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208 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

por isso peço a v. exa. que me reserve a palavra para outra occasião.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, estimo que o andamento cos trabalhos da camara tivessem corrido de modo, que passassem vinte e quatro horas depois do discurso apaixonado proferido na sessão de hontem pelo digno par o sr. Vaz Preto, porque este lapso de tempo fez com que o meu espirito esteja mais tranquillo, para assim poder responder serenamente a s. exa., como devo a mim proprio e á dignidade do logar que occupo.

Responderei brevemente ás observações do digno par, porque, tendo a camara bastantes assumptos importantes de que se occupar, faltando-nos pouco tempo para o encerramento da actual sessão legislativo, e sendo o assumpto em discussão mais um objecto de amor proprio individual para mim, pelas contradicções do que fui accusado e pelas violencias de que fui objecto, do que de verdadeiro interesse publico, não devo ser eu que lhe tome o tempo, que tanto lhe é preciso para tratar do outras muitas questões.

Fui accusado do ter caído em contradicções, e recusado violentamente. Comtudo, apesar da idéa em que estou de, como disse, não tomar muito tempo é, camara, não devo, nem posso deixar passar sem reparo e sem resposta as censuras que me dirigiu o digno par o sr. Vaz Preto.

Toda a camara sabe que nas ultimas sessões de 1875, o ministerio de então, de que eu tinha a honra do fizer parte, diligenciou quanto póde para fazer approvar em ambas as casas do parlamento a proposta de lei que auctorisava o governo a fazer os dois caminhos de ferro da Beira Alta e Beira Baixa e o do Algarve. Esta proposta foi combatida em ambas as casas do parlamento, eu defendi-a como pude e soube, e commigo o meu particular amigo o sr. Avelino, então ministro das obras publicas, por isso que o assumpto era mais propriamente da sua repartição.

A proposta foi approvada na camara dos senhores deputados, mas quando chegou a esta levantaram-se grandes objecções do diversos lados da camara, umas ao projecto todo, e outras em relação á parte que auctorisava a construcção simultanea dos dois caminhos de ferro das Beiras e do Algarve.

Eu respondi então com a convicção que tinha e ainda hoje tenho, do que os caminhos do ferro sendo um grande instrumento de progresso e de riqueza, publica, embora causassem embaraços momentanes, deviam comtudo dar em resultado grandes beneficios para o paiz.

Estou convencido ainda do que o melhor meio de fazer finanças, e promover os interesses do thesouro, é dar desenvolvimento ás vias de communicação, e principalmente ás acceleradas.

Sr. presidente, ha annos a este parte que ninguem duvida d’esta verdade. Os caminhos de ferro não produzem sómente beneficio para as companhias que as explorem, mas são indiretamente para o estado um grande auxiliar que concorre extraordinariamente para melhorar as condições da fortuna publica e por consequencia as condições do thesouro. Os factos têem provado que isto é uma verdade, e inutil é já insistir sobre este ponto, pois que são hoje raras as vozes que se levantam para condemnarem as vias ferreas; tempos houve em que foi preciso defender estas idéas, mas hoje são ellas por todos partilhadas.

N’esta casa e n’essa epocha, como v. exa. sabe, porque já então dirigia os nossos trabalhos, levantaram-se difficuldades, de certo nascidas de convicções sinceras, mas nem por isso deixavam de ser difficuldades, e o governo teve rasões politicas para não prorogar a sessão legislativa, e por mais diligencias que se empregaram, a camara é testemunha de que não póde sor votada aquella proposta de lei, que tinha sido apresentado ao seu exame.

Ficaram pois as cousas assim em 1875. Em 1876, como a proposta tinha ficado pendente, foi ella um dos primeiros assumptos de que esta camara se occupou, approvando-a na generalidade e especialidade logo no principio da sessão legislativa, sendo convertida em lei em 26 de janeiro de 1870. A camara esteve aberta os tres mezes a que á obrigada a sessão legislativa, na conformidade da carta constitucional, e fechou-se em 2 de abril. O governo começou então a preparar o programma para o concurso dos caminhos do ferro. De passagem, seja-me permittido dizer (interrompendo esta historia chronologica) que o sr. Vaz Preto começou por fazer varias perguntas, ás quaes dei as respostas que me pareceram opportunas e convenientes; mas quando esperava que essas respostas merecessem a approvação ou os repares do digno par, foram ellas postas de parte, para se referir exclusivamente ao que eu disse, creio que ha dois annos!

Todos sabem, sr. presidente, que no anno do 1876 uma crise financeira de grave importancia teve logar n’este paiz. Começou essa crise em maio, na cidade do Porto, e generalisou-se depois a Lisboa, podendo-se dizer que se repercurtiu em todo paiz. Tivemos a fortuna de atravessar essa crise sem graves inconvenientes, mas não sem ficarem vestigios, que ainda hoje se experimentam, se bem que remotamente; e o governo, tendo visto a difficuldade com que na camara dos pares se tinha votado a proposta, e as objecções que se fizeram, principalmente á construcção simultanea das duas linhas, julgou então opportuno abrir o concurso só para o caminho de ferro da Beira Alta, deixando de parte o da Beira Baixa.

Eu disse na sessão passada, que o governo tinha cedido a este impulso em virtude das dificuldades financeiras do thesouro e da opinião publica. Porém o digno par, sr. Vaz Preto, objectou que eu (creio que no anno passado, e logo direi porque) respondi a uma pergunta igual de s. exa., dizendo que o caminho de ferro da Beira Baixa não se tinha posto a concurso porque não estava concluida com o paiz vizinho a combinação ácerca do ponto do entroncamento d’essa linha ferrea na fronteira.

Eu devo dizer o que é verdade. Esta manha, nos poucos minutos que tive disponiveis, para pensar n’este negocio, porque tenho muitos outros do que me occupar, não encontrei a sessão em que deve estar a minha resposta, de que o digno par leu hontem aqui alguns trechos.

O sr. Vaz Preto: — Tenho eu aqui esse discurso.

O Orador: — Supponho que sim, porque o digno par de certo não viria ler uma cousa que lá não estivesse.

Mas entrei em duvida se seria em 187G ou 1877; procurei em ambos os annos, mas não encontrei. Diz comtudo o digno par que eu n’essa occasião declarei que não estava feito o accordo com os engenheiros hespanhoes sobre o ponto do entroncamento. É possivel que dissesse isso, como o digno par assevera, mas é tambem possivel que o não dissesse, e eu fallo diante dos senhores tachygraphos e da camara inteira, que sabe que eu nunca revejo os meus discursos. E possivel pois que o dissesse, mas é tão facil um equivoco ou um engano; é tão facil o não se terem entendido bem as minhas palavras, e creio que entre um equivoco e uma falsidade a differença é profunda. Nada mais facil portanto do que o haverem sido mal entendidas as minhas palavras, e darem legar a ser hoje notada pelo digno par a proposição que citou. Pela minha parte limito-me a assegurar á camara que não revi o meu discurso, porque nunca os revejo, o que tenho como systema inalteravel. Se porém o engano foi da minha parte, o que é tambem possivel, sentindo que elle se desse, folgarei muito que d’aqui a trinta annos, se viver, me possa equivocar ainda algumas vozes, e que todos os dignos pares que estão presentes estejam vivos para me poderem notar esse engano ou enganos.

Prosemos porém aos factos. Em 10 de março fez-se o accordo entre os engenheiros hespanhoes e portuguezes, e a 22 de abril é claro que esse accordo estava feito entre aquelles engenheiros, pois que estava approvado pelo gover-