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424 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ao territorio, não se póde dizer que positivamente haja miseria.

É raro que em Portugal o individuo morra litteralmente de fome em poucos dias, por falta absoluta de alimento; o que succede frequentemente n'este paiz é que ha individuos que não vivem tanto tempo quanto lhes permittiria a sua contituição physica, por não terem recebido diariamente, durante um largo espaço de tempo, o alimento sufficiente. Pois este problema de fornecer a cada individuo o alimento sufficiente para elle não morrer antes de tempo, só se póde resolver pela cultura dos cereaes. Na cultura dos cereaes está a solução de todos os problemas sociaes que lançam a sua sombra sinistra sobre o brilho da moderna civilisação.

Entendo, portanto, que se devem onerar os cereaes estrangeiros com um imposto suficientemente elevado para garantir aos cereaes portuguezes um preço remunerador.

Se considerarmos que os impostos directos e indirectos que sobrecarregam a propriedade rural são um dos factores do custo da producção, e que o producto ha de ser tacto mais caro quanto maiores forem esses impostos; se considerarmos por outro lado que o productor agricola é obrigado a produzir mais barato hoje, do que no tempo em que pagava menos impostos, sob pena de não poder vender o seu producto, é claro que ou se ha de proteger a agricultura, ou esta ha de deixar de existir.

Dizia o distincto financeiro francez mr. Léon Say que a agricultura era a besta de carga do orçamento. Pois aqui não ha senão duas alternativas: - ou alliviar a besta de carga ou ficar sem ella.

Em todos os paizes se tem adoptado o systema da protecção. Em Inglaterra tambem o seguiram identicos processos, mas ahi era muito mais facil acudir á crise agricola, porque o gosto pela vida rural que ali predomina e o facto ide que a melhor parte da população d'aquella grande nação reside sempre no campo, exercem uma influencia extraordinaria no desenvolvimento da agricultura.

Não succede o mesmo nos paizes neolatinos, onde a civilisação e os costumes do imperio romano ficaram mais profundamente implantados. Em Roma, os campos eram abandonados aos escravos, e as suas occupações eram consideradas humilhantes e despreziveis Estes prejuizos transmittiram-se ás sociedades modernas, e Portugal não ficou isento d'elles; e se bem que os grandes homens doeste paiz,, como João das Regras e o marquez de Pombal, e outros, se applicassem a desvanecer esses prejuizos, não o poderam conseguir de todo, e elles em parte ainda hoje existem.

Alguns contemporaneos têem prestado grandissimos e relevantes serviços á agricultura portugueza. Um d'elles foi El-Rei D. Fernando, de saudosa memoria, que nunca se recusou a concorrer com a sua influencia, com o prestigio da sua alta posição e com a sua bolsa para favorecer a agricultura. Outros estão aqui presentes e são os dignos pares os srs. Andrade Corvo, Aguiar, Ferreira Lapa, Margiochi, etc.? (Apoiados) que nunca cansaram em chamar a attenção sobre a importancia do assumpto, tendo de luctar com todos os prejuizos, com a indifferença e até com o ridiculo que se liga em Portugal muitas vezes ás cousas agricolas.

Resumindo, sr. presidente, a conclusão a que quero chegar é a seguinte. Recommendo á attenção do governo de Sua Magestade estas tres medidas a meu ver indispensaveis e urgentes para os interesses da agricultura: primo., não renovar o tratado de commercio com a Hespanha sem obter condições ao menos de reciprocidade para Portugal; secundo, separar a região agricola do municipio de Lisboa e formar com ella um concelho administrativo independente, tarcio, onerar os cereaes estrangeiros com um imposto sufficientemente elevado para garantir aos cereaes portuguezes um preço remunerador.

Espero que o governo de Sua Magestade não descuidará estes assumpto tomando opportunamente as respectivas providencias, trazendo ás côrtes as propostas convenientes.

Tenho dito.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, o digno par que acabou de fallar, fazendo a sua estreia n'esta casa, demonstrou perante ella a sua vasta illustração e o quanto sabe manter, as boas tradicções do seu nome honrando assim a memoria de seu pae, um dos mais illustres propugnadores da causa da agricultura em Portugal e que, dispondo de avultados meios, nunca duvidou empregai-os para, é certo, melhorar as suas propriedades, mas mais que tudo para incutir o fomento dos melhoramentos agricolas em todos os seus ramos.

A camara certamente folga de ter occasião de se recordar d'esse honrado homem, e folgará muito mais de ver que sou filho mantem tão nobremente as tradições de familia. (Apoiados.)

Sobre os tres pontos a que s. exa. se referiu, tenho a dizer algumas breves palavras.

Acerca do primeiro, que mais particularmente respeita á minha pasta, posso assegurar ao digno par que o governo não descura, nas negociações que estão pendentes com o vizinho reino, a questão agricola; más pela circumstancia d'essas mesmas negociações estarem correndo, não devo alargar-me em muitas explicações.

Por agora o que posso affirmar ao digno par é que o governo não esquece os interesses da agricultura, e especialmente no primeiro ponto para o qual s. exa. chamou a minha attenção, isto é, quanto á falta da reciprocidade que de facto se dá e que foi a principal causa por que em tempo se atacou o tratado de commercio com a Hespanha.

Não posso ir alem d'estas explicações mas, torno a repetir, o governo não descura os interesses da agricultura nas negociações que. estão pendentes, nas quaes o mesmo governo tem, a par disso, como não podia deixar de ter, em muito apreço as circumstancias politicas que nos aconselham a conservar a melhor harmonia, as mais cordiaes relações com a nação vizinha.

Mas isto, que é uma conveniencia de primeira ordem, não importa a necessidade de sacrificar interesses a esse pensamento politico, porque bem podem conciliar-se os interesses materiaes com as conveniencias politicas.

Procuraremos assim tratar com a Hespanha com aquella cordialidade que tanto convem á politica de Portugal.

Com relação ás considerações apresentadas pelo digno par, ácerca da ultima lei que reformou o municipio de Lisboa, farei algumas rapidas considerações.

S. exa. não ignora as providencias que o governo julgou dever decretar para satisfazer a algumas das reclamações mais instantes que se tinham levantado com relação a impostos municipaes. É certo, porem, que, para se apreciar uma reforma do alcance da que ultimamente se fez no municipio de Lisboa, carece-se mais do que tudo, de tempo e de experiencia; e o tempo que tem decorrido desde a iniciação d'essa reforma, não é tão largo que se possa dizer que o estudo está feito e a lei suficientemente experimentada.

No emtanto, o que eu posso asseverar ao digno par, é que o meu collega o sr. ministro do reino, ha de pôr certo tomar em muita consideração as observações de s. exa. e que não deixará de olhar pela administração municipal, e por todos os interesses do municipio com aquelle escrupulo e aquella solicitude de que tem dado exuberantes provas na sua vida publica.

Tenha o digno par a certeza de que o sr. ministro, do reino ha de procurar melhorar, quanto possivel, a situação das povoações ultimamente annexadas ao municipio de Lisboa.

O terceiro ponto a que s. exa. alludiu, é ainda de mais vasto alcance.

O digno par tem muita rasão em dizer que o criterio