426 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO
vás authenticas, da aptidão, diligencia e zêlo com que se houve no desempenho d'essa missão.
Qualquer pessoa medianamente versada no conhecimento dos negocios publicos e conhecedora dos orçamentos dos diversos ministerios, sabe que o orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros regula por uma verba de receita de 350:000$000 réis, e logo vê que esta verba não me permittia dar gratificações extraordinarias que, perfizessem uma somma superior a 100:000$000 réis. É evidente a inepcia e absurdo da accusação.
De certo que o individuo que lançou no publico essa accusação bem sabia que eu não tinha feito tal esbanjamento, nem o podia fazer, mas convinha que essa accusação corresse no publico, como correu, e não houve escrupulos que detivessem a calumnia.
Bem podia eu lançar a calumnia, ao desprezo completo, mas não o devo fazer, porque conheço o paiz em que vivo.
Sei que as pessoas que me conhecem não acreditam em que eu praticasse o esbanjamento de cento e tantos contos em. gratificações extraordinarias, e não o acreditariam ainda mesmo que a accusação se referisse a uma somma insignificante.
Esta camara parece-me que tem rasões sufficientes para não acreditar em tal calumnia. (Muitos e repetidos apoiados.)
O nobre ministro dos negocios estrangeiros conhece por experiencia propria a audacia dos calumniadores e sabe o perigo que ha em deixar correr á revelia calumnias d'esta natureza, oppondo-lhes o silencio do desprezo que merecem.
Ha sempre algum mal intencionado que invoca o silencio do accusado para confirmar as calumnias de que é victima.
Estas accusações, que não attendem aos precedentes honrosos de cada um, nem respeitam os caracteres das pessoas a quem são dirigidas, precisam ser levantadas com dignidade, restabelecendo-se a verdade dos factos com documentos que não possam deixar duvidas.
É por isso, sr. presidente, que eu peço, quando não haja inconveniente, e creio que o não haverá, documentos que me habilitem a demonstrar que, não só é inexacta a accusação, que se me faz, de haver commettido tal esbanjamento, como tambem deixar ver bem claramente que, se algumas gratificações extraordinarias se deram, essas gratificações estavam auctorisadas nos precedentes de outros governos, ou se justificam com rasões indestructiveis.
Eu sou pouco amigo de roubar tempo á camara, e muito menos de occupar a sua attenção com a minha humilde pessoa; mas ha circumstancias que são mais fortes do que á vontade, e ha considerações de ordem tal que se collocam acima de todas as outras; taes são: a necessidade de restabelecer a verdade e de resalvar a propria dignidade.
Ora eu bem sei, sr. presidente, que essa mesma facilidade que ha hoje em accusar, em calumniar mesmo, attenua e enfraquece o valor da accusação, mas contribuo para desviar a critica da altura em que ella se devia manter, e tende a rebaixar o nivel moral, do paiz.
Pela minha parte não desejo cooperar para esse rebaixamento, para o qual contribuiria se guardasse silencio, imputando-se-me um esbanjamento de cento e tantos contos de réis.
Eu bem sei que se póde comparar esta accusação a outras que se teem feito a diversos homens publicos, por vezes aos da mais inconcussa probidade, e em relação a outras repartições do estado; accusações que, pelo menos no animo das pessoas illustradas e conhecedoras dos assumptos publicos, peccam pela base, mas que eu acho sempre mau deixar passar sem um desmentido formal, pois para o vulgo fazem effeito; e, não obstante caírem quasi sempre no esquecimento, se porventura no futuro se querem fazer reviver, podem considerar-se de pé, com o fundamento mesmo de que nunca se apresentou prova em contrario.
Portanto, eu não quero que se julgue, não defendendo eu a minha reputação, que tenho direito a conservar immaculada, que se imagine, repito, que eu effectivamente commetti um acto menos honroso. (Apoiados.)
Leu-se na mesa o requerimento do digno par e mandou-se expedir.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para declarar a v. exa. e ao digno par o sr. Bocage que darei ordem na minha secretaria para a remessa dos documentos a que s. exa. se referiu, e que recommendarei toda a pressa.
Não posso, porém, deixar de acrescentar que não é de certo para nós, os que conhecemos as elevadas qualidades pessoaes que adornam s. exa. que se torna necessaria a satisfação do requerimento do sr. Bocage. (Muitos apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Bocage: - Sómente tenho a agradecer as palavras amaveis do nobre ministro dos negocios estrangeiros e os apoiados que ellas mereceram á camara.
O sr. Holbeche: - Sr. presidente, tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que já se acha constituida a commissão dos negocios ecclesiasticos, e que ella escolheu para seu presidente sua eminencia o sr. cardeal patriarcha, para vice-presidente s. exa. o sr. arcebispo de Braga, e para secretario o digno par o sr. Sequeira Pinto.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, breves considerações farei, porque não quero tomar muito tempo á camara, estando a hora já adiantada, e embora tivesse dois assumptos a tratar. A camara foi amavel commigo, attendeu o meu alvitre, e por isso hoje não cansarei por muito tempo a sua attenção, e tratarei apenas de uma das questões, reservando a outra para antes da ordem do dia, quando esteja presente, como hoje, o sr. ministro da marinha.
Occupando-me porém agora do tratado de commercio com a Hespanha, direi que é necessario acautelar-nos para não cairmos nos mesmos erros, e precaver-nos de fórma que os interesses geraes do paiz d'esta vez sejam defendidos e sustentados, como era dever do governo.
Na occasião em, que se discutiu ò tratado que está- a findar, mostrei até á evidencia quanto nós eramos prejudicados. O sr. presidente do conselho tambem combateu esse tratado, achando-o pessimo. N'esse caso espero que s. exa. seja coherente e mostre agora que ainda pensa da mesma maneira.
É occasião de sustentar os nossos direitos e de fazer valer os nossos interesses, sempre descurados, e póde-se dizer nunca attendidos. Durante a discussão do ultimo tratado de commercio, eu aqui n'um longo discurso, que os senhores tachygraphos me estropiaram, e que a camara ouvira com toda a attenção, tratei largamente todas as questões que affectavam a agricultura e prejudicavam o commercio. E' necessario pois que o governo se occupe seriamente d'este assumpto, e no caso de não sermos attendidos, deixe antes cair de vez o tratado existente. A reciprocidade na exportação e importação de certos productos é absolutamente indispensavel, a não querer favorecer a Hespanha em detrimento de Portugal. A reciprocidade, pelo que respeita ao gado, é, imprescindivel, porque, como já demonstrei com todos os elementos e dados estatisticos, a importação e exportação era sempre muito favoravel a Hespanha, não o sendo para nós.
A differença de direitos era e é tão exagerada que o governo não deve continuar a admittil-a.
Outro ponto importante que deve merecer toda a attenção dos negociadores são os nossos productos agricolas, e acautelar por todos os modos que os nossos vizinhos, quando exportam livremente pelos nossos portos os seus productos, não os confundam com os nossos, evitando por essa forma as falsificações que têem prejudicado sobremaneira o nosso commercio, desacreditando a nossa producção.
A negligencia e incuria dos governos têem feito com que