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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

SESSÃO DE 3 DE MARÇO DE 1848.

Presidiu - O Em.mo R.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios, os Sr.s Pimentel Freire

Margiochi.

Aberta a Sessão pela uma hora e tres quartos da tarde, estando presentes […]2 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão. — Estiveram tambem presentes os Sr.s Ministros da Guerra, da Fazenda, e da Marinha.

O Sr. Presidente — Não ha correspondencia. Vamos entrar na Ordem do dia, e tem a palavra o D. Par Fonseca Magalhães.

O Sr. V. de Fonte Arcada — V. Em.ª tem a bondade de me conceder a palavra?

O Sr. Presidente — Antes da Ordem do dia?

O Sr. V. de Fonte Arcada — Não, Sr. peço ser inscripto para depois usar della.

O Sr. Presidente — Fica inscripto.

O Sr. Ministro da Guerra — Peço tambem o mesmo.

O Sr. Presidente — Sim Sr. Entremos na Ordem do dia, e siga-se o Sr. Fonseca Magalhães a fazer uso da palavra, que já lhe fôra dada.

ORDEM DO DIA.

Parecer n.° 8 sobre a Proposição de Lei n.º 4, authorisando o Governo a algumas alterações nos Batalhões Nacionaes, cuja discussão na generalidade começára a pag. 317 col. 1.ª

O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, eu farei todas as diligencias para não cançar a attenção da Camara: desejo sobre tudo evitar a censura de cansar perda de tempo, que é sempre para lamentar: em todas as cousas da vida o que mais despresamos é o tempo, quando pelo contraria é elle o que mais se deve aproveitar; mas ainda assim, não creio que a Camara dos D. Pares ou algum de seus Membros possam até Hoje ser com razão arguidos dessa perda de tempo, não só porque entendo que o que se tem aqui dito e passado não é falto de interesse para o Paiz, mas porque até este instante nenhum objecto de maior importancia se tem apresentado, que não tenha sido immediatamente attendido; como succedeu ha pouco com dous Projectos de grande momento, vindos da outra Camara sobre a cobrança dos impostos, e sobre o pagamento das despezas publicas: e nenhum outro assumpto menos interessante, nem mais interessante do que este, que ora nos occupa, tem vindo á Camara, ácerca do qual senão tenha resolvido opportunamente. O de que tractamos hoje é importantissimo; e peço á Camara que me faça a honra de crer que eu o examino com a maior seriedade, sem nenhum desejo de ornar quaesquer observações, que sobre elle me occorrerem com os frívolos atavios de uma eloquencia esteril: não se tracta disso, e a materia requer toda a frieza e assento da reflexão, que em objectos desta ordem devem empregar os homens parlamentares, que desejam seriamente como nós, porque eu a todos faço justiça, o bem do Paiz. Sr. Presidente, tenho meditado neste Projecto de lei vindo da outra Camara, e desejada convencer-me da sua utilidade, da sua conveniencia para o adoptar como medida de que resulte o beneficio, que delle se espera. A circumstancia de ter já passado no outro ramo do Corpo Legislativo, aonde ha tantas illustrações, tem-me obrigado apensar nelle mais seriamente; mas até agora ainda me não pude convencer de que, assim formulado como está, possa ser util ao Paiz, e concorrer para a manutenção da paz e permanencia da ordem, sem o que não podem ter effeito nenhum salutar quaesquer providencias legislativas, por justas e importantes que ellas sejam; e isto no tempo em que tantas é necessario tomar.. Foram creados Batalhões denominados Nacionaes em tempo que era urgentissimo acudir á segurança publica no conflicto que teve logar, e que já passou: ha cem annos quizera eu que elle tivesse acabado. Estes corpos organisaram-se por ordem do Governo em momento critico; elles satisfizeram dignamente ao fim da sua creação; os seus chefes, officiaes, e todos os individuos que os compozeram, fallo da maxima parte delles (aqui não tracto das excepções individuaes que podem ter-se dado) appareceram animados de excellente espirito, prestaram importantissimos serviços a esta capital, que lhes deve em grande parte a sua segurança e tranquillidade. O seu chefe é digno de todo o elogio; aqui se lhe tem feito os que elle muito merece; e por isso não quero dizer mais.

Os Corpos Nacionaes de Lisboa, como dizia todos esses serviços fizeram em tempos calamitosos; sendo certo que muitos dos homens que os compunham, talvez o maior numero, careciam do pão quotidiano para o seu alimento e de suas familias; e comtudo nem um queixume soltaram, porque tudo antepunham servir a sua Patria muito louvor lhes cabe. Felizmente passou esse te rapo, e oxalá que não volte. O Governo ainda até hoje não julgou dever dispensa-los do serviço militar absolutamente; e supposto que alguns tenham sida licenciados, outros, ainda que o menor numero, continuam em armas. É porém certo que o licenciamento de alguns destes Corpos indica não haver a necessidade que havia antes de os empregar na guarnição. Os dos empregados e funccionarios publicos deixaram de occupar-se daí suas obrigações ordinarias em quanto militaram; este serviço deve ter padecido faltas que ha de ser indispensavel remediar. Outros Corpos ha compostos, de homens que se sustentam de salarios por trabalhos effectivos; esta é a classe pobre, que emprega laboriosamente os seis dias da semana para com o producto dos seus jornaes pagar o sustento dessa semana. Muito perderam e perdem estes infelizes, que sem o jornal que antes ganhavam, se acharam reduzidos ao tenue pret do soldado, vestindo-se de uniforme á propria custa; ainda que na maior força do serviço tambem se lhe desse a etape completa. E como poderia deixar de dar-se-lhes essa etape, quando, se a não recebessem, veriam perecer de fome muitos as suas familias? Mas como digo, o recenceamento que se tem dado a alguns dos Batalhões é prova evidente de que o seu serviço não é necessario como foi. Póde pois dispensar-se sem risco da segurança publica. Creio tambem que teem entrado em Lisboa alguns Corpos de linha; mas eu, contemplando que o serviço da guarnição é mui pesado, e que os Corpos do Exercito estão diminutos em numero, não estranho que alguns dos Batalhões ainda continuem era serviço para auxiliar aquelles; até entendo que o Governo o não poderá dispensar por ora — e não só pela pouca força dos Corpos de linha, mas tambem porque é inevitavel dar baixa aos soldados, que acabaram os annos do serviço; e leva tempo o ensino dos novos antes que elles possam ser soldados. Tambem estou convencido de que é forçoso preencher, ou ao menos augmentar a força dos Corpos com recrutas feitas em conformidade da Lei.

Não me opponho pois a que continuem a fazer serviço alguns Corpos Nacionaes nesta Capital, em quanto os de 1.º linha não tiverem força sufficiente para a guarnição della, no que o Governo deve desveladamente cuidar. Os Batalhões Nacionaes merecem todo o elogio, e agradecimento pela regularidade e disciplina que observam com tanto proveito publico.

Mas o projecto do Governo que temos presente quer mais do que isto, mostra outro pensamento com o qual me não conformo.

Está em discussão na generalidade, mas seja-me permittido lêr um ou dous artigos dele e seus paragraphos porque destas especialidades é que se compõe a sua generalidade.

«Artigo 1.° São conservados os Batalhões Nacionaes, ora existentes, e poderão ser creados sobre o plano destes, os que forem necessarios á conservação da segurança publica, com tanto que a totalidade dos mesmos Batalhões não exceda o numero de 30.

«§. 1.º São igualmente conservados o Esquadrão de Cavallaria, e o Regimento de Artilheria da Carta.

«§. 2.° O Governo poderá modificar o plano de organisação de 30 de Outubro de 1846, fazendo as suas disposições extensivas a tolo o Reino, e adoptando-as ás varias circumstancias locaes.

«§. 3.º Aquelles Batalhões, cujas localidades o serviço publico exigir que sejam alteradas, poderão ser supprimidos, e em seu logar creados outros.»

Aqui temos pois o que se quer: é a organisação de 30 Batalhões em todo o Reino pelo plano porque foram organisados os actuaes, segundo o mesmo regulamento que comprehende ambas as cousas; quer dizer: propõe-se-nos um voto de confiança sobre o alistamento e organisação de 30 Batalhões, que contando a SOO homens cada um, vem a ser 15:000 homens de serviço; e alem destes Corpos, segundo me parece, serão tambem conservados: um Esquadrão de Cavallaria, que não Sei que força tem, e um Corpo de Artilheria da Carta: logo vem a ser 32, porque eu não vejo incluidos no numero de 30 a estes 2.

Aqui estão pois tres votos de confiança, que são pedidos pelo Projecto em discussão, votos de confiança que eu entendo não poder dar: e não é com relação ás pessoas que compõem a actual Administração que eu digo isto. Eu não daria esses votos de confiança a nenhum outro individuo, nem mesmo ao meu amigo o Sr. José da Silva Carvalho. E não se argumente que já nesta Sessão se teem dado iguaes votos de confiança, ao Governo: não é assim. As Leis de Fazenda, que ha poucos dias passaram nesta Camara não teem paridade nenhuma com este Projecto em discussão; por quanto essas Leis de Fazenda eram uma necessidade para dar meios ao Governo a fim de satisfazer aos encargos, que sobre elle pesam. As Côrtes authorisaram o Governo a cobrar e a pagar, segundo a Lei existente, em quanto ella não fosse alterada; porque de outra sorte o Governo não podia existir: não foi voto de confiança, foi Lei da necessidade inevitavel. Não posso porém votar por este Projecto, porque é um verdadeiro voto de confiança, é o unico que até hoje aqui tem vindo, e que authorisa um gravissimo tributo, que vai pesar sobre o Paiz, e muito maior que o tributo pecuniario; porque o é de sangue. (Apoiados.)

Sr. Presidente, eu já disse em uma das passadas Sessões, que a prudencia do legislador devia empregar-se era considerar para que povo tem de legislar, e em que circumstancias se acha o paiz que tem de receber as Leis. De que precisâmos nós? Precisamos de paz, de ordem, e liberdade. Precisamos que os povos tenham confiança no Governo; precisâmos que elles esperem que se lhes faça justiça. Se o Governo corresponder a estas esperanças o povo será satisfeito e contente. (Apoiados.)

Hontem disse aqui um illustre Ministro da Corôa, que o socego que havia no Paz era socego apparente: não o creo, nem eu diria tal se estivesse no logar de S. Ex.ª, e não o diria, alem de outros motivos, porque presumo que não teria razão. Tambem tenho notícias e informações das Provincias, e dadas por pessoas em quem me fio; e tambem as tem o meu amigo e D. Par o Sr. Arrochella; e iguaes as tem tido outros membros desta Camara. As que eu recebi são da Provincia do Minho, as quaes dizem haver alli socego; e note-se, que é a Provincia onde a ultima revolução teve principio.

O que porém eu vejo é, que se passasse o Projecto em discussão, succederia que, ou se havia de fazer um alistamento caprichoso (contra o que eu hei de votar), para forçar ao serviço militar certos individuos que tomaram parte nos movimentos passados; ou se procuraria que os novos Corpos não contivessem homens desses, mas sim dos seus contrarios, aos quaes se daria armas para os declarar em hostilidade contra esses taes. (Apoiados.)

Nas Provincias do Minho, e da Beira, donde eu tambem tenho correspondencias, e muitos membros desta Camara, o que se nos participa é que tudo quanto o povo quer, tudo aquillo porque elle almeja, e de que tem verdadeiramente cede, é ordem e justiça, mas justiça sem favor. (Apoiados.) Deseja-se em geral que se dêem aos povos Magistrados e Governadores probos e honestos, que amem a liberdade, e façam justiça ao povo — ao povo que obedecerá aos Chefes que o tractarem com justiça, e o protegerem contra a oppressão.

Sr. Presidente, eu direi a V. Ex.ª e á Camara uma verdade, e é, que tenho por certo, que n'um Paiz como o nosso, as boas Authoridades podem fazer muitos bens: porém as más Authoridades podem fazer, e effectivamente fazem muito mal. (Apoiados.) Ha uma pequena terra aonde eu nasci, (Condeixa se chama), não vou alli ha muitos annos; só passei quando em 1846 fui padecer um contratempo e passar por uma cathastrophe. Lá não possuo nem uma figueira: a Providência não me dotou de bens patrimoniaes; porém não ha naquelles sitios nem uma pedra, nem uma arvore que me não seja cara. Como deixará de interessar-me a condição de seus habitantes? Ainda hontem, dou por testemunha o Sr. Silva Carvalho, me appareceu em casa alguma gente daquella terra. Perguntei eu logo, se o Povo se achava contente o tranquillo? Responderam-me: em quanto lá houver por Administrador Ignacio de Miranda (creio que é este o nome do Administrador do Concelho), não ha receio de que appareçam desordens, porque elle é o pai, é o amigo, é o protector de todos: não haverá perturbações nem disturbios populares, porque o Administrador vella pelo bem geral, sem a menir parcialidade. Perguntar-se-me-ha se elle é de algum partido? Se algum segue é o partido do Ministerio que acabou em Maio de 1846: não pertence, creio eu, á opposição; e homem honrado. Homens destes ha-os em todos os partidos politicos, e em toda a parte. O Governo tem obrigação de procurar caracteres taes, que sã) os unicos batalhões que deve mandar, para as Povoações: estes não fazem despezas, nem excitam ciúmes, e rivalidades; não haverá preferencias na escolha de Capitães ou Alferes; não darão incommodo algum, e sim grande satisfação.

Os Administradores dos Concelhos são uma instituição salutar. Elles devem fazer todo o bem, dar toda a prelecção aos Povos, que nunca póde não queixar-se de taes Magistrados, tuna vez que elles façam o seu dever conforme a indole da sua magistratura. O Povo os amará sempre que o Governo lhos der bons, e dignos de exercer o cargo. Sr. Presidente, nós passamos por um quasi caticlysmo; as fortunas de todos padeceram muito; nas Provincias perdeu se muito trabalho, e conseguintemente, muita riqueza; e d'aqui vem a pobreza do Paiz. O que se quer pois? Quer-se que os cultores trabalhem nos campos; que os homens de officios se empreguem nelles; que todas as industrias possam ter a attenção assidua dos Cidadãos que a ellas se dedicam. É isto o que se quer, o que é necessario para que haja paz e ordem; mas nada disto se obtém com a creação desta força, que organisada impropriamente, póde pôr em hostilidade uma grande pule dos habitantes contra a outra parte. (Apoiados.)

Sr. Presidente, eu convenho em que haja uma milicia auxiliar, que defenda os Povos de seus inimigos, e na occasião de necessidade coopere com as forças do Exercito. Em quanto á Provincia do Minho é certo que ella por vezes tem silo infestada de salteadores, que alli acodem por muitas razões, e uma dellas é porque lá ha muito que furtar. (Riso.) Sendo pois certo que a paz e a ordem se devem manter no Povo, inspirando-lhe o Governo confiança, e regendo-o com justiça, (O Sr. V de Fonte Arcada — É verdade.) é bom não tomar providencias, que possam produzir effeito contrario. Este recrutamento proposto para preencher os Batalhões não póde satisfazer as indicações da justiça. É verdade, que precisâmos de exercito, e talvez o precisemos maior do que os nossos meios comportam. Há de proceder-se a recrutar para elle; isto é inevitavel; ora não aggravemos este mal com outro recrutamento, feito militarmente. Julga-se que é um remedio, um recurso para alcançar a permanencia da ordem no Paiz, e eu entendo que não, que este não é o meio de obter esse justo fim.

Todos os Cidadãos que forem designados pela Lei para servir o Estado na defesa da Causa Publica, devem prestar esse serviço; mas é preciso que a Lei o determine, e que ella seja a mais justa e mais igual que possa dar se. Vejo que se propõe a creação de 30 Batalhões em logares não designados, pela maior parte, e como medida excepcional. Em taes assumptos não as quizera eu. (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado.) Sr. Presidente, se ha necessidade desta força auxiliar parece-me que deve crear-se não para uma localidade, mas para todas. Se é bem, todas as Provincias e Povoações, quaesquer que sejam, o devem gosar, se é um sacrificio, divida-se por toda a parte, porque me parece que todas o deverão fazer para prevenir o mal em todas as localidades. Repito, não se julgue que me opponho á creação de uma milicia secundaria; entendo que della carecemos; chamem-lhe uma guarda nacional, mas não insisto na denominação, que isso pouco importa, chamem lhe milicia civica, com tacto que a não organisem como as antigas milicias; e não direi tão pouco que seja como a primeira guarda nacional. Sempre tivemos uma força publica alem do Exercito, por exemplo: os terços ou ordenanças que em Lisboa se chamavam legiões nacionaes vulgarmente chussos, corpos que faziam serviço, e muitas vezes prestaram muito para a manutenção da segurança publica. Aqui diz um D. Par que foi Cabo d'Esquadra de um desses corpos. (O Sr. V. de Fonte Arcada — É verdade.) Sim, Sr. Cabo d'Esquadra. (Hilaridade. Sussurro.) Decerto este assumpto merece sem duvida ser tratado pelas duas Casas do Parlamento. Diz-se que a Carta não determina a creação de uma guarda nacional: eu bem o sei; essa instituição não digo eu que seja da essencia do Systema Constitucional, mas é da conveniencia desse Governo cuidar na segurança publica pelos meios mais adequados, e que menos custem a fim de manter a Liberdade, as Leis, e a independencia da Nação.

Disse-se aqui que em Inglaterra tal guarda nacional não existia, mas sim, uma segunda linha ou milicias: não direi que lá não haja tal força de segunda linha, (Vozes — Ha, ha.) Eu sei o que ha, ou antes o que houve. A dizer a verdade não ha guarda nacional; porque os corpos que foram creados no tempo da guerra, por tres actos successivos no tempo de Jorge III, o ultimo em 1802 creio eu, eram corpos de cavallaria, que fizeram muitos serviços, denominaram-se yeomanry. Todos podem saber a historia dessa milicia, que durou ainda depois da guerra com a França. Caiu mais tarde em desuso, e veio a entender-se que não podia considerar-se de nenhuma utilidade. Um corpo que foi, se bem me lembro, em 1819 chamado para dissipar um tumulto em Manchester, atirou sobre o Povo amotinado, fazendo alguma mortandade. Viu-se que a sua inevitavel falta de disciplina obstava a que pudesse ser util. Não sei se ainda hoje existem alguns corpos, ou antes, cascos desta milicia; mas não precisâmos de ir lá buscar argumentos da sua existencia ou não existencia. Cada Nação tem as suas particulares necessidades, e provê a ellas segundo as circumstancias em que se acha. Repito, convenho que devemos ter milicias nacionaes, que possam dispensar alguns serviços da tropa de linha, obstando a que esta se derrame pio Paiz em pequenas fracções, o que damna muito á disciplina e moral do Soldado.

Mas, poderá isto obter-se com a medida proposta? Parece-me que não. Em todo o caso é impossivel convir em que o alistamento se faça ao mero arbitrio e vontade do Governo. Pois o recrutamento para estes corpos será de menos importancia do que o que se faz para a primeira linha? Não de certo: e todavia a este não se procedi se não em virtude da Lei. Algumas se tem feito, e ainda até hoje não temos uma que possa considerar-se comparativamente boa. Consta-me que na outra Camara foi ha pouco apresentado um Projecto de recrutamento para a primeira linha. Diz-se no Projecto que o Governo modificará como lhe parecer as disposições do Decreto de 30 de Outubro de 1846. Isto é claramente um voto de confiança, que não considero poder dar em assumpto da tamanho momento.

Dir-se-ha que me contradigo quando pretendendo remover a desigualdade que noto no pagamento deste imposto, concedendo que subsistam os corpos armados de Lisboa; mas entenda-se que eu me não opponho á existencia delles, e consinto nella, em quanto senão tomar uma medida definitiva, não só pelo que toca afixação da força de primeira linha, mas á força que ha de auxilial-a para a defensão do Paiz tanto contra os inimigos externos, como nas perturbações internas. (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra.) Sr. Presidente, ha muitas provisões particulares na creação e organisação destes corpos, que devem ser decretadas pela Lei. Por Leis foram regulados era todo o tempo os antigos corpos de milicias; por Leis se regulou o serviço das ordenanças ou terços antigos, que serviram em quanto não se deu uma fórma ao exercito. — Esses ajuntamentos, mais ou menos organisados, segundo a época em que serviram, pelejavam com os nossos inimigos, e ajudavam a vencel-os. É preciso que a Lei prescreva o serviço que tem de fazer-se, quando, e em que circuito de terreno. Ha tambem a considerar quaes garantias hão de obter os que servem, e como se póde assegurar o bom serviço dos que o prestarem, porque se tracta de entregar armas, e cumpre que da sua entrega resulte o bem que se espera. — É preciso saber se esse serviço dispensa do da linha, ou se se ha de exigir de pessoas não sujeitas a elle? Que idade e condições serão requeridas para um e outro serviço. Em fim, esta creação será mais ou menos bem acolhida segundo mais ou menos fôr a justiça e a igualdade com que fôr decretada. É certo que o povo a reputará de alguma violencia; porque ella o é de sua natureza; porém considerandos indispensavel, os cidadãos no caso de servir se sujeitarão a ella, tendo as condicções indicadas. Diz-se que a permissão que se pede para o recrutamento destes corpos pela maneira declarada no Projecto é só por um anno. — A este respeito eu não digo que o povo desconfia, digo que não temos grande direito a exigir que elle confie antes de lhe darmos provas de que póde confiar. Todos temos sido francos em promessas, creio que sinceramente feitas; porém muitas dellas quando cumpridas? Para adquirir o direito de ser acreditado é preciso fundal-o em muitos factos.

Isto não é censura ao Governo: os illustres Cavalheiros aquém alludo, metendo a mão na sua consciencia, me hão de achar razão no que digo. Creio que vamos fazer-lhes um triste presente nesta concessão, que aqui se pede ao Corpo Legislativo. Considero as observações que tenho feito não menos uteis aos Srs. Ministros que ao povo.

Esta medida é excepcional, como já disse, e sobre o objecto de um imposto de tal natureza não deve proceder-se com tanta rapidez. — Cumpro attender a tudo, não faltar com uma só garantia, não perder de vista o minimo principio de justiça, Disse-se, repito, que o Paiz reclamava