idéas a este respeito. Parecia com effeito indifferente que s. ex.ª se explicasse logo que essas explicações lhe foram pedidas, ou pouco depois, pois não o foi. Naquella occasião, s. ex.ª estava obrigado a tomar a responsabilidade dos actos de que era solidario, e passados poucos dias sabe V. ex.ª o que succedeu? O ministerio demittiu-se, o sr. presidente do conselho não faz declaração' alguma, e accommodando hoje as explicações que tinha a dar, ás circumstancias em que se acha, foi declarar no seio da camara dos srs. deputados, o que eu espero que s. ex.ª não ouse declarar aqui.

Sr. presidente, pondo ponto a estas reflexões, visto haver muitos oradores inscriptos, concluo dizendo que desejo que fique bem significada a idéa de que sentindo que o governo não comparecesse á sessão de hoje, não apresento comtudo um voto de censura a este respeito, porque parte da responsabilidade d'esse facto recáe sobre a mesa por não ter dado ao officio, que dirigiu ao sr. presidente do conselho, a redacção que aliàs lhe devia dar, para ser a intrepretação fiel dos factos taes quaes se deram na sessão de hontem. O governo vem ámanhã, se vier, mas se não vier eu é que venho, não falto, e virei e apresentarei então a moção que não apresento hoje.

Estou resolvido, sr. presidente, a lançar mão de todos os expedientes a que me possa soccorrer no exercicio pleno dos meus direitos para combater energica, audaz e tenazmente o governo a que preside o sr. duque de Loulé. Ainda mais. Se a discussão, por uma fatalidade imprevista, passar do terreno em que nós a devemos collocar para o terreno em que talvez os factos a colloquem, hei de aceita-la n'esse campo.

Disse hontem, e repito hoje, que quando a subversão dos principios constitucionaes se manifesta no seio do proprio governo, esta ameaçada a ordem no seio dos poderes publicos; mas eu prefiro a explosão parlamentar, condemnada pelas regras e pelas prescripções regimentaes, á explosão das praças publicas. Prefiro que o governo sáia daquellas cadeiras, sabendo que a sua presença é uma provocação constante á ordem e á regularidade dos nossos trabalhos, a vê-lo saír pela intimação suprema da revolta na praça publica: e ou um ou outro d'esses factos se ha de dar. Não se sophismam nem se postergam os principios, as praxes, e as formulas constitucionaes impunemente, n'um paiz que tem vivido debaixo da influencia benefica d'este systema ha trinta e tantos annos. Não basta a auctoridade do chefe do partido popular, auctoridade contestada hoje, e não exercida já por quem em toda a sua longa carreira politica não deixou se quer um rasto de luz; não basta essa auctoridade para' impor respeito ás paixões populares, excitadas pelo desejo de salvar o systema, de defender a liberdade, e com ella a nossa independencia, porque sinceramente creio que no dia em que a liberdade desapparecesse d'esta terra estava ameaçada a sua autonomia.

Sr. presidente concluo declarando' que sinto ter do me dirigir ao governo na frase severa em que o faço. A culpa porém, não é minha, á audacia do commettimento ha de corresponder, se não a demasia da palavra, ao menos a audacia da palavra. É a posição em que estou collocado emquanto a Providencia velando sobre 'os destinos d'este paiz, não der ao sr. presidente do conselho o sentimento de que

elle se deve possuir, para evitar a catastrophe, que pela sua presença no poder, põe imminente sobre este paiz.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, compenetrado completamente dos mesmos sentimentos que aqui apresentou o sr. conde d'Avila, direi que esta camara deve discutir todas as questões com imparcialidade, e dar provas de maduração em todos os seus actos (apoiados).

Sr. presidente, eu tenho sempre o maior prazer de ouvir o digno par que me precedeu.

O sr. 8. J. de Carvalho: — Muito obrigado.

O Orador: — Mas sinto não o poder agora acompanhar nas considerações que apresentou; por isso pedi a palavra. Sendo minha a proposta, que deu logar á correspondencia entre a mesa e o governo, não podia deixar de entrar n'esta discussão, para explicar como as cousas se passaram.

Sr. presidente, antes d'isso direi que, na opposição ou no governo, tenho sempre os mesmos principios. A carta estabelece as attribuições e prerogativas que pertencem aos differentes poderes do estado (apoiados): e em vista d'isto, é incontestavel que o poder executivo tem obrigação rigorosa de guardar todas as attenções com o poder legislativo; mas tambem é certo que não recebe, nem póde receber, em conformidade com a carta, intimações d'este ou do outro corpo collegislativo: foi por estas considerações que mandei a minha proposta para a mesa, a qual estava de accordo com os principios que acabo de expor; e estava tambem de accordo com as normas de delicadeza que esta camara deve sempre seguir. Nós não podiamos marcar ao governo dia e hora para comparecer n'esta casa; apenas podiamos, em conformidade com os bons principios, e as boas regras auctorisar a mesa para se informar do governo quando elle podia vir a esta camara dar as explicações que eram necessarias e lhe fossem exigidas. A camara convenceu se de que esta minha proposta era aceitavel, e por isso approvou-a quasi por unanimidade (apoiados); e tendo-a approvado não podia aceitar a proposta do digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, que destruia completamente a outra: e nem a camara a approvou...

O sr. 8. J. de Carvalho: — Approvou.

O Orador: — Na parte em que a contrariava. Pois a camara podia approvar uma proposta para que fosse intimado o governo a vir a esta camara?!

O sr. Vaz Preto: — Não houve intimação.

O Orador: — O digno par disse que a proposta era para que o governo comparecesse n'esta camara hoje.

O sr. Vaz Preto: — A proposta era para que houvesse hoje sessão.

O Orador: — A sessão aqui esta. Mas approvou-se mais alguma cousa; e o que se approvou foi a proposta, pela qual a mesa era auctorisada para saber do governo quando poderia apresentar-se aqui. O governo respondeu ao sr. presidente, e n'essa parto (e eu quando digo isto não sou suspeito) andou com toda a delicadeza, dizendo-lhe que compareceria nesta camara no dia 10. E aqui noto uma cousa: se o governo não quizesse, n'esta parte, condescencer com a vontade da camara dos pares acharia ainda um pretexto que muita gente julgaria plausivel.

O sr. S. J. de Carvalho: — Era o adiamento.

O Orador: — E quando o governo se presta a vir responder no dia 10, como eu ía dizendo, em logar de censura devemos dar-lhe louvor.

Todos sabem que ámanhã é dia da procissão dos Passos, que é um acto muito solemne, em que nunca houve sessão n'esta camara (apoiados). Alem disso, sr. presidente, a rasão de não vir hoje o governo aqui é conhecida de todos. A quinta feira é o dia de despacho com o chefe do estado; por consequencia os srs. ministros tinham hoje de se dedicar a outro ramo de serviço publico. Não nos mostremos sôfregos em pedir contas ao governo. O dia dellas ha de chegar.

Quer-me até parecer que o digno par se esquece do dever da caridade, por isso que, depois de nos pintar o ministerio em situação tão triste, como aquella que nos descreveu, não quer deixa-lo respirar. Pois s. ex.ª entende que

O novo ministerio esta já morto pela discussão que tem tido logar na outra casa do parlamento, e não lhe parece rasoavel deixar-se-lhe algum tempo para que elle refaça as suas forças, e possa assim aceitar tambem aqui o combate que se lhe prepara? (Apoiados.) Demais, o digno par póde estar certo de que vinte e quatro ou quarenta e oito horas de descanço, não hão-de habilitar os srs. ministros a poderem obter triumphos na discussão que ha de aqui ter logar. Não creio que triumphe (apoiados); mas em todo o caso é mesmo mais honroso o combate tendo-se esta contemplação, porque o digno par sabe muito bem que se não deve dar em homem morto (riso).

Sr. presidente, concluindo direi, que eu, como auctor da proposta, entendo que não podia deixar de dar esta explicação, devendo dizer ainda, que me parece que a mesa não é de fórma alguma merecedora de qualquer censura (apoiados), pois não fez mais do que proceder conforme lhe dictava a resolução da camara, e do mesmo modo me parece, que tambem o governo não se tornou merecedor de censura emquanto ao simples facto de responder cortezmente, que se promptificava a comparecer aqui no dia 10, a fim de dar a esta camara as explicações que lhe cumpre dar, e que lhe podem ser exigidas.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Dentro d'esta casa está o numero de espectadores que é possivel accommodar, e mesmo assim muitos estão de pé porque não ha commodidades, nem capacidade para have-las. Nestas circumstancias tinha-se providenciado o que pareceu melhor para não augmentar a concorrencia, visto que era inutil e podia até ser prejudicial para todos uma maior accumulação de pessoas (apoiados): entretanto representa-me agora o commandante da'

guarda, que é custoso conter o povo, e assim pede se lhe mande dizer-se é possivel dar-se-lhe entrada franca.

Vozes: — É melhor levantar á sessão, porque não ha que discutir hoje visto não comparecer o ministerio.

O sr. S. J. de Carvalho: — Se querem acabar a sessão porque a multidão esta insoffrida... (Susurro.)

O sr. Conde d'Avila: — É porque não ha que fazer.

O sr. S. J. de Carvalho: — Mas eu tenho a palavra, peço-a fundado n'um direito (susurro.)

O sr. Izidoro Guedes: — Para um requerimento.

(Alguns dignos pares pedem a palavra sobre a ordem.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento o digno par o sr. Izidoro Guedes.

O sr. Izidoro Guedes: — Eu entendo que não havendo objecto algum importante em ordem do dia, é de conveniencia publica e da dignidade da camara que V. ex.ª levante a sessão (muitos apoiados).

O sr. 8. J. de Carvalho: — Tomo nota d'esse requerimento, e hei de responder em tempo competente, pois é um corolário do que eu ha pouco disse.

O sr. Marquez de Niza: — Sobre a ordem.

O sr. Vaz Preto: — Sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Vou pôr á votação o requerimento.

O sr. Marquez de Niza: — Eu insto pela palavra sobre a ordem, porque é simplesmente para fazer uma indicação muito necessaria, e até mesmo, segundo me parece, indispensavel antes que tenha logar o encerramento (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o digno par.

O sr. Marquez de Niza: — Mostra que a sua proposta responde a uma necessidade actual, que é á de satisfazer a anciedade publica; sem que por isso deixe de ficar a mesa auctorisada para se entender com o governo para procurar obter uma casa para as demais sessões da camara.

O sr. Vaz Preto: — Eu tambem tinha pedido a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Perdoe o digno par, mas eu não posso deixar de pôr á votação o requerimento que se fez, juntamente com a proposta que tinha sido mandada para a mesa pelo digno par o sr. marquez de Niza, e que s. ex.ª com rasão reclama que se vote antes de se fechar a sessão (muitos apoiados).

Passando-se á votação foi approvado o requerimento com, a proposta, tudo na fórma indicada, e em consequencia disse

O sr. Presidente: — A sessão seguinte será no sabbado se a camara assim o resolver, mas para isso ponho a votos a indicação que n'este sentido foi feita (apoiados).

Decidiu-se por mui grande maioria que a proxima sessão tenha logar no sabbado.

O sr. Presidente: — Participar-se ha ao governo que a seguinte sessão d'esta camara terá logar no sabbado, sendo a ordem do dia a mesma que esta dada.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e meia.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 9 de março de 1865

Ex.mos srs. Silva Sanches.

Marquez de Fronteira.

Marquez de Niza.

Marquez da Ribeira.

Marquez de Vallada.

Marquez de Vianna.

Conde de Alva.

Conde da Azinhaga.

Conde de Fonte Nova.

Conde de Linhares.

Conde da Louzã.

Conde de Peniche.

Conde da Ponte.

Conde de Rio Maior.

Conde do Sobral.

Conde de Terena.

Conde de Thomar.

Conde de Torres Novas.

Visconde de Benagazil.

Visconde de Condeixa.

Visconde de Fornos de Algodres.

Visconde de Gouveia.

Visconde de Monforte.

Visconde de Ovar.

Visconde da Vargem da Ordem.

Visconde de Ribamar.

Visconde de Soares Franco.

Mello e Carvalho. Moraes Carvalho.

Antonio Luiz de Seabra.

Pereira Coutinho.

Ferraz.

Pereira Magalhães.

Silva Ferrão.

Francisco Simões Margiochi.

J. A. Moraes Pessanha.

Osorio e Sousa.

Silva Carvalho.

Joaquim Antonio de Aguiar.

José Augusto Braamcamp.

Silva Cabral.

Pinto Basto.

José Izidoro Guedes.

Reis e Vasconcellos.

Izidoro Guedes.

José Lourenço dá Luz.

José Maria Baldy.

Rebello da Silva.

Página 658

658

Ex.mos srs. Castro Guimarães.

Castello Branco.

Cabral e Castro.

Canto e Castro.

Brito do Rio.

Menezes Pita.

Sebastião José de Carvalho.

Neto Paiva.

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