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N.º 29

SESSÃO DE 6 DE ABRIL DE 1883

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. conde do Castro manda para a mesa uma representação da commissão de defeza do Douro, faz considerações a este respeito e insta pela remessa de documentos que pediu. - Usam da palavra sobre este assumpto os srs. visconde de Chancelleiros e ministro das obras publicas. - O sr. conde de Castro requer que essa representação seja enviada ás commissões de fazenda e agricultura. - O sr. Ferrer justifica as suas faltas e insta pela remessa dos documentos que pediu relativos á reducção das dioceses. - O sr visconde de Chancelleiros insta por que se realise a sua interpellação ácerca da saída do sr. Mello Gouveia do ministerio da marinha, e pela remessa de documentos que pediu. - Ordem do dia. - Continua a discussão da proposta do sr. Placido de Abreu, para a camara desde já se occupar da rectificação á base 15.ª do contrato do caminho de ferro da Beira Baixa. - Usam da palavra os srs. Henrique de Macedo, Vaz Preto, ministro das obras publicas, Ferrer e Costa Lobo, que manda para a mesa uma proposta. - O sr. Ornellas manda para a mesa dois pareceres da commissão de negocios externos. - Os srs. Costa Lobo e Henrique de Macedo retiram as suas propostas. - Resolve-se que, a votação da proposta do sr. Pereira de Miranda seja nominal. - É rejeitada a proposta do sr. Pereira de Miranda e approvada a do sr. Placido de Abreu.

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 64 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo 100 exemplares do relatorio e informações ácerca do ensaio da cultura do tabaco na região do Douro, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Outro da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei, que tem por fim regular a fórma e prasos para os officiaes do exercito, da armada e do ultramar, e empregados civis com graduações militares, poderem obter reparação quando se julguem preteridos em postos e antiguidades.

Ás commissões de guerra e de marinha.

Outro da mesma procedencia, remettendo a proposição de lei, que tem por fim organisar o curso de commercio no instituto industrial e commercial de Lisboa.

Á commissão de instrucção publica.

(Estava presente o sr. ministro das obras publicas, e entraram durante a sessão os srs. ministros da justiça, da marinha e do reino.)

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, já na ultima sessão eu pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação, mas como não teve logar a discussão antes da ordem do dia, não pude realisar o meu intento.

Recebi ha alguns dias um officio da commissão de defeza do Douro, encarregando-me de mandar para a mesa d'esta camara uma representação pedindo a livre cultura de tabaco n'aquella região.

Em primeiro logar é preciso que eu diga á camara quaes são os poderes de que se acha investida a commissão a que me refiro. No mez de janeiro d'este anno reuniu-se um comicio bastante numeroso na Regua, ao qual concorreram os principaes lavradores do Douro, e tendo-se ali ponderado a absoluta necessidade de pedir ao governo e aos poderes publicos as providencias que eram urgentes, accordou-se em escolher de entre si alguns dos cavalheiros mais importantes do Douro, os quaes se encarregassem d'esta missão, constituindo-se então para este effeito a denominada commissão da defeza do Douro, a qual entendeu fazer a representação, que aqui tenho, e que eu peço licença a v. exa. e á camara para ler, tomando assim o exemplo do que se tem praticado mais de uma vez.

Eu não tomarei muito tempo á camara, até porque a representação não é muito extensa, mas convem que a camara tome perfeito conhecimento do seu objecto, por isso que n'ella se descreve com cores carregadas, mas inteiramente exactas, o estado lastimoso em que está aquella parte do paiz. Se v. exa., pois me permitte, eu vou ler a representação.

(Leu.)

Esta representação está concebida nos termos mais verdadeiros e ao mesmo tempo mais attenciosos para com os poderes publicos, e parece-me que por isso deve merecer a maior consideração.

É assignada pelo nosso illustre collega o sr. conde de Samodães, e pelos srs. visconde de Villar de Allen, barão das Lages e D. Joaquim de Carvalho Azevedo de Mello e Faro, cavalheiros de todos nós conhecidos, e muito respeitaveis, não só por que são dos mais importantes lavradores do Douro, mas tambem pelos seus conhecimentos, sobre o assumpto, e ainda por que todos tem tratado de estudar quaes os melhores e mais adequados meios de obstar a esta calamidade da phylloxera.

Sr. presidente, eu mais de uma vez pedi pelo ministerio das obras publicas que me fossem remettidas as representações dos povos do Douro, relativas á livre cultura do tabaco. Este meu requerimento ainda não foi satisfeito, e eu não posso deixar de instar pela remessa d'essas representações, que eu supponho que devem existir no ministerio das obras publicas, pois a ellas allude o sr. visconde de Villar de Allen no relatorio da commissão central anti-phylloxerica do norte.

Poderia haver até hoje, sr. presidente, alguma hesitação sobre um dos pontos mais importantes d'esta questão, qual é o que diz respeito ás condições e vantagens d'esta cultura, mas depois das experiencias que se fizeram no anno passado parece-me que duvida alguma nos deve restar de que aquelles terrenos são os mais apropriados, sobretudo os terrenos elevados, ácerca dos quaes aliás havia antes graves suspeitas de que n'elles a planta se não podesse dar bem por falta de humidade.

As experiencias, porém, que se fizeram, principalmente as realisadas na quinta da Roêda, mostraram que mesmo nos terrenos de encosta, substituindo-se as regas por umas sachas feitas opportunamente, antes do nascer do sol e depois do seu ocoaso, se póde prescindir quasi completamente de regas.

Por consequencia, pôde obter-se não só que a planta se desenvolvesse admiravelmente, mas tambem, que a producção fosse de excellente qualidade, pois o tabaco cultivado

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nos terrenos altos é de qualidade muito superior ao d'aquelle que se semeia e planta nos terrenos baixos.

Sobre a boa disposição do terreno do Douro para a cultura do tabaco, permitta-me a camara que eu cite a opinião de um agronomo muito distincto a que eu já por vezes me tenho referido, e que está dirigindo a estação ampelo-phylloxerica do Pinhão, o sr. Rodrigues Goudin.

Diz elle o seguinte:

«Na minha opinião, o Alto Douro só apresentava contra si, pelo que respeita á cultura do tabaco, o faltar-lhe a humidade necessaria. Se se venceu tal difficuldade, parece-me que nada mais deverá receiar-se. A composição chimica d'estes terrenos é das mais aptas para o fim que se tem em vista; a sua configuração especial é a que todos aconselham como melhor para o bom desenvolvimento e prosperidade da niocciana.»

Esta auctoridade é de muito peso, porque o sr. Goudin está dirigindo um posto experimental exactamente na parte da região vinicola onde o mal da pliylloxera mais se fez sentir e onde, portanto, ficou inteiramente aniquilada a producção.

O terreno do Douro, que infelizmente está disponivel, isto é, o que tem as propriedades necessarias e convenientes para esta cultura, é bastante extenso. O sr. visconde de Villar de Allen calcula no seu relatorio que o terreno n'estas circumstancias andará por 4:000 a 5:000 hectares, o que s. exa. presume representar o terço das terras de vinhedos que se encontram completamente perdidos.

Sr. presidente, eu sei que, embora a questão agricola se deva considerar resolvida, são grandes as apprehensões que se levantam no espirito de alguns dos nossos collegas, e essas apprehensões nascem do melindre que a resolução da questão póde ter relativamente á parte financeira.

Sobre a liberdade da cultura devo dizer que professo uma opinião um pouco divergente da opinião de algumas pessoas com quem tenho fallado a esse respeito. É certo que em 1864, quando passámos da arrematação para a liberdade do fabrico e da venda do tabaco, fizemos uma grande conquista, que se deve exclusivamente ao partido progressista, e conquista tão importante, que mais tarde os adversarios d'essa medida, aquelles que mais a tinham combatido, e com argumentos fortes e plausiveis, vieram declarar que se tinham enganado.

Não obstante, é minha opinião que ainda se não désse a ultima palavra sobre o regimen do imposto do tabaco.

Entendo que se é justo que o fabrico do tabaco seja livre, principalmente dando os bons resultados que está dando, é tambem justissimo que a cultura seja igualmente livre, e até por uma rasão, isto é, porque não o sendo, commettemos um attentado constitucional, uma grande infracção do artigo 140.° da carta, segundo o qual não devemos estar a pôr restricções á liberdade da cultura, e ainda menos a prohibil-a.

Portanto, a minha opinião a este respeito é que nós temos de vir a permittir, mais cedo ou mais tarde, a par da liberdade do fabrico, a liberdade da cultura do tabaco, o que me parece deverá produzir excellentes resultados.

É esta, sr. presidente, a minha opinião; mas suppondo que é uma opinião isolada que tem poucos adeptos, eu vou tratar da questão, partindo do actual estado das cousas, da legislação em vigor.

Vê-se, pelos relatorios ultimamente publicados no Diario do governo, que o cultivo do tabaco no Douro deixa ainda a desejar, e que o processo que se seguiu não foi talvez o mais aperfeiçoado. Mas vê-se tambem que o grangelo não foi nem muito difficil, nem muito despendioso, se compararmos o custo da cultura com as vantagens provaveis do preço da venda, d'onde se conclue que ha uma margem muito grande de lucro para o lavrador.

Ora, se isto é verdade, se o tabaco produz d'este, maneira, a sua cultura offerece uma base bastante larga sobre a qual poderá e deverá incidir o imposto directo. Portanto, é para mim fóra de duvida que, suppondo ainda a peior das hypotheses, isto é, que houvesse um tal ou qual desfalque na receita das alfandegas, nos direitos de importação, ainda assim o imposto directo lançado sobre a producção, e bem fiscalisado, compensaria largamente esse desfalque.

Por conseguinte o que ha a fazer é cuidar seriamente d'esta questão, proceder á feitura dos regulamentos necessarios, e empregar todos os meios para que a fiscalisação seja severa e rigorosa.

E que duvida podemos ter de que se consiga isso? Pois Portugal será o unico paiz da Europa onde se pretende estabelecer esta cultura? Pois a Belgica, a França, a Hollanda, a Allemanha, todos esses paizes que cultivam tabaco, arriscam, porventura, as suas receitas? Não têem elles nos regulamentos os meios de fiscalisação, os recursos para obstar ao contrabando?

Sobre a objecção da possibilidade do contrabando, apresenta o sr. visconde de Villar de Allen, no seu muito bem elaborado relatorio, algumas considerações que se coadunam perfeitamente com o meu modo de pensar a este respeito.

Diz o sr. visconde:

«Persuado-me de que, permittida a cultura, cessarão contrabando de tabaco que, segundo é publico no Douro, é feito por aquella parte da raia hespanhola.»

E mais abaixo acrescenta:

«É mais facil obrigar o Douro a pagar um imposto sobre o tabaco ali produzido, do que evitar o descaminho de direitos que n'aquella região se dá com referencia a charutos e cigarros; o Douro póde, pois, contribuir para o augmento do rendimento do tabaco.»

Ora, estas considerações do sr. visconde de Villar de Allen são realmente fundamentadas, e para o demonstrar não é necessario fazer um grande esforço de intelligencia, nem recorrer aos principios da economia politica, porquanto se a cultura do tabaco for uma cultura crescente, quando der o bastante para o consumo local, é claro que muito menor perigo haverá de que se faça o contrabando por aquella parte da raia.

Outra objecção que eu tenho ouvido fazer é a seguinte: póde o tabaco dar-se muito bem no Douro, e no entanto não produzir um resultado que remunere sufficientemente o lavrador. Parece á primeira vista que esta objecção tem muita força, mas a verdade é que deixa de a ter desde o momento em que nós reflectirmos que se parte de uma base inteiramente falsa. Ninguem quer pôr em confronto a producção do tabaco com a producção da vinha n'aquella região; o que nós queremos é proporcionar aquelles povos uma maneira de se indemnisarem, tanto quanto possivel, da perda dos vinhedos, e crear alguns recursos para que mais tarde o lavrador possa proceder á replantação da vinha, o que agora não póde fazer. É este o pensamento dos que querem a livre cultura do tabaco na região vinicola do Douro.

Alem d'isso esta questão contende tambem com a da emigração.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Apoiado.

O Orador: - N'aquella parte do Douro, sr. presidente, tem logar actualmente uma emigração muito consideravel, e que, como muito bem diz o agronomo que ha pouco citei, o governo deve procurar evitar por todos os meios ao seu alcance, e já, para, no caso de melhorarem as condições do Douro e da producção da vinha, não o haver a luctar com uma formidavel crise economica n'aquella região pela falta de braços.

Creio ter demonstrado, sr. presidente, que não ha fundamento para receiar um desfalque no rendimento do imposto do tabaco. Mas suppondo que ha, perguntarei aquelles que assim o julgam quaes os meios que indicam para acudir á fome e á miseria que vae assolando aquella parte da provincia do Douro?

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Segundo os calculos do sr. Allen, as terras de vinhedos completamente perdidos representam uma area de 14:000 a 15:000 hectares. Ora, sendo assim, pergunto se é possivel que o governo faça aos lavradores os adiantamentos necessarios para a replantação da vinha? Se é possivel, importando esses adiantamentos em muitos centenares de contos de réis? Porque não ha só a fazer face ás despezas com a replantação da vinha, mas tambem com o grangeio annual d'essa cultura, e com o sustento d'aquella pobre gente durante alguns annos, pois todos sabem que a vinha leva, pelo menos, cinco annos até que comece a produzir.

Observa-se, sr. presidente, na representação que vou mandar para a mesa, que se o governo não poder apresentar senão na sessão seguinte uma proposta de lei com as providencias necessarias e que se reclamam, succederá que só em 1885, isto é, dois annos mais tarde se poderá acudir áquelles povos!

Eu quasi que prevejo, infelizmente, a resposta que me vae dar o sr. ministro das obras publicas. S. exa. vae dizer-me, que concorda com as considerações que eu acabo de fazer, mas que o assumpto é de sua natureza muito melindroso, porque implica com uma parte muito importante da nossa receita, e que por isso deve ser muito meditado e estudado.

Ora, que o sr. ministro me dissesse que não podia resolver esta questão mais cedo, e emquanto as experiencias da cultura do tabaco não tivessem provado que ella era remuneradora para o lavrador, de accordo; mas dizer que não conhece a questão na sua parte financeira e economica, e que vae agora estudar o assumpto, que ha quatro annos seguramente está na téla da discussão, é realmente uma evasiva!

Sr. presidente, na sessão passada, quando se discutiu o projecto relativo á phylloxera, lembrei ao sr. ministro das obras publicas a opportunidade de visitar o alto Douro. Disse eu a s. exa. que, visto Suas Magestades íam ao norte do paiz, e que o governo naturalmente havia de acompanhal-as, seria esta a occasião propria de s. exa. dar uma chegada ao Pinhão, de levar comsigo alguns dos seus empregados dos mais competentes, e ver com os seus proprios olhos o estado de miseria e de desolação, em que se acham áquelles povos.

S. exa., porém, não procedeu assim, o que eu senti, e o que foi muito censurado.

Estava então convencido de que a visita de s. exa. áquella região do paiz do Douro era muito importante, o que vejo agora confirmado no officio que a commissão de defeza acaba de dirigir-me, e onde se lê o seguinte:

«Rogâmos a v. exa. se digne apresental-a á camara (a representação), e confiâmos que v. advogará esta justa e indispensavel concessão, urgentissima para acudir áquelles povos, cuja miseria só póde avaliar-se visitando-os, e examinando a esterilidade de terrenos, que tinham valor consideravel.»

Sr. presidente, não se trata apenas de uma questão economica e financeira.

Se nós estivessemos, por exemplo, em 1864, quando se estabeleceu a liberdade da venda e do fabrico do tabaco, podiamos largamente meditar e estudar o assumpto, mas desgraçadamente a questão hoje não é só economica e financeira, a questão é a urgencia de acudir aos que soffrem a fome, aos que estão reduzidos á miseria, e aos que se vêem forçados a emigrar; é uma questão humanitaria, é uma questão de salvação publica, e não se póde dizer áquelles povos que esperem, que o sr. ministro vae meditar, que vae estudar, e tanto mais que se o governo tivesse querido estudar a questão a tempo, de certo já estaria resolvida.

Tenho concluido.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro) (O orador não reviu este discurso): - Sr. presidente, eu ouvi as largas considerações que acaba de fazer o digno par a proposito da representação que s. exa. trouxe ao parlamento, assignada por alguns proprietarios do Douro, ácerca da cultura do tabaco. S. exa. já n'uma das sessões passadas se tinha tambem referido a este assumpto.

O sr. Conde de Castro: - Peço a palavra.

O Orador: - Se s. exa. quer usar d'ella...

O sr. Conde de Castro: - Não, senhor, não quero interromper o discurso de s. exa.

O Orador: - N'uma das sessões passadas o sr. conde de Castro tinha já chamado a attenção do governo para este assumpto, e por essa occasião pediu s. exa. alguns esclarecimentos, que me pareceu ouvir estranhar que não tivessem sido enviados ao parlamento.

Sr. presidente, eu creio que o digno par, n'esta parte, labora n'um equivoco. O digno par, e creio que tambem um outro seu digno collega, tinham pedido a publicação do relatorio ácerca da, cultura do tabaco, das experiencias que se tinham feito e dos resultados que d'ellas se haviam colhido no Douro, e por essa occasião eu respondi a s. exa. que ainda não tinha vindo á minha mão; mas que, tão depressa viesse, eu o faria publicar no Diario do governo para inteiro conhecimento de todos. Effectivamente, poucos dias depois, tendo chegado ao meu poder esse documento, eu promptamente o mandei publicar. É certo, porém, que na mesma occasião s. exa. pediu esclarecimentos de outra ordem e concernentes a outras questões, esclarecimentos que o digno secretario d'esta camara acaba de dizer que tinham chegado, acompanhados de um officio.

Já vê, pois, o digno par (interrupção do sr. conde de Castro) que foram os documentos que o digno par pediu os que eu enviei para a mesa; que fui solicito em attender ao pedido que s. exa. formulou n'uma das sessões passadas.

Agora s. exa. pede instantemente que, condescendendo com a representação dos povos do Douro a favor da cultura do tabaco, o governo, dentro d'esta sessão legislativa, apresente um projecto de lei sobre o assumpto.

A isto o digno par encarregou-se de responder por mim.

S. exa., antepondo-se á resposta, que julgava lhe daria eu, acrescentou que, de certo, lhe redarguiria que era a actual uma questão grave, e que convinha meditar antes de tomar uma resolução qualquer, e, por conseguinte, não resolver de prompto.

O digno par, prevendo que da parte do governo podia ter esta, resposta, desejou logo combatel-a, alongando-se e patrocinando uma questão em que se acham interessados os povos do Douro, os quaes julgavam prejudicada, pelo estado actual das cousas, a sua situação economica.

Sr. presidente, é tão livre a iniciativa do governo como a iniciativa de qualquer membro do governo.

O digno par, o sr. conde de Castro, tem estudado a questão ha muito tempo, e por isso s. exa. disse que ha quatro annos seguidamente tem ella andado na téla da discussão.

S. exa., como complemento da representação que apresentou, podia apresentar tambem um projecto de lei como producto do seu trabalho e do seu largo estudo, esclarecendo ao mesmo tempo a camara e o paiz sobre um assumpto tão vasto e complexo.

Sr. presidente, é verdade que ha bastante tempo se falla na liberdade da cultura do tabaco no Douro; todavia, não ha muito que as experiencias se fizeram para se poder chegar a um resultado pratico, e ver até que ponto esse resultado podia ser remunerador e merecer a attenção dos poderes publicos.

Foi no ultimo anno que ás experiencias tomaram mais largo desenvolvimento, e o digno par bem sabe que eu, como ministro, contribui para que os seus resultados chegassem ao conhecimento, não só dos interessados, como tambem de todos áquelles cuja competencia no assumpto podesse ser aproveitada.

Já vê o digno par que eu não tinha em mente sacrificar os povos do Douro, e que antes muito me interessei sem-

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pre por que essas experiencias tomassem maior desenvolvimento; e que os seus resultados, repito, fossem conhecidos e apreciados por aquelles que sobre tal assumpto melhor podiam dar o seu voto, vindo até alguns dos productos para o ministerio das obras publicas, onde estão á disposição dos membros de qualquer das casas do parlamento e dos interessados, quer no commercio, quer na industria, que os queiram examinar, para até certo ponto verem quaes foram os resultados d'essas experiencias. Aqui tem o digno par a prova de que não ha má vontade da minha parte pelo que toca aos interesses dos povos do Douro, e que, antes pelo contrario, desejo que se tornem mais favoraveis as condições economicas d'aquellas regiões, que se têem visto a braços com uma calamidade afflictiva, qual é a resultante da devastação das vinhas pela phylloxera.

O digno par sabe muito bem que ainda no anno passado discutimos aqui um projecto de lei, que tendia a favorecer os proprietarios das vinhas atacadas por aquella terrivel enfermidade, e n'isto mostrou o governo que nutria immensos desejos de attender á situação dos que tanto soffriam.

Ainda quando se discutiu o orçamento, n'elle se encontrou uma verba destinada a remediar em parte esse mal.

O que eu, pois, não desejo é que o digno par veja n'esse procedimento do governo um espirito de recusa, mas simplesmente o intuito de que a receita não venha a ser desfalcada.

S. exa. tem consagrado a este assumpto um aturado estudo, e serão de certo muito uteis todas as indicações que se dignar apresentar a tal respeito; mas sobre a questão da liberdade da cultura do tabaco, é bom o pensamento, restando apenas a investigação com referencia aos meios de o levar á pratica.

Repito, portanto, que da parte do governo não existe a minima intenção, de negar os recursos que se julguem indispensaveis para, a debellação do mal; mas é preciso pautar sempre a latitude d'esses recursos com a exiguidade dos nossos meios de receita.

Peço, pois, a s. exa. que apresente um projecto de lei acompanhado das substanciaes considerações que a sua provada competencia no assumpto lhe possa ministrar; mas que esse projecto de lei defina clara e precisamente a fórma de levar a effeito o pensamento que s. exa. enunciou, sem grandes encargos para o thesouro, nem grande prejuizo para as condições dos povos.

Esta é que é a questão, e não é ella de pouca monta, porque mal poderemos alvitrar improvisa e terminantemente a maneira de substituir a receita que produz a importação do tabaco estrangeiro; porque na verdade quando habitualmente nos resulta d'elle uma verba de receita de 3.000:000$000 réis, não podemos deixar de pensar muito reflectidamente no modo effectivo de a substituir, pois necessariamente esta verba de receita deve diminuir, desde que se trata da cultura livre do tabaco.

Mas, em absoluto, quem é que não deseja a liberdade da cultura do tabaco?

Quem não ha de tambem em absoluto desejar que as receitas do estado sejam augmentadas?

Saber, porém, como substituir a receita do tabaco estrangeiro é esse o problema difficil de resolver, sem que venham a ser prejudicados os interesses do thesouro, e tão pouco se vá contra os interesses dos individuos que se pretende beneficiar.

Esta questão não é só minha, é uma questão economica, que não póde ser resolvida de um traço de penna, é uma questão que pertence em grande parte ao meu collega da fazenda; e eu ouvirei o meu collega para que procuremos chegar a um accordo, a fim de ver se podemos conseguir modificar a situação d'aquelles povos, e por outro lado que as receitas do thesouro não sejam defraudadas.

Eu posso asseverar ao digno par, que o governo não tem interesse nenhum em deixar os povos do Douro em situação menos regular.

O governo deseja attender todos os interesses, mas por fórma que d'ahi não resulte lesão para ninguem. São estas as observações que tenho a apresentar em resposta ao que disse o digno par.

O sr. Vicente Ferrer: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara, que não tenho comparecido ás sessões por incommodo de saude. E já que estou com a palavra, peço a v. exa. que mande saber á secretaria se no intervallo d'esta sessão vieram uns documentos, que eu pedi, sobre a suppressão e annexação de alguns bispados.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Começou por estranhar a resposta do sr. ministro das obras publicas ao sr. conde de Castro; e, secundando e roborando a argumentação d'este, juntou que, com grande assombro seu, quando esperava que o sr. ministro sujeitasse ao immediato estudo de uma commissão a momentosa e inadiavel questão da cultura do tabaco no Douro, pelo contrario vira que o sr. ministro se espraiára em futeis evasivas.

Igualmente estranhou que na secretaria do ministerio do reino houvesse reunido o respectivo sr. ministro alguns membros de ambas as casas do parlamento, a fim de apreciarem varias propostas, precedidas de um bello relatorio. Que d'este facto insolito resultava a singularidade de haver commissões parlamentares e extraparlamentares. E, assim, perguntava se, rejeitadas pela commissão extraparlamentar essas propostas, viriam depois ao parlamento. Mas que em verdade isto era antiparlamentar, e tanto mais, quanto certo haver algumas de entre as ditas propostas que não eram das attribuições do sr. ministro do reino, taes como a da colonisação do Alemtejo, cujo assumpto desejava lhe dissessem se acaso era da competencia dos srs. ministro do reino ou das obras publicas, e se n'isto, portanto, havia ou não invasão de attribuições?

Rematou encarecendo ainda a necessidade de se permittir a cultura do tabaco no Douro, pois que, alem de outras vantagens, resultaria a de por esse meio se obstar n'aquella provincia á continua emigração.

O sr. Ministro das Obras Publicas (O orador não reviu este discurso): - Sr. presidente, pedi a palavra por um acto de deferencia para com o digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, que me dirigiu uma pergunta sobre um caso que leu nos jornaes.

S. exa. referiu-se ao facto de ter o meu collega, o sr. ministro do reino, convidado algumas pessoas para ouvir a leitura de uma proposta que, se diz, s. exa. tenciona apresentar.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Precedido de um excellente relatorio.

O Orador: - Quem conhece o talento litterario do meu collega o sr. ministro do reino, de certo não duvidará que, saíndo da penna de s. exa., será bom o relatorio a que s. exa. se refere.

Mas sobre o facto a que s. exa. alludiu, não poderei dar ao digno por informações tão completas, como as daria o sr. ministro do reino, se estivesse presente.

Entretanto, o que posso dizer a s. exa. é que não se deve estranhar o facto de um membro do gabinete, qualquer que seja, antes de apresentar uma proposta á apreciação do parlamento, ouvir, sob a fórma de commissão ou sem essa fórma, aquelles que julga competentes para o esclarecer sobre um determinado assumpto. Os factos d'esta ordem têem muitissimos precedentes, e praticam-se principalmente quando se trata de assumptos importantes.

Não se póde nem se deve estranhar, repito ainda, que um ministro qualquer, quando se trata de um assumpto melindroso, sobre que tem de se pronunciar, procure esclarecer-se com os conselhos, opiniões e alvitres das pessoas que o cercam.

N'isto não ha offensa para o parlamento, não ha motivo para melindres; todos os ministros o tem feito, sem

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ninguem tenha pretendido ver n'esse facto o proposito de menoscabar o parlamento. Quando os negocios são submettidos á apreciação do parlamento, então é que as suas commissões formulam os pareceres para serem discutidos.

O digno par tambem pareceu estranhar, que eu deixasse invadir as minhas attribuições como ministro, consentindo que se tratasse, sem eu ser ouvido, de um negocio que dizia respeito á minha pasta.

A isto só tenho de responder que, se o sr. ministro do reino submetter qualquer proposta de lei ao parlamento, que diga respeito ao ministerio a meu cargo, é claro que ha de trazer a minha assignatura.

Se succedesse o contrario, então é que s. exa. o poderia censurar, e com rasão.

Mas emquanto o facto se não der, emquanto a proposta se não apresentar, s. exa. não póde affirmar essa proposição.

Quanto aos projectos, relativos a caminhos de ferro, não prendem elles tambem com a pasta da fazenda? E não sou eu quem os apresenta?

A differença está em que, alem da minha assignatura, trazem a do meu collega da fazenda.

Assim, as propostas, a que se referiu o digno par, quando forem submettidas á apreciação do parlamento, se o forem, hão de ter, ao lado do meu nome, a assignatura do sr. ministro do reino.

O sr. Conde de Castro: - Antes que outra vez me esqueça, mando para a mesa a representação, e o seguinte requerimento que eu peço a v. exa. se digne submetter á votação da camara.

(Leu.)

E peço ao mesmo tempo a v. exa. que consulte a camara sobre se concorda em que a representação seja publicada, com urgencia, no Diario do governo, e bem assim seja remettida ás duas commissões reunidas de fazenda e de agricultura, assim como o folheto que ha pouco foi distribuido aos dignos pares, contendo os relatorios e informações ácerca do ensaio da cultura do tabaco na região viticola do Douro.

Agora, serei o mais laconico, o mais breve que poder, mas nem por isso deixarei de responder a algumas das considerações do nobre ministro das obras publicas, que realmente não me satisfizeram.

S. exa., dotado de uma grande facilidade de palavra, e de uma admiravel correcção de phrase, tem prompta sempre uma resposta, mas nem sempre cabal e satisfactoria. O sr. ministro, com ares de victorioso, disse que eu me queixava de que uns certos documentos me não tinham sido enviados pelo governo, quando já na mesa fôra lido o officio que os acompanhava.

Ora, parece-me não haver motivo para que s. exa. se apresente tão glorioso a este respeito, porque a final de contas mandou-os; mas quando? Mez e meio depois de eu os ter pedido!

Sr. presidente, disse o sr. ministro que eu preveni exactamente a resposta que s. exa. podia dar. E não era difficil. Era uma resposta cheia de muito boas palavras, e ao mesmo tempo cheia de muitas evasivas. Mas ao que o illustre ministro não respondeu foi ás observações que antecipadamente fiz á resposta de s. exa.; quero dizer, ás considerações que expuz para mostrar que s. exa. não tinha nem sombras de plausibilidade para adiar a resolução d'esta questão.

Se s. exa. se compenetrasse bem do que é hoje a questão do Douro, que não é simplesmente agricola e financeira, mas tambem de salvação publica, não dava a resposta que deu; s. exa. devia sim dizer - Vou ler a representação, vou reunir as commissões, e tratar já d'este assumpto sem abrir mão d'elle até que possa resolver a questão.

Ponderou mais o nobre ministro, que a iniciativa do governo é livre. Quem é que lh'o contesta? O que eu desejo é ver se a posso encaminhar e dar-lhe uma boa direcção. Parece-me, sr. presidente, que s. exa. está pouco conhecedor do estado deploravel em que se acha aquella parte da provincia do Douro, e, portanto, não deve estranhar que eu venha aqui instar com s. exa. para que apresente quanto antes uma proposta de lei, embora respeite muito a sua iniciativa.

E a respeito de livre iniciativa, permitta-me s. exa. que lhe diga que emquanto por um lado o sr. ministro da fazenda, no relatorio que apresentou ás côrtes no anno passado, dizia, que era preciso pôr cobro aos repetidos pedidos de melhoramentos, sem comtudo pararmos n'esse caminho completamente, sob pena de se tornarem inuteis os sacrificios que se pediam ao povo com os novos impostos, s. exa. correspondia a essas justas ponderações apresentando propostas para a construcção immediata de quatro caminhos de ferro! E perdôe me o nobre ministro que lhe diga que a historia da sua iniciativa para esses caminhos de ferro é bem conhecida, e que todos sabem que melhoramentos de outra ordem, e que deviam ter a preferencia, estiveram em grande risco de não serem discutidos n'esta sessão!

Refiro-me em especial aos caminhos de ferro da Beira Baixa e de Vizeu.

Sr. presidente, se o Douro, que tanto está soffrendo, tivesse umas certas influencias politicas ou a pressão de certas corporações a seu favor, a sua causa havia de ser attendida ainda n'esta sessão.

Observou mais o nobre ministro das obras, publicas, que da sua parte não ha má vontade, e eu creio bem que esta declaração é verdadeira, e que é incapaz de rir das desgraças do Douro, pois não é possivel que s. exa. tivesse tão mau coração que lançasse ao desprezo as circumstancias precarias em que se encontra aquella importante região do nosso paiz.

Mas, o que eu noto é que o sr. ministro respondeu mui pouco satisfactoriamente, que deu quasi a entender que não tomava providencias immediatas, e que não apresentaria proposta alguma n'esta sessão.

Fallou mais s. exa. em obras publicas, e sobre este ponto podia eu dizer muito.

Na sessão passada, principalmente na commissão de fazenda, da camara dos senhores deputados, tomou s. exa. serios compromissos com relação á necessidade e urgencia de dar trabalho áquella infeliz gente do Douro, realisando a construcção de estradas, promovendo a feitura de estradas districtaes e subsidiando estradas municipaes, que viessem entroncar no caminho de ferro.

E o que fez o sr. ministro?

Trouxe-nos apenas uma proposta para a construcção do caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella; e nada mais com referencia áquella região.

E melhor fôra que tivesse de preferencia proposto a construcção do caminho de ferro pelo valle do Corgo a Chaves, o qual era de mais immediato interesse para o Douro.

Declara-nos tambem s. exa. que não haverá tempo para apresentar uma proposta sobre este assumpto.

Pois não teremos diante de nós, pelo menos, mez e meio ainda de sessão?

Pois a parte economica e financeira da questão não anda na téla do debate parlamentar vae para quatro annos, e isso não deverá facilitar muito a elaboração de uma proposta?

Mas diz, emfim, o sr. ministro que precisa de esclarecer-se.

Pois bem, é por isso mesmo que eu peço no meu requerimento que a representação seja remettida ás duas commissões reunidas, de fazenda e de agricultura, onde o sr. ministro encontrará pessoas muito competentes para o elucidarem e habilitarem a resolver á questão, quer pelo lado agricola e da economia rural, quer sob o ponto de vista financeiro.

Peço novamente, e em conclusão, a v. exa. que ponha á

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votação da camara o meu requerimento, e que seja publicada no Diario do governo, com a maior urgencia, a representação que tive a honra de mandar para a mesa foi lido na mesa o requerimento, que é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que a representação da commissão de defeza do Douro, pedindo a livre cultura do tabaco n'aquella região, seja enviada ás commissões reunidas de fazenda e de agricultura, a fim de que estas, ouvindo o governo, dêem ácerca de tão importante e momentoso assumpto e seu parecer. = Conde de Castro.

O sr. Presidente: - A camara acaba de ouvir a proposta do digno par para que a representação, que acaba de ser mandada para a mesa, seja remettida ás commissões reunidas de fazenda, e de agricultura e commercio.

Os dignos pares que approvam esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - O mesmo digno par pediu que a dita representação fosse tambem publicada no Diario do governo.

Segundo uma, resolução da camara, tinha esta representação de ser lida na mesa, mas a camara já a ouviu, por ter sido lida pelo illustre par o sr. conde de Castro.

O dignos pares que approvam haja de ser publicada no Diario do governo esta representação, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.

Conforme a disposição do regimento, tem de se entrar na ordem dia meia hora depois da leitura da acta, e já passou uma hora. Entretanto, se a camara não quer entrar ainda na ordem do dia...

O sr. Visconde de Chancelleiros: - É simplesmente para dizer poucas palavras.

O sr. Presidente: - Eu vou consultar a camara.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Disse que, pela segunda vez, usava da palavra por se haver da primeira esquecido de duas circumstancias importantes, uma das quaes era ouvir o sr. presidente do conselho de ministros que, infelizmente, estava ausente, e ainda não se tinha dado por habilitado, a fim de bem lhe definir qual a rasão constitucional que originára a saída do sr. Mello Gouveia de ministro da marinha, sendo a outra as instancias que desde muito, e em vão, fazia por lhe ser dada copia da acta do conselho d'estado, com referencia á ultima nomeação de pares.

Depois passou a condemnar de novo as rasões adduzidas pelo sr. ministro das obras publicas contra si e o sr. conde de Castro, aggravadas pelo seu ar vanglorioso.

O sr. Presidente: - V. exa. tinha pedido para dizer apenas duas palavras.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Parlamentarmente fallando, quando se diz duas palavras, quer-se dizer uma longa serie d'ellas; (Riso,) mas por deferencia com v. exa. termino aqui o que tinha a dizer.

(Os discursos do digno par serão publicados quando s. exa. os haja revisto.)

ORDEM DO DIA

O sr. Henrique de Macedo: - Tinha pedido a palavra para responder a algumas considerações apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas, mas tendo já falhado largamente sobre o assumpto, desejava tomar pouco tempo á camara.

Repetia que nada tinha com o projecto, mas sim com a fórma illegal e abusiva como queriam fazer a rectificação, errata ou emenda.

Era evidentemente um desacato á constituição do estado; e procurando na carta constitucional artigo cujos preceitos indicassem a solução regular d'esta hypothese, parecia-lhe que só póde caber-lhe a applicação do disposto no artigo 54.°

Entendia que era uma questão de direito e, pouco versado em estudos d'essa natureza, competia-lhe invocar a apreciação dos distinctos jurisconsultos que pertencem á camara; era, entretanto, sua opinião que a hypothese é precisamente a prevista pelo artigo 54.°, que determina a nomeação da commissão mixta, composta de membros das duas camaras, para o caso de, na camara dos deputados, serem rejeitadas as emendas com que da camara dos pares lhe seja devolvido qualquer projecto de lei, ou vice versa.

Este era precisamente o caso, pois que a camara dos senhores deputados, approvando as emendas enviadas d'esta camara e acrescentando-lhe uma outra emenda, approvára condicionalmente, e se só assim as approvára, é evidente que sem a sua nova emenda as rejeitava, estando, portanto, realisado justamente o conflicto previsto pelo citado artigo 54.°

Fez largas considerações para mostrar que a emenda, longe de ser cousa de pouca monta, era uma alteração fundamental que transformava, de tão vantajosas que eram para o estado as bases do projecto, que chegavam a ser inacceitaveis para qualquer companhia, em outras de reconhecida vantagem para a companhia que contratar. Não era, pois, um simples erro de copia a que agora se acudisse com este expediente, nem era verosimil que um erro de copia escapasse á analyse e discussão das commissões, e depois na camara, e até nas notas tachygraphicas, e isto em uma e na outra camara. Acreditava pois, que o sr. ministro, á ultima hora, se vira forçado a fazer esta alteração por quaesquer motivos, que não tratava de investigar, porque, repetia, n'esta discussão não vinha fazer politica partidaria; mas unicamente pugnar pela manutenção da lei e fiel observancia dos seus preceitos.

Em abono da sinceridade d'esta sua declaração, não teria duvida em retirar a sua proposta e votar qualquer que fosse, uma vez que n'aquelle mesmo intuito fosse apresentada, acceitando mesmo a do digno par, sr. Pereira de Miranda.

Referindo-se ás considerações feitas pelo sr. Vaz Preto, fôra ler o discurso do digno par na primeira discussão do projecto, e nem uma vez encontrára ali as palavras producto bruto substituidas pelas palavras producto liquido, nem tão pouco cousa que indicasse que o digno par na apresentação das suas emendas se referia a este e não áquelle.

(O discurso do digno par será publicado logo que s. exa. o devolver.)

O sr. Vaz Preto: - Pedi ainda hoje a palavra para dar apenas alguns esclarecimentos, e não para discutir largamente a questão, que considero de pouco valor.

Começarei por onde acabou o sr. Henrique de Macedo.

Este digno par, referindo-se a mim, disse que a proposta que eu apresentei, quando se discutia o projecto relativo á construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Baixa, não tinha disposição alguma que destruisse as objecções que s. exa. acabava de fazer, porque ella não se referia ao producto bruto.

A minha proposta, sr. presidente, foi apresentada no sentido que hontem aqui indiquei, isto é, com o intuito de se garantir na realidade, á companhia, 5 1/2 por cento, sendo os lucros repartidos depois de excederem os 5 1/2 por cento.

Quando fallei n'essa occasião pela segunda vez, o digno par, sr. Antonio Augusto de Aguiar, fez-me notar a circumstancia de que a base 15.ª estabelecia que os lucros começariam a ser repartidos quando o producto bruto excedesse 5 1/2.

Respondi a s. exa., que a proposta se referia ao producto liquido, e que todo o projecto devia ser emendado se

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Ella fosse acceita, e, quando no dia seguinte continuei a usar da palavra, que me ficára reservada, expliquei a minha proposta do modo que consta do Diario da camara.

Vou ler o que disse então. Eis as minhas palavras:

«Sendo acceita a minha moção, que se refere á base 12.ª, o projecto tem de ser emendado todo n'aquelle sentido.

«Eu resumi muito a minha moção, porque, desejando ver convertido em lei este projecto, não quiz ser prolixo, nem tão pouco alongar a discussão.

«Fique, pois, assente que se o governo e as commissões acceitarem o l/2 por cento que eu propuz a mais para garantir a construcção da linha da Beira Baixa, em todo o projecto onde se ler 5 por cento se lerá 5 1/2 por cento.

«A garantia de 5 1/2 por cento, que proponho, refere-se exclusivamente ao caminho de ferro da Beira Baixa.

«Não comprehende os companheiros que o sr. ministro lhe deu, posto que devam merecer toda a attenção dos poderes publicos, não estão nas condições da linha ferrea da Beira Baixa.

«A minha moção refere-se só e exclusivamente ao caminho de ferro da Beira Baixa. Sendo assim, como é, os lucros auferidos depois de certo tempo, que o projecto suppõe que existirão, devem ser repartidos em relação a 5 1/2 por cento, e não em relação a 5 por cento entre a companhia e o estado.»

Eu disse bem claro, e terminantemente, que em virtude da minha proposta só os lucros haviam de ser repartidos.

A que chama o digno par lucros? Não são lucros a parte que fica do rendimento depois de deduzidas as despezas da exploração? Eu chamei-lhe lucros, que é o termo proprio para se conhecer bem que não era o rendimento bruto, mas sim o liquido.

O projecto, sr. presidente, devia pois ser todo emendado n'este sentido, porque primitivamente estava redigido de outra fórma. Era necessario que assim se fizesse, para que, quando a companhia tivesse lucros, isto é, quando, deduzidas as despezas de exploração, o caminho de ferro rendesse acima de 5 1/2 por cento, fosse o excesso dividido entre ella e o governo. Tornei isto bem claro, e portanto, o sr. relator, quando me respondeu, disse bem explicitamente, que todo o projecto seria emendado, convenientemente segundo a minha proposta, para que o todo fosse harmonico. A camara votou n'esse sentido, appello para a mesma, e para a consciencia do digno par.

O que succedeu depois? Na revisão, na ultima redacção houve o lapso, ou esquecimento, de substituir a palavra bruto por liquido. E é este esquecimento, este lapso que dá motivo ao alarido do sr. Henrique de Macedo?!!!

Sinto-o por s. exa. que está pelo seu talento muito acima do motivo d'esta discussão.

Foi isto o que se passou, e se por acaso ficou um erro, como effectivamente ficou, o que resta fazer? É emendal-o. Parece-me que não valia a pena de tanto apparato da opposição e de tanto espalhafato, por uma cousa tão simples, e tão facil de remediar.

Diz o sr. Henrique de Macedo que este erro podia provir, ou da typographia ou então da habilidade do sr. ministro das obras publicas. Acrescentou que erro typographico não foi, porque elle existia no projecto primitivo, portanto que era devido á intenção do sr. ministro, de não tornar viavel aquelle projecto.

Sr. presidente, esta ultima supposição é inacceitavel, e não posso deixar de, a repellir com desagrado, porque o caracter e o procedimento do sr. ministro não o permittem.

O que é facto é que o erro existe, e que todos nós somos mais ou menos responsaveis pelo erro.

Agora não nos resta mais do que emendar esse erro.

Como, pois, emendar esse erro?

O sr. Henrique de Macedo propõe que se organise uma commissão mixta. O alvitre não parece proprio de quem conhece tanto as prescripções do regimento.

A commissão mixta, na minha opinião e segundo o regimento, não póde ter logar, porque não houve conflicto nem desaccordo entre esta camara e a dos senhores deputados, caso unico em que teriamos de recorrer á commissão mixta.

Alguem lembrava a solução de aconselhar a El-Rei o veto, quando o autographo lhe fosse apresentado!!! Esta solução é verdadeiramente risivel.

Outros querem que se apresentasse á sancção regia o autographo com este erro, e depois de publicado e tornado lei, revogal-a por outra!!!

Sr. presidente, levar uma lei, que se sabe estar errada, á sancção regia para não produzir effeito, é um contra-senso, é uma aberração.

Levar uma lei á sancção regia, com a certeza de que ella leva um erro, que a inutilisaria, quando o poder legislativo póde emendar esse erro, é completamente inacceitavel e não é serio.

O que se deve, pois, fazer?

O projecto foi votado na camara dos pares e na dos deputados, e como não tinha ainda sido levado á sancção regia, estava ainda sujeito ao parlamento, é, por consequencia, não só um direito mas dever do parlamento rectifical-o em qualquer erro que o vicie, quando, como agora, o reconhece muito a tempo de poder rectifical-o.

Sr. presidente, não é o parlamento que tem o direito e a faculdade de interpretar as leis? Se elle póde o mais não poderá o menos? Se elle póde interpretar as leis não póde tambem interpretar os projectos e as propostas de lei?

Sr. presidente, eu entendo que emquanto qualquer projecto, embora votado em ambas as camaras, não for levado á sancção real, qualquer deputado ou qualquer ministro póde reclamar contra qualquer erro que passasse desapercebido, e parece-me que a maneira mais simples e mais facil de rectificar é pela fórma por que se faz agora.

Mas se este erro é tão serio e tão grave, e tão seria e tão grave a sua rectificação, porque foi que na camara dos senhores deputados os amigos politicos do sr. Henrique de Macedo, que ali têem assento, se não pronunciaram, como s. exa. aqui fez e faz?

Porque é que a opposição progressista deixou passar esse erro enorme e prejudicial que vae ferir a constituição nas suas formulas constitucionaes, sem ao menos fazer um simples protesto?

O sr. Henrique de Macedo: - Dê-me v. exa. licença. Os meus amigos na outra casa não discutiram esse assumpto, porque elle foi levado ali de surpreza, como aqui tambem parece que se queria fazer.

O Orador: - As allegações, as desculpas do digno par, são accusações e censuras aos seus amigos.

S. exa. esqueceu-se que não póde ser, que é difficil levar de surpreza uma votação sobre assumpto importante, quando as opposições occupam e estão sempre no seu posto.

Portanto, insistindo na minha opinião, entendo que, como o projecto ainda não era lei quando voltou á camara dos senhores deputados, para ella se pronunciar sobre as emendas que lhe tinham sido introduzidas pela camara dos pares, e não o era ainda, apesar de votar essas emendas, porque lhe faltava a sancção regia, entendo que qualquer deputado ou qualquer ministro estava ainda a tempo de declarar que tinha havido um engano, e pedir a sua rectificação.

Assim se entendeu e assim se fez na camara dos senhores deputados.

Por consequencia, se esta camara entende, tambem, que houve erro, resolve agora a questão por uma simples votação, como se fez na camara dos senhores deputados, e se esta camara entende que não houve erro, e que ella votou mesmo com intenção de conservar na base 15.ª as palavras «producto bruto», então é manifesto o conflicto entre as duas camaras, e dá-se o caso da commissão mixta.

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Antes d'esse conflicto, nem a carta nem o regimento indicam, a necessidade de uma commissão mixta.

Sr. presidente, depois do proprio ministro declarar francamente, que aquella phrase foi um erro em que s. exa. não reparou, mal se comprehende a obstinação da opposição em não querer confessar que tambem se enganou, e em não querer que se rectifique o erro.

Não me parece que uma questão conduzida por esta fórma demonstre grande habilidade da parte da opposição.

A opposição, occupando-se d'estas frioleiras, não faz serviços ao paiz e disvirtua-se. Era melhor que se e ocupasse de assumptos serios e graves, em que podesse prestar serviços relevantes ao paiz.

O sr. Henrique de Macedo: - Quando s. exa. capitaneava a opposição, de certo que as questões eram mais bem conduzidas.

O Orador: - Está s. exa. enganado. Eu nunca tive a honra de capitanear a opposição progressista, porque, se a tivesse tido, não teria ella feito nem praticado tantos disparates.

O sr. Costa Lobo: - Concordava com o digno par o sr. Henrique de Macedo, achando de todo o ponto inverosimil, que o erro, a que se refere a proposta rectificação em discussão, se fosse com effeito um simples erro de copia e de escripta, um pequeno engano em summa, tivesse escapado ao exame das commissões d'esta e da outra camara, e dos que n'uma e n'outra discutiram o projecto, e de todos os que o votaram. Era inverosomil uma tão longa serie de enganos.

Mas se todos se enganaram, se todos erraram, a todos cumpria agora penitenciarem-se d'essa culpa e reconhecer francamente, sinceramente, o engano, o erro.

Não era, porém, com outro erro, que se havia de resgatar a culpa do primeiro.

Concordava, tambem, com o digno par o sr. Henrique de Macedo, na apreciação da importancia da chamada rectificação, que julgava uma alteração fundamental.

Não concordava, porém, com s. exa., quando, para a solução legal d'esta questão, pedia a applicação do artigo 54.° da carta constitucional.

Na sua opinião, nem n'esse, nem em nenhum outro artigo da carta, se encontra disposição applicavel á presente hypothese, nem na nossa constituição podia ser prevista a hypothese de uma tal serie de enganos na confecção de uma lei.

Não podia, pois, votar, que a proposta fosse submettida á apreciação de uma commissão mixta.

Parecia-lhe que um só meio restava de resolver a questão, e era que o decreto das côrtes fosse presente á corôa, aconselhando os srs. ministros ao Rei que o não sanccionasse, se, tal como foi votado, sem a emenda, julgam o projecto inexequivel.

Entretanto, não tendo duvida em votar a proposta do sr. Pereira de Miranda, parecia-lhe, comtudo, melhor, que a camara nomeasse uma commissão especial ad hoc, e n'esse sentido escreveu e mandou para a mesa uma proposta.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja nomeada uma commissão especial, encarregada de dar o seu parecer sobre o procedimento que esta camara deve adoptar em relação ao projecto em questão. = Costa Lobo.

Foi admittida e ficou tambem em discussão.

O sr. Agostinho Ornellas: - Mando para a mesa um parecer da commissão dos negocios externos, sobre os projectos de lei que approvam as convenções celebradas entre Portugal e a Gran-Bretanha e Estados Unidos da America, para a permutação de vales do correio.

Mandaram-se imprimir.

O sr. Vicente Ferrer: - Sr. presidente, principio por declarar que não quero fazer opposição nenhuma ao caminho de ferro da Beira Baixa; desejo que elle se faça, como desejo que se façam todos quantos são necessarios, uma vez que isso seja compativel com as forças do thesouro.

A questão que se ventila é de pouca monta, mas é bastante grave, porque versa sobre formulas constitucionaes.

Eu não tinha tenção de fallar n'esta questão, e ainda agora que estou fallando, tenciono dizer muito poucas palavras, e se me levantei, foi porque o sr. Henrique de Macedo fez um repto aos jurisconsultos, e ainda que eu sou um dos ultimos que têem a honra de se chamar jurisconsultos, não pude deixar de pedir a palavra.

Sr. presidente, a questão, como já disse, é muito grave. Os meios de a resolver são differentes.

Esta questão póde ser resolvida por uma commissão mixta, e parece-me que é esta a opinião do digno par, o sr. Henrique de Macedo. Podo ser tambem resolvida, approvando esta camara a emenda que veiu da outra casa do parlamento, ou então sanccionar-se esta lei, e o governo trazer depois ao parlamento um projecto de lei que altere aquella parte que elle pretende que seja alterada.

Não fallemos em correcções, porque isto e uma linguagem que não deve apparecer no parlamento.

Sr. presidente, se eu estou bem informado, não errou a camara dos senhores deputados em approvar o projecto com as palavras «producto bruto»; não errou esta camara e não erraram as commissões de uma e outra casa do parlamento, e nem mesmo errou o governo.

O governo estava convencido, quando apresentou o projecto, de que haveria quem tomasse aquelle caminho sob a base de «producto bruto», e, n'este caso, fez muito bem, porque o paiz gastava menos.

Na minha opinião, sr. presidente, ninguem errou. A verdade é esta. Eu não sei chamar ás cousas senão pelo seu proprio nome.

O governo fez uma proposta para a construcção de um caminho de ferro, em que inseriu n'uma das bases «rendimento bruto». Essas bases percorreram ambas as casas do parlamento e foram ahi approvadas. E agora dizem que depois de votado o projecto por esta camara e remettido para a outra, onde tambem foi approvado, é que appareceu a tal emenda a que chamam correcção.

Isto não póde ser.

Póde ser, sim, a camara fechar os olhos e approvar; póde ser nomear-se uma commissão mixta; póde ser levar-se o projecto ao poder moderador, e o poder moderador negar-lhe a sua sancção com o fundamento de ter havido erro e o governo trazer novo projecto á camara, porque ha differentes meios de resolver a questão; mas, pergunto eu: esta questão não será uma questão grave, que deve ser examinada?

Creio que é, e a minha opinião é que se remetia á commissão de legislação para esse fim, porque é o meio mais facil de resolver este negocio.

A commissão, depois de ter feito o seu estudo, apresenta-nos o seu parecer e nós votâmos.

Não sei se é necessario mandar para a mesa por escripto isto que eu disse; mas se é necessario, eu proponho que se não vote cousa nenhuma desde já, sem ir á commissão de legislação para ella dar o seu parecer.

Isto não é questão politica.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (O orador não reviu este discurso): - Sr. presidente, duas palavras tão sómente. Eu creio que a camara está convencida, sem embargo da opinião do digno par o sr. Ferrer, de que a questão versa sobre um erro. Não me parece mesmo que ninguem possa saber qual a intenção do governo, como s. exa. pretende saber; isso é commigo. Se comtudo as minhas palavras podem ter algum valor para s. exa. o sr. Ferrer, eu direi que não tinha a intenção de que uma cousa fosse calculada pelo rendimento liquido e a outra pelo rendi-

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mento bruto, nem o podia querer. É facil verificar que todos os calculos assentam sobre o rendimento liquido.

O sr. Henrique de Macedo referiu-se a um trecho dos meus discursos feitos por occasião do caminho de ferro da Beira Baixa. Eu declaro a s. exa. que não revejo discursos e que se o não faço não é por menos consideração para com os Diarios das camaras, mas sim, porque os meus muitos, afazeres officiaes me impedem de o fazer; e, uma vez que não posso rever os meus discursos, não posso por consequencia assumir a responsabilidade das notas tachygraphicas.

Se s. exa. for ler um discurso que eu proferi na outra camara sobre o caminho de ferro do Algarve, encontrará todos os numeros trocados; não poderia assumir a responsabilidade d'essas cifras e algarismos.

Já vê o digno par que eu respondo pelas palavras que digo aqui e não pelas que estão no Diario da camara, porque, repito, não tenho tempo de rever os meus discursos.

Sr. presidente, desde que não ha aqui mais que um erro, a questão limita-se a ver qual a melhor maneira de o emendar.

Para isso têem sido adduzidos diversos alvitres.

Não fallarei nos expedientes apresentados pelo sr. Costa Lobo.

Um d'elles era, por exemplo, levar o autographo á sancção regia e aconselhar a El-Rei que o rejeitasse.

Realmente, se o projecto é bom, nós não podemos aconselhar a El-Rei que o rejeite unicamente por uma questão de fórma.

Outro expediente era que a camara dos senhores deputados rejeitasse o projecto.

Mas se a camara dos senhores deputados entende que o projecto é conveniente e acceitavel, como póde rejeital-o?

Tambem o digno par o sr. Ferrer indicou uns expedientes, como o de se nomear uma commissão mixta para resolver este negocio, ou apresentar um novo projecto de lei depois de convertido em lei o primitivo, e ainda o de ouvir a commissão de legislação sobre o assumpto.

D'estes alvitres o mais simples, prompto e acceitavel, e que não offende os principios constitucionaes, é aquelle de que nós usámos.

Nomear uma commissão mixta, permitta-me s. exa. que lhe diga que não está, nem no espirito, nem na letra dos nossos principios constitucionaes.

No artigo 54.° da carta só se admitte a commissão mixta quando qualquer emenda ida da camara dos pares para a dos deputados é rejeitada por esta camara.

Então, como as duas camaras não estão de accordo, é que tem logar a commissão mixta, composta de membros de uma e da outra camara.

Mas esse facto não se dá, e por consequencia não tem rasão de ser a nomeação da commissão mixta; se houvesse, recorreriamos á lei organica, que no artigo 55.° diz o seguinte.

(Leu.)

Ora desde que as emendas ao projecto foram approvadas por esta camara, e a outra camara tambem as acceitou; está claro que as duas camaras estão de accordo.

Parece-me que desde que uma e outra estejam tambem de accordo em reconhecer que a lei tem um erro antes d'ella ter a sancção real, é mais simples e mais logico emendal-a antes de a apresentar a El-Rei.

Comquanto não se encontre nos annaes parlamentares do paiz um caso perfeitamente identico, um caso poderemos citar, que tem uma certa analogia com o caso presente.

Em 1826, estando promptos todos os autographos, que haviam de ser submettidos pela deputação da camara dos deputados á sancção real, reconheceu-se que havia erro em um projecto que com um erro tinha sido votado na camara dos pares.

E o que se fez?

Suspendeu-se a apresentação á assignatura real e officiou-se para a camara dos pares, e a camara dos pares por uma nova votação rectificou esse erro.

Ora eu entendo que o que se fez em 1826 póde fazer-se agora.

O sr. Costa Lobo: - Disse que, pela muita consideração que tinha para com o digno par, o sr. Vicente Ferrer, retirava, a sua proposta.

E visto estar com a palavra, diria mais, que o sr. ministro das obras publicas defendera apenas as suas intenções, e que supposto o erro da emenda em questão estivesse em uma palavra, não era isso um facto insignificante.

Qualquer erro de redacção fôra pouco, mas a substituição da phrase rendimento bruto por rendimento liquido envolvia uma idéa muito complexa, sob o ponto de vista commercial, e d'ahi o ser o projecto totalmente diverso na actualidade.

Admirou a indifferença com que o sr. ministro das obras publicas discreteou ácerca de formulas, sendo que a carta constitucional versa principalmente sobre formulas.

Que formula era a organisação do poder judicial e legislativo, e assim tambem as reformas constitucionaes, que o governo propoz.

Que o sr. ministro não podia, portanto, postergar essas formulas, e que, a par d'isto, buscar solver este negocio por meio de uma commissão mixta, fôra aggravar um erro com outro e fazer recrudescer a má impressão d'este litigio.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que permittem que o sr. Costa Lobo retire a sua proposta, tenham a bondado de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Henrique de Macedo: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se consente que eu retire a minha moção de ordem.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Henrique de Macedo pede para retirar a sua moção de ordem. Os dignos pares que consentem que s. exa. a retire tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Fica sobre a mesa a proposta do digno par o sr. Pereira de Miranda. Vae ser lida.

(Leu-se.)

O sr. Henrique de Macedo: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer votação nominal sobre a proposta do digno par o sr. Pereira de Miranda.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que a votação sobre a proposta do digno par o sr. Pereira de Miranda seja nominal, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que a approvam dizem approvo, e os que a rejeitam dizem rejeito.

Eu lembro á camara qual é o assumpto da proposta que vae votar-se. E que a proposta do digno par o sr. Placido de Abreu vá á commissão de legislação, para que ella de parecer sobre se ella é ou não conforme os preceitos legaes, estando o projecto approvado pelas duas camaras.

Vae fazer-se a chamada.

Feita a chamada, disseram approvo os srs.: Duque de Palmella, conde de Bertiandos, conde de Castro, conde de Valbom, visconde de Borges de Castro, visconde da Gandarinha, visconde de S. Januario, visconde de Porto Carrero, visconde de Seabra, Pereira de Miranda, Costa Lobo, Bazilio Cabral, Henrique de Macedo, Ferreira Lapa, Vasconcellos Gusmão, J. A. Braamcamp, Ponte e Horta, Raposo do Amaral, Mexia Salema, Seixas, Pires de Lima, Franzini, Carneiros, Ferrer e Seiça e Almeida.

Disseram rejeito os srs.: Andrade Corvo, marquez de Ficalho, marquez de Penafiel, conde de Alte, conde do Bomfim, conde de Cabral, conde de Fonte Nova, conde de

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224 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Gouveia, conde da Ribeira Grande, visconde de Alves de Sá, visconde da Azarujinha, visconde de Bivar, visconde da Borralha, visconde de Soares Franco, Agostinho Ornellas, Mello e Carvalho, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Arrobas, Couto Monteiro, Palmeirim, Eduardo Barreiros, Fortunato Barreiros, Francisco Costa, Margiochi, Mártens Ferrão, Gomes Lages, Mello Gouveia, Silvestre Ribeiro, Bocage, Vaz Preto, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro e Ferreira de Novaes.

O sr. Presidente: - Está, pois, rejeitada a proposta pela differença de 34 votos para 20.

Vae votar-se a proposta do sr. Placido de Abreu.

Vozes: - Deu a hora.

O sr. Presidente: - Não póde suspender-se a votação.

O sr. Costa Lobo: - Eu lembro a v. exa. que deu a hora e que a sessão não póde continuar a não ser que se tivesse pedido a sua prorogação.

O sr. Presidente: - Eu lembro a v. exa. que falta votar a proposta do digno par, o sr. Placido de Abreu, que deu origem á proposta do digno par, o sr. Pereira de Miranda, que acaba de ser votada.

Estavam ambas conjunctamente em discussão, finda ella votou-se uma, falta votar a outra, e eu não posso interromper a votação.

(Interrupção do sr. Costa Lobo que não se percebeu.)

A camara é que vae resolver.

Os dignos pares que approvam que deve continuar a votação tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae votar-se a proposta do digno par o sr. Placido de Abreu.

Posta á votação foi approvada.

O sr. Presidente: - A proxima sessão será ámanhã, 7 do corrente, e na ordem do dia entrará em discussão, segundo a redacção da proposta do digno par, o sr. Placido de Abreu, que acaba de ser approvada, o assumpto da rectificação da base 15.ª do projecto de lei n.° 162 vinda da camara dos senhores deputados, e mais o parecer n.° 165.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 6 de abril de 1883

Exmos. srs.: João de Andrade Corvo; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho e de Penafiel; Condes, de Alte, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, da Ribeira e de Valbom; Viscondes, de Alves de Sá, da Azarujinha, de Bivar, de Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, da Gandarinha, de S. Januario, de Portocarrero, de Seabra, de Seisal e de Soares Franco; Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Costa Lobo, Palmeirim, Bazilio Cabral, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Henrique de Macedo, Larcher, Mártens Ferrão, Ferreira Lapa, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Ponte Horta, Amaral, Mello Gouveia, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás Ribeiro, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida e Barreiros Arrobas.

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