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N.º 29

SESSÃO DE 28 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretario — o digno par Eduardo Montufar Barreiros

(Assistia o sr. ministro das obras publicas.)

Ás duas horas e quinze minutos, achando-se presente numero legal, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia.

Um officio da associação commercial do Porto, remettendo sessenta exemplares do relatorio dos trabalhos da respectiva direcção, no decurso do anno findo.
Mandaram-se distribuir.

Outro da associação commercial de Vianna do Castello, acompanhando uma representação contra o imposto denominado real de agua.

A commissão de fazenda.

O sr. Sequeira Pinto: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da commissão de legislação, que passo a ler.

(Leu.)

Aproveito tambem a occasião para mandar para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Lido na mesa o parecer mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o requerimento do sr. Sequeira Pinto.

O sr. Secretario: — Leu.

É do teor seguinte:

«Requeiro que, pelo ministerio da justiça, seja remettida a esta camara uma nota da lotação dos logares de justiça desempenhados pelos officiaes de diligencias dos juizos de direito pertencentes aos distinctos das relações de Lisboa e Porto.

«Camara dos pares, em 28 de marco de 1878. = Sequeira Pinto.»

O sr. Presidente: — Os dignos pares que são devoto que se mande este requerimento ao governo, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Marquez de Vallada: — Pedi a palavra para declarar a v. exa. que a commissão nomeada por esta camara para proceder a um inquerito aos hospitaes e misericordias, installou-se hoje, e nomeou para seu presidente o sr. José Augusto Braamcamp, para vice-presidente o sr. marquez de Sabugosa e a mim para secretario.

Sr. presidente, por parte da commissão desejava que se esclarecesse um ponto que julgo importante, isto é, se a commissão póde trabalhar, como creio que pôde, e v. exa. já o manifestou, no intervallo das sessões. Desejo que a camara se manifeste sobre este ponto.

O sr. Presidente: — A camara acaba de ouvir o pedido do digno par por parte da commissão nomeada para proceder a um inquerito aos hospitaes e misericordias do reino.

Esto inquerito necessariamente ha de levar muito tempo, e estando proximo o encerramento da sessão, o digno par pergunta se a camara entende que a commissão deve continuar os seus trabalhos no intervallo das sessões.

Parece-me que em vista da indole d’esta camara, e dos seus precedentes, não póde deixar de ser resolvido affirmativamente o requerimento do digno par. Entretanto pertence á camara tomar uma decisão a este respeito.

Se ninguem pede a palavra, entendo que a camara concorda com a indicação do sr. marquez de Vallada, e por consequencia que a commissão fica auctorisada a continuar os seus trabalhos no intervallo das sessões.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, está entendido que ficam satisfeitos os desejos do digno par, isto é, que a commissão póde funccionar apesar de estarem fechadas as camaras.

O sr. Marquez de Vallada: — Se estivesse presente o sr. ministro do reino aproveitaria a occasião para pedir a s. exa. que consentisse que n’um dos gabinetes do ministerio do reino se podesse reunir a commissão de inquerito no intervallo das sessões, porque ahi mais facilmente podia a commissão colher os esclarecimentos que fossem necessarios para a solução d’este importante negocio. S. exa., porém, não está presente, eu peço ao sr. ministro das obras publicas que communique a s. exa. este meu desejo.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): — Pedi a palavra para dizer ao digno par que eu darei conhecimento ao meu collega do reino, dos desejos de s. exa., e quasi que posso contrahir, em nome do meu collega do reino, o compromisso de declarar a s. exa. que sem duvida será posta á disposição da commissão uma sala do ministerio do reino, onde a mesma commissão possa funccionar, onde poderá mais facilmente obter os esclarecimentos de que precisar.

O sr. Marquez de Vallada: — Agradeço ao sr. ministro das obras publicas a sua boa vontade.

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da interpellação do sr. Vaz Preto. Pertence a palavra primeiramente ao sr. presidente do conselho; mas como s. exa. não está presente dou a palavra ao sr. Larcher.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Como não está presente o sr. presidente do conselho, e sou eu o ministro que se segue na ordem da inscripção peço a v. exa. que me de a palavra.

O sr. Presidente: — Tem v. exa. a palavra.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Eu pedi a palavra, não porque de algum modo me quizesse antepor n’esta questão especial ao meu digno collega o sr. Jayme Larcher, mas sómente porque julguei que devia responder, por parte do governo, se não á totalidade das considerações apresentadas pelo digno par o sr. Vaz Preto, pelo menos a algumas d’ellas.

Sem duvida alguma eu não tomaria sobre mim o encargo de defender o sr. presidente do conselho das accusações mais ou menos graves, que foram formuladas pelo digno par o sr. Vaz Preto, se o meu collega aqui estivesse presente, mas na ausencia d’elle, entendi que era do meu dever fazer algumas considerações em resposta ao digno par e em defeza do sr. presidente do conselho.

(Entrou o sr. presidente do conselho.)

Acaba de entrar na sala o sr. presidente do conselho, e

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por isso peço a v. exa. que me reserve a palavra para outra occasião.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, estimo que o andamento cos trabalhos da camara tivessem corrido de modo, que passassem vinte e quatro horas depois do discurso apaixonado proferido na sessão de hontem pelo digno par o sr. Vaz Preto, porque este lapso de tempo fez com que o meu espirito esteja mais tranquillo, para assim poder responder serenamente a s. exa., como devo a mim proprio e á dignidade do logar que occupo.

Responderei brevemente ás observações do digno par, porque, tendo a camara bastantes assumptos importantes de que se occupar, faltando-nos pouco tempo para o encerramento da actual sessão legislativo, e sendo o assumpto em discussão mais um objecto de amor proprio individual para mim, pelas contradicções do que fui accusado e pelas violencias de que fui objecto, do que de verdadeiro interesse publico, não devo ser eu que lhe tome o tempo, que tanto lhe é preciso para tratar do outras muitas questões.

Fui accusado do ter caído em contradicções, e recusado violentamente. Comtudo, apesar da idéa em que estou de, como disse, não tomar muito tempo é, camara, não devo, nem posso deixar passar sem reparo e sem resposta as censuras que me dirigiu o digno par o sr. Vaz Preto.

Toda a camara sabe que nas ultimas sessões de 1875, o ministerio de então, de que eu tinha a honra do fizer parte, diligenciou quanto póde para fazer approvar em ambas as casas do parlamento a proposta de lei que auctorisava o governo a fazer os dois caminhos de ferro da Beira Alta e Beira Baixa e o do Algarve. Esta proposta foi combatida em ambas as casas do parlamento, eu defendi-a como pude e soube, e commigo o meu particular amigo o sr. Avelino, então ministro das obras publicas, por isso que o assumpto era mais propriamente da sua repartição.

A proposta foi approvada na camara dos senhores deputados, mas quando chegou a esta levantaram-se grandes objecções do diversos lados da camara, umas ao projecto todo, e outras em relação á parte que auctorisava a construcção simultanea dos dois caminhos de ferro das Beiras e do Algarve.

Eu respondi então com a convicção que tinha e ainda hoje tenho, do que os caminhos do ferro sendo um grande instrumento de progresso e de riqueza, publica, embora causassem embaraços momentanes, deviam comtudo dar em resultado grandes beneficios para o paiz.

Estou convencido ainda do que o melhor meio de fazer finanças, e promover os interesses do thesouro, é dar desenvolvimento ás vias de communicação, e principalmente ás acceleradas.

Sr. presidente, ha annos a este parte que ninguem duvida d’esta verdade. Os caminhos de ferro não produzem sómente beneficio para as companhias que as explorem, mas são indiretamente para o estado um grande auxiliar que concorre extraordinariamente para melhorar as condições da fortuna publica e por consequencia as condições do thesouro. Os factos têem provado que isto é uma verdade, e inutil é já insistir sobre este ponto, pois que são hoje raras as vozes que se levantam para condemnarem as vias ferreas; tempos houve em que foi preciso defender estas idéas, mas hoje são ellas por todos partilhadas.

N’esta casa e n’essa epocha, como v. exa. sabe, porque já então dirigia os nossos trabalhos, levantaram-se difficuldades, de certo nascidas de convicções sinceras, mas nem por isso deixavam de ser difficuldades, e o governo teve rasões politicas para não prorogar a sessão legislativa, e por mais diligencias que se empregaram, a camara é testemunha de que não póde sor votada aquella proposta de lei, que tinha sido apresentado ao seu exame.

Ficaram pois as cousas assim em 1875. Em 1876, como a proposta tinha ficado pendente, foi ella um dos primeiros assumptos de que esta camara se occupou, approvando-a na generalidade e especialidade logo no principio da sessão legislativa, sendo convertida em lei em 26 de janeiro de 1870. A camara esteve aberta os tres mezes a que á obrigada a sessão legislativa, na conformidade da carta constitucional, e fechou-se em 2 de abril. O governo começou então a preparar o programma para o concurso dos caminhos do ferro. De passagem, seja-me permittido dizer (interrompendo esta historia chronologica) que o sr. Vaz Preto começou por fazer varias perguntas, ás quaes dei as respostas que me pareceram opportunas e convenientes; mas quando esperava que essas respostas merecessem a approvação ou os repares do digno par, foram ellas postas de parte, para se referir exclusivamente ao que eu disse, creio que ha dois annos!

Todos sabem, sr. presidente, que no anno do 1876 uma crise financeira de grave importancia teve logar n’este paiz. Começou essa crise em maio, na cidade do Porto, e generalisou-se depois a Lisboa, podendo-se dizer que se repercurtiu em todo paiz. Tivemos a fortuna de atravessar essa crise sem graves inconvenientes, mas não sem ficarem vestigios, que ainda hoje se experimentam, se bem que remotamente; e o governo, tendo visto a difficuldade com que na camara dos pares se tinha votado a proposta, e as objecções que se fizeram, principalmente á construcção simultanea das duas linhas, julgou então opportuno abrir o concurso só para o caminho de ferro da Beira Alta, deixando de parte o da Beira Baixa.

Eu disse na sessão passada, que o governo tinha cedido a este impulso em virtude das dificuldades financeiras do thesouro e da opinião publica. Porém o digno par, sr. Vaz Preto, objectou que eu (creio que no anno passado, e logo direi porque) respondi a uma pergunta igual de s. exa., dizendo que o caminho de ferro da Beira Baixa não se tinha posto a concurso porque não estava concluida com o paiz vizinho a combinação ácerca do ponto do entroncamento d’essa linha ferrea na fronteira.

Eu devo dizer o que é verdade. Esta manha, nos poucos minutos que tive disponiveis, para pensar n’este negocio, porque tenho muitos outros do que me occupar, não encontrei a sessão em que deve estar a minha resposta, de que o digno par leu hontem aqui alguns trechos.

O sr. Vaz Preto: — Tenho eu aqui esse discurso.

O Orador: — Supponho que sim, porque o digno par de certo não viria ler uma cousa que lá não estivesse.

Mas entrei em duvida se seria em 187G ou 1877; procurei em ambos os annos, mas não encontrei. Diz comtudo o digno par que eu n’essa occasião declarei que não estava feito o accordo com os engenheiros hespanhoes sobre o ponto do entroncamento. É possivel que dissesse isso, como o digno par assevera, mas é tambem possivel que o não dissesse, e eu fallo diante dos senhores tachygraphos e da camara inteira, que sabe que eu nunca revejo os meus discursos. E possivel pois que o dissesse, mas é tão facil um equivoco ou um engano; é tão facil o não se terem entendido bem as minhas palavras, e creio que entre um equivoco e uma falsidade a differença é profunda. Nada mais facil portanto do que o haverem sido mal entendidas as minhas palavras, e darem legar a ser hoje notada pelo digno par a proposição que citou. Pela minha parte limito-me a assegurar á camara que não revi o meu discurso, porque nunca os revejo, o que tenho como systema inalteravel. Se porém o engano foi da minha parte, o que é tambem possivel, sentindo que elle se desse, folgarei muito que d’aqui a trinta annos, se viver, me possa equivocar ainda algumas vozes, e que todos os dignos pares que estão presentes estejam vivos para me poderem notar esse engano ou enganos.

Prosemos porém aos factos. Em 10 de março fez-se o accordo entre os engenheiros hespanhoes e portuguezes, e a 22 de abril é claro que esse accordo estava feito entre aquelles engenheiros, pois que estava approvado pelo gover-

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no. É evidente pois que não houve difficuldades para se chegar ao accordo.

Deu-se porém um facto de que o digno par se não fez cargo, que foram as circumstancias financeiras, e a insistencia d’esta casa, aconselhando o governo a por de parte a construccão simultanea dos dois caminhos do ferro.

Este facto póde não ser attendivel nem agradavel ao digno par e a outras pessoas, mas entretanto do que ninguem póde duvidar e que o facto é verdadeiro, e que a opinião se pronunciou contra a construcção simultanea dos dois caminhos de ferro, a ponto de haver difficuldade na camara em approvar este projecto de lei, que foi discutido em 1875, e que só foi approvado em 1876.

Eis, sr. presidente, as rasões por que se não abriu o concurso a que s. exa. se refere.

O digno par insistiu agora, como tem insistido sempre, na preeminencia do caminho de ferro da Beira Baixa sobre o da Beira Alta.

Eu não discuto agora, como não discuti nunca, a prioridade d’esses caminhos do ferro. Todos os caminhos de ferro são necessarios e uteis, o se bem que haja uns que possam ter vantagens superiores ás dos outros, concorrem todos elles efficazmente para a prosperidade do paiz. Não discuto pois a prioridade d esses caminhos, nem me lembro de a ter discutido nunca; mas o que posso assegurar é que o da Beira Alta é o que me parece ser o verdadeiro caminho de ferro internacional.

O digno par nega-lhe esta qualidade, mas isso é uma opinião individual, e eu respeito a opinião de s. exa., como creio que a minha deve tambem ser respeitada, e vejo que a opinião que professo é partilhada por um grande numero de engenheiros, e por muitos individuos, que respeitamos. Entre esses cavalheiros citarei um, que todos acatamos, o digno presidente d’esta camara, que partilha tambem a minha opinião, o qual sendo presidente do conselho na administração transacta, como todos do certo se recordarão, em logar do propor a construcção simultanea dos dois caminhos do ferro, propoz a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, e não a do da Beira Baixa, e que d’este só se tratasse quando estivessem terminados os caminhos de ferro do Minho e Douro.

Esta ultima condição mostra que no espirito de o v. exa., que é um espirito reflexivo, assim como no espirito de muita gente, estava pesando a opinião de que a construcção simultanea de muitos caminhos de ferro póde trazer graves difficuldades para o thesouro.

Se pensava assim a administração a que v. exa. tão dignamente presidia, porque é que hei de eu ser accusado de não pôr em concurso ao mesmo tempo os caminhos de ferro da Beira Alta e da Beira Baixa? Porque não accusou o digno par o ministerio anterior, que s. exa. apoiava então, e a mim sómente constitue na obrigação do fazer uma cousa que outros, de quem o digno par se mostrava amigo, a não fizeram? Pois foi esse mesmo, ministerio que auctorisou o ramal a Caceres, o qual, não digo que prejudique consideravelmente o caminho de ferro da Beira Baixa, mas modifica a sua importancia relativa e immediata.

Depois d’estas considerações, creio que o que fica evidente é que a opinião publica se manifestava contra a construcção simultanea de muitas linhas ferreas, e que em presença d’essa opinião, o governo não insistindo tenazmente na idéa primitiva, obtemperando com as manifestações d’essa mesma opinião, adoptou o expediente que julgou mais util á causa publica, pondo a concurso a linha da Beira Alta. E a proposito direi que prefiro, embora isso mortifique o meu amor proprio, que me Recusem uma o muitas vezes de ter modificado a minha opinião em vista das rasões poderosas que me apresentem homens competentes, ou em presença da opinião publica ou de circumstancias muito attendiveis que os acontecimentos possam crear, do que me accusem de ter compromettido os interesses do paiz por uma obstinação injustificada. Prefiro isso.

Nas regiões do poder é difficil, é quasi impossivel estar durante uma longa serie de annos, sem se notarem contradicções aos homens publicos que a ellas são elevados; porque as idéas modificam-se e com ellas os factos que são o seu resultado. Querer por um simples capricho do amor proprio ir contra as opiniões do maior numero, contra o que e mais acceite pelo paiz, parece-me um grave erro. Prefiro que o digno par me accuse de contradictorio, a ter praticado actos condemnados por muita gente, e que a opinião do paiz não approvava.

Demais, pelo facto de não se pôr a concurso por emquanto o caminho de ferro da Beira Baixa, quer-se porventura significar que esse caminho é condemnado ou se rejeita completamente? Se assim fosse a questão era mais grave; mas a questão não e esta, é de um simples adiamento. O caminho de ferro da Beira Baixa póde ser construido mais tarde por este governo ou pelo que lhe succeder, ou ainda por outro que vier depois, não sei quando; mas espero que ha de ser construi do, porque é uma linha que reputo de vantagem não só para aquella provinda, mas tambem porque nos põe em communicação accelerada com Madrid.

Não discutirei agora se o mesmo caminho é ou não linha internacional. Na minha opinião todos os caminhos de ferro que vão á fronteira são naturalmente linhas internacionaes. Confesso até que a distincção entre linhas que estão n’estas condições, e de grande dificuldade para o meu espirito.

O caminho de ferro da Beira Baixa põe-nos mais perto de Madrid, emquanto o caminho de ferro da Beira Alta nos põe mais porto do centro da Europa. Isto é mais uma questão technica, uma questão de engenheria, que propriamente parlamentar e de legislação. Em todo o caso, ambos os caminhos são uteis. Diante das leis, diante dos poderes publicos, não ha afilhados nem réprobos. Todas as provincias têem direito aos melhoramentos. A Beira Baixa não póde ter preferencia á Beira Alta, nem esta aquella na distribuição que os poderes publicos têem de fazer na ordem das concessões, que são do vantagem publica.

Por consequencia, quando se faz um caminho de ferro n’uma provincia, não se segue d’ahi que se faça uma censura ou um desfavor ás outras provincias, porque n’esse caso algumas ha que se acham mais desfavorecidas da fortuna, que teriam então rasão para se queixar, assim como muitos districtos e concelhos que desejam ser atravessados por uma via ferrea.

O que é preciso, sr. presidente, é dar uma preferencia justa, porque d’essa preferencia não resulta prejuizo para ninguem, pois a todos ha do chegar a sua vez. Se não se faz o caminho de ferro da Beira Baixa, faz-se o da Beira Alta, que não merece menos do que aquella provincia; e quando o governo e o parlamento entenderem que é occasião de construirem o caminho da Beira Baixa, eu, pela minha parte, e no desempenho das minhas funcções de par do reino, que me honro de ser, não terei duvida de lhe dar o meu voto.

Por consequencia, se ha contradicção, ella só existe emquanto ao praso ou epocha em que deve construir-se o caminho, porque, quando declarei ministerial a questão distas linhas ferreas, não me referi de maneira nenhuma á epocha em. que deviam fazer-se.

Aqui tem, v. exa. em poucas palavras como eu posso justificar o meu procedimento perante a camara, e mostrar quanto são injustas e apaixonadas as accusações que, me dirigiu o digno par.

Nós, os homens publicos, estamos tão acostumados a estas accusações, que já parecem proprias do officio, e é o peior que elle tem.

Eu não creio que por um homem ser ministro seja licito a qualquer devassar-lhe a consciencia e julgar todas as suas acções como dictadas por um interesse pessoal, por um capricho, em logar de serem consideradas como rilhas do interesse publico.

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Quando se propunha na outra camara a lei sobre fallencias e a das tarifas, fui ali accusado de ser director da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, porque esta, como um quinto poder do estado, exercia pressão sobre o governo, e principalmente sobre mim e o meu collega da fazenda.

Eu não venho aqui abonar o meu caracter, nem pedir certidões á camara; cada um tem a consciencia do que deve a si, e por isso não descerei a esse ponto. (Apoiados.) Mas o que digo é que o digno par n’essa parte é coherente, tem essa opinião ha tempo, e com ella tem já flagellado mais de uma pessoa n’esta casa.

Lembro-me que em 1875, quando se discutia o projecto relativo aos caminhos de ferro das Beiras, um nosso collega muito respeitavel, que tambem era director daquella companhia, foi igualmente accusado por s. exa., facto que, como acabei de dizer, prova a sua coherencia, quando entende que não se póde ser membro d’esta camara e ao mesmo tempo director de uma companhia qualquer.

Emquanto eu vir, porém, que não é vedado pela lei o ser director de uma companhia e membro d’esta camara; emquanto eu vir que esta sala está povoada por cavalheiros, e dos mais respeitaveis, que são membros, e alguns directores das diversas companhias, não me persuado que haja muito direito a lançar sobre mim um estygma, que se lança aos outros; e, todavia, essa accusação foi-me dirigida na camara dos senhores deputados. Accusação, não digo bem, porque a lei não permitte que se lhe de esse nome.

Mas, quando me foi dirigida na camara dos senhores deputados, desviei a calumnia com a ponta do pé, e arremessei ao Ministerio da opposição que me atacava, com o logar que exercia na companhia dos caminhos de ferro portuguezes. Desde essa epocha não tive mais especie de ligação, interesse, ou communhão, de qualquer natureza que fosse, com aquella companhia.

E, depois de tanto tempo, vem ainda o digno par atacar-me porque fui ali director! Porque fui! Note-se bem! Já vão sou; ha uns poucos de annos que deixei de o ser; e para que ninguem duvidasse da sinceridade com que eu procedia, vendi as minhas acções: vendi-as por intervenção de uma casa respeitavel.

Tenho vergonha de descer a estes detalhes!... (Repetidas apoiados.) Digo-o diante de v. exa., que é honrado, e que não deixa de possuir essa qualidade por ser membro do diversas companhias (Muitos apoiados.)

Atacar-me, só porque fui director de uma companhia de caminho de ferro, é cousa que me parece abaixo da capacidade e do caracter do digno par!

Quando se votava essa lei de 1875, essa lei das tarifas, a que o sr. Vaz Preto se referiu, era s. exa. meu amigo politico, e não se desviou de mim por esse motivo, não julgou que a lepra que me contaminava o podesse contaminar.

O sr. Vaz Preto: — Votei contra.

O Orador: — Esteve presente n’essa sessão, e não votou.

O que é certo é que não combateu a lei das tarifas; e, se julgava que ella era resultado de subserviencia do governo a uma empreza particular, s. exa., que tem assento n’esta casa, devia então levantar a sua voz auctorisada, para impugnar similhante procedimento. Não a levantou, emudeceu.

O sr. Vaz Preto: — Votei contra.

O Orador: — Repito, o sr. Vaz Preto era então meu amigo politico, não o póde negar; separou-se politicamente de mim, depois de encerrada a sessão do 1875, e a lei das tarifas 6 de 26 de fevereiro d’esse anno. O digno par sabe isto muito bem.

Sinto que s. exa. trouxesse esta questão para aqui, que julgasse opportuno e conveniente dirigir só á minha consciencia de homem publico e particular, e quizesse attribuir a um motivo menos nobre o procedimento meu e dos ministros que n’aquella opocha me honravam com a sua companhia no gabinete.

Desejo que todas as questões se tratem aqui placidamente. Não sei discutir senão assim; não sei injuriar ninguem, não o posso fazer. Creio que o parlamento não foi instituido para esse fim. Quem tem boas rasões, e só rasões, apresenta-as. Eu pelo menos nunca farei outra cousa. Discuto como sei e como posso. N’esta camara respeito em primeiro logar a v. exa. pelo seu caracter e posição; depois, a todos os meus collegas indistinctamente. Não offendo ninguem, e lamento que, sem a mais pequena provocação da minha parte, se erguesse a voz de um homem que foi meu amigo, embora hoje separado politicamente, para vir accusar-me, não pelos actos que pratiquei como ministro, mas pelos que pratiquei, obedecendo aos dictames da minha consciencia.

(O orador não reviu as provas d’este discurso, e foi comprimentado por quasi todos os dignos pares e alguns srs. deputados que estavam na sala.)

O sr. Larcher: — Pedi hontem a palavra quando o exmo. presidente do conselho do ministros, repondendo a duas perguntas do digno par o sr. Vaz Preto, disse que as circumstancias do paiz não permittiam o emprehendimento simultaneo de duas obras taes como são as linhas da Beira Alta e da Beira Baixa, e que não podia precisar desde já quando se poderá apresentar proposta para a construccão d’esta segunda linha, que aliás e estimada e reclamada.

Concordo com s. exa. em que a occasião não é das mais asadas para trazer encargos ao paiz, o sei que a nossa situação financeira, se não é angustiosa nem atterradora, é comtudo difficil e arriscada a aggravar-se não só com os acontecimentos que se vão precipitando por toda a Europa, mas dentro do proprio paiz com a reluctancia que sempre se manifesta contra o augmento de impostos que inevitavelmente acompanha o desenvolvimento dos nossos melhoramentos materiaes.

Avalio bom quanto é dura a situação d’este governo, bem com a de todos os governos d’este paiz, quando se acham entalados entre esta reluctancia e as exigencias que de todos os lados se levantam para a creação de novas linhas ferreas, cada qual julgando com mais ou menos rasão, e ás vezes sem ella, que a linha sua protegida devo ter a preferencia.

Tambem tenho visto que a final quem perde com os repetidos choques d’estes interesses diversos, com a luta renhida que sempre se trava no parlamento e na imprensa, e o paiz, que ve adiar de anno para anno a realisação de projectos de que elle precisa para se desenvolver e d’onde espera os maiores beneficios.

Observe-se que já e pela terceira vez que se apresenta a linha da Beira Alta e, sem pretender disputar preferencias, posso dizer dos caminhos de ferro das Beiras em absoluto que ella sempre teve por si a opinião geral do paiz.

Mas, sr. presidente, reconhecendo a verdade de tudo quanto acaba de dizer, entendo tambem que occasiões podo haver em que os governos devem antecipar a realisação do seus planos e preterir as regras que a prudencia lhes impõe para evitar inconvenientes e perigos, para socegar os animos inquietos do paiz e para satisfazer aspirações legitimas e justas, mormente quando esta satisfação não offende os direitos de ninguem.

É justamente o caso que se dá com a rivalidade existente entre a linha do Valle do Tejo e o ramal de Caceres, concedido á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, como passo a expor a v. exa. e á camara.

Esta companhia tem, nas linhas que explora, uma secção cuja escassez de rendimento lho affecta consideravelmente as condições de existencia e de prosperidade. Em 1876, quando o rendimento bruto kilometrico se elevou a réis 6:383$179 na l.ª secção de Lisboa ao entroncamento, e a 3:124$913 réis desde o entroncamento até ao Porto, era

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apenas de l:656$354 réis na secção de leste propriamente dita, desde o entroncamento até Elvas e Badajoz.

Lê-se isto n’um documento authentico que tenho presente, e o que sinto é não poder detalhar tão cabalmente a influencia nociva com que tem actuado, durante uma serie de annos já não. pequena, esta peia amarrada ao melhoramento das condições financeiras da campanhia.

Mas, sr. presidente, em que situação ficaria esta malfadada secção se o caminho da Beira Baixa viesse a construir-se, tirando-lhe em seguida todo o movimento de Madrid, e se por outro lado se completasse, como é minha fé que se ha de completar, com a secção de Extremoz, a Elvas, a linha já construida do Barreiro a Extremoz que, por encurtar uns 50 kilometros, lhe roubaria todo o movimento entre Badajoz e o porto de Lisboa?

Era a ruina total ou pelo menos uma paralysação completa de rendimento, emquanto o desenvolvimento da agricultura e da industria nas zonas lateraes privilegiadas d’esta secção lhe não desse o auxilio que por ora lhe recusa.

Já em 1867 uma commissão especial havia inserido na rede geral dos caminhos de ferro de Hespanha a linha de Malpartida de Plasencia a Monfortinho, para se ligar a linha portugueza do V alie do Tejo. Em 20 de setembro de 1870 uma lei veiu approvar e subvencionar esta mesma linha. Em 10 de maio de 1866 ficou determinado, na fronteira dos dois reinos, o ponto em que se haviam de encontrar as duas linhas portugueza e hespanhola. Perante estes factos significativos não podia a companhia conservar-se inerte, e sem tentar por todos os modos possiveis manter illeso o movimento da sua linha de leste, e talvez mesmo augmental-o com alguma parte d’aquelle que a nova linha houvesse de crear.

Na rede de caminhos de ferro delineada pela commissão a que já álludi, apresentava-se uma linha correndo em Hespanha parallelamente á nossa fronteira e terminando pelos dois lados no mar Cantabrico e no Mediterraneo; e n’esta linha havia e ha uma secção que convinha aproveitar, a de Malpartida de Plasencia até Caceres. Em 8 de julho de 1876 foi concedida por lei uma nova linha desde as minas de phosphato de Caceres até á fronteira de Portugal. Em 30 de abril de 1877 publicava o Diario do governo um decreto de 19 do mesmo mez, auctorisando a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes a construir e a explorar um ramal que, partindo de um ponto da linha de leste nas proximidades do Grato ou de Chança, fosse terminar na fronteira do Hespanha perto de Caceres.

Ficava d’esta fórma constituida e sem interrupção uma linha internacional, alongando, é verdade, com uns 60 kilometros a ligação das capitães dos dois reinos, mais curta porém de 217 kilometros do que a actual linha por Badajoz e Ciudad Real.

As vantagens d’este projecto eram: para o estado o estabelecimento gratuito, com todas as suas consequencias legitimas, de uma importante linha internacional, e para a companhia o aproveitamento, sobre 67 kilometros da sua linha de leste, do transporte dos productos de Caceres e de todo o movimento de Madrid, isto é, a garantia de existencia para mais de metade d’esta linha e a melhoria consideravel das suas condições de exploração.

Se emtanto se realisasse a ligação, já projectada, da rede do sul com a linha de leste, entre Extremoz e o Grato, ficaria provavelmente adiada para mais tarde a execução do complemento, que presentemente se estuda, da linha de Extremoz para Eivas, e manter-se-ia no statu quo, por outro tanto tempo, a outra metade não beneficiada" da linha de leste que vae de Chança a Badajoz.

Taes devem ter sido, sr. presidente, os planos da companhia real do caminho de ferro portuguez, e não creio que alguem lhos póde levar a mal. Eu, pelo menos, nunca a censuraria por ter querido salvar uma parte dos seus haveres que se achava ameaçada, e por ter applicado a este fim a sua actividade e as influencias de que dispõe.

Nem uma palavra diria eu sobre esta questão, se assim como toda a medalha tem seu reverso, estes projectos tão auspiciosos não offerecessem inconvenientes reaes contra os quaes se começa a murmurar energicamente, e se me não parecesse tambem que, apesar de ser tarde, ainda é tempo de lhe applicar remedio efficaz, e de favorecer os interesses do paiz sem prejuizo sensivel da companhia.

Estes inconvenientes consistem, em primeiro logar, em que o ramal de Caceres tem uma secção, desde a Chanca até a Povoa das Meadas, que naturalmente invalida a contracção da primeira secção da linha da Beira Baixa, desde Abrantes até á Coutada.

Posto que o governo se tenha reservado n’aquelle decreto de 19 de abril de 1877 o direito de construir linhas parallelas ao ramal de Caceres, a distancia menor de 40 kilometros, e que nesta reserva se allude visivelmente á construcção da linha da Beira Baixa; não creio provavel que, depois de construido este ramal, haja algum governo que venha propor nem camaras que approvem, uma proposta creando, em consequencia de uma verdadeira e dispensavel duplicação de linhas, uma despeza de 1.560:000$000 réis, segundo diz o engenheiro, sr. Sousa Brandão, no seu relatorio de 31 de julho de 1877, sem vantagem decididamente compensadora para o estado, e com manifesto prejuizo da companhia.

É minha opinião, portanto, que, fazendo-se o ramal do Caceres, não se fará a l.ª secção da linha da Beira Baixa e que ficará alongado o percurso entre Madrid e Lisboa, com mais 44 ou 60 kilometros, segundo a communicação for feita por Malpartida, Monfortinho e Povoa, ou por Malpartida, Caceres e Povoa, porque ainda ha estas duas hypotheses a considerar.

A alguns adeptos da companhia tenho eu ouvido dizer, na propria associação dos engenheiros civis, a que me honro de pertencer, se disse que, depois da concessão da linha de Caceres, a da Beira Baixa deve começar perto de Alpalhão, descer a Povoa das Meadas e, entrando no Ponsul, seguir até a Guarda para se ligar com a linha da Beira Alta, e que a linha desde o Ponsul a Monfortinho já não tinha rasão de ser.

Outros muitos ha, e entre estes o sr. Sousa Brandão, auctor do projecto da Beira Baixa, que julgam que a construcção do ramal de Caceres e a ligação d’este com a linha da Beira Baixa não deve dispensar aquella secção do Ponsul a Monfortinho.

Ora, na opinião do sr. Sousa Brandão, o alongamento, que já referi, de 44 kilometros, representa um excesso de despeza de 130:000$000 réis annuaes, e na devida proporção este excesso iria a 185:000$000 réis se o alongamento fosse de 60 kilometros.

O outro inconveniente parece-me mais importante ainda, e para elle chamo a especial attenção dos srs. ministros, porque elle vae atacar uma das nossas mais caras e legitimas aspirações, a da defeza do nosso territorio e da conservação da sua integridade. E sobre este ponto que principalmente se levantam os clamores e as reclamações, manifestações porventura uteis, apesar de tardias, que agora vou registando com alguma surpreza, acostumado como estava a ver passar desapercebida uma das condições essenciaes do estabelecimento dos caminhos de ferro.

Quando em Hespanha se cuidou dos primeiros caminhos de ferro adoptou-se logo, por motivos puramente estrategicos, uma largura de via differente da dos caminhos de ferro francezes, com prejuizo da economia, porque mais cara sáe a construcção com a largura adoptada de lm,67, do que se ella fosse feita para uma largura de via de lm,44.

Entretanto, nós que, alem das rasões estrategicas acatadas pelos nossos vizinhos, tinhamos em nosso favor sobejos argumentos de economia para adoptar a largura da via franceza de lm,44, nós que já tinhamos começado o nosso caminho de ferro de Lisboa ás Virtudes com esta largura de lra,44, vimos com a maior indifferença em 1859

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contratar-se com a empreza Salamanca a mudança para a largura de lm,67, mal irremediavel actualmente, que já nos tem custado bastantes contos de réis.

Quando se tratou do projecto da linha de leste foram ainda completamente desattendidas as condimos estratégicas e construiu-se uma ponte a jusante da confluencia do Zezere, em situação que nos é desastrosamente contraria.

Mais tarde levantou se n’esta casa um vulto notavel d’este paiz, um dos nossos mais valentes e patrioticos generaes, o sr. marquez de Sá da Bandeira, e reclamou energicamente contra o traçado da linha de leste pelo valle do Caia, exigindo em nome da segurança nacional, que a linha fosse desviada para passar ao alcance das baterias do forte da Graça. E a camara cedeu perante u palavra convicta e auctorisada d’este honrado patriota e approvou aquelle desvio tão favoravel sob o ponto de vista estrategico quanto era prejudicial aos interesses economicos pelo alongamento de 17 kilometros a que dava origem.

Pois, sr. presidente, todos estes esforços do nobre marquez de Sá, todos os sacrificios pecuniarios que temos soffrido, serão baldados se vier a construir-se o ramal de Caceres, tal qual está delineado e a linha da Beira Baixa subordinada a este ramal.

Mas por felicidade nossa ainda é hypothetica a construcção d’este ramal, porque o governo ainda não approvou o projecto que a companhia apresentou dentro to praso legal, nem ainda me consta que a junta consultiva de obras publicas desse parecer sobre elle.

Ora, como o n.° 2.° da condição segunda, do contrato de 19 de abril de 1877 estipula que serão satisfeitas as condições militares da defeza ao paiz que forem indicadas pelo ministerio da guerra, e como li n’um dos mais bem informados dos nossos jornaes que a direcção geral de engenheria representou contra a concessão d’este ramal, segundo o projecto da companhia; parece-me que ainda podemos respirar e que não é impropria a occasião para eu submetter aos srs. ministros, que estão presentes, as seguintes considerações.

Crêem s. exas. que dando-se as circumstancias que deixo mencionadas, não estaremos ainda a tempo de transaccionar com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes? Não lhes parece porventura que se o governo construisse desde já a primeira secção do caminho da Beira Baixa, desde Abrantes até á Coulada, e limitasse o ramal da companhia entre este ponto e a fronteira, perto de Caceres, desappareceriam os inconvenientes já citados, e a companhia, poupando na construcção uns l5 kilometros, ficaria satisfeita por ver realisado, promptamente e com menor despeza, o seu desejo de trazer ás suas linhas o movimento dos phosphatos de Caceres?

E se a companhia por ultimo objectasse que por este novo traçado resultaria um augmento de 12 kilometros no percurso entre Caceres e Abrantes, e que este augmento é pesado para um minerio pobre como é o phosphato de cal, não poderia o governo attenuar esto inconveniente dando, por exemplo, uma subvenção kilometrica, em troco da qual poderia talvez inserir no novo contrato o direito de remissão em curto praso, tal qual foi consignada no contrato de 5 de maio de 1860: faculdade que me parece essencial para qualquer linha ou ramal com caracter internacional, e que se omittiu no contrato de 19 de abril, provavelmente porque a concessão era gratuita.

São estas, sr. presidente, as ponderações essenciaes que apresento á apreciação dos srs. ministros, como tendentes a desviar do paiz os inconvenientes que o trazem receioso, a attender ás aspirações legitimas da provincia da Beira Baixa, e tambem a satisfazer, nos limites do possivel e das conveniencias reciprocas, os desejos da companhia, acrescentarei ainda que, certo como estou da boa vontade, dos sentimentos patrioticos e da superior intelligencia de s. exas., nem sequer preciso que me respondam agora para me certificar de que tudo se arranjará d’aqui em diante pela forma mais conveniente para todos.

Tenho dito.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, permitta-me a camara que eu comece por afastar a aggressão que mo fez o sr. Fontes. Começarei pois pelo final do discurso que acabou de proferir o sr. Fontes, interrompo assim a ordem de argumentação que havia adoptado, para immediatamente responder ás arguições que s. exa. quiz dirigir-me, e repellir a censura com que pretendeu desaffrontar-se.

Sr. presidente, declaro primeiro que tudo que não retiro nem uma virgula ao que asseverei na sessão passada; o sr. ministro tinha rasão, dizia bem, que não se deve devassar o foro intimo de ninguem, que temos obrigação de respeitar as intenções de qualquer; mas não é menos verdade que nos assiste o direito de avaliar os factos e de aprecial-os com toda a justiça, e de vir dizer desaffrontadamente e sem rodeios n’esta casa a verdade inteira, a verdade incontestavel e só a verdade, peze a quem pezar.

Os factos fallam bem alto, a camara e a nação que os aprecie. Negará o sr. presidente do conselho que foi director da companhia dos caminhos de ferro de norte e leste? Negará s. exa., que n’esta epocha apresentou na camara um projecto de lei sobre fallencias a beneficio da companhia, e em prejuizo dos portadores de obrigações, sem ao menos ter respeito pelo direito de propriedade? Negará o sr. Fontes que apresentou outro projecto para a isenção do direito do transito por oitenta e seis annos, com o que a companhia lucrava immens, e que esse projecto foi reduzido a trinta e seis annos? Negará o sr. Fontes, que para compensar a companhia da diminuição dos cincoenta annos, lhe augmentou as tarifas? Negará ainda s. exa. que se demittiu do logar de director, em virtude da moção que lhe foi apresentada na camara?

A apreciação que eu faço, e que tenho direito de fazer de todos estes factos, diz-me que o sr. Fontes fez bem de se demittir, e que melhor o teria feito se se demittisse antes de apresentar aquelles projectos. A minha apreciação diz-me que os ministros não devem ser directores de companhias, porque para serem bons directores hão de ser maus ministros, e ou hão de zelar os interesses do estado, ou os da companhia.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Apoiado.

O Orador: — S. exa. sabe por experiencia propria os dissabores que uma tal situação traz aos individuos que n’ella se encontram.

Sr. presidente, eu sou coherente, isto mesmo que eu digo ácerca do poder executivo applicasse tambem ao poder legislativo. Entendo que nenhum membro d’estes dois poderes deve ser director de companhias, embora não haja lei expressa que o inhiba. Ha porém uma lei prescripta pela moralidade e pela natureza das cousas, que o veda e prohibe. Sou pois coherente, sr. presidente do ministros. O que sustento agora, já aqui o sustentei com um digno par, como v. exa. mo lembrou.

Repito, pois, diante da camara, e bem expressivamente, que entendo que um ministro não póde moralmente ser, nem deve ser director de uma companhia, porque ha de ser ou mau director, ou mau ministro, ou ambas as cousas ao mesmo tempo, como succedeu ao sr. Fontes, que foi mau director e mau ministro.

O sr. Fontes deve estar ainda lembrado do que se passou n’aquelle tempo.

Eu sei o que se dizia então no seio da maioria que acompanhava o sr. presidente do conselho, a qual não se atreveu a responder cousa alguma quando a opposição obrigava o sr. Fontes a largar o cargo de director da companhia.

Sr. presidente, é necessario pôr de parte a contemplações, fallar a verdade, e só a verdade, e dizer o que se não está habituado a ouvir aqui no parlamento, isto é, declarar as cousas como ellas são, precisa e claramente, porque

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as palavras não servem senão para representar as idéas e os factos como elles realmente se passam.

Não me digam que não ha lei que inhiba qualquer ministro de ser director de uma companhia. A incompatibilidade que existe entre o cargo de director de uma companhia e o de ministro d’estado, é reconhecida por todos que têem idéas de justiça e moralidade, por isso entendi e entendo que o sr. Fontes fazia melhor em se demittir de director, do que de fugir da camara, como fazia quando se discutia a questão da isenção do imposto de transito.

Quem procedeu como o sr. Fontes procedeu, quem se viu obrigado a despedir-se do cargo de director para satisfazer á opinião publica, não estava effectivamente collocado em bom campo, e nem mesmo satisfeito com a sua consciencia. Sr. presidente, tenho-me demorado um pouco sobre este incidente, porque vejo que foi da minha argumentação a parte que maguou mais o sr. Fontes, tendo eu sido apenas mero historiador dos factos que se passaram n’aquella epocha. Factos estes que têem tido grande influencia nos illustres regeneradores, e que têem impedido a construccão do caminho de ferro da Beira Baixa.

Sr. presidente, deixarei este incidente fazendo sentir bem a minha opinião de que a camara não tem direito a passar diplomas de moralidade ao sr. Fontes ou a qualquer sr. ministro, mas que tem direito, obrigação até, de apreciar os seus actos como funccionario publico, e de os censurar com toda a vehemencia.

O sr. Fontes, não podendo responder ás rasões com que eu o tenho combatido, pretendeu desviar o ataque, dizendo que eu o censurava pelo augmento das tarifas, augmento que eu tinha votado, porque apoiava o seu ministerio n’aquella epocha.

Ainda d’esta vez enganava a camara, e não lhe disse a verdade. Eu não votei o augmento das tarifas, posso assegurar isso á camara.

Não posso, comtudo, dizer se fallei e protestei contra ellas, porque muitas vezes por impedimento serio tenho deixado de vir a esta camara, como succedeu ainda ha pouco tempo, que em virtude de uma, doença grave estive dois mezes na provincia sem aqui poder comparecer; mas o que posso afiançar desde já é que não approvei esse augmento, porque eu voto sempre contra tudo que repugna á minha consciencia e que entendo ser contra os interesses publicos.

O sr. presidente do conselho n’outra sessão classificou de sophistica a minha argumentação, dizendo que eu, não tendo rasões para combater o projecto, chamava a discussão para outro terreno.

Se assim foi porque me imita?

Qual a rãs ao por que não chama, hoje, tambem sophistica á sua argumentação, que, em vez de se cingir aos pontos em que o ataquei, varia para outros? Isto não é da minha parte censura, é mostrar apenas a contradicção, pois eu desejei immenso que o sr. presidente me chamasse para este terreno e alludisse ao tempo em que eu o apoiei.

Ha muito que eu desejo liquidar contas. Mas antes de entrar n’esse campo explicarei a rasão por que não pedi ao ministerio do sr. duque d’Avila explicações por não ter posto a concurso o caminho de ferro da Beira Baixa.

Todos sabem que o sr. duque d’Avila era de opinião que se não fizessem mais caminhos de ferro emquanto as circumstancias do thesouro não melhorassem; entretanto, essa opinião de s. exa. não me inhibia de interpellar o seu governo relativamente a este assumpto. Infelizmente, a doença grave de que fui victima impediu-me de realisar o meu desejo, o que muito sinto.

Se o sr. Fontes não fosse tão desmemoriado, devia de recordar-se que eu no anno passado verifiquei aqui uma interpellação ao sr. Barros e Cunha, ministro das obras publicas, e que n’essa epocha s. exa. e todo o seu partido teriam os maiores encomios ao sr. duque d’Avila, cujo governo apoiavam.

Devia estar lembrado que essa interpellacão teve por fim evitar a concessão do ramal de Chança a Caceres, e mostrar ao ministro que procederia contra lei se a fizesse, por isso mesmo que não se tratava de um ramal, mas de uma linha internacional, que estava prejudicada, pelo caminho de ferro do Valle do Tejo.

Essa concessão fez-se desgraçadamente, e eu, se a minha doença mo tivesse permittido, ou o ministerio do sr. duque d’Avila não tivesse caído, ter-lhe-ía pedido contas severas, apesar da responsabilidade principal pesar sobre o ministerio regenerador, que tinha mandado offerecer á companhia a concessão do ramal.

Portanto, esteja o sr. Fontes sempre certo que eu sou coherente nas minhas opiniões e nas minhas idéas, e que os meus actos não deslisam d’ellas. Se na vida publica mudasse, não me deshonrariam os motivos por que o fizesse. O mudar não fica mal a ninguem, o que muitas vezes não é decoroso, é o motivo que determina essa mudança.

Eu apoiei o partido regenerador emquanto tive confiança n’elle, e apoiei-o com toda a lealdade, e só deixei de lhe dar o meu voto quando perdi essa confiança. Não devo aos chefes d’esse partido um unico favor pessoal, mas sim muitas desconsiderações; outro tanto, talvez, não possam, elles dizer do mini. Foram sempre ingratos e incorrigiveis, nunca aprenderam na desgraça, de fórma que quando voltavam ao poder era sempre com os mesmos defeitos correctos e augmentados.

Digo-o aqui bem alto e em bom som, para que o sr. Fontes ouse contradizer-me. Terei muitos defeitos, não tenho pelo menos aquelle de ser ingrato e incorrigivel.

Sr. presidente, não tomaria tanto calor, se não visse que o sr. Fontes quiz lançar sobre mim certo desfavor, quando elle era o ultimo que tinha direito a fazel-o.

Acabado este incidente, e com o qual eu muito folguei, e voltando á questão, vou mostrar que fiz caso das respostas de s. exa. ás perguntas que lhe dirigi.

Perguntei qual a rasão por que não punha a concurso o caminho de ferro da Beira Baixa, e s. exa. respondeu que as circumstancias do thesouro não o permittiam. Tratei então de mostrar que esta opinião do sr. Fontes estava era contradicção com a que elle tinha em 1875, quando disse que estava convencido que os caminhos de ferro contribuiam immenso para a organisação das finanças e produziam vantagens de tal ordem, que o não assoberbavam as despezas que resultavam da sua construccão.

S. exa. está em contradicção manifesta com as idéas que apresenta agora. E tanto fiz caso das suas respostas, que acho verdadeiramente lamentavel, e faço notar á camara a contradicção flagrante em que continua o sr. Fontes a estar apresentando uma proposta para a construccão do caminho de ferro da Beira Alta por administração e fazendo discutir na camara dos senhores deputados uma outra proposta para a construccão do caminho de ferro do Algarve, apesar do seu convencimento de que as circumstancias do thesouro não permittiam que se procedesse a esta construccão.

Estão ou não as finanças em apuros? Se estão para que se vão fazer estas despezas enormes?

Quando fallo no caminho de ferro da Beira Baixa, não é porque eu pretenda que elle actualmente se faça, assim como entendo que não se devia fazer o caminho de ferro da Beira Alta, e muito menos o do Algarve, porque a primeira cousa a tratar é da organisação da fazenda publica. O que eu. quero, o que eu pretendo, é que o governo seja economico e olhe com interesse para os haveres da sociedade, que os augmente em logar de os desperdiçar; o que eu quero, o que eu pretendo é que o governo seja coherente, e que se tinha de continuar algum caminho de ferro, construisse o que o sr. ministro das obras publicas reconheceu como internacional, mais facil e mais barato.

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O sr. Fontes disse á camara que o caminho da Beira Alta era internacional, porque encurtava mais a distancia entro Lisboa e a Europa, indo por Salamanca a Bayona.

S. exa. foi inexacto. O caminho de ferro da Beira Baixa é a linha ainda mais curta indo por Madrid a Bayona. N’este ponto o sr. presidente do conselho está em completa contradicção com o sr. ministro das obras publicas, que demonstrou o contrario, demonstrou que a linha da Beira Baixa, com trajecto mais extenso, ainda assim era superior á outra.

Não sou eu que liei de responder-lhe, ha de ser o seu collega, que, em um discurso brilhante, revelando a profusão de conhecimentos technicos que todos admiram n’este distincto engenheiro, assentou e mostrou á evidencia que a linha da Beira Baixa era a linha verdadeiramente internacional. Se o caminho de ferro da Beira Alta é a linha internacional, eu emprazo o sr. Fontes para que o demonstre contra a opinião do seu collega das obras publicas, e contra a auctoridade de engenheiros distinctissimos portuguezes e Hespanhoes.

Não basta apresentar uma proposição, é mister demonstral-a. É mais facil enunciar qualquer these do que provai-a.

Peço, pois, ao sr. Fontes que queira ter a bondade de elucidar a camara sobre este ponto.

Agora, são as difficuldades do thesouro que inhibem o governo de abrir concurso; noutra epocha a rasão por que esse concurso não era aberto para o caminho de ferro de da Beira Baixa, era pelas dificuldades que o governo hespanhol tinha sobre o ponto de entroncamento, dificuldades que não existiam emquanto ao da Beira Alta, cujo ponto de entroncamento já estava assentado.

É maravilhoso o desassombro com que o sr. Fontes assevera isto! Pois saibam que fornos illudidos por mais uma vez. Em Hespanha existiam as mesmas dificuldades, tanto para o caminho de ferro da Beira Baixa, como para o caminho de ferro da Beira Alta. N’aquella epocha não estava assentado sobre os pontos de ligação.

Vou ler outra vez alguns trechos de discursos proferidos por s. exa. Lerei estes trechos de dois dos seus discursos., para que o sr. ministro não possa imaginar ter havido algum equivoco da parte dos srs. tachygraphos.

Dizia o sr. Fontes em resposta a uma pergunta minha:

« Aquelle governo, prestando-se da melhor vontade aos nossos desejos, mandou engenheiros seus a Portugal, a fim de se entenderem com os engenheiros portuguezes, e de commum accordo se assentar nos pontos de entroncamento; e effectivamente se assentou no que diz respeito á linha da Beira Alta. Em relação porém á da Beira Baixa, e governo hespanhol manifestou desejos, ultimamente, de estudar uma variante, que não é precisamente a linha indicada na proposta de lei que foi submettida ao exame das camaras e approvada por ellas.»

Se o sr. Fontes não se contenta com esta declaração feita n’este seu discurso, ler-lhe-hei outra identica n’outro discurso seu, que é a seguinte:

o Quando o governo disse que estava nomeada uma commissão de engenheiros para fixar os pontos em que deviam entroncar as linhas ferreas hespanholas com as portuguezas, disse a verdade, e já está fixado o ponto de entroncamento do caminho de ferro da Beira Alta; com relação ao da Beira Baixa, ainda não póde fazer-se o mesmo, porque o governo hespanhol resolveu mandar estudar uma variante, como ha pouco tive a honra de dizer á camara.»

Se o sr. Fontes não está contente ainda com estes periodos dos seus discursos, posso ainda ler á camara outros no mesmo sentido.

Quando, n’aquella occasião, mostrava que o sr. Fontes fizera á camara declarações inexactas, tinha eu aqui todos os documentos, como agora tenho, com que podesse provar o que se passara entre o governo portuguez e o hespanhol.

Para que o sr. Fontes se recorde das suas respostas ás minhas perguntas, lembrar-lhe-hei um facto que se deu então. Ao acabar a sessão, dirigiu-se a mim, perguntou-me o sr. presidente do conselho o motivo por que eu tinha tomado tanto calor no debate e tinha sido tão aggressivo. Respondi-lhe, perguntando-lhe tambem qual o motivo por que não abria concurso e fazia o caminho de ferro da Beira Baixa? Respondeu-me s. exa.: «Temos dificuldades por parte do governo hespanhol o. E acabadas essas dificuldades (insisti ainda), v. exa. põe a concurso o caminho da Beira Baixa? «Dou-lhe a minha palavra de honra que sim». Confiei na palavra de honra de cavalheiro, como era meu dever, e não tornei a dirigir-me sobre aquelle assumpto ao sr. Fontes, tal era a minha convicção de que elle seria fiel aos seus compromissos. Pois poderia eu duvidar da palavra de honra do sr. Fontes, que se orgulhava dantes de não faltar aos seus compromissos?! E doloroso dizel-o, o concurso até hoje não foi aberto ainda para o caminho de ferro do Valle do Tejo, e o sr. Fontes, presidente do conselho de ministros, faltou á sua palavra de honra de cavalheiro! Póde pois remediar ainda a falta, e no seu novo consulado desobrigar-se da promessa.

Eu entendo que a construcção d’este caminho de ferro é uma questão de brio e dignidade para o sr. presidente do conselho.

O sr. Fontes tinha-me dado a sua palavra de honra- em particular, não digo bem, empregando o termo particular, porque s. exa. dirigiu-se a mim como membro do poder executivo, e eu respondi-lhe na qualidade de membro do poder legislativo.

N’esta qualidade, pois, o que eu tinha era a promessa formal de que o caminho de ferro do Valle do Tejo seria feito, e não obstante esta promessa foi-lhe anteposto o caminho de ferro da Beira Alta, quando não havia a mais leve duvida, e estava perfeitamente demonstrado que o caminho de ferro da Beira Baixa ou do Valle do Tejo, que equivale a dizer o mesmo, era e é de muito mais facil construcção, de menos despendio, e o verdadeiro caminho internacional.

A ter de se fazer algum caminho de ferro agora, o unico deveria ser este da Beira Baixa, que é o que está em circumstancias mais favoraveis.

A minha opinião é que actualmente nem este nem nenhum outro se deve fazer, emquanto houver um deficit de 5.000:000$000 réis, e uma divida fluctuante de réis 12.000:000$000.

A questão de fazenda é seria e grave, deve preoccupar o nosso espirito e exigir todos os nossos esforços.

Esteja certo o sr. Fontes, que seria este o melhor armamento, e as mais robustas fortificações com que podia dotar a nação.

Portanto a minha opinião é que na actualidade não se faça nenhum caminho de ferro, mas, a fazer-se algum, deveria ser este, pois os encargos para o thesouro eram pequenissimos.

Creia a camara que, se não tem sido feito, tem sido devido á opposição constante e tenaz da companhia dos caminhos de ferro portuguezes do norte e leste. Eu sei e conheço quaes os esforços que ella tem empregado, e não ignoro tambem a influencia que elles têem exercido no animo do governo, e por isso avalio perfeitamente os motivos por que tem deixado de se construir uma linha tão importante como esta.

Para a assembléa reconhecer quão grande era a importancia, que o sr. Fontes dava á companhia, basta lembrar-lhes que, quando eu me dirigi ao sr. Fontes, para que declarasse qual a rasão imperiosa que o determinava a não discutir n’aquella sessão o projecto ácerca dos caminhos de ferro, sem vir a proposito, o sr. Fontes respondeu-me, que o projecto sobre fallencias seria um dos primeiros a discutir-se na futura sessão de 1876!

Esta resposta do sr. presidente do conselho n’aquella occasião tinha maior significação e alcance, porque se achava

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um dos directores da companhia do caminho de ferro na galeria, director de quem o sr. Fontes era collega.

Portanto, sr. presidente, uma similhante resposta era altamente significativa, e tanto mais significativa, quanto ella se refere a um projecto que era uma verdadeira espoliação, nada mais nada manos, do que um ataque directo ao direito de propriedade dos portadores de obrigações.

Repetirei, pois, o que disse já noutra occasião, é necessario que os ministros afastem de si toda a qualidade de suspeita em que possam ser envolvidos, porque têem obrigação de não parecerem o que realmente não são: é necessario que se de satisfação completa ao paiz, e foi por isso que eu achei regular o procedimento do sr. presidente do conselho, demittindo-se do logar de director da companhia dos caminhos de ferro.

Eu sou justo, e por isso digo as verdades ás vezes por uma forma rude, forma que produz uma certa má impressão no animo de alguns dignos pares; mas, como entendo que se deve ser muito claro para a nação e para o Rei, entendo que se deve chamar ás cousas pelos seus proprios nomes, e expol-as por fórma que não reste a mais leve duvida sobre a sua significação, e não apresental-as com rodeios e ornatos, que as desfiguram por tal modo que ninguem as conhece.

Digo, portanto, as verdades como eu entendo que ellas devem ser ditas; tenho todo o respeito por v. exa., sr. presidente, e por todos os dignos pares membros d’esta camara, mas não se falta ao respeito quando se traduzem os pensamentos por palavras adequadas e proprias, embora ellas sejam muitas vezes ásperas.

O sr. presidente do conselho quiz attenuar a sua responsabilidade por não ter aberto concurso para o caminho de ferro de Valle do Tejo, com a concessão do caminho de ferro do Caceres, asseverando que esta linha prejudica o caminho de ferro da Beira Baixa.

Sr. presidente, eu direi que a concessão d’aquella linha foi feita salvaguardando todas as garantias para o caminho de ferro da Beira Baixa. Não obstante, estou convencido que o sr. ministro que fez a concessão exorbitou, e que concedeu o que não estava nas suas attribuições. É verdade que a maior responsabilidade cabe ao sr: Avelino, que espontaneamente mandou offerecer á companhia a concessão do ramal de Caceres.

N’este facto reconheça a camara as relações que havia entre a companhia e os ministros regeneradores.

O governo não póde nem deve consentir que essa linha se faça, porque, feita ella, a provincia do Alemtejo o a Extremadura e Lisboa ficara a descoberto e sem meios de defeza para impedir qualquer invasão. A feituna d’aquella linha inutilisaria os esforços do honrado marquez de Sá, que conseguiu que o caminho de ferro de Badajoz passasse sob as muralhas de Eivas, o que custou centenares de contos . ao thesouro.

Alem d’estas rasões, ha outras ainda que devem influir no animo do governo. Eu entendo que o governo não póde nem deve consentir na construcção d’esta linha, porque a concessão á companhia é condicional. A companhia não póde proceder a trabalhos, emquanto uma com missão militar não concordar no traçado, e emquanto essa commissão não declarar que não prejudica a defeza do paiz. Se esta linha tem este grande inconveniente de não servir para a defeza da nação, antes prejudical-a, o caminho de ferro da Beira Baixa tem ainda a seu favor estas condições, porque é altamente estrategico, e um caminho que segue defendido por um lado pelo Tejo e pelo outro por uma cordilheira de montanhas, e tanto assim é que o governo hespanhol, reconhecendo isto, poz duvidas relativamente ao ponto do entroncamento d’este caminho, pelo considerar sob este aspecto muito favoravel para Portugal e pouco para Hespanha. Quem tem amor de patria, quem diz constantemente que é necessario fortificar Lisboa e tratar de empregar todos os meios para defender o nosso territorio, a primeira cousa para que tinha obrigação de olhar seriamente, era para os te ponto, que é dos mais graves.

Se o sr. presidente do conselho não só importa que a provincia do Alemtejo e da Estremadura, e sobretudo Lisboa, fiquem abertas a qualquer invasão, para que está sempre a onerar o paiz com a compra do armamento, e infelizmente de armamento que não presta?

Sr. presidente, attentas as declarações que fez o sr. presidente do conselho, de que as circumstancias precarias do thesouro não permittem na actualidade a feitura do caminho de ferro da Beira Baixa, dirigir-lhe-hei ainda algumas perguntas. Desejo saber como o sr. Fontes considera, em presença das suas declarações, a auctorisação que lhe foi concedida pelo parlamento para a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, auctorisação que não é preceptiva e que por consequencia o governo podo fazer ou deixar do fazer uso d’ella.

O sr. presidente do conselho entende e reconhece que o paiz está em circumstancias muito criticas, e que as finanças não podem effectivamente consentir largos despendios. Portanto pergunto ainda a s. exa. só em virtude da auctorisação que lhe dá a camara, para construir por conta propria o caminho de ferro da Beira Alta, o governo tenciona mandar construir immediatamente essa linha, no caso de não se apresentar companhia em condições de lhe ser adjudicada? Pergunto tambem se o governo, que julgou o caminho de ferro do Algarve, de segunda ordem, e que o queria de via reduzida, o fará construir immediatamente, logo que a auctorisação seja approvada pelo parlamento?

Sobro estes pontos desejo e espero que o governo esclareça a camara, o paiz, e declare a sua opinião, clara e precisamente.

É necessario que se saiba quaes são os principies do governo, e se elles têem diversidade do applicação, segundo a linha ferrea for da Beira Alta ou da Beira Baixa. É necessario que a guia do governo seja a justiça e a moralidade, e não se prenda com vinganças mesquinhas e deploraveis para lhe sacrificar os interesses publicos.

É necessario que a fazenda publica seja administrada com economia, e t não esbanjada pelos caprichos e affeições do sr. Fontes. É necessario sobretudo moralidade, moralidade moralidade.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Eu peço desde já desculpa á camara da perturbação que possa apresentar nas minhas considerações, porque, com effeito, o assumpto tem sido por tal modo desordenado na maneira por que esta interpellação se tem verificado, que realmente eu não sei se poderei acompanhar os oradores que têem fallado, e responder ás diversas considerações que têem sido feitas.

Permitta-me v. exa. que eu antes de tudo me colloque inteiramente fóra de toda a apreciação politica, e de todas as arguições violentas e virulentas com que o digno par o sr. Vaz Preto tem verberado a situação, de que tenho a honra de fazer parte, na pessoa do sr. presidente do conselho.

Sr. presidente, eu entendo que todos nós temos obrigação de fallar a verdade, e de tomar como divisa aquella phrase de D. João de Castro, quando, escrevendo ao senado de Goa, disse: Aquella verdade secca e breve que me Nosso Senhor deu.

Eu entendo que é obrigação de nós todos fallarmos a verdade ao paiz, ao Rei, e aos poderes constituidos, como sentimos e como entendemos em nossa consciencia. Portanto, não creio que seja um monopolio de s. exa. fallar a verdade, porque essa liberdade ou esse dever é igualmente commum a todos os dignos pares, e a todos os homens que têem voz em qualquer das casas do parlamento.

Mas, parece-me, sr. presidente, que a primeira cousa que, devemos tambem fazer, é respeitarmo-nos uns aos outros, e não attribuirmos a intenções reservadas e menos dignas quaesquer observações que façamos.

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O sr. Vaz Preto: — Eu não entro nas intenções de pessoa alguma.

O Orador: — Quando temos de nos referir a quaesquer assumptos.

N’este ponto, abstenho-me de apreciar o que disse o digno par, porque as eloquentes palavras do sr. presidente do conselho me dispensam de entrar n’esta questão.

Procurarei apenas responder a algumas perguntas que o digno par formulou, o bem assim apreciar a sua argumentação quanto ás contradicções que lhe pareceu ver nas minhas opiniões como deputado em 1870 e como ministro em 1878. E, antes de mais nada, permitta-me s. exa. que responda á pergunta que acaba de fazer, e que é, se o governo está resolvido a dar execução á lei que foi votada nas duas casas do parlamento, e que hoje deve receber a sancção regia.

Logo que esta lei seja publicada o governo dar-lhe-ha immediatamente execução e abrirá o concurso. E como a lei não previne só a hypothese da construcção por concurso, é evidente que, se o resultado desse concurso não for favoravel, o governo póde construir por conta propria.

Perguntou s. exa. tambem se á lei relativa á construcção da linha do Algarve o governo tenciona dar execução logo que seja approvada. Devo dizer ao digno par, que, logo que essa lei tenha passado pelos tramites legaes, o governo lhe dará execução, como tenciona dar á que diz respeito .ao caminho de ferro da Beira Alta.

Sr. presidente, parece-me que o digno par se manifestou demasiadamente adversario dos caminhos de ferro. S. exa. declarou que não queria que se construisse nenhum; nem o da Beira Alta nem o da Beira Baixa, nem o do Algarve, e n’este ponto, sr. presidente, é notavel que s exa. se desdiga assim do seu passado politico, porque acompanhou sem duvida o partido regenerador até 1875. Este partido tem na sua longa historia, desde 1802 até hoje, a demonstração cabal e frisante de todos os melhoramentos que realisou, e da profunda convicção, que tem mostrado sempre, de que o desenvolvimento da riqueza publica e o melhoramento da situação financeira dependem do progresso material e intellectual do paiz.

Por consequencia quando o partido regenerador entende que se devem fazer melhoramentos de tanta utilidade publica, como é a viação accelerada para o desenvolvimento do paiz, não faz mais do que pôr em pratica o seu credo economico e politico, que foi tambem durante muito tempo o credo do digno par.

Agora permitta-me s. exa. que me refira ás pretendidas contradicções que notou no meu procedimento como deputado em 1875 e como ministro em 1878.

É n’este ponto eu posso dizer quasi que estou representando o duplo papel de interpellante e interpellado, porque o digno par procurou demonstrar, lendo diversos trechos dos meus discursos, que eu na epocha em que os proferi estava de accordo com s. exa., dando a preferencia ao caminho de ferro da Beira Baixa. Eu lamento que o digno par, que consultou e revolveu os annaes parlamentares, não fosse mais longe nas suas investigações, pois encontraria na sessão de 1877 a explicação, e justificação para melhor dizer, da rasão por que tenho manifestado a minha preferencia hoje pelo caminho de ferro da Beira Alta, e não pelo da Beira Baixa.

Na sessão de 2 de março do anno passado o illustre deputado pela Covilhã dirigiu-me varias perguntas identicas: ás que foram hontem aqui feitas pelo digno par, notando-me a mesma contradicção apontada por s. exa. e eu respondi de maneira que de certo não deixará duvidas no espirito do digno par.

Quando se apresentaram as propostas que foram discutidas, os unicos elementos que havia para apreciar as construcções desse caminho eram os trabalhos dos engenheiro» os srs. Sousa Brandão e Combelles, mas n’essa mesma sessão eu disse:

D’este quadro colhem-se dados importantes:

«1.° O traçado definitivo tem menos, do que o do engenheiro Sousa Brandão, 58 curvas, e menos, do que o do engenheiro Combelles, 105.

«2.° No traçado do engenheiro Combelles (de todos ornais curvilineo) ha 44:560m,67 em curvas de 300 metros de raio, emquanto que no definitivo não ha extensão alguma em curvas de tal raio.

«3.° No traçado do engenheiro Sousa Brandão ha até curvas com raio de 200 a 250 metros no desenvolvimento de l:504m,40.

«4.° Sendo o total desenvolvimento em curva pelo traçado definitivo 91:592m,89

e pelo do engenheiro Combelles........... 141:519m,45

ha por esta forma a grande vantagem para o traçado definitivo de ter menos em curva, do que o do engenheiro Combelles, a extensão de... 49:926m,56

«5.° Finalmente, sendo no traçado definitivo a total extensão em alinhamento recto de... 110:394m,21

e no do engenheiro Combelles de.......... 90:080m,55

resulta a favor do traçado definitivo (apesar de ser muito mais curto do que o do engenheiro Combelles) a extensão rectilinea de.. 20:3130,66

Já s. exa. ve, com respeito ao traçado do sr. Eça, que esses estudos eram completamente modificados, e com decisivas vantagens emquanto ás condições de planta.

Pelo que respeita ás condições do perfil:

«Confrontando, porém, o traçado do engenheiro Combelles com o definitivo, vê-se que este tom consideravel vantagem sobre aquelle, como póde deprehender-se da seguinte comparação numerica:

«1.° Em rampas a Om,015 ha no traçado definitivo a extensão de................... 9:298m,02

e no do engenheiro Combelles............ 45:900

Tom, portanto, o traçado de engenheiro Combelles, de excesso sobre o definitivo, n’estas subidas mais fortes a extensão de.. 36:601m,98

«2.° Nas descidas a Om,015 tem o definitivo traçado a extensão do............... 7:294m,78

e a do engenheiro Combelles............. 23:940

«E, pois, o excesso do traçado de mr. Combelles sobre o definitivo nas descidas mais fortes................................ 16:645m,22

«3.° A extensão total em rampa é no traçado
definitivo de........................... 103:034m,14

e no do engenheiro Combelles de.......... 116.577

«E, portanto, o excesso, no tratado do engenheiro Combelles comparado com o definitivo, de.............................. 13:542m,86

«4.° A extensão total em descida é no projecto definitivo de...................... 51:990m,27

e no do engenheiro Combelles............ 48:870

«Excede, pois, o traçado definitivo do engenheiro Combelles ...º................. 3:129m,27

«5.° A extensão total em patamar é no traçado definitivo de...................... 4õ:953m,69

e no do engenheiro Combelles de.......... 66:153

«Ha, portanto, no traçado do engenheiro Combelles a extensão a mais de.......... 20:199m,31

Basta, pois, comparar estes estudos para reconhecer quão diversas são as condições do projecto definitivo do caminho de ferro da Beira Alta d’aquellas em que se acharam feitos os ante-projectos dos engenheiros Combelles e Sousa Brandão, unicos que em 1875 podiam ser comparados com

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o caminho de ierro da Beira Baixa, porque o projecto definitivo da Beira Alta só foi apresentado em fevereiro de 1876.

Mas, ha mais alguma cousa com respeito ás distancias, porque alem de que a extensão da linha foi reduzida de 232 kilometros a 201, o que muito reduz a despeza total, é sabido de todos que o ante-projecto do sr. Combelles partia de Mogofores e o projecto do sr. Eça parte da Pampilhosa, dando a differença de muitos kilometros de encurtamento no percurso do traçado da Beira Alta.

(Leu.)

Quer dizer, ha uma differença de 188 kilometros, resultando ainda um encurtamento de 44 kilometros, pelo traçado do sr. Eça em relação ao ante projecto do sr. Combelles.

Aqui tem v. exa. a rasão por que apparece essa contradicção, e porque não fui perfeitamente coherente com a opinião que tinha em 1875! N’esse anno acceitei a construcção simultanea dos tres caminhos de ferro, mas disse que se devia dar preferencia, tanto quanto possivel, á construcção d’aquelle que estivesse mais nas condições de ser uma linha internacional.

Disse mais, que o caminho de ferro da Beira Baixa podia resgatar a differença de extensão pelas vantagens de velocidade que o caracterisavam, e estava em condições que o tornava então superior ao da Beira Alta.

Entretanto novos estudos feitos com relação a esta ultima linha, deram occasião a novos traçados e planos que collocaram este ultimo em melhores condições, de modo que foi desde logo considerado por muitas pessoas auctorisadas, como a principal linha internacional, e o governo tambem o entendeu assim.

Foi em presença d’estas circumstancias que modifiquei a minha opinião com relação ao caminho de ferro da Beira Baixa, de maneira tal, que não seria para estranhar, creia o digno par, que eu julgasse agora que o termo de «caseiro» que appliquei n’outra occasião á linha da Beira Alta, estaria mais apropriado ao da Beira Baixa, depois das alterações que pozeram áquell’outra linhagem condições de superioridade com relação ao caminho de ferro do Valle do Tejo.

Note-se, porém, que não desejo significar com isto que condemno agora a linha da Beira Baixa, ou a julgue dispensavel, pelo contrario acho indispensavel a sua construcção.

Ao caminho de ferro da Beira Baixa não faltam rasões que aconselhem a sua construcção, e ainda que se não considere uma linha internacional, em relação ao movimento europeu, de certo está destinado a ser pelo menos um caminho propriamente peninsular de muita utilidade para ambos os paizes.

Por esta occasião devo dizer tambem, que de modo algum considero prejudicada a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, pela concessão do ramal de Caceres, feita á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste.

Esse ramal é apenas uma linha subsidiaria do caminho de ferro do leste, destinada a facilitar o transporte para o Tejo, dos minerios vindos de Caceres, e de outros productos.

Não me parece, pois, repito, que o ramal de Caceres prejudique a construcção da linha da Beira Baixa, que tem toda a rasão de ser como via ferrea importante para o paiz sob o ponto de vista economico, e alem d’isso muito recommendada tambem por considerações estrategicas e de defeza militar do nosso territorio.

O sr. Vaz Preto nas apreciações que hontem fez das minhas opiniões manifestadas em 1870, comparadas com as que apresento em 1878, referiu-se tambem ao que eu disse com respeito ao custo kilometrico das linhas da Beira Alta, dever ser superior ao que estava orçado, parecendo inculcar contradicção entre o que então disse e a cifra em que hoje cômputo o custo kilometrico d’esta linha.

O sr. Vaz Preto: — O sr. ministro disse que havia de custar o dobro. Affirma-o no seu discurso.

O Orador: — Não nego que o dissesse. O que então dizia e hoje repito, é que se o caminho da Beira Alta tivesse de ser construido com o raio minimo de curvas de 500 metros e inclinações maximas de 10 millimetros, custaria o dobro do orçamento, porque taes condições repugnam ás condições naturaes do terreno. Eu não punha em duvida que o custo do caminho fosse de 34:000$000 réis, uma vez que fosse construido em conformidade com o anteprojecto do sr. Combelles, assim como agora me persuado que, pelo projecto do sr. Eça, este caminho de ferro póde ser construido dentro da cifra de 35:000$000 reis.

Se o digno par me permitte, servir-me-hei do argumento de auctoridades competentissimas, e dos documentos que já se acham publicados no Diario da camara dos senhores deputados.

Os orçamentos do caminho de ferro da Beira Alta, feitos por engenheiros muito distinctos e versados n’esta ordem de trabalhos, foram examinados e comparados com o custo das obras executadas nos caminhos de ferro do Minho e Douro, e d’ahi resultou a convicção de que aquelle caminho ha de ser feito dentro dos respectivos orçamentos, sem que as suas condições de construcção fiquem inferiores ás dos referidos caminhos do Minho e Douro.

Em resposta a uma referencia feita ás sommas que se têem despendido nos caminhos de ferro do Minho e Douro, cumpre-me dizer que fiz juntar um certo numero de documentos que devem esclarecer, não só o digno par, mas o parlamento, relativamente ás despezas feitas, e ás rasões por que esses caminhos saíram mais caros do que o que estava calculado nos orçamentos.

Essa questão ha de ser julgada em tempo competente, porque os documentos hão de ser acompanhados de um relatorio, em que desenvolvidamente se trate do assumpto.

Talvez que depois do discurso do sr. presidente do conselho, seja ocioso tratar do ponto a que vou referir-me; entretanto sempre direi que o facto de se ter posto a concurso o caminho de ferro da Beira Alta, não se tendo tido identico procedimento com relação ao da Beira Baixa, justififica-se perfeitamente bem, se recordarmos certos factos que em meiados de 1876 se davam no paiz vizinho, com referencia ás linhas do Valle do Tejo.

E sabido que em 1876 se apresentou a idéa de uma linha de Malpartida a Garrodilhos e Caceres, e de Caceres á fronteira. No seu relatorio de 10 de outubro de 1877, diz o distincto engenheiro, o sr. D. Eusebio Page:

«Esta linha de Caceres á fronteira, tendo como complemente a de Caceres a Malpartida de Placencia, concedida por Bordem real de 26 de julho d’este anno, forma outra solução que sem sair do Valle do Tejo poderia unir directamente Madrid com Lisboa.»

Ora, claro está que era prudente que o governo portuguez esperasse a resolução d’esta questão, e estudasse, no caso dos hespanhoes levarem a effeito as duas linhas, se conviria modificar as condições da linha da Beira Baixa.

O digno par, sr. Larcher, explicou as rasões por que a linha da Beira Alta ha de ser sempre necessaria para a nossa economia nacional e para as communicações entre a Europa e o porto de Lisboa. Esta opinião muito auctorisada póde dizer se que é hoje geralmente partilhada por todos aquelles que estudam o importante problema das nossas communicações acceleradas.

A linha da Beira Alta não offerece nem offereceu nunca mais do que uma solução por parte de Hespanha; podia escolher-se um ponto mais ao norte ou mais ao sul para a passagem na fronteira, mas o seu objectivo foi sempre, nem podia deixar de ser, Salamanca. Outro tanto não acontece com a linha do Valle do Tejo, que para muita gente póde ser objecto de uma das duas soluções a que já nos referimos, e outros entendem que só deve ser construida pelo traçado por Monfortinho.

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Mas, sr. presidente, não esqueçamos uma outra circumstancia importante que já foi apontada pelo sr. presidente do conselho.

O concurso para a linha da Beira Alta teve logar em 22 de julho de 1876, e havia sido aberto em 22 de mulo de 1876; o segundo concurso teve logar em 11 de novembro d’aquelle mesmo anno.

Foi durante este periodo do anno de 1876 que teve logar aquella tremenda crise bancaria que poz em risco uma grande parte dos nossos estabelecimentos di credito, o que tão profundamente o abalou nas nossas principaes praças de Lisboa e Porto.

Era evidente que n’estas circumstancias o governo poderia fazer o caminho da Beira Alta, porque satisfazia uma das suas principaes aspirações e realisava um dos projectos que mais acentuadamente era exigido pela opinião publica; mas, realmente, seria uma tentativa um pouco arriscada, pôr em concurso simultaneo as duas linhas, precisamente no momento em que o paiz atravessava uma crise bancaria tão violenta.

Não aconselharia a boa prudencia, quando outras rasões o não indicassem, aguardar para a realisação do caminho da Beira Baixa occasião mais opportuua e um ensejo mais asado?

As rasões de boa prudencia e administração discreta, que todos os governos devem seguir, aconselhavam tambem a que a linha da Beira Baixa fosse adiada para occasião mais opportuna.

E já que todos reconhecemos a obrigação e o dever que temos de fallar claro, é necessario que colloquemos as questões no seu verdadeiro campo.

Fazer caminhos de ferro é uma excellente cousa, é a maneira mais conveniente de desenvolver a riqueza publica. N’este principio consiste a profissão de fé que o partido regenerador nem hoje abandona, nem nunca abandonará. É preciso notar que o paiz tem riquezas incalculaveis que só esperam pelo caminho de ferro, pelo transporte prompto e barato, para serem valorisadas.

Realisar este melhoramento é nada menos do que valorisar riquezas que estão completamente virtuaes, e só por meio d’elle podem ser realidade.

Convem collocar este problema economico no seu verdadeiro terreno.

Estes melhoramentos são reconhecidos hoje por quasi toda a gente como indispensaveis. Mas a verdade é tambem que não podemos fazer todos os caminhos de ferro ao mesmo tempo; temos de os ir fazendo á medida dos nossos recursos financeiros, e dos nossos meios de acção. E não fica mal a nenhum governo sobreestar na execução de auctorisações que lhe foram concedidas, quando é elle que tem a responsabilidade de escolher a occasião opportuna para levar a cabo os melhoramentos ou reformas que deseja realisar com maximo proveito publico.

Portanto, entendo que é perfeitamente justificada a falta de cumprimento da promessa que o sr. presidente do conselho fez ao sr. Vaz Preto.

Pois o sr. presidente do conselho quando toma um compromisso d’esta natureza, pratica um acto demonstrativo de arbitrio irrevogavel e incondicional?

Pôde-se porventura entender que, para a execução d’esse compromisso, elle seja o unico juiz e executor independente e superior a todas as circumstancias e eventualidades?

S. exa., como chefe do governo, tem obrigação de administrar os negocios publicos da maneira mais conducente para os interesses do estado; não póde de modo algum, por mais solemne que fosse a fórma por que o houvesse feito, sustentar uma promessa, quando reconhecesse que d’ella resultariam inconvenientes ás finanças do paiz, trazendo embaraços á fazenda publica.

A posição em que o digno par collocou o sr. presidente do conselho justifica mais o elogio do que auctorisa a censura.

(Observação do sr. Vaz Preto, que não fui ouvida na mesa dos tachygraphos.)

Se eu fizesse uma promessa n’estas condições, reconhecendo depois que da sua realisação vinha prejuizo á causa publica, creia o digno par que, obtendo essa convicção, de certo não cumpriria a minha promessa, como a não cumpriria nenhum ministro que tenha amor ao seu paiz; eu preteria ser accusado de contradicção a ir por um capricho, de não faltar á minha promessa, comprometter as circumstancias financeiras do meu paiz. (Apoiados.)

(Nova observação do sr. Vaz Preto, que tambem se não ouviu.)

O digno par parece querer indispor-me com o sr. presidente do conselho; pois creia s. exa. que é inefficaz o seu empenho.

Sr. presidente, passarei a responder a algumas observações que me fez o digno par, o sr. Larcher.

Sr. presidente, o governo quando concedeu o ramal de Caceres á companhia dos caminhos de ferro portuguezes de norte e leste, foi sem duvida com a idéa de que este ramal fosse sempre considerado como um ramal tributario da linha de leste e nas condições previstas no artigo 33.° do contrato approvado pela lei de 5 de maio de 1800.

O projecto d’este ramal já foi apresentado no ministerio das obras publicas, e creio que está pendente do exame e parecer da junta consultiva de obras publicas; se esta entender que o projecto offerece todas as seguranças, e está em perfeita harmonia com as condições do contrato e da concessão que d’elle deriva, o governo não terá duvida em o approvar.

O que lhe cumpre depois é fiscalisar que sejam cumpridas todas as condições não só na parte da construcção, como na directriz; e o governo procurará fazer com que sejam mantidas todas as condições por parte da companhia. Demais, este ramal tem de ser examinado por uma corporação importante, em relação á parto que se refere ás considerações de defeza, e creio que quando essa linha fosse militarmente considerada pelos homens competentes como prejudicial, estabelecendo um ponto fraco na nossa fronteira, qualquer governo trataria de adoptar medidas indispensaveis para evitar esses inconvenientes, mesmo sem estar dependente de nenhuma medida legislativa, embora viesse mais tarde pedir indulto ao parlamento pelos seus actos.

Mas eu creio que o ramal de Caceres póde e deve sor considerado tão sómente como uma linha auxiliar e commercial, para dar transporte aos minerios de Caceres, e que d’ahi não virá perigo para a defeza nacional, nem tão pouco virão complicações para a linha da Beira Baixa. Nada mais direi n’esta occasião. O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, eu não pedi a palavra para fallar sobre a interpllação do digno par, o sr. Vaz Preto, mas, como s. exa. se referiu ás incompatibilidades que devem existir entre os ministros da corôa e certos empregos, assumpto que eu julgo da maior importancia, não posso deixar de dizer algumas palavras a este respeito, principalmente tendo eu, ha já bastante tempo, tratado d’esta questão, apresentando em 24 de fevereiro de 1866 um projecto do lei sobre incompatibilidades, que renovei em 12 de junho de 1869, permanecendo uns poucos de annos na commissão.

Por consequencia, ha já bastantes annos que o meu projecto foi apresentado pela primeira vez. Remettido de ambas as vezes á commissão, esta não achou, até hoje, que devia dar o seu parecer. Eu realmente não posso conformar-me com procedimento da commissão. Pois ha um projecto de lei sobre um assumpto importante, como é aquelle de que trata, e não merece as vistas da commissão. Se as commissões d’esta casa não querem tomar em consideração objectos de tanta magnitude, como este, o que lhes poderá então merecer as suas attenções?

Eu sinto ver-me obrigado a fallar n’esta questão com

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algum calor, mas não posso deixar de fazel-o, porque entendo que é um serviço publico que pretendo prestar a este paiz, tirando os interesses geraes das mãos d’aquelles que são encarregados de os decidir.

Eu estimei muito que o sr. Vaz Preto tratasse d’este objecto, e foi o que s. exa. disse, a respeito d’elle, que me moveu a dizer estas palavras. Até me parece, se não estou enganado, que sou eu e o digno par as unicas pessoas que têem dito alguma cousa n’esta casa a respeito de tal assumpto.

E todavia, sr. presidente, eis ao que a camara, o governo e todos nós deviamos attender, porque é impossivel que não cause desagradavel impressão no paiz ver que as pessoas que dirigem os negocios publicos têem muitas vezes interesses particulares que contrariam aquelles, e são estas mesmas pessoas que os decidem!

Isto não podo ser, principalmente quando ha quem promova desordens, aproveitando-se das irregularidades do governo e administração para mudar as instituições. E é este mais um motivo para que reforcem as suas doutrinas ou auxiliemos seus intuitos de destruirem tudo, sem rasão para o fazer.

A hora está adiantada, custa-me muito a fallar e por consequencia vou concluir, insistindo na necessidade que nós temos do não deixar continuar as cousas no estado em que estão. Os homens levam-se pelos seus interesses, e se ha alguns virtuosos, como realmente ha, que se sacrificam pelos principios da justiça e do direito, isso não é mais do que uma excepção, e as leis não foram feitas para as excepções, mas para a generalidade.

Sr. presidente, eu creio ter dito o bastante sobre este assumpto e julgo desnecessario fazer agora quaesquer outras considerações. Entretanto, não deixarei de proferir mais algumas palavras n’esta camara, a este respeito, em qualquer outra occasião.

O sr. Vaz Preto: — Chamo a attenção da camara para a resposta do sr. ministro das obras publicas ás perguntas que eu fiz ao sr. presidente do conselho. O governo continua a estar em contradicção con as suas idéas, e os proprios ministros uns com os outros.

Perguntei ao sr. presidente do conselho se estava resolvido a construir por administração no caso de não haver companhia a quem se adjudicasse o caminho de ferro da Beira Alta. Responde que sim o sr. ministro das obras publicas, declarando-se em completa contradicção com a opinião do sr. presidente do conselho, que ha pouco disse que à rasão por que não tinha posto a concurso o caminho de ferro da Beira Baixa, nem o podia pôr na actualidade, era porque nas circumstancias criticas em que o paiz se achava, o thesouro não podia occorrer a esta despeza.

Pois o thesouro não póde occorrer a esta despeza, e póde fazer outra quatro vezes maior com o caminho de ferro da Beira Alta? Pois o thesouro não póde occorrer a esta despeza e póde construir o caminho de ferro do Algarve, caminho de ferro de segunda ordem, que os sr. ministro das obras publicas e presidente do conselho julgam muito abaixo do da Beira Baixa, e que queriam de via reduzida?

O governo não póde satisfazer aquella despeza, e este apresentando todos os dias na outra casa do parlamento propostas para augmentar a despeza em grande escala e crear nichos para os seus afilhados:

Não são a maior parte das despezas propostas pelo governo, se não todas, muito menos necessarias do que a proposta para o caminho de ferro do Valle do Tejo?

Isto quer dizer, em bom portuguez, que as declarações do sr. presidente do conselho não valem nada, e que a camara não ha de acreditar n’ellas. O governo despreza o parlamento, e a culpa e só do parlamento, que não toma o seu logar. O governo só faz o que lhe convem fazer por interesse da sua conservação, sem que por isso advenha utilidade alguma ao paiz. Isto é que eu quero que fique explicito.

É incrivel! Pois póde-se admittir que se votasse uma lei para se construir-o caminho de ferro da Beira Baixa, e que o sr. ministro das obras publicas, que era apologista d’esse caminho de ferro, que era o seu valente campeão, o seu estrénuo defensor, que o elevava acima de qualquer outro, e nem sequer procurasse de alguma forma saber o modo por que elle era recebido pelos capitães? Pois se a auctorisação que o governo tinha não era imperativa, que inconveniente havia para abrir concurso? Não estava no arbitrio do governo o conceder ou não a linha?

Porque não procurou ao menos conhecer as propostas que lhe seriam feitas, e deduzir d’ellas a importancia e valor d’aquella linha? O procedimento do sr. Lourenço de Carvalho não tem exemplo nos annaes parlamentares, e a sua retratação do hoje colloca-o na mais critica e deploravel situação a que póde chegar um ministro.

Nada do que se deve fazer se faz, e por isso escuso de repetir que o caminho de ferro da Beira Baixa é do facil construcção e barato. Do dinheiro que se tem gasto na penitenciaria, e em outras muitas penitenciarias, que por ahi vão, bastaria uma pequena parte para o construir.

O sr. ministro das obras publicas pretendeu que eu tambem estava em contradicção, porque suppõe que eu sou hoje adversario dos caminhos de ferro, tendo sido seu apologista. Quando eu fui apologista dos caminhos de ferro, não os queria o governo; era em 1874, quando os capitães estavam baratos e em abundancia, e procuravam collocar-se. Foi antes da crise, porque então era facil e compativel com as circumstancias do thesouro aquelles melhoramentos. Então queria eu os caminhos de ferro; agora não os quero pelo mau estado financeiro do paiz; rasão esta que cala no meu espirito, mas que não cala no espirito do sr. ministro das obras publicas e do seu presidente, apesar do a allegarem para obstar á construcção do caminho de ferro da Beira Baixa. Eu sou coherente, e não contradictorio. Outro tanto não poderão avançar s. exas.

Aqui está porque eu em 1874 queria os caminhos de ferro. N’isto mostro que sou coherente, e oxalá que o governo o fosse tambem.

Quem não são coherentes, quem são contradictorios, são aquelles que propõem a venda do caminho de ferro do sul para a construcção dos caminhos de ferro das Beiras, e a retiram depois com o pretexto que era uma propriedade da nação, que estava crescendo todos os dias de valor, e tinha um futuro auspicioso, o com um pequeno intervallo propõem novamente a sua alienação para a construcção de uma linha de segunda ordem de via reduzida, como é a linha do Algarve.

Os que procedem assim é que não são coherentes, são contradictorios, são mais do que isso, são esbanjadores dos haveres da sociedade.

Dizem agora que não podiam fazer tantas despezas juntas, e assustava-os os 3.000:000$000 réis para o caminho de ferro da Beira Baixa!

Se assim era, tambem não havia a necessidade de votar a lei.

Depois que foi votada a lei, gastou illegalmente o sr. Fontes quantias com que se podiam fazer tres ou quatro caminhos de ferro do Valle do Tejo!

Isto é que é governo, isto é que é saber administrar.

São estas cousas que desgostam, que desprestigiam as instituições e o poder, e que desprestigiam as camarás, se lhe não pozerem um dique.

Sr. presidente, passarei agora a responder ao sr. Lourenço de Carvalho sobre outro ponto.

Quiz s. exa. mostrar que não existe contradicção em ter dado preferencia ao caminho de ferro da Beira Baixa, e modificar depois a sua opinião, preferindo hoje o da Beira Alta.

Para isto recorreu aos trabalhos feitos pelo sr. Eça, trabalhos que eu li tambem e estudei, mas julgo preferivel a

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quaesquer argumentos que podesse adduzir responder a s. exa. com as suas proprias palavras:

«Eu que sou engenheiro ao serviço do governo, se o sr. ministro das obras publicas me fizesse a honra de me escolher para fazer o projecto do caminho de ferro da Beira Alta, e me marcasse as condições do curvas de 500 metros de raio e rampas de 10 metros, eu forcejava quanto em miai coubesse para me esquivar a essa missão, na certeza de que me seria impossivel satisfazer a ella, porque, por mais que se queira, por mais que se medite, por mais que se percorra o terreno, por mais soluções que se estudem, lá estilo sempre o costado dos valles, as rapidas inclinações das encostas, a inclinação geral do terreno, os seus accidentes e as suas rudezas a protestar contra todos os esforços do engenheiro e a assistir a todas as locubrações do seu espirito.

Sr. presidente, estas difficuldades do terreno, essas vertentes escabrosas, esses penhascos alcantilados, esses declives rapidos que preoccupavam tanto s. exa., lá existem ainda e da mesma fórma.

Creio que o sr. ministro não poderá contestar a sua asserção, e se todas essas sinuosidades que lá estavam existem ainda, e se o orçamento que se apresentava se considerava insufficiente, podo a camara ficar convencida de que quando votou o orçamento apresentado pelo sr. ministro, votou pelo menos l5.000:000$000 réis, se for só esse o custo d’aquella linha.

Sr. presidente, eu que li tambem o trabalho do sr. Eça, que o estudei, e que o confrontei com o discurso do sr. Lourenço de Carvalho, noto que ainda n’esta parte s. exa. é inexacto na apreciação que fez d’esse trabalho; e como costumo demonstrar todas as proposições que avanço, vou fazel-o, servindo-me para isso de um extracto dos documentos officiaes, com o qual respondo ao sr. ministro.

S. exa. diz que o caminho de ferro da Beira Alta é mais curto, e eu digo exactamente o contrario. O engano do sr. ministro provem talvez de um erro que vem no trabalho do sr. Eça. Este engenheiro, para mostrar que o caminho de ferro da Beira Alta para Bayona e mais curto do que o da Beira Baixa, ainda fazendo-se o ramal dos Alduides, suppõe que elle irá a Soria, quando Cota cidade ha de ser servida por um ramal. Pela Beira Alta e Lisboa a Bayona são 1:094 kilometros e pela Beira Baixa a Meda de Baides são 1:074.

Portanto aqui tem s. exa. a distancia do caminho do ferro da Beira Alta e do da Beira Baixa, segundo os dados apresentados pelos engenheiros hespanhoes e pelo sr. Eça.

A differença a favor do caminho do ferro da Beira Baixa é manifestamente de 20 kilometros. Estes dados não se podem refutar.

O sr. Eça partiu do ponto de que a linha de Madrid para Bayona passaria por Soria, quando a opinião dos engenheiros hespanhoes é que deve seguir directamente de Baides para Castelon, cujo encurtamento dá a differença que apresentei á camara.

Se esta linha é mais curta da que segue a transversal de Malpartida a Salamanca, muito mais curta é ainda, como já tive occasião d’aqui demonstrar.

O sr. Lourenço de Carvalho, assim como foi excessivo no amor que tinha ao caminho de ferro da Beira Baixa, tambem é excessivo no odio que lhe votou, nem mesmo o quer já com o epitheto de caminho de forro caseiro, que s. exa. dera noutros tempos ao caminho de ferro da Beira Alta.

Não admiro, nem me devo admirar d’estas mudanças de opinião, quando vejo o caminho de ferro do Douro, que era o caminho de ferro predilecto de s. exa. tambem sacrificado pelo illustre ministro ao da Beira Alta.

Digo sacrificado, porque a Hespanha preferia a ligação antes com a linha do Douro.

Tudo isto, sr. presidente, succede, e é resultado de não haver em Portugal um plano geral de linhas ferreas, e de não estar estudada com antecipação uma rede de caminhos de ferro a que fossem subordinadas todas as construcções de linhas ferreas. Como nós não temos trabalho algum d’esta ordem, aproveitemos o plano que existe a este respeito, feito por uma commissão de engenheiros hespanhoes, e é esse plano que tem servido para os trabalhos dos nossos engenheiros. N’esse mesmo plano marca-se o entroncamento das linhas ferreas hespanholas com as de Portugal, e como principalmente o seu objectivo era Porto e Lisboa, satisfazia ao Porto a linha de Salamanca, entroncando com a do Douro, e a Lisboa a de Malpartida, entroncando com a que seguisse do Abrantes a Monfortinho, considerando esta linha como a mais importante, a principal, e a linha internacional.

Em Hespanha nunca se pensou na ligação com Lisboa o Porto pela Beira Alta, e no plano a que me referi não se estabeleceu essa hypothese. Só agora, a instancias do governo portuguez, é que o governo hespanhol mandou estudar a directriz para um caminho de ferro que, de Salamanca por Cidade Rodrigo, venha entroncar com o caminho de ferro estudado pelo sr. Eça.

Sr. presidente, eu desejava desenvolver muito mais esta questão, mas não quero cansar a camara, e muito principalmente sabendo, como sei, que o resultado de todos os meus esforços será sempre o mesmo, infructifero o inutil, porque emquanto este governo estiver no poder, o caminho de ferro da Beira Baixa não se fará, não porque faltem rasões de justiça e de conveniencia publica a aconselharem a sua construccão, mas porque eu que o defendo, faço opposição ao actual gabinete, e a companhia do caminho de ferro do norte e lesto não o quer.

Sr. presidente, antes de conclui: as minhas considerações, não deixarei passar sem reparo a defeza do sr. ministro das obras publicas a favor do sr. presidente do conselho.

As suas considerações para justificar o sr. presidente do conselho pelas declarações que fez a respeito do ponto do entroncamento do caminho de ferro da Beira Alta, responderei com os trechos do discurso do sr. Fontes, que li já á camara por duas vezes, e que estão em contradicção manifesta com as notas diplomaticas de que dei tambem conhecimento á camara, e que é escudado estar c, repetir.

As apreciações do sr. ministro das obras publicas não justificam de modo algum o sr. Fontes, porque mais alto do que todas as apreciações do s. exa. fallam os documentos que aqui tenho, e que dizem que a difficuldade que havia relativamente ao caminho de torro da Beira Baixa era a mesma que havia com relação ao caminho do ferro da Beira Alta, e ao mesmo tempo que não se dava approvação ao ponto de entroncamento do caminho de ferro da Beira Baixa, tambem não se dava ao ponto de entroncamento do caminho do forro da Beira Alta, porque o governo hespanhol tinha determinado mandar estudar as variantes do Salamanca por Fregeneda para entroncar com a linha do Douro o a de Malpartida por Caceres a entroncai1 com a linha de leste.

Quer dizer isto que as circunstancias que se davam, no que toca ao entroncamento das duas linhas, eram iguaes, e portanto é injustificavel a declaração do sr. presidente do conselho, que para justificar o seu procedimento do não ter posto a concurso o caminho de forro da Beira Baixa, atirava a responsabilidade e a culpa ao governo hespanhol por ter mandado estudar a variante. Esta declaração serviu para afastar as minhas insistencias, porque acreditei ser verdadeira. Fui porém illudido e foi tambem illudida a camara. O sr. Lourenço de Carvalho collocou-se pois n’um terreno muito escorregadio, não só na defeza da sua pessoa, mas na do seu collega, e sobretudo tornando-se, de campeão denodado que foi da construccão da linha da Beira Baixa, em denodado defensor do caminho do forro da Beira Alta. O sr. Lourenço do Carvalho converteu-se por tal fórma era defensor d1 esta linha, que chegou até ao

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desvario de querer mostrar que o sr. Fontes devia faltar á sua palavra de honra, e que a palavra dada, a promessa feita, o compromisso tomado não o obrigava como ministro! Levou a sua ousadia até ao ponto de aconselhar ao sr. presidente do conselho de que faltasse aos seus compromissos de honra, faltando ao que deve a si e ao que deve ao cargo que exerce. Isto é admiravel e singular! E não é menos- admiravel e singular, que o sr. ministro das obras publicas só agora ache que o caminho de ferro da Beira Alta esteja nas condições de ser um caminho internacional, e que por esse motivo se lho de a preferencia.

Essa preferencia já lhe tinha sido dada antes do sr. Lourenço. do Carvalho o considerar como tal. Essa preferencia já lhe tinha sido dada quando não havia senão os estudos do sr. Boaventura José Vieira e do sr. Combelles, quando ainda não, estava combinado com o governo hespanhol o ponto de entroncamento, e quando nem sequer estava decretada a linha que de Salamanca seguisse a ligar com o nosso caminho. Já n’essa epocha o sr. Fontes, por suggestões da companhia, lhe dava a preferencia.

Sr. presidente, ha cousas que são por tal fórma claras, que só as não ve quem as não quer ver.

O governo com que se importa menos é com o paiz. Os interesses da nação pouco valem ou nada, comtanto que o gabinete se conservo.

Concluindo, direi que, embora se não faça o caminho da Beira Baixa, embora o sr. ministro das obras publicas aconselhe o sr. presidente do conselho a faltar á sua palavra, esse caminho continuará a ser uma questão de dignidade, de brio e do honra para o governo, e sobretudo para o sr. Fontes.

(No decurso d’este discurso tinha entrado o sr. presidente do conselho de ministros.)

O sr. Presidente: — Está acabada a inscripção e por consequencia terminada a interpellação. Agora segue se o parecer n.° 281 sobre o projecto de lei n.° 279.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Parecer n.° 281

Senhores. — A vossa commissão de marinha examinou o projecto n.° 279, que tem por fim auctorisar o governo a introduzir algumas modificações e alterações no contrato celebrado com a firma commercial de Bensaude & C.ª para a navegação entre Lisboa e os portos das ilhas da Madeira e dos Açores.

O projecto só tem por objecto fazer alterações no contrato, a fim de estreitar mais as relações e as communicações entre as ilhas dos Açores e da Madeira sem augmento de subsidio.

Parece portanto á vossa commissão de marinha que o projecto deve ser approvado para subir á sancção real.

Sala da commissão, 23 de março de 1878. = Marino João Franzini = Visconde de Soares Franco = Visconde da Silva Carvalho = Sarros e Sá = Conde de Linhar es = Visconde da Praia Grande.

Projecto de lei n.ºs 279

Artigo 1.° E o governo auctorisado a modificar o contrato celebrado em 11 de setembro de 1874 com a firma commercial Bensaude & C.a, a fim de que a carreira mensal entre Lisboa e a ilha da Madeira passe a ser incluida em uma das carreiras mensaes entre Lisboa e as ilhas dos Açores, sem augmento de subsidio.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 15 de marco de 1878 = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Antonio Felgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade e especialidade por conter um só artigo.

Não havendo quem pedisse a palavra foi posto á votação e approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se um officio que acaba de ser enviado á mesa pelo sr. ministro do reino.

(Leu-se. Remettia documentos pedidos pelo digno par o sr. visconde de Bivar.)

O sr. Presidente: — Este officio vae ser remettido para a secretaria, e fica á disposição do digno par.

A ordem do aja para ámanhã, 29 do corrente, é a discussão dos pareceres n.° 278, sobre o projecto de lei n.° 285, ácerca do real de agua; n.º 279, sobre o projecto de lei n.° 282, que approva p orçamento da despeza do estado, e n.° 283, sobre o projecto do mesmo numero, que fixa o contingente de recrutas para o exercito.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 28 de março de 1878

Exmos. srs. Duque d’Avila e de Bolama; Cardeal Patriarcha, Duque de Loulé; Marquezes, de Fronteira, de Monfalim, de Vallada; Condes, dos Arcos, do Bomfim, do Casal Ribeiro, de Fonte Nova, da Louzã, de Rio Maior, de Cabral, do Farrobo; Viscondes, de Algés, de Bivar, de Fonte Arcada, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, dos Olivaes; Barão de Ancede, D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Barreiros, Larcher, Martens Ferrão, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Menezes Pitta, Pinto Bastos.

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