DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 213
as palavras não servem senão para representar as idéas e os factos como elles realmente se passam.
Não me digam que não ha lei que inhiba qualquer ministro de ser director de uma companhia. A incompatibilidade que existe entre o cargo de director de uma companhia e o de ministro d’estado, é reconhecida por todos que têem idéas de justiça e moralidade, por isso entendi e entendo que o sr. Fontes fazia melhor em se demittir de director, do que de fugir da camara, como fazia quando se discutia a questão da isenção do imposto de transito.
Quem procedeu como o sr. Fontes procedeu, quem se viu obrigado a despedir-se do cargo de director para satisfazer á opinião publica, não estava effectivamente collocado em bom campo, e nem mesmo satisfeito com a sua consciencia. Sr. presidente, tenho-me demorado um pouco sobre este incidente, porque vejo que foi da minha argumentação a parte que maguou mais o sr. Fontes, tendo eu sido apenas mero historiador dos factos que se passaram n’aquella epocha. Factos estes que têem tido grande influencia nos illustres regeneradores, e que têem impedido a construccão do caminho de ferro da Beira Baixa.
Sr. presidente, deixarei este incidente fazendo sentir bem a minha opinião de que a camara não tem direito a passar diplomas de moralidade ao sr. Fontes ou a qualquer sr. ministro, mas que tem direito, obrigação até, de apreciar os seus actos como funccionario publico, e de os censurar com toda a vehemencia.
O sr. Fontes, não podendo responder ás rasões com que eu o tenho combatido, pretendeu desviar o ataque, dizendo que eu o censurava pelo augmento das tarifas, augmento que eu tinha votado, porque apoiava o seu ministerio n’aquella epocha.
Ainda d’esta vez enganava a camara, e não lhe disse a verdade. Eu não votei o augmento das tarifas, posso assegurar isso á camara.
Não posso, comtudo, dizer se fallei e protestei contra ellas, porque muitas vezes por impedimento serio tenho deixado de vir a esta camara, como succedeu ainda ha pouco tempo, que em virtude de uma, doença grave estive dois mezes na provincia sem aqui poder comparecer; mas o que posso afiançar desde já é que não approvei esse augmento, porque eu voto sempre contra tudo que repugna á minha consciencia e que entendo ser contra os interesses publicos.
O sr. presidente do conselho n’outra sessão classificou de sophistica a minha argumentação, dizendo que eu, não tendo rasões para combater o projecto, chamava a discussão para outro terreno.
Se assim foi porque me imita?
Qual a rãs ao por que não chama, hoje, tambem sophistica á sua argumentação, que, em vez de se cingir aos pontos em que o ataquei, varia para outros? Isto não é da minha parte censura, é mostrar apenas a contradicção, pois eu desejei immenso que o sr. presidente me chamasse para este terreno e alludisse ao tempo em que eu o apoiei.
Ha muito que eu desejo liquidar contas. Mas antes de entrar n’esse campo explicarei a rasão por que não pedi ao ministerio do sr. duque d’Avila explicações por não ter posto a concurso o caminho de ferro da Beira Baixa.
Todos sabem que o sr. duque d’Avila era de opinião que se não fizessem mais caminhos de ferro emquanto as circumstancias do thesouro não melhorassem; entretanto, essa opinião de s. exa. não me inhibia de interpellar o seu governo relativamente a este assumpto. Infelizmente, a doença grave de que fui victima impediu-me de realisar o meu desejo, o que muito sinto.
Se o sr. Fontes não fosse tão desmemoriado, devia de recordar-se que eu no anno passado verifiquei aqui uma interpellação ao sr. Barros e Cunha, ministro das obras publicas, e que n’essa epocha s. exa. e todo o seu partido teriam os maiores encomios ao sr. duque d’Avila, cujo governo apoiavam.
Devia estar lembrado que essa interpellacão teve por fim evitar a concessão do ramal de Chança a Caceres, e mostrar ao ministro que procederia contra lei se a fizesse, por isso mesmo que não se tratava de um ramal, mas de uma linha internacional, que estava prejudicada, pelo caminho de ferro do Valle do Tejo.
Essa concessão fez-se desgraçadamente, e eu, se a minha doença mo tivesse permittido, ou o ministerio do sr. duque d’Avila não tivesse caído, ter-lhe-ía pedido contas severas, apesar da responsabilidade principal pesar sobre o ministerio regenerador, que tinha mandado offerecer á companhia a concessão do ramal.
Portanto, esteja o sr. Fontes sempre certo que eu sou coherente nas minhas opiniões e nas minhas idéas, e que os meus actos não deslisam d’ellas. Se na vida publica mudasse, não me deshonrariam os motivos por que o fizesse. O mudar não fica mal a ninguem, o que muitas vezes não é decoroso, é o motivo que determina essa mudança.
Eu apoiei o partido regenerador emquanto tive confiança n’elle, e apoiei-o com toda a lealdade, e só deixei de lhe dar o meu voto quando perdi essa confiança. Não devo aos chefes d’esse partido um unico favor pessoal, mas sim muitas desconsiderações; outro tanto, talvez, não possam, elles dizer do mini. Foram sempre ingratos e incorrigiveis, nunca aprenderam na desgraça, de fórma que quando voltavam ao poder era sempre com os mesmos defeitos correctos e augmentados.
Digo-o aqui bem alto e em bom som, para que o sr. Fontes ouse contradizer-me. Terei muitos defeitos, não tenho pelo menos aquelle de ser ingrato e incorrigivel.
Sr. presidente, não tomaria tanto calor, se não visse que o sr. Fontes quiz lançar sobre mim certo desfavor, quando elle era o ultimo que tinha direito a fazel-o.
Acabado este incidente, e com o qual eu muito folguei, e voltando á questão, vou mostrar que fiz caso das respostas de s. exa. ás perguntas que lhe dirigi.
Perguntei qual a rasão por que não punha a concurso o caminho de ferro da Beira Baixa, e s. exa. respondeu que as circumstancias do thesouro não o permittiam. Tratei então de mostrar que esta opinião do sr. Fontes estava era contradicção com a que elle tinha em 1875, quando disse que estava convencido que os caminhos de ferro contribuiam immenso para a organisação das finanças e produziam vantagens de tal ordem, que o não assoberbavam as despezas que resultavam da sua construccão.
S. exa. está em contradicção manifesta com as idéas que apresenta agora. E tanto fiz caso das suas respostas, que acho verdadeiramente lamentavel, e faço notar á camara a contradicção flagrante em que continua o sr. Fontes a estar apresentando uma proposta para a construccão do caminho de ferro da Beira Alta por administração e fazendo discutir na camara dos senhores deputados uma outra proposta para a construccão do caminho de ferro do Algarve, apesar do seu convencimento de que as circumstancias do thesouro não permittiam que se procedesse a esta construccão.
Estão ou não as finanças em apuros? Se estão para que se vão fazer estas despezas enormes?
Quando fallo no caminho de ferro da Beira Baixa, não é porque eu pretenda que elle actualmente se faça, assim como entendo que não se devia fazer o caminho de ferro da Beira Alta, e muito menos o do Algarve, porque a primeira cousa a tratar é da organisação da fazenda publica. O que eu. quero, o que eu pretendo, é que o governo seja economico e olhe com interesse para os haveres da sociedade, que os augmente em logar de os desperdiçar; o que eu quero, o que eu pretendo é que o governo seja coherente, e que se tinha de continuar algum caminho de ferro, construisse o que o sr. ministro das obras publicas reconheceu como internacional, mais facil e mais barato.