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APPENDICE Á SESSÃO N.° 28 DE 4 DE MARCO DE 1904 314-A

Discurso proferido pelo Digno Par do Reino Ferreira do Amaral, que devia ler-se a pag 303, col. 1.ª da sessão n.° 28 de 4 de março de 1904

O Sr. Ferreira do Amaral: - Para completar o que a respeito do estado do Arsenal até 1895 me cumpre dizer, terei que referir-me aos concertos das canhoneiras Cacongo e Massabi, conseguidos, com enormes trabalhos e desgostos, pelas diligencias instantes, e só por estas, do honrado, zeloso e intelligente mestre Lisboa, que já hoje não está no Arsenal, mestre que teve de luctar com rara e persistente coragem, pelo que respeitava á competencia para a direcção dos trabalhos, com os engenheiros machinistas de então, que pretendiam ser os encarregados de dirigir a obra, porque se consideravam só elles os competentes para trabalhos, metallurgicos, contrariamente á opinião dos constructores navaes portuguezes e de todos os outros paizes, que, para a sua competencia, reclamam todos os trabalhos que dizem respeito ao casco e accessorios de navios de ferro e aço, bem como o calculo e projectos das machinas motoras nos seus orgãos essenciaes.

Não desejo descrever á Camara a serie de intrigas, de discussões em que então se achava engajado o pessoal dirigente do Arsenal, nem desejo referir-me ás incompatibilidades irreductiveis que então se manifestaram e que são aliás no Arsenal tradicionaes.

Não desejo tambem cansar a attenção da Camara com as controversias que então se deram; limito-me a dizer que o estado moral do Arsenal, representado pelas luctas intransigentes dos differentes individuos que constituiam o pessoal dirigente dos seus trabalhadores, era deploravel e perfeitamente equivalente ao seu estado material.

Foi esta situação que o Sr. Croneau encontrou quando veio tomar conta da direcção technica do Arsenal de Marinha de Lisboa. É esta situação que agora parece que se pretende renovar. O Governo de então, tendo como base do seu plano de organização do material da esquadra os tres typos, cruzador de 1.600 toneladas, destroyer de 550, e guarda-costas de 4:800 toneladas, resolveu serem estes os navios pelos quaes o Sr. Croneau deveria iniciar o cumprimento do seu contrato. As dimensões restrictas do cruzador eram derivadas da pequena extensão da carreira existente; os outros dois typos de navios obedeciam ás ideias que sobre defesa inovei do porto de Lisboa e guarnição das colonias estavam então assentes, e que ainda até hoje não teem sido na sua essencia alteradas.

Não foi, pois, o Sr. Croneau que escolheu os typos dos navios a construir; foi o Governo que lhe impoz quaes as caracteristicas dos navios a projectar e realizar; o que, de resto, é o que se passa em todas as marinhas: os technicos tácticos põem o problema a resolver: os constructores resolvem-no; a maior ou menor felicidade d'essa solução é que constitue o merito maior ou menor do constructor.

Depois de assignado o contrato, de cujo teor mais adeante me occuparei, voltou o Sr. Croneau a Paris para preparar os planos e contratar a acquisição das ferramentas necessarias para a sua realização; isto é para a mais completa transformação de um arsenal dos fins do seculo XVIII n'uma fabrica de construcções modernas.

Ponderara o Sr. Croneau a falta de tempo para organizar planos, fazer estudos e calculos, e ao mesmo tempo dispor e montar as ferramentas necessarias, para a iniciação dos trabalhos n'uma data pelo Governo escolhida para essa iniciação.

Para abreviar, o Sr. Mancellos Ferraz, que, devidamente auctorizado pelo Sr. Conselheiro Jacinto Candido, havia engajado o Sr. Croneau ao serviço portuguez e o acompanhara em todos os trabalhos preparatorios d'esse engajamento, no que prestou um serviço relevante ao paiz, o Sr. Mancellos, digo, offereceu uns desenhos que havia elaborado para, tomados para base, e feitas as alterações que os technicos superiores da nossa marinha entendessem por conveniente introduzir, o Sr. Croneau fazer o projecto definitivo, os calculos, os pormenores, emfim, de uma construcção que era uma perfeita novidade entre nós, e para a execução da qual seria necessario não só installar novas officinas, mas criar o novo pessoal operario.

O plano do Sr. Mancellos foi previamente apresentado ás auctoridades superiores de marinha, mas taes alterações e modificações n'elle pretendiam introduzir os que tiveram a missão de defini-las, e tão incompleto era o trabalho apresentado, que pelo seu auctor não fora completado, porque não valia a pena ao Sr. Mancellos fazer calculos e detalhes antes de devidamente assente quaes as modificações a introduzir; eram tão inexequiveis no seu conjunto as modificações exigidas, que o Sr. Croneau julgou mais simples elaborar um outro plano definitivo e completo, que pudesse corresponder no possivel ás exigencias impostas pelo Governo por conselho dos technicos nacionaes.

Em face, repito, das difficuldades de introduzir no plano do Sr. Mancellos todas as modificações exigidas pelo Governo, o Sr. Croneau fez o seu plano, no qual não se incluiam - note-se bem- nem o forro de madeira, nem os tubos lança-torpedos, nem a artilharia de superior calibre com menor commandamento, nem muitas cousas que hoje se censuram, que depois lhe exigiram, sendo o plano que definitivamente foi approvado e executado, diverso do primitivamente apresentado pelo Sr. Croneau, principalmente nos elementos apontados, e que tanto teem servido de base ás accusações formuladas contra o cruzador Rainha D. Amélia, por o Sr. Croneau construido, n'uma fabrica onde antes da sua vinda se não fazia a menor ideia do que seria construir em aço um navio de taes dimensões.

O forro de madeira foi mandado pôr, por ser o navio destinado ao serviço das nossas colonias, onde não havia docas, para a pintura frequente do fundo que o forro de cobre sobre a madeira evita; os tubos lança-torpedos foram exigidos porque, havendo poucos meios para adextrar as guarnições no serviço dos torpedos, consideravam-se não como um meio de armamento aconselhavel, não podendo ser submarinos, mas como um elemento de instrucção e pratica de serviço tão especial; a recusa ao armamento de superior calibre nas duas extremidades partiu da impressão, que dominava então no espirito dos almirantes da nossa marinha, que aliás nem os calculos nem a pratica confirmaram de que no Admastor e semelhantemente no D. Amélia seria por de mais fatigante para a estructura dos navios a collocação de taes pesos nos seus extremos. Para complemento do que mais tarde terei que expor á Camara é necessario nunca perder de vista que os constructores não são quem determina os typos dos navios e o seu armamento; estas caracteristicas pertencem aos Governos que lh'os mandam projectar e executar.