Página 421
N.º 29
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa
Secretarios - os dignos pares
Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - O digno par visconde de Carnide participou achar-se constituida a commissão de agricultura e fez diversas considerações sobre o tratado de commercio com a Hespanha, o imposto sobre os cereaes e a lei que reorganisou o municipio de Lisboa. - Tendo-se inscripto varios oradores sobre este incidente, o sr. presidente consultou a camara, que resolveu que o incidente continuasse. - O digno par Barbosa du Bocage requereu um documento, pelo ministerio dos negocios estrangeiros. - Sobre este requerimento fallou o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- O digno par Holbeche participou
achar-se constituida a commissão de negocios ecclesiasticos. - O digno par Vaz Preto fez diversas considerações sobre o novo tratado de commercio com a Hespanha, respondendo-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - Fallaram ainda sobre o incidente, levantado pelo sr. visconde de Carnide, os dignos pares marquez de Vallada, Pinheiro Borges e Pereira Dias, bem como o sr. ministro das obras publicas, que o sr. marquez de Vallada convidara a interrompel-o no seu discurso. - O digno par Mexia Salema mandou para a mesa uma declaração de voto. - Ordem do dia: pareceres n.ºs 49, 51 e 52. - Usaram da palavra sobre a generalidade do projecto, a que se refere o parecer n.° 49, os dignos pares Vaz Preto, conde de Castro e Ayres de Gouveia, sendo em seguida approvada a generalidade.- Os artigos 1.° e 2.° foram approvados sem discussão.- O digno par José Pereira, por parte da commissão de legislação, apresentou o parecer sobre o processo relativo ao sr. Ferreira de Almeida, indo o parecer: imprimir. - O digno par José Joaquim de Castro requereu, e a camara approvou, que se prorogasse a sessão até se completar a ordem do dia. - Foram approvados sem discussão os projectos a que se referem os pareceres n.ºs 51 e 52.- O sr. ministro dos negocios estrangeiros disse que no extracto da sessão anterior- havia uma inexactidão nas declarações que, por parte do governo, fizera a respeito da proposta do sr. Miguel Osorio.- O sr. presidente observou que os extractos publicados pela imprensa diaria eram de responsabilidade particular. - Por parte do sr. ministro das obras publicas foi apresentada, sendo approvada, uma proposta de accumulação relativa ao digno par Candido de Moraes. - O digno par Vaz Preto pediu a comparencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros na proxima sessão. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou que comparecia para ouvir as considerações que o digno par desejasse fazer. - O sr. presidente levantou a sessão, dando para ordem do dia de 14 do corrente es pareceres n.os 53 e 54.
Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
(Estava presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros. Entrou durante a sessão o sr. ministro das obras publicas.)
O sr. Visconde de Carnide: - Sr. presidente, pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que já se acha constituida a commissão de agricultura.
Sob proposta do digno par o sr. conde de Castro foi nomeado presidente o digno par o sr. Ferreira Lapa e eu secretario.
E já que estou com a palavra peço licença a v. exa. para fazer algumas considerações sobre algumas questões intimamente relacionadas com a agricultura, e que eu reputo urgentes.
Começarei em primeiro logar por me occupar do tratado de commercio entre Portugal e Hespanha, cujo praso está a expirar, e procurarei fazer ver á camara que a renovação do tratado tal qual está, teria a mais perniciosa influencia na agricultura nacional.
Sendo os productos agricolas dos dois paizes identicos, e constituindo esses productos os principaes objectos de commercio entre as duas nações, Portugal deveria reservar direitos protectores ou pelos menos a reciprocidade.
Citarei alguns algarismos para provar que Portugal, considerado apenas no tratado como nação mais favorecida, não tem essa reciprocidade e ainda em alguns artigos está onerado com direitos mais pesados do que os da pauta geral.
Vejamos o que succede com o principal ramo de commercio, animaes vivos:
[Ver valores da tabela na imagem ]
D'este mappa, sr. presidente, vê-se que o resultado deve ser augmentar immensamente a importação de gado hespanhol e diminuir muito a exportação do gado portuguez.
Se considerarmos que já o gado portuguez soffreu uma grande depreciação pela circumstancia de ter diminuido a exportação para Inglaterra, o effeito da renovação do tratado deve ser uma rapida decadencia da industria pecuaria e uma enorme depreciação do gado portuguez.
Em 1886, anno em que o tratado deveria ter chegado a produzir o seu maior effeito, foi quando houve a maior importação e menor exportação, emquanto que nos annos anteriores á sua assignatura, e immediatamente depois d'ella, a exportação foi muito maior do que a importação.
Em 1886 Portugal importou gado hespanhol no valor de cerca de 1.081:000$000 réis e exportou só no valor de cerca de 556:000$000 réis, emquanto que no anão de 1882, quando o tratado acabava ha pouco de ser assignado, e ainda não podia ter produzido todos os seus effeitos, Portugal exportou gado vaccum no valor de 2.142:000$000 réis, e sómente importou no valor de 700:000$000 réis. Estes algarismos provam a influencia prejudicial do tratado.
Com o gado suino succede exactamente o mesmo. A menor exportação e a maior importação foi em 1886, e nos outros annos a exportação foi sempre superior á importação antes da assignatura do tratado, ou immediata
33
Página 422
422 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
mente depois, sendo em 1883 a exportação de cêrca de 362:000$000 réis, e, a importação sómente de 63:000$000 réis.
Depois do tratado em vigor, a importação d'este gado foi sempre maior que a exportação.
Succede o mesmo com a lã, porque era 1886 a nossa importação foi de 1.346:000$000 réis, e a exportação só foi de 155:000$000 réis.
Mas com a lã acontece que a exportação foi sempre menor do que a importação, porque os. direitos que este ramo da industria paga são muito pesados.
A lã hespanhola entra livre de direitos em Portugal, e a portugueza para entrar em Hespenha tem de pagar 12 pesetas por 100 kilogrammas quando não é lavada, e 24 pesetas quando é lavada. Estes direitos da lã eram os da pauta hespanhola, que a Hespanha manteve no tratado.
Com respeito ao vinho, o tratado assegura aos vinhos hespanhoes direitos iguaes aos dos vinhos francezes ou inferiores, se inferiores se estabelecerem com qualquer outra nação. Mas como o custo de producção dos vinhos hespanhoes é menor que o dos nossos, e como os nossos estão onerados com muitas contribuições directas e indirectas, é claro que os vinhos hespanhoes virão fazer uma desastrosa concorrencia aos nossos vinhos.
A cortiça hespanhola entra livre em Portugal, mas em Hespanha a nossa paga 90 centimos de pesetas por cada 100 kilogrammas.
Ora, se os productos agricolas das duas nações são identicos, não póde uma das duas nações lançar livremente no mercado da outra os seus productos sem causar um grande desiquilibrio e um grande prejuizo para o mercado da outra nação contratante.
Portanto, não se obtendo do governo hespanhol condições de reprocidade, melhor seria voltar ao statu que ante, isto é, o regimen da pauta.
Agora, sr. presidente, passando a outro assumpto, vou chamar a attenção da camara e do governo sobre uma questão de grande alcance para a agricultura, que, se bem não seja puramente agricola, é comtudo uma questão que no meu entender carece de ser ventilada no parlamento, porque uma classe numerosa e importante de cidadãos está altamente interessada n'ella, e os seus interesses soffrem pela prolongação de uma situação que se não póde justificar.
Refiro-me, sr. presidente, ao artigo 1.° da lei de 18 de julho de 1885, da reforma administrativa do municipio de Lisboa.
Essa lei, pela qual foi annexada á cidade de Lisboa uma immensa região agricola, uma vasta zona rural, cinco ou seis vezes maior do que a cidade inteira, collocou numa situação extremamente desfavoravel todos os proprietarios d'aquella importante região.
Não é facil de perceber, sr. presidente, qual fosse o pensamento que inspirou aquella medida legislativa, porque o facto de aggregar á cidade muitas leguas de terreno aravel, englobar n'ella grandes quintas, vastas explorações agricolas n'uma peripheria de trinta e tantos kilometros, chamar cidade ás lezirias e charnecas e submetter tudo ás contribuições, impostos e posturas do Rocio ou Avenida, não póde ter outro resultado senão a ruina dos proprietarios ou o abandono das suas propriedades.
Não é facil de comprehender, repito, e só se póde explicar como um expediente para haver recursos para occorrer ás grandes despezas feitas com obras de luxo e de embellezamento da capital.
Para este fim passou-se por cima de todas as considerações, estendeu-se arbitrariamente o perimetro da percepção dos impostos de consumo, levando as barreiras fiscaes a uma distancia immensa no campo, e fazendo contribuir as povoações ruraes isoladas e muito distantes da cidade para essas despezas de luxo e embellezamento de que ellas nada desfructam.
Sempre foi contrario a todos os bons principios de economia politica, atrophiar a agricultura; e que maiores peias e embaraços se lhe podia pôr, do que sujeital-a á acção da camara municipal de Lisboa?
Onerar-lhe os instrumentos, os animaes e tudo quanto é indispensavel para a lavoura, com um codigo de posturas completamente incompativel com toda e qualquer cultura?
Por exemplo.
Os carros empregados exclusivamente nos serviços da lavoura, carros que raras vezes saem dos muros das quintas, carros que se deviam considerar como puros instrumentos de lavoura, como as charruas e enxadas, esses carros são onerados com um imposto que não é pequeno para os proprietarios que não têem outros recursos alem das suas lavouras.
Os cães de guarda, indispensaveis nas quintas isoladas e distantes de todo o povoado e policiados cães de gado, tambem indispensaveis, estão igualmente sujeitos a imposto.
O conjuncto, emfim, das posturas da camara municipal de Lisboa é incompativel com a existencia das povoações ruraes, as quaes, sem saberem porque, contra sua vontade, e com grande prejuizo dos seus interesses, se acham atrelladas ás grandezas improvisadas do novo municipio de Lisboa.
Em todos os tempos se comprehendeu a necessidade de alliviar a agricultura de encargos, e o marquez de Pombal até exceptuou do serviço militar os creados dos lavradores; mas, sem ir tanto atrás, vejamos o que se fez já nos nossos dias.
Em 1852, sendo Rainha a Senhora D. Maria II, publicou-se um decreto para a abolição da alfandega das Sete Casas. Esse decreto, datado de 11 de setembro d'aquelle anno, era precedido de um relatorio em que se dizia que, para obviar aos prejuizos e aos vexames que resultavam para a agricultura da pressão dos impostos urbanos, era uma das primeiras necessidades, libertar o termo de Lisboa d'aquella pressão, a fim de fomentar a riqueza territorial, que não se podia desenvolver debaixo d'aquelle regimen.
Ora, sr. presidente, se a riqueza territorial não se podia desenvolver debaixo do regimen municipal da capital n'aquelle tempo, quando as contribuições e encargos, de toda a sorte eram menores do que agora, e quando não havia uma crise agricola como a actual, como é que se ha poder desenvolver agora em condições muito menos favoraveis? Se aquella medida era então uma das primeiras necessidades, muito mais o deve ser agora; e como é que se toma uma medida diametralmente opposta?!
Mas, sr. presidente, ha considerações de outra ordem, que vem tornar mais saliente-a condição precaria do productor agricola da região suburbana.
Todas as causas que mais influeiia na crise agricola de que soffre o paiz, fazem se sentir, mais directamente do que em parte alguma, n'essa região suburbana de "que me estou occupando.
Em primeiro logar é affectada pelas falsificações ou adulterações dos generos de primeira necessidade, que a industria offerece ao mercado por preço diminuto, com o qual não póde concorrer o productor agricola com os seus productos genuinos. E como essas adulterações se fazem principalmente nos grandes centros de população, é evidente que os generos adulterados em Lisboa vão logo em primeira mão prejudicar a venda dos generos da região suburbana, que com tal concorrencia não encontram preço remunerador, e, portanto, ficam sem venda.
Por outro lado, sr. presidente, as grandes obras que ultimamente se têem levado a cabo na região suburbana, como estradas, caminhos de ferro, etc., tirando muitos braços á agricultura, teem feito subir os salarios; o productor agricola, que não póde prescindir dos dois elementos combinados, braços e capitães, cujo valor elle só póde realisar
Página 423
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887 423
no acto da venda, encontra-se com escassez de braços, diminutos capitães, e no fim não póde vender porque não encontra preço remunerador. N'estas circumstancias, fatalmente se vê no dilemma de abandonar a cultura, ou arruinar-se.
A livre importação dos cereaes estrangeiros, considerada tambem como uma das causas da crise agricola, affecta logo em primeira mão o agricultor da região suburbana, visto que esses cereaes entram pela maior parte no porto de Lisboa.
Esses cereaes vem do interior da America até Lisboa sem transbordo algum.
A cidade de Chicago, principal mercado e deposito d'esses cereaes, está no interior a mais de 1:000 leguas da costa do Atlantico, mas cointudo é um porto de mar. Situada na margem do lago Michigan, ella communica pelos outros lagos, e pelo rio S. Lourenço com o oceano, de modo que um navio carregado de trigo em Chicago póde vir até ao Terreiro do Paço sem parar. Esta circumstancia explica em parte o baixo preço d'esses cereaes, e a immensa prosperidade d'aquella cidade americana que, tendo começado a sua existencia ha menos de quarenta annos, tem já hoje mais de 600:000 habitantes.
Já se vê, pois, que a situação do productor agricola da região suburbana já era bastante desfavoravel, mas o artigo- 1.° da lei de 18 de julho de 1880 veiu aggravar immensamente essa situação.
Sr. presidente, a depreciação da propriedade rural numa zona tão importante, e os legitimos interesses de 2:000 ou 3:000 proprietarios, não são factos insignificantes sobre os quaes se possa passar de leve, unicamente para reforçar os cofres da camara de Lisboa.
Sr. presidente, em novembro do anno passado foi entregue ao governo de Sua Magestade uma representação dos proprietarios do antigo concelho dos Olivaes.
N'essa representação se ponderavam os muitos e bem fundados motivos que havia para reclamar contra o regulamento para a cobrança dos impostos do consumo na nova area.
O actual governo de Sua Magestade, sempre solicito em attender a todas as reclamações fundadas na justiça, mandou suspender por uma portaria a execução d'aquelle regulamento. Esta medida, eminentemente favoravel aos interesses d'aquellas povoações, faz honra ao sr. ministro da fazenda, e grangeou-lhe as sympathias e o reconhecimento de toda aquella classe. Mas, sr. presidente, esta medida não basta.
Para cortar o mal pela raiz, ha só um unico meio, a saber: a desannexação pura e simples da zona rural, do municipio de Lisboa.
Para que aquelles proprietarios possam continuar com as suas culturas, são indispensaveis duas condições: a primeira, é que toda a zona rural fique fóra das barreiras fiscaes; e a segunda é que fique tambem fóra da acção da camara municipal de Lisboa;
Quando os proprietarios iniciaram aquellas reclamações, reuniram-se em grande numero, e nomearam uma commissão de vinte membros, da qual eu tenho a honra de fazer parte, para tratar este negocio com o governo.
Muitos d'esses proprietarios me disseram que a annexar cão era para elles a ruina, e, a continuar, se veriam obrigados a vender as suas propriedades ou abandonal-as. É em virtude destas considerações, e por eu estar convencido de que qualquer medida que não seja a desannexação, nem satisfaz aquelles povos nem remedeia o mal, e por estar convencido tambem de que represento fielmente a opinião e os desejos dos proprietarios referidos, é que eu tomo a liberdade de chamar a attenção do governo sobre este assumpto, pedindo ao nobre ministro do reino haja de o tomar na sua alta consideração, trazendo ás côrtes um projecto de lei para modificar o artigo 1.° da lei de 18 de julho de 1880, da reforma administrativa do municipio de Lisboa, no sentido de separar ã parte rural e fazer, d'ella um concelho administrativo independente, para o que ella tem as condições e as dimensões sufficientes.
Agora, sr. presidente, só me resta dizer duas palavras sobre o imposto nos cereaes estrangeiros, porque em presença da crise deploravel por que passa a agricultura nacional, não devemos descurar meio algum para acudir a tão grande calamidade.
Reconheço que, por via de regra, não ha conflicto algum nem antagonismo entre a liberdade de commercio e a agricultura, e em circumstancias ordinarias entendo que deve, haver grande cuidado com as restricções a essa liberdade, porque muitas vezes, em logar de serem um beneficio para a agricultura, são um mal; mas em circumstancias excepcionaes, como as presentes, devemos reconhecer que todas as nações estrangeiras, tanto n'esta conjunctura como em outras identicas, têem adoptado o systema proteccionista não só para acudir á crise agricola, como tambem para restabelecer o equilibrio das suas finanças.
Os Eestados Unidos, que, depois da guerra separatista, ficaram onerados com uma divida de quatorze mil milhões de dollars, restabeleceram esse equilibrio no espaço de vinte annos, por meio do systema proteccionista.
O grande Bismarck dizia ha pouco no Reichstag allemão: "Devemos reconhecer que depois de inaugurarmos em 1878 o systema proteccionista, a Allemanha saiu da sua pobreza, e o seu bem estar augmentou consideravelmente."
Ainda ha pouco o ministro da agricultura em França dizia: "A nossa unica preoccupação deve ser obstar á concorrencia estrangeira, e o unico meio de levar a confiança aos lavradores e a prosperidade aos campos é evitar a concorrencia de cereaes estrangeiros".
No senado hespanhol; como tenho visto pelos jornaes, estão-se apresentando todos os dias propostas para proteger a agricultura. E não só no senado, como tambem no congresso. Eu, sr. presidente, reputo urgente em Portugal a protecção á agricultura porque as cousas chegaram a um ponto de que, se o não fizermos, cessará por completo a cultura de cereaes n'este paiz; e uma nação que não produz cereaes para o seu consumo, é uma nação que não está no caso de sustentar a sua independencia, porque está á mercê das nações que a alimentam.
Ha uma ordem de considerações, sr. presidente, que ainda que pareçam afastar-se alguma cousa do assumpto provam comtudo a importancia e necessidade da cultura dos cereaes.
É facto averiguado que em todos os paizes onde ha um abundante cultura de cereaes, cresce muito a população; e uma prova frisante d'isto é que nos estados occidentaes da America do norte, onde a cultura dos cereaes não tem limites, a população dobra em quinze annos; emquanto que na Turquia, onde essa cultura está quasi abandonada, e o solo exhausto, leva trezentos annos a dobrar.
A explicação da grande população da China está simplesmente na attenção e cuidado que ali se presta á agricultura e especialmente á cultura dos cereaes. Um augmento de população é um elemento de riqueza, que representa o trabalho, mas é necessario que seja acompanhado do augmento de meios de subsistencia; e por meios de subsistencia devemos entender os cereaes, porque não podem ser substituidos por outra cousa.
Verdade é que ha sempre uma grande desproporção entre a população e os meios de subsistencia, porque as forças reproductivas do genero humano são infinitamente mais fecundas do que as do solo, principalmente na Europa, onde o solo está exhausto por uma longa exploração. Mas essa. desproporção é muito maior nos paizes onde não ha cultura de cereaes, e nessas circumstancias não tarda em vir a miseria e a morte, e por conseguir restabelecer o equilibrio.
Em Portugal, onde a população é escassa, relativamente
Página 424
424 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
ao territorio, não se póde dizer que positivamente haja miseria.
É raro que em Portugal o individuo morra litteralmente de fome em poucos dias, por falta absoluta de alimento; o que succede frequentemente n'este paiz é que ha individuos que não vivem tanto tempo quanto lhes permittiria a sua contituição physica, por não terem recebido diariamente, durante um largo espaço de tempo, o alimento sufficiente. Pois este problema de fornecer a cada individuo o alimento sufficiente para elle não morrer antes de tempo, só se póde resolver pela cultura dos cereaes. Na cultura dos cereaes está a solução de todos os problemas sociaes que lançam a sua sombra sinistra sobre o brilho da moderna civilisação.
Entendo, portanto, que se devem onerar os cereaes estrangeiros com um imposto suficientemente elevado para garantir aos cereaes portuguezes um preço remunerador.
Se considerarmos que os impostos directos e indirectos que sobrecarregam a propriedade rural são um dos factores do custo da producção, e que o producto ha de ser tacto mais caro quanto maiores forem esses impostos; se considerarmos por outro lado que o productor agricola é obrigado a produzir mais barato hoje, do que no tempo em que pagava menos impostos, sob pena de não poder vender o seu producto, é claro que ou se ha de proteger a agricultura, ou esta ha de deixar de existir.
Dizia o distincto financeiro francez mr. Léon Say que a agricultura era a besta de carga do orçamento. Pois aqui não ha senão duas alternativas: - ou alliviar a besta de carga ou ficar sem ella.
Em todos os paizes se tem adoptado o systema da protecção. Em Inglaterra tambem o seguiram identicos processos, mas ahi era muito mais facil acudir á crise agricola, porque o gosto pela vida rural que ali predomina e o facto ide que a melhor parte da população d'aquella grande nação reside sempre no campo, exercem uma influencia extraordinaria no desenvolvimento da agricultura.
Não succede o mesmo nos paizes neolatinos, onde a civilisação e os costumes do imperio romano ficaram mais profundamente implantados. Em Roma, os campos eram abandonados aos escravos, e as suas occupações eram consideradas humilhantes e despreziveis Estes prejuizos transmittiram-se ás sociedades modernas, e Portugal não ficou isento d'elles; e se bem que os grandes homens doeste paiz,, como João das Regras e o marquez de Pombal, e outros, se applicassem a desvanecer esses prejuizos, não o poderam conseguir de todo, e elles em parte ainda hoje existem.
Alguns contemporaneos têem prestado grandissimos e relevantes serviços á agricultura portugueza. Um d'elles foi El-Rei D. Fernando, de saudosa memoria, que nunca se recusou a concorrer com a sua influencia, com o prestigio da sua alta posição e com a sua bolsa para favorecer a agricultura. Outros estão aqui presentes e são os dignos pares os srs. Andrade Corvo, Aguiar, Ferreira Lapa, Margiochi, etc.? (Apoiados) que nunca cansaram em chamar a attenção sobre a importancia do assumpto, tendo de luctar com todos os prejuizos, com a indifferença e até com o ridiculo que se liga em Portugal muitas vezes ás cousas agricolas.
Resumindo, sr. presidente, a conclusão a que quero chegar é a seguinte. Recommendo á attenção do governo de Sua Magestade estas tres medidas a meu ver indispensaveis e urgentes para os interesses da agricultura: primo., não renovar o tratado de commercio com a Hespanha sem obter condições ao menos de reciprocidade para Portugal; secundo, separar a região agricola do municipio de Lisboa e formar com ella um concelho administrativo independente, tarcio, onerar os cereaes estrangeiros com um imposto sufficientemente elevado para garantir aos cereaes portuguezes um preço remunerador.
Espero que o governo de Sua Magestade não descuidará estes assumpto tomando opportunamente as respectivas providencias, trazendo ás côrtes as propostas convenientes.
Tenho dito.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, o digno par que acabou de fallar, fazendo a sua estreia n'esta casa, demonstrou perante ella a sua vasta illustração e o quanto sabe manter, as boas tradicções do seu nome honrando assim a memoria de seu pae, um dos mais illustres propugnadores da causa da agricultura em Portugal e que, dispondo de avultados meios, nunca duvidou empregai-os para, é certo, melhorar as suas propriedades, mas mais que tudo para incutir o fomento dos melhoramentos agricolas em todos os seus ramos.
A camara certamente folga de ter occasião de se recordar d'esse honrado homem, e folgará muito mais de ver que sou filho mantem tão nobremente as tradições de familia. (Apoiados.)
Sobre os tres pontos a que s. exa. se referiu, tenho a dizer algumas breves palavras.
Acerca do primeiro, que mais particularmente respeita á minha pasta, posso assegurar ao digno par que o governo não descura, nas negociações que estão pendentes com o vizinho reino, a questão agricola; más pela circumstancia d'essas mesmas negociações estarem correndo, não devo alargar-me em muitas explicações.
Por agora o que posso affirmar ao digno par é que o governo não esquece os interesses da agricultura, e especialmente no primeiro ponto para o qual s. exa. chamou a minha attenção, isto é, quanto á falta da reciprocidade que de facto se dá e que foi a principal causa por que em tempo se atacou o tratado de commercio com a Hespanha.
Não posso ir alem d'estas explicações mas, torno a repetir, o governo não descura os interesses da agricultura nas negociações que. estão pendentes, nas quaes o mesmo governo tem, a par disso, como não podia deixar de ter, em muito apreço as circumstancias politicas que nos aconselham a conservar a melhor harmonia, as mais cordiaes relações com a nação vizinha.
Mas isto, que é uma conveniencia de primeira ordem, não importa a necessidade de sacrificar interesses a esse pensamento politico, porque bem podem conciliar-se os interesses materiaes com as conveniencias politicas.
Procuraremos assim tratar com a Hespanha com aquella cordialidade que tanto convem á politica de Portugal.
Com relação ás considerações apresentadas pelo digno par, ácerca da ultima lei que reformou o municipio de Lisboa, farei algumas rapidas considerações.
S. exa. não ignora as providencias que o governo julgou dever decretar para satisfazer a algumas das reclamações mais instantes que se tinham levantado com relação a impostos municipaes. É certo, porem, que, para se apreciar uma reforma do alcance da que ultimamente se fez no municipio de Lisboa, carece-se mais do que tudo, de tempo e de experiencia; e o tempo que tem decorrido desde a iniciação d'essa reforma, não é tão largo que se possa dizer que o estudo está feito e a lei suficientemente experimentada.
No emtanto, o que eu posso asseverar ao digno par, é que o meu collega o sr. ministro do reino, ha de pôr certo tomar em muita consideração as observações de s. exa. e que não deixará de olhar pela administração municipal, e por todos os interesses do municipio com aquelle escrupulo e aquella solicitude de que tem dado exuberantes provas na sua vida publica.
Tenha o digno par a certeza de que o sr. ministro, do reino ha de procurar melhorar, quanto possivel, a situação das povoações ultimamente annexadas ao municipio de Lisboa.
O terceiro ponto a que s. exa. alludiu, é ainda de mais vasto alcance.
O digno par tem muita rasão em dizer que o criterio
Página 425
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887 425
scientifico á luz do qual se trata hoje de resolver os problemas sociaes, politicos ou agricolas, é inteiramente diverso d'aquelle que antigamente dominava na Europa.
Hoje consideram-se, na verdade, as sociedades debaixo de um ponto de vista bem differente, e entende-se que para a constituição de uma nação livre é preciso que haja n'ella um certo numero de elementos, de factores economicos á sua existencia autónoma e independente, e que são como que os membros indispensaveis de um grande corpo, de um vasto e perfeito organismo.
É por terem apparecido essas idéas que os problemas, quer politicos, quer sociaes quer agricolas, quer economicos, são hoje resolvidos por modo mui diverso do que eram d'antes.
É por isso tambem que as doutrinas que tiveram antigamente a sua rasão de ser, se acham hoje proscriptas.
Ora, a questão dos cereaes, da agricultura e da alimentação dos povos é precisamente um dos problemas que por toda a parte se procura resolver de uma forma inteiramente diversa da que em outro tempo se usou.
É certo, sr. presidente, que s. exa. inaugurou entre nós um systema, um regimen novo e que na occasião em que o fez prestou um grande e relevante serviço ao paiz, com que honrou muito a sua carreira publica; mas tambem é certo que nós não podemos deixar de dizer que esse regimen, devido á iniciativa de s. exa., carece hoje de modificações comquanto melhorasse em muito, na occasião, as condições da nossa agricultura ou, pelo menos, as do consumo.
No entanto são agora instantes as reclamações dos agricultores mirando á resolução de um problema vital, como bem disse o digno par, porque a questão dos cereaes é uma das que no momento actual mais poderosamente se impõem ao estudo dos poderes publicos.
E foi com o intuito de a estudar e tentar resolvel-a, que o governo nomeou, logo que subiu ao poder, uma commissão de, inquerito agricola que acaba de dotar com os meios sufficientes para proceder aos estudos necessarios, ouvindo os interessados e procurando o modo mais conveniente de resolver a questão.
Tenho dito.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Estão ainda inscriptos diversos oradores, mas como já passou a hora que o regimento marca para as discussões antes da ordem dó dia, vou consultar a camara sobre se consente que continue a tratar-se do incidente até agora debatido. Os dignos pares que entendem que devo conceder a palavra aos oradores que estão inscriptos, tenham a bondade de se levantar.
O sr. Pereira Dias: - Entendo que não devemos gastar toda a sessão na discussão d'este incidente, porque isto vae prejudicar o andamento regular dos assumptos que estão dados para ordem do dia.
O sr. Presidente: - Creio que não me fiz entender. Eu quiz significar á camara que o regimento determina que, meia hora depois da leitura da correspondencia, se deve passar á ordem do dia e portanto...
O sr. Pereira Dias: - N'esse caso tenha v. exa. a bondade de cumprir o regimento.
O sr. Presidente: - Peço perdão. Estão inscriptos varios dignos pares, e eu, attenta a disposição do nosso regimento, ia consultar a camara...
O sr. Pereira- Dias: - V. exa. não tem que consultar a camara, limita se a cumprir o regimento.
O sr. Bocage: - V. exa. dá-me a palavra?
O sr. Presidente:-Tem v. exa. a palavra.
O sr. Bocage: - Peço a v: exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu apresentando a presença do sr. ministro dos negocios estrangeiros, faça um pedido a s. exa. Na sessão de hontem pedi que me fosse concedida a palavra quando estivesse presente o nobre ministro, mas como s. exa. entrou na sala quando já se estava na ordem do dia, não me foi possivel realisar o meu desejo.
O sr. Presidente:- Antes de submetter á deliberação da camara o pedido do digno par, cumpre-me ler o § unico do artigo 20.° do nosso regimento:
"Se porém acontecer que o assumpto do que se tratar antes da ordem do dia, mereça, por sua importancia e urgencia, que continue a sua discussão, apesar de ter passadora hora marcada poderá continuar, havendo para isso previa deliberação da camara."
Ora, como eu considero importante o- assumpto que se tem debatido, julgo-me no dever de consultar a camara sobre se permitte que de a palavra aos oradores que a pediram.
O sr. Vaz Preto: - V. exa. dá-me licença que diga duas palavras?
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.
O sr. Vaz Preto: - Todos nós sabemos que v. exa. dirige os trabalhos desta assembléa com grande tino e muita imparcialidade, (Apoiados.) e que não quer desviar-se dos preceitos indicados no regimento; (Apoiados.) mas a questão de que se tem tratado, é a questão agricola, questão de si muito importante, e n'este momento importantissima, porque prende com o novo tratado de commercio com a Hespanha, que está em via de realisação.
N'este caso eu entendo que o proseguimento da discussão, em vez de prejuizo, nos daria lucro.
Temos desperdiçado muito tempo, o que não succede agora com a presente discussão.
O sr. Presidente: - Peço á camara que se pronuncie no sentido indicado no nosso regimento.
Os dignos pares que entendem que devo dar a palavra aos oradores que estão inscriptos para antes da ordem do dia, tenham a bondade de se levantar.
A camara resolveu affirmativamente.
O sr. Pereira Dias: - Peço a v. exa. que me diga se a discussão do incidente póde continuar, embora occupe toda a hora da sessão.
O sr. Presidente: - A camara não impoz restricções e deliberou unicamente que a discussão podia continuar. Os dignos pares, em qualquer, altura do debate, podem fazer qualquer proposta ou qualquer requerimento em sentido contrario.
O sr. Barbosa du Bocage: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento, que vou ler:
"Requeiro que, pelo ministerio dos negocies estrangeiros, seja enviada a esta camara uma relação das gratificações extraordinarias concedidas por aquelle ministerio no anno de 1885-1886.
"Sala da camara dos dignos pares, em 11 de junho de 1887.= J. V. Barbosa du Bocage"
Aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros para pedir a s. exa. que remetta a esta camara, com a possivel brevidade, o documento que peço, no caso de s. exa. entender que não ha inconveniente em o mandar.
O documento que desejo é destinado a rebater a accusação falsa e calumniosa, propalada em tempo pela imprensa progressista, que me accusava de haver distraindo para gratificações extraordinarias, no ministerio dos negocios estrangeiros, uma somma superior a 100:000$000 réis. E para mais se accentuar a fealdade do meu procedimento, acrescentava-se que um bom quinhão deste avultado esbanjamento tinha sido destinado a auxiliar uma pessoa que me é intimamente ligada por laços de estreito parentesco, a recreiar-se pela Europa, visitando as suas principaes cidades, quando era sabido e conhecido de todos que essa pessoa a quem se alludia estava então desempenhando em Paris uma commissão de serviço publico, e creio que se encontrarão no ministerio dos negocios estrangeiros pro-
Página 426
426 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO
vás authenticas, da aptidão, diligencia e zêlo com que se houve no desempenho d'essa missão.
Qualquer pessoa medianamente versada no conhecimento dos negocios publicos e conhecedora dos orçamentos dos diversos ministerios, sabe que o orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros regula por uma verba de receita de 350:000$000 réis, e logo vê que esta verba não me permittia dar gratificações extraordinarias que, perfizessem uma somma superior a 100:000$000 réis. É evidente a inepcia e absurdo da accusação.
De certo que o individuo que lançou no publico essa accusação bem sabia que eu não tinha feito tal esbanjamento, nem o podia fazer, mas convinha que essa accusação corresse no publico, como correu, e não houve escrupulos que detivessem a calumnia.
Bem podia eu lançar a calumnia, ao desprezo completo, mas não o devo fazer, porque conheço o paiz em que vivo.
Sei que as pessoas que me conhecem não acreditam em que eu praticasse o esbanjamento de cento e tantos contos em. gratificações extraordinarias, e não o acreditariam ainda mesmo que a accusação se referisse a uma somma insignificante.
Esta camara parece-me que tem rasões sufficientes para não acreditar em tal calumnia. (Muitos e repetidos apoiados.)
O nobre ministro dos negocios estrangeiros conhece por experiencia propria a audacia dos calumniadores e sabe o perigo que ha em deixar correr á revelia calumnias d'esta natureza, oppondo-lhes o silencio do desprezo que merecem.
Ha sempre algum mal intencionado que invoca o silencio do accusado para confirmar as calumnias de que é victima.
Estas accusações, que não attendem aos precedentes honrosos de cada um, nem respeitam os caracteres das pessoas a quem são dirigidas, precisam ser levantadas com dignidade, restabelecendo-se a verdade dos factos com documentos que não possam deixar duvidas.
É por isso, sr. presidente, que eu peço, quando não haja inconveniente, e creio que o não haverá, documentos que me habilitem a demonstrar que, não só é inexacta a accusação, que se me faz, de haver commettido tal esbanjamento, como tambem deixar ver bem claramente que, se algumas gratificações extraordinarias se deram, essas gratificações estavam auctorisadas nos precedentes de outros governos, ou se justificam com rasões indestructiveis.
Eu sou pouco amigo de roubar tempo á camara, e muito menos de occupar a sua attenção com a minha humilde pessoa; mas ha circumstancias que são mais fortes do que á vontade, e ha considerações de ordem tal que se collocam acima de todas as outras; taes são: a necessidade de restabelecer a verdade e de resalvar a propria dignidade.
Ora eu bem sei, sr. presidente, que essa mesma facilidade que ha hoje em accusar, em calumniar mesmo, attenua e enfraquece o valor da accusação, mas contribuo para desviar a critica da altura em que ella se devia manter, e tende a rebaixar o nivel moral, do paiz.
Pela minha parte não desejo cooperar para esse rebaixamento, para o qual contribuiria se guardasse silencio, imputando-se-me um esbanjamento de cento e tantos contos de réis.
Eu bem sei que se póde comparar esta accusação a outras que se teem feito a diversos homens publicos, por vezes aos da mais inconcussa probidade, e em relação a outras repartições do estado; accusações que, pelo menos no animo das pessoas illustradas e conhecedoras dos assumptos publicos, peccam pela base, mas que eu acho sempre mau deixar passar sem um desmentido formal, pois para o vulgo fazem effeito; e, não obstante caírem quasi sempre no esquecimento, se porventura no futuro se querem fazer reviver, podem considerar-se de pé, com o fundamento mesmo de que nunca se apresentou prova em contrario.
Portanto, eu não quero que se julgue, não defendendo eu a minha reputação, que tenho direito a conservar immaculada, que se imagine, repito, que eu effectivamente commetti um acto menos honroso. (Apoiados.)
Leu-se na mesa o requerimento do digno par e mandou-se expedir.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para declarar a v. exa. e ao digno par o sr. Bocage que darei ordem na minha secretaria para a remessa dos documentos a que s. exa. se referiu, e que recommendarei toda a pressa.
Não posso, porém, deixar de acrescentar que não é de certo para nós, os que conhecemos as elevadas qualidades pessoaes que adornam s. exa. que se torna necessaria a satisfação do requerimento do sr. Bocage. (Muitos apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Bocage: - Sómente tenho a agradecer as palavras amaveis do nobre ministro dos negocios estrangeiros e os apoiados que ellas mereceram á camara.
O sr. Holbeche: - Sr. presidente, tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que já se acha constituida a commissão dos negocios ecclesiasticos, e que ella escolheu para seu presidente sua eminencia o sr. cardeal patriarcha, para vice-presidente s. exa. o sr. arcebispo de Braga, e para secretario o digno par o sr. Sequeira Pinto.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, breves considerações farei, porque não quero tomar muito tempo á camara, estando a hora já adiantada, e embora tivesse dois assumptos a tratar. A camara foi amavel commigo, attendeu o meu alvitre, e por isso hoje não cansarei por muito tempo a sua attenção, e tratarei apenas de uma das questões, reservando a outra para antes da ordem do dia, quando esteja presente, como hoje, o sr. ministro da marinha.
Occupando-me porém agora do tratado de commercio com a Hespanha, direi que é necessario acautelar-nos para não cairmos nos mesmos erros, e precaver-nos de fórma que os interesses geraes do paiz d'esta vez sejam defendidos e sustentados, como era dever do governo.
Na occasião em, que se discutiu ò tratado que está- a findar, mostrei até á evidencia quanto nós eramos prejudicados. O sr. presidente do conselho tambem combateu esse tratado, achando-o pessimo. N'esse caso espero que s. exa. seja coherente e mostre agora que ainda pensa da mesma maneira.
É occasião de sustentar os nossos direitos e de fazer valer os nossos interesses, sempre descurados, e póde-se dizer nunca attendidos. Durante a discussão do ultimo tratado de commercio, eu aqui n'um longo discurso, que os senhores tachygraphos me estropiaram, e que a camara ouvira com toda a attenção, tratei largamente todas as questões que affectavam a agricultura e prejudicavam o commercio. E' necessario pois que o governo se occupe seriamente d'este assumpto, e no caso de não sermos attendidos, deixe antes cair de vez o tratado existente. A reciprocidade na exportação e importação de certos productos é absolutamente indispensavel, a não querer favorecer a Hespanha em detrimento de Portugal. A reciprocidade, pelo que respeita ao gado, é, imprescindivel, porque, como já demonstrei com todos os elementos e dados estatisticos, a importação e exportação era sempre muito favoravel a Hespanha, não o sendo para nós.
A differença de direitos era e é tão exagerada que o governo não deve continuar a admittil-a.
Outro ponto importante que deve merecer toda a attenção dos negociadores são os nossos productos agricolas, e acautelar por todos os modos que os nossos vizinhos, quando exportam livremente pelos nossos portos os seus productos, não os confundam com os nossos, evitando por essa forma as falsificações que têem prejudicado sobremaneira o nosso commercio, desacreditando a nossa producção.
A negligencia e incuria dos governos têem feito com que
Página 427
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887 427
o azeite portuguez esteja desacreditado lá fora, por consentir que pelos portos de Portugal tenha saído azeite hespanhol falsificado com marcas portuguezas.
O grande mal tem vindo de não se observarem os preceitos que regulam o livre transito e de permittir a baldeação nos portos de Portugal.
Já tenho tratado esta questão aqui por varias vezes, e pedindo ao governo providencias, mas sempre debalde.
Por agora direi apenas já que consentem a baldeação, empreguem uma fiscalisação rigorosissima, e punam os falsificadores.
No novo tratado é mister não consentir de fórma alguma a baldeação, causa principal de todas as falsificações.
As mercadorias de Hespanha devem seguir pelos portos de Lisboa nos mesmos envolucros, vasilhas e com as mesmas marcas com que saírem de Hespanha.
Assim, por essa fórma é que se verifica o livre transito.
Sabe v. exa. como o azeite portuguez tem sido falsificado, o que o tem desaccreditado no estrangeiro? É da fórma seguinte: O azeite hespanhol chega a Lisboa em odres, já falsificado, ou falsifica-se com oleo de semente de algodão na occasião da baldeação, e passa-se para pipas, saindo então dos nossos portos como azeite portuguez.
Sabe v. exa. porque se faz essa falsificação no azeite vindo de Hespanha? Faz-se porque a semente de algodão em Hespanha paga um direito muito mais diminuto que em Portugal.
Se porventura o governo fizesse uma fiscalisação rigorosa e de fórma tal que podesse evitar essa falsificação, seria muito bom.
Mas quaes foram as providencias que o governo tomou a esse respeito? Já mandou analysar algum azeite hespanhol? Porque tolera no livre transito azeite falsificado, ou que o seja depois nos armazens? Que providencias tem tomado o governo para saber se quando sáe de Portugal vae ou não falsificado.
Os hespanhoes não se contentam com as vantagens que lhes são concedidas pelo tratado.
Desembarcam com bilhete de livre transito o azeite que ordinariamente, como já disse, vem falsificado com oleo de semente de algodão ou com qualquer outro ingrediente, e passam aquellas mercadorias para pipas com marcas portuguezas, sendo lá fóra desacreditado consideravelmente o nosso producto.
Esta é que é a verdade, e os culpados são os governos que sabendo isto não têem providenciado.
Sobre este assumpto eu espero que o sr. ministro tome todas as providencias que julgue necessarias, que não se limite a palavras.
O que desejo são obras, o que quero são resultados práticos, o que desejo é ver o mal estirpado pela raiz para não acontecer o mesmo que aconteceu com o sr. presidente do conselho que quando se apresentou aqui prometteu muita cousa e não realisou uma sequer das suas promessas.
Já estou muito cansado de palavras, e se o governo continuar com este systema de cousas, é provavel que eu perca a paciencia e lhe faça uma opposição de que s. exas. pouco gostarão.
Agora quero ver como o sr. ministro dos estrangeiros faz um tratado em que se attendam aos nossos interesses.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Sr. presidente, o digno par terminou o seu discurso, pedindo ao governo que cumpra as suas promessas, e as traduza em obras.
E eu apresso-me a responder ao digno par dizendo que dentro em muito pouco tempo terá s. exa. a prova, não só de que o governo cumpriu as suas promessas, como tambem de que empregou todos os seus esforços para satisfazer aos desejos que s. exa. acaba de manifestar.
O digno par no decurso das suas considerações, chamou principalmente a minha attenção para dois pontos, a reciprocidade no commercio dos gados, reciprocidade que não existe actualmente, e o regimen do transito.
Emquanto ao primeiro ponto, posso asseverar a s. exa. que o governo tem toda a sua attenção fixada sobre elle, e emquanto ao segundo, apenas posso dizer n'este momento, que só estão pendentes negociações sobre o tratado de commercio, ao passo que s. exa. se referiu á questão do livre transito...
O sr. Vaz Preto: - Como v. exa. sabe, foi o sr. Braamcamp, quem admittiu este abuso, que não estava no tratado.
O Orador (continuando): - Torno a repetir, que nós estamos a tratar de ver se conseguimos algumas modificações no tratado de commercio, e que sem desattender as ponderações de s. exa. nos cumpre ter sempre em vista a conveniencia de facilitar por todos os meios o transito e a affluencia de mercadorias ao nosso porto, para desta maneira favorecermos por outra fórma os interesses nacionaes.
É o que por emquanto posso dizer ao digno par.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, quando eu entrava nesta sala ouvi a voz do nobre visconde de Carnide, de quem tenho a honra de ser, não só collega n'esta casa, mas tambem e ha muitos annos na real associação de agricultura, para a qual fui proposto pelo sr. Saraiva de Carvalho.
Sr. presidente, eu vinha satisfeito porque tinha acabado a discussão sobre a concordata, comquanto deseje tambem que todos possamos concordar em beneficio do paiz, em beneficio do povo, de que pouco se falia, a não ser nos dias de eleições. Então o povo é soberano honorario, mas perde essa qualidade quando se não carece d'elle.
Renovo os mais sinceros votos á Providencia divina para que possamos sair de sob este imperio de ficções que illudem, para entrarmos franca e desassombradamente no campo das realidades que servem.
O povo está cansado de ouvir discussões academicas, de receber promessas fallazes e de ver mudanças de governos sem que haja mudança de politica.
Ouço lastimarem se pessoas de muito bom aviso, de uma sinceridade, ou, para melhor dizer, de uma ingenuidade pasmosa, de que não existam apenas dois partidos em Portugal.
Os ministerios mudam, mas eu desejava que essa mudança significasse a condemnação de um principio e o triumpho completo de outro; desejava que nos seus estandartes inscrevessem os partidos os principios que lhes haviam de servir de guia, de bussola e de estrella.
Assim foi que na Inglaterra, em tempos mais antigos, se formaram dois grandes partidos, que, todavia, têem soffrido modificações, como não podia deixar de ser, porque uma certa ordem de conquistas, pelas quaes se pugnava no campo da economia e da liberdade estão já realisadas.
Ainda me importaria pouco que em Portugal se multiplicassem os partidos, comtanto que observassem os principios que tivessem por norma.
É verdade que os programmas não significam cousa alguma senão quando se faz opposição, mas já é bom que elles se conheçam, embora depois no governo se torne preciso entoar a palidonia e proferir um sincero pxnitet me peccati.
Pedindo licença para não proseguir neste meu arrasoado, que não é seguramente um discurso, mas uma serie de reflexões sobre assumptos importantes e momentosos, perguntarei apenas ao sr. ministro das obras publicas o seguinte:
O governo eliminou do seu programma, ou tenciona realisar a promessa, que eu approvo; quanto á creação de um ministerio da agricultura? Chamam-lhe desdobramento
Página 428
428 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
do ministerio das obras publicas. Desdobramento é uma palavra nova. Eu fallo mais á antiga portugueza, chamo-lhe separação.
O governo abandonou essa idéa, ou persiste n'ella, e está resolvido a crear o ministerio dá agricultura, como prometteu no seu programma?
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - O governo não abandonou a idéa da creação do ministerio da agricultura.
Quando apresentou essa idéa, desde logo declarou que não a podia pôr em pratica sem que a despeza correspondente podesse sair das economias realisadas no ministerio das obras publicas. Foi isto o que disse o sr. presidente do conselho.
É certo que a creação de novos serviços no ministerio a meu cargo impediu até agora a realisação d'essas economias.
Por consequencia, está, em virtude d'isso, adiada a creação do ministerio da agricultura, mas o governo hão pôz de parte a idéa de a effectuar.
Teem-se já realisado trabalhos preparatorios para a creação d'esse ministerio, mas a outros trabalhos se está procedendo ainda, de modo que é por agora absolutamente impossivel realisar-se o desdobramento.
Com tudo o governo não pôz de parte a sua idéa e mantem a declaração de que creará o ministerio da agricultura logo que as economias realisadas no ministerio das obras publicas o permittam. Essas economias não poderam effectuar-se até hoje e por isso o governo ainda não apresentou a proposta para a creação do novo ministerio; mas, repito, não abandonou a idéa e pôl-a-ha em pratica logo que as economias a que me tenho referido se hajam realisado e que estejam concluidos diversos trabalhos destinados a tornar independente a vida do ministerio da agricultura.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Marquez de Vallada: - Agradeço ao sr. ministro das obras publicas a promptidão e clareza com que se explicou e attendeu á minha pergunta.
Alguns membros d'esta camara sabem que esta minha idéa da- creação de um ministerio da agricultura não é nova.
Ha quinze ou dezesis annos que eu, em uma reunião de amigos politicos, insisti bastante para que ella se realizasse.
Esta minha idéa é antiga, como disse, e renovo-a agora em consequencia das palavras que ouvi pronunciar ao meu nobre amigo, o sr. visconde de Carnide, e pela rasão de ter acceitado uma posição honrosa na associação de agricultura, para a qual me fez a honra de propor ha muitos annos o meu antigo amigo, não direi politico.- mas pessoal, o sr. Saraiva de Carvalho.
O governo mantem a idéa de crear o novo ministerio, segundo se deprehende da declaração feita ha pouco pelo sr. ministro das obras publicas.
Como s. exa. sabe perfeitamente que eu não pretendo ser ministro da agricultura, deve comprehender que fallo da maneira mais imparcial o que posso insistir, e insistirei sempre, até que veja organisado esse ministerio.
Mas o illustre ministro acompanhou a ratificação da promessa feita pelo governo da condição seguinte: que as economias feitas no ministerio das obras publicas habilitassem o ministerio, creio que sem gravame para o thesouro, a crear o novo ministerio.
Sr. presidente, quando ouvi isto fiquei triste, porque eu, seja dito de passagem, tenho andado alegre com a idéa do ministerio da agricultura, e fiquei triste, porque todos sabem que economias tem feito o ministerio das obras publicas, todos conhecem o orçamento d'este ministerio. E a respeito de orçamentos vou contar um facto que se passou no parlamento, inglez.
Eu costumo apontar os auctores, porque não sou forte em plagiatos, e, alem d'isso, gosto pouco de me desdizer quando faço accusações.
Tenho estudado alguma cousa, e como o sr. ministro das obras publicas me conhece pouco, será bom que eu diga alguma cousa para que me faça justiça.
A respeito de contas estão todos os ministerios e todos os partidos muito atrazados. E digo isto com toda a franqueza, porque me acho n'uma posição completamente desembaraçada de todos os compromissos, posição que é a mais feliz para todo o homem que ama a verdade.
Um par do reino do parlamento inglez pediu as contas relativas ao orçamento e acompanhou o seu pedido com as rasões que costumam acompanhar taes pedidos. As despezas eram muito grandes e a receita não era sufficiente para as cobrir.
As contas pedidas foram remettidas ao par, que, logo que as viu, disse: "Isto não são contas, são roes!"
É o que nós podemos dizer. Ha muito tempo que tenho censurado a maneira por que se apresentam orçamentos que não esclarecem nada, são contas que não explicam cousa alguma, são um verdadeiro rol de despezas e receitas.
Estas contas deviam ser acompanhadas dos documentos que as comprovassem e isto já tem sido dito até por alguns dos srs. ministros que hoje estão no poder.
Podia applicar ao caso a phrase de S. Paulo, mas não usarei d'ella, porque S. Paulo não seria progressista se resuscitasse.
O sr. Pereira Dias: - Era progressista.
O Orador: - Constituinte é que elle era; era constituinte e constituiu. Mas dizia S. Paulo:-Roga, insta, obsecra, opportune ac importune.
Foi o que s. exas. fizeram.
Temos um ministerio composto de homens que deram as puas provas; que não chegaram aos conselhos da corôa por um d'esses favores que em remotas epochas se concediam; de homens que escreveram, estudaram, discutiram, e depois vieram para... renovar a face da terra - mas a terra está do mesmo modo que estava. Tambem não desejo que elles caiam. Infelizmente, quando se tem passado por uma larga experiencia de muitos annos, quando se têm escutado muitas promessas, que são apenas uma illusão, o que se deseja é que o paiz seja bem governado, mas sem dar preferencia a este ou áquelle homem d'estado, a este ou áquelle partido.
Os actuaes ministros pediram contas ao governo quando militavam na opposição. Não podem estranhar que eu as peça. Estou seguindo o seu exemplo.
Tambem uma vez pedi contas sobre o ultramar ao meu amigo sr. Thomás Ribeiro. Vieram, mas em globo; e eu queria os detalhes. As syntheses são muito boas, mas é necessario que primeiro haja as analyses.
Portanto, desejava eu que as contas do ministerio das obras publicas viessem muito detalhadas.
(Áparte que se não percebeu.)
Effectivamente é preciso não culpar o actual sr. ministro. Não quero lançar culpa a quem não a tiver. Pertence ella a differentes homens que por muitos annos têem deixado tudo numa certa confusão.
Quando alguem e elevado a um logar em que pretende fazer administração, immediatamente se lhe promove guerra. O que faz_ mais administração ganha fama de mau politico.
(Áparte que se não percebeu.)
Emquanto eu viver, emquanto durar a camara dos pares (e, se por acaso ella acabar, procurarei ter logar n'alguma camara ou congresso que a substitua) não hei de abandonar a politica. Só se vier o absolutismo, o. que é possivel, porque os paizes passam muitas vezes por essas crises, por esses momentos de provação.
O sr. Presidente: - Peço ao digno par o favor de attender ao adiantado da hora, para não entrar agora em
Página 429
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887 429
considerações sobre politica geral, que são importantes, mas que não se prendem immediatamente com o assumpto da discussão.
O Oradora - Os padres de S. Vicente de Paula nunca fallavam mais de tres quartos de hora. Não lh'o consentia um outro padre que estava proximo, com um relogio na mão.
Acho isto bem pensado; mas, comquanto eu respeite muito a v. exa., permitta-me dizer-lhe que na camara dos pares, a que pertenço ha longos annos, não se tem seguido esse costume. Alem d'isso, entendo que nas reflexões por mim apresentadas não houve divagação.
Eu dirigi uma pergunta ao sr. ministro das obras publicas, e s. exa. respondeu, declarando que sustentava o seu programma de economias. Repliquei eu: "Visto que defende esse programma, é necessario que venham ao parlamento as contas do ministerio das obras publicas, porque são na realidade muito exageradas. Ora, como o actual ministerio subiu ao poder em virtude do principio das economias, não posso deixar de fazer allusões ao passado, ao presente e até ao futuro.
Eu hei de pedir a todos a responsabilidade d'aquillo que disseram, porque eu tambem sustentarei sempre aquillo que estou dizendo.
Ha muita gente que, por qualquer circumstancia, se vê obrigada a não cumprir o que promette; mas eu affirmo que hei de manter sempre com firmeza as minhas opiniões.
Pedi, pois, ao sr. ministro que me dissesse se estava na intenção de resolver a necessidade da creação de um ministerio de agricultura, e s. exa. respondeu-me que attenderia a essa necessidade com as economias que realisar no ministerio das obras publicas.
Peço, pois, a s. exa. que nos diga quaes são essas economias, e que nos apresente a conta d'aquelles 1.700:000$000 réis que s. exa. pediu em tempos com tanta instancia, e que a final nunca veiu.
O partido progressista, entre muitas descobertas, fez uma realmente curiosa. O partido progressista entende que as orações podem ter verbo e accusativo, sem que lhes seja necessario o nominativo.
Esta descoberta, deveras importante, e realmente curiosa, não é bem acceita pelas regras grammaticaes que me foram ensinadas. O nominativo é importantissimo na oração, e d'elle depende o accusativo.
Venham, pois, as contas, e faço esta exigencia em termos polidos.
Lembro-me, a proposito, do sr. Fontes, de quem eu- hei de conservar sempre a mais grata memoria. S. exa. possuia, alem de outras qualidades eminentemente superiores, uma delicadeza primorosa.
Sr. presidente, permitta-me v. exa. esta expansão, que naturalmente occorre quando se invoca a memoria d'aquelle homem notabilissimo.
Não estranhe, pois, o sr. ministro que eu lhe peça os documentos comprovativos dos algarismos, e tenha s. exa. a certeza de que eu hei de sempre apresentar as minhas exigencias com muita civilidade, em qualquer parte em que me encontre.
Consinta-me a camara que eu me associe ao pedido feito pelo meu nobre e distinctissimo amigo, e duas vezes collega, o sr. visconde de Carnide. As culpas são de muitos; mas é necessario liquidal-as, pertençam ellas a quem pertencer, porque assim o exige o dever patriotico de pugnar pelos direitos do povo.
Os homens politicos que querem estar com o povo teem de adoptar systemas definidos, baseados na pratica de idéas fecundas.
Eu queria que o povo se reunisse, como lá fora, em congressos. Queria, sr. presidente, que nós renovássemos uma assembléa que existiu em tempos em Portugal, e á qual pertenceram Rebello da Silva, Alexandre Herculano, e muitos outros homens distinctos; assembléa que se intitulava, A liga aos interesses economicos.
Faça-se o inquerito a que os srs. ministros estão procedendo, mas esse inquerito tem de ser minucioso e os seus resultados devem ser largamente discutidos, não só no parlamento, como nas associações a que o assumpto particularmente respeita.
Eu queria até que nós constituissemos assembléas em todas as terras do reino e que lhes ministrássemos informações, que formassem, por assim dizer, uma força anormal, mas educadora. É necessario que haja a união do capital, que fecunda, com o trabalho, que é necessario o que pertence ao povo.
Não deve o povo insurgir-se contra o capitalista, que dá de comer á sua familia; mas tambem não deve o proprietario opprimir o povo.
Ha interesses harmonicos n'este principio; deve haver harmonia entre os interesses e os deveres.
Não é de hoje, sr. presidente, que se trata entre nós de agricultura e não só as assembléas deliberativas teem procurado dar-lhe incentivo.
Todos sabem que El-Rei D. Diniz foi chamado o lavrador; mas não foi só elle que se applicou a desenvolver a agricultura.
Sabe-se tambem que ha uma certa ordem de medidas que .antigamente se adoptaram e que são hoje incompativeis com o estado actual dos povos. -
Disse Montesquieu: "As leis devem estar em harmonia com os povos que vivem debaixo do seu imperio".
E na verdade, sr. presidente, nós não podemos comparar nos com os paizes que não estão nas nossas condições.
A Inglaterra tem, por assim dizer, caminhado de experiencia em experiencia, e se ali se estabeleceu uma tamanha liberdade de commercio, é porque é muitissimo prospero o seu estado. Mas quando não se está em taes condições, a agricultura morre e os governos não podem caminhar ovantes, allumiando-se com o facho do patriotismo.
Sr. presidente, eu tambem direi alguma cousa sobre um ponto que é muito importante na questão da agricultura.
Refiro-me ao contrabando.
O sr. ministro das obras publicas levantou ha tempos a sua voz na camara dos senhores deputados e leu um jornal em que se pedia providencias. Essas providencias tambem o sr. Navarro, então deputado, as pedia ao sr. conselheiro Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, então ministro.
Ora, a questão do contrabando é uma questão que merece a attenção de todos os governos, e eu hoje não vou alem do que fizeram os srs. Navarro e Marianno de Carvalho, pedindo providencias contra o contrabando. A este respeito, hei de pedir varios documentos.
É urgente e util procurar livrar o commercio licito da concorrencia do commercio illicito, e a minha voz não cansará nesta empreza, cujo conseguimento é o apanagio dos homens de bem.
Portanto, reunindo os meus votos aos do digno par, o sr. visconde de Carnide, espero que o sr. ministro das obras publicas promoverá melhorar as condições da agricultura nacional por meio dos governadores civis, que não devem só fazer politica, mas tambem prestar este serviço. Os governadores civis, creio eu, são todos homens illustrados. No partido progressista não ha ninguem que não seja illustrado.
O sr. Pereira Dias: - Parece isso.
O Orador: - Pelo menos os homens do governo, especialmente aquelles que...
(Interrupção que, não se percebeu.}
Os governadores civis podem fazer interrogações, podem illustrar os povos sobre as medidas que o governo tenciona apresentar, e ao governo cumpre coordenar todos esses dados, todas essas informações que tem direito a exigir lhe sejam fornecidas, devendo depois apresentar ao parlamento
Página 430
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 430
uma medida que satisfaça a todas as necessidades da agricultura.
Eu vejo pelos jornaes, que apoiam a politica do gabinete actual, que o governo está ajudado pela opinião publica e que tem grandes maiorias nas duas casas do parlamento. Vejo isto, e sei que todos os srs. ministros possuem grande talento. Não costumo questionar o talento, as qualidades, a elevada posição seja de quem quer que for que eu tenha de guerrear. Note a camara que eu neste momento não guerreio pessoa alguma, defendi apenas os interesses de uma classe importante.
O governo tem estudado muito na imprensa, não sei ha quantos annos. O sr. ministro dos negocios estrangeiros, esse tem esstudado muitissimo e é muito instruido. Recordo-me do pae de s. exa., e gosto de me recordar dos homens benemeritos, sobretudo gosto de fallar mais do bem que do mal.
Espero que o governo ha de realisar o que prometteu com respeito á creação do ministerio da agricultura.
Sr. presidenta, devo dizer a v. exa. e á camara que a agricultura se tornou hoje assumpto tão importante, que não podemos prescindir de olhar para ella com toda a attenção.
Espero que o sr. ministro das obras publicas trate quanto antes de fazer as possiveis economias no seu ministerio a fim de que se realise a promessa que o governo fez. Bom seria que o ministerio da agricultura fosse creado antes de se fechar a presente sessão legislativa, mas se não poder ser, e como eu espero que o actual gabinete occupe ainda aquellas cadeiras no anno proximo, é natural que em janeiro eu veja já ali sentado um outro cavalheiro, que provavelmente será um homem instruido, que tenha estudado e tratado d'estas questões de agricultura com todo o esmero e com todo o cuidado.
Sei que o trabalho no ministerio das obras publicas é grande, aquelle ministerio tem a seu cargo decidir questões tão complicadas e tão complexas, que parece que o sr., ministro será o primeiro a desejar que se façam as taes economias para que o novo ministerio se crie o mais depressa possivel, como eu espero e é necessario.
Tenho dito.
(O digno par não reviu.)
O sr. Pinheiro Borges: - Sr. presidente, a hora está bastante adiantada e por isso não posso tratar do assumpto sobre que se discorre com o desenvolvimento exigido pela sua importancia, nem desejo por fórma alguma concorrer para que seja preterida a discussão dos projectos que estão dados para ordem do dia, tanto mais que pelas declarações do sr. ministro da marinha é facil concluir que se não póde tomar resolução alguma, sem se conhecer o resultado do inquerito a que se está procedendo.
Tenho comtudo sido instado, muito instado, por cavalheiros não só do districto de Evora, cujos interesses me compete advogar, mas de outras localidades que vivem da agricultura, para chamar a attenção do governo, e muito especialmente do sr. ministro das obras publicas para a crise que está assoberbando a industria agricola, e por isso pareceu-me conveniente associar-me ás recommendações feitas pelo digno par visconde de Carnide, e pedir ao nobre ministro das obras publicas, que está agora presente., para que exerça a sua influencia sobre a commissão de inquerito que por s. exa. foi nomeada e lhe recommende que apresente com a maior brevidade o seu relatorio, a fim de serem propostas e adoptadas as providencias que afastem á crise, e que de dia para dia se tornam cada vez mais momentosas.
O sr. Mexia Salema: - Mando para a mesa a seguinte declaração de voto.
Leu-se na mesa a seguinte
Declaração
Rejeitei na sessão de hontem a proposta apresentada pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro em referencia á concordata, não por que entenda que esta não precisasse de ser approvada pelas côrtes antes de ser ratificada pelo governo, pois que é minha inabalavel opinião de que era necessario essa approvação segundo o artigo 10.° do acto addicional da carta constitucional de 15 de julho Me 1852, mas porque julgo que no estado actual não podia, sem offensa da dignidade da nação, exigir-se agora aquella approvação posterior á ratificação; e a violação da constituição praticada pelo governo só deve ser tomada em consideração quando vier a esta camara o projecto do bill de indemnidade, apresentado na camara dos senhores deputados.
Camara, 11 de junho de 1887.= Mexia Salema.
Mandou-se lançar na acta.
O sr. Pereira Dias: -Sr. presidente, eu simplesmente pretendo dar uma explicação, porque poderia julgar-se ter havido divergencia entre mim e v. exa., mas tanto não a houve, e era o mesmo o nosso pensamento, que foi v. exa. quem primeiro capitulou de importante a questão agricola.
Eu tambem julgava, como julgo, muito importante tudo quanto se refere a assumptos agricolas, mas entendia que no momento nada se diria de importante sobre a questão, e que só se aproveitaria o ensejo para gastar tempo inutilmente.
O discurso do digno par o sr. marquez de Vallada, confirmou a minha previsão; mui longo, erudito, mas nem uma palavra só sobre o incidente! Nada mais direi.
ORDEM DO DIA
Pareceres n.os 49, 51 e 52 Leu-se na mesa o parecer n.° 49, que é do teor seguinte:
PARECER N.° 49
Senhores.- A vossa commissão de fazenda examinou com a devida attenção o projecto de lei n.º 2, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim conceder á camara municipal do Porto um subsidio annual até á somma de 10:000$000 réis, destinado a prover em parte aos encargos de um emprestimo que a mesma camara tenciona contrahir para a construcção da estrada de circumvallação d'aquella cidade; e
Considerando que de ha muito se tem reconhecido ser defeituosa, apesar das modificações n'ella introduzidas, a actual linha fiscal, que, ao passo que exige um numeroso pessoal de vigilancia, não satisfaz, ainda assim, a uma rigorosa fiscalisação;
Considerando que a projectada construcção, orçada em 342:980$000 réis, quando a largura da avenida seja de 30 metros, deve ser de grande utilidade publica, quer para aquelle municipio, quer para o estado, porquanto vae facilitar e assegurar a cobrança dos impostos geraes e municipaes;
Considerando que o mencionado emprestimo tem de ser contrahido em concurso publico, e os respectivos projectos previamente approvados pelo governo; e
Considerando, por ultimo, que d'esta concessão deverá resultar diminuição na despeza da fiscalisação, e augmento nas receitas do thesouro, ficando assim sobejamente compensado o sacrificio que ora se lhe pede:
É a vossa commissão de parecer que approveis este projecto de lei ã fim de subir á real sancção.
Sala da commissão, em 27 de maio de 1887.= Conde de Magalhães = Manuel Antonio de Seixas = Frederico Ressano Garcia = Mendonça Cortez = A. de Serpa (com declaração) = Visconde de Bivar = Barros e Sá = Antonio Augusto de Aguiar = Augusto José da Cunha = Hintze Ri-
Página 431
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887 431
beiro = Conde de Castro, relator. - Tem voto do digno par Pereira de Miranda.
Projecto de lei n.° 2
Artigo 1.° É o governo auctorisado a auxiliar a camara municipal do Porto com um subsidio até 10:000$000 réis por anno, para juro e amortisação do emprestimo que a mesma camara contrahir, em concurso publico, destinado á construcção de uma grande avenida em volta da cidade, sendo essa avenida adoptada para linha da fiscalisação.
§ 1.° O subsidio de que trata esta lei durará até a extincção do emprestimo, e nunca poderá ser superior á somma annual dos encargos pagos pela camara municipal, nem exceder o limite fixado n'este artigo.
§ 2.° Os projectos da referida avenida não poderão ser executados sem previa approvação do governo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Palacio das côrtes, em 21 de maio de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario == José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Galrai, deputado secretario.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade o projecto de lei a que se refere o parecer n.° 49.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para fazer uma declaração de voto; eu voto contra este projecto, e contra qualquer outro que apresente despeza que não seja impreterivel e absolutamente necessaria.
Voto contra este projecto, porque isto é nada mais, nem nada menos do que o governo concorrer para o embelezamento de uma cidade que tem rendimentos proprios, por que o fim não é fazer a estrada para a fiscalisação, mas sim o fazer-se uma avenida no Porto para a qual o governo concorre com a maior parte.
De mais, sr. presidente, note v. exa. que o projecto parece estar em contradicção com o relatorio, porquanto no artigo 1.° diz-se que o governo auxiliará a camara com um subsidio de 10:000$000 réis, emquanto que no relatorio que vae da camara dos senhores deputados se diz, que as obras a fazer estão orçadas em 300:000$000 réis, que ao juro de 6 por cento, são 18:000$000 réis.
É verdade que no artigo 2.° se diz, que o estado não pagará mais do que a camara. Portanto, marcar a quantia de 10:000$000 réis é inutil desde que se estabelece no artigo 2.° que os encargos do estado nunca excederão os da camara. Logo, o caminho verdadeiro a seguir, n'estas circumstancias, o que me parecia mais regular era, que esta estrada fosso considerada como estrada municipal, e como tal subsidiada, com o terço. E se eu podesse suppor que a camara approvava uma proposta por mim apresentada n'este sentido, mandava-a para a mesa; mas como tenho a certeza de que seria rejeitada, limito por aqui as minhas declarações, e termino repetindo que voto contra.
O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, a primeira observação feita pelo digno par o sr. Vaz Preto foi sobre o orçamento que está calculado para a construcção da estrada da circumvallação. Effectivamente, diz-se no parecer da commissão que a obra fora orçada em 343:000$000 réis, numeros redondos, emquanto que- o calculo que se fizera na camara dos senhores deputados era aproximadamente de 300:000$000 réis.
Ácerca d'este ponto desejo dar alguns esclarecimentos ao digno par e á camara. O melhoramento de que se trata e nesta parte respondo tambem a uma das observações de s. exa. foi desde a sua origem exclusivamente da iniciativa do estado. Em 1875, a direcção geral das alfandegas, sendo então director geral o sr. Santos Monteiro, officiou ao ministerio das obras publicas, reclamando, como de maxima urgencia, que se tratasse de melhorar aquella linha fiscal, e o ministro das obras publicas, que era n'esse tempo, o sr. Cardoso Avelino, por uma portaria datada de 21 de agosto d'aquelle anno, mandou proceder immediatamente aos respectivos estudos e elaborar o competente projecto e orçamento.
Segundo o relatorio do director das obras publicas do Porto, o fallecido e distincto engenheiro o sr. Victoria, de 31 de março de 1877, fizeram-se tres orçamentos: um com relação a uma estrada de 12 metros de largura, que era quanto poderia, carecer, uma vez que tivesse apenas de satisfazer ao fim da fiscalisação, e n'este caso despender-se-iam 145:000$000 réis; outro, correspondente á largura de 16 metros, despendendo-se 181:000$000 réis; e um terceiro, tendo a estrada 20 metros de largura, e que elevaria a despeza 218:000$000 réis.
E o mesmo engenheiro era de opinião que a largura de uma estrada de circumvallação que não tivesse unicamente aquelle fim, mas que viesse a ser uma especie de boulevard de cintura á volta da cidade, devia ter indispensavelmente 20 metros.
Ha mais, sr. presidente, uma consulta da junta consultiva de obras publicas mandando fazer umas variantes, das quaes resultou ser maior o orçamento.
Alem d'isto, em 1884, foi necessario corrigir esse mesmo orçamento pelas differenças a mais no valor da propriedade, e por ter havido um grande numero de edificações.
E por estas causas, pois, foi o orçamento elevado a 250:000$000 réis.
É tambem para notar que até 1881 a camara municipal do Porto não interveiu de modo algum neste negocio. A obra em questão fora solicitada, como já disse, pelas estações competentes, e todos os trabalhos preparatorios e orçamentos foram mandados effectuar pelo governo.
E só em 1884 é que a camara do Porto, desejando fazer reviver a idéa deste melhoramento, e leval-o á sua realisação, enviou uma representação ao governo, datada de 10 de janeiro, na qual se comprometteu, não só a concorrer com 150:000$000 réis para a construcção da estrada, mas assumiu tambem o compromisso de tomar á sua parte metade de toda a despeza que se fizesse com a conservação- da sobredita estrada.
N'estas circumstancias entendeu-se que seria muito preferivel que a mesma tivesse 30 metros de largura, em consequencia do que ficou sendo o seu orçamento de réis 343:000$000.
(Áparte do sr. Vaz Preto.)
Deixe-me v. exa. expor os motivos que ha para que se faça esta estrada, e eu mostrarei ao digno par que este projecto é tanto de interesse publico, como era, por exemplo, o do caminho de ferro da Beira Baixa.
A commissão de fazenda, sr. presidente, julgou que devia approvar este projecto pelos seguintes fundamentos: em primeiro logar, porque se reconheceu que era extremamente defeituosa a linha fiscal que actualmente existe, e eu podia até ler um trecho do relatorio do referido director das obras publicas, em que elle declara ter a intima convicção do gravissimo prejuizo que para o fisco tem. resultado da falta de uma boa estrada; em segundo logar, porque com esta linha de circumvallação, que se vae estabelecer, se facilita e assegura não só a cobrança do imposto de consumo cobrado pela camara, mas a dos impostos geraes.
Póde-se affoitamente dizer que, por este projecto, o interesse para o estado em relação ao do municipio, está na rasão de 3 para 1.
Temos, portanto, por um lado diminuição de despeza, porque, feita esta linha de circumvallação, será menor o pessoal de vigilancia n'ella empregado, e por outro lado deverá ella influir forçosamente no acrescimo das receitas que revertem parado thesouro.
De mais a mais este projecto tem sido melhorado durante a sua discussão, em ambas as casas do parlamento; e já n'esta camara, o sr. ministro da fazenda entendeu, e a meu ver, de um modo muito louvavel, porque as discus-
Página 432
432 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
sões não se fizeram para outra cousa, senão para esclarecer os assumptos e aperfeiçoar os projectos de lei, o sr. ministro da fazenda, digo entendeu declarar na commissão de fazenda, acceitando uma indicação desta, que os 10:000$000 réis, (e assim demonstro ao digno par, porque não ha augmento de despeza) deverão sair da verba para a dotação das estradas.
Ora eu tive occasião de verificar na outra camara, que a commissão que examinou o projecto das estradas já inseriu n'elle um artigo em que se consigna, que esta despeza sairá dos 1.600:000$000 réis, com applicação ás estradas.
(Interrupção do sr. Vaz Preto, que não se ouviu.)
Sáe da verba votada, da verba geral das estradas.
Tambem na camara dos senhores deputados se introduziu no projecto durante a discussão o principio do concurso, devendo, segundo a proposta de lei, ser os projectos approvados pelo governo. E acresce ainda que por uma indicação da junta consultiva de obras publicas, esses mesmos projectos teem de ser a final submettidos ao exame, tanto do ministro da guerra, como dos ministerios da fazenda e do reino. O ministerio da guerra tem que o examinar sob o ponto de vista da defeza da cidade do Porto, e o da fazenda em relação á fiscalisação da alfandega, ás serventias das propriedades cortadas pela estrada, e á edificação urbana ao longo d'esta. E no parecer, sr. presidente, não fallei, muito de proposito, em embelezamentos, e defendi o projecto unicamente como uma medida financeira de grande conveniencia para o thesouro publico, e para aquelle municipio.
Não tenho necessidade, me parece, de me alargar mais em considerações sobre as vantagens que podem resultar da construcção de uma estrada de cintura em volta da cidade do Porto; comtudo citarei ainda a opinião do mesmo director das obras publicas d'aquelle districto., que, em um dos seus relatorios, entre outras reflexões que apresenta para persuadir a camara municipal a concorrer com o seu auxilio, diz que: estabelecida a circumvallação na sua maior area, poder-se-hão edificar cerca de dois mil predios, á margem d'essa nova estrada. Ora o digno par, o sr. Vaz Preto, sabe muito bem quão importante é a construcção de dois mil predios, ou mil que sejam, em relação ao rendimento da contribuição predial do imposto de transmissão, e em geral de todos os impostos do estado, em consequencia do augmento da materia collectavel.
A hora está muito adiantada e, portanto, não me alongarei mais, e reserva-me-hei para fazer outras considerações, se mais algum digno par combater o parecer que se discute.
O sr. José Pereira: - Por parte da commissão de legislação mando para a mesa um parecer sobre o processo, vindo da camara dos senhores deputados, relativo ao sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida.
Foi a imprimir.
O sr. Ayres de Gouveia: - Sr. presidente, tenho a honra de fallar pela primeira vez n'esta casa. É possivel que, devido á minha inexperiencia, commetta faltas. N'este caso peço a v. exa. e á camara que mas relevem, por quanto a minha intenção é respeitar as melhores tradições d'esta camara.
Na minha posição especial de presidente da camara municipal do Porto, cargo com que muito me honro, não podia deixar de pedir a palavra não só para defender aquella corporação administrativa, mas tambem para restabelecer a verdade contra a asserção de que a estrada de circumvallação é simplesmente um aformoseamento que se quer dar áquella cidade.
O digno par, o sr. conde Castro, relator da commissão, já demonstrou até á saciedade, e com documentos, que este projecto foi da iniciativa da auctoridade aduaneira, e que tende simplesmente a crear um meio efficaz de fiscalisação para melhor se receberem, os impostos que se cobram por essa fórma.
Sendo a actual linha de barreiras muito defeituosa, não póde exercer-se vigilancia, havendo por isso um deficit muito grande na receita proveniente de tal cobrança. Para evitar este prejuizo, e as fraudes que o determinam, mandou o governo estudar uma linha de circumvallação, em que houvesse as precisas condições de vigilancia. O projecto em discussão, é justamente para realisar esse intento.
Não contesto que a camara do Porto tem, pela fiscalisação que exerce, e pelos tributos que cobra e lhe são destinados por lei, algum proveito; mas v. exa. e a camara sabem perfeitamente que as contribuições municipaes são relativamente menores em relação ás contribuições recebidas para o estado. O digno par, o sr. conde de Castro, estabeleceu, e muito bem, essa relação na proporção de 3 para 1. Na mesma proporção dessas vantagens devia o municipio contribuir para as despezas.
Pelo projecto, a camara municipal do Porto contribuo para estas obras com metade da despeza em que ellas importam, e vem a receber apenas uma terça parte do proveito que ellas hão de produzir. Não se póde dizer, portanto, que este subsidio seja um favor aquelle municipio, quando é um recurso para auxiliar as finanças do estado.
O municipio do Porto sabe fazer sacrificios quando precisa de emprehender melhoramentos, e, no caso presente faz de certo um sacrificio, porque paga mais do que relativamente deve pagar.
A estrada da circumvallação não é uma d'aquellas avenidas que se possa considerar como embellezamento, visto que por um dos lados tem de construir-se um muro que ha de impedir toda e qualquer edificação, e esse muro significa e importa uma grande desvantagem para os predios que forem construidos do outro lado. Não haverá por consequencia nenhum meio de creação de receita compensadora para o municipio.
Por estas rasões se vê que eu não proporia similhante medida, como um beneficio rendoso para a administração municipal,- mas acceito e voto o projecto do governo exactamente como está, porque tenho a certeza de que o estado não é prejudicado com esse subsidio, e que, pelo contrario, lucra e lucra muito, porque vae augmentar consideravelmente a receita, pela economia e pelo aperfeiçoamento da fiscalisação.
São estas as poucas palavras que tinha a dizer, e peço desculpa á camara o tempo que lhe tomei.
O sr. Vaz Preto: - V. exa. e a camara viram que fui extremamente conciso nas considerações que ha pouco apresentei e se não desenvolvi, como podia, os argumentos que submetti á ponderação da camara, foi porque não quiz que me alcunhassem de obstruccionista.
Limitei-me, por assim dizer, a fazer uma declaração de voto; mas como por parte dos amigos do governo, vejo que não ha o minimo escrupulo em gastar tempo com esta discussão, vou ainda fazer algumas reflexões.
O sr. conde de Castro, veiu contar-nos a historia do subsidio que hoje se pede ao parlamento. S. exa. apresentou uns poucos de orçamentos. O primeiro era o mais modico; o segundo mais elevado que o primeiro; o terceiro mais aggravado ainda que o seu antecessor e finalmente o quarto muito superior a qualquer dos anteriores: pois foi este como era de esperar o approvado. A obra que se podia fazer com a quarta parte, vae-se fazer pelo grande orçamento!
Este facto dá-se geralmente em quasi todas as obras do nosso paiz.
Quando se trata de emprehender uma obra, apresenta-se um orçamentosinho que mostra um dispendio fraco ou relativamente insignificante e finalmente essa obra excede sempre e muito as cifras primitivamente calculadas.
Sr. presidente, o que eu não queria era que este negocio fosse resolvido por meio de favor, quando podia ser incluido na lei geral das estradas; o que eu não posso levar á paciencia, é que as duas principaes cidades do paiz,
Página 433
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887 433
a quem o estado fez obras collossaes, uma o porto de Lisboa, a outra o porto de Leixões e outras obras, venham pedir ao parlamento estes subsidios que oneram o resto do paiz, e que são subsidios de mero favor.
Sr. presidente, é necessario que todo o paiz seja considerado.
Sr. presidente, já que todo o paiz está sugeito aos onus, seja tambem considerado e beneficiado igualmente. Mas não, o paiz em geral não tem esses beneficios, nem possue essas regalias, e é por isso que eu protesto contra estes projectos de favor.
Ora se, como diz o digno par o sr. conde de, Castro, o governo lucra tres partes, e a camara só uma, o que eu duvido porque é contra a natureza das obras municipaes, eu para mostrar a minha imparcialidade, peço que estendam esse systema a todo o paiz.
Então veria s. exa. como o meu . districto prosperava e como as obras municipaes progrediam, e veria s. exa. como eu aqui imitando s. exa., declararia alto e em, bom som, como s. exa. fez, que com aquellas obras o governo lucraria tres partes e o meu districto só uma.!
Sr. presidente, Lisboa e Porto têem obras monumentaes e melhoramentos gigantescos. Não faz bem pois o Porto, uma cidade tão opulenta e tão orgulhosa, vir pedir estas migalhas ao paiz.
O sr. José Fructuoso Ayres Gouveia: - Não é favor, é sacrificio.
O Orador: - Pois seja sacrificio, mas eu peço esse sacrificio para todo o paiz.
Sr. presidente, eu não quero discutir por mais tempo o projecto; apenas quero declarar que voto contra elle e contra todos os que da natureza d'este forem apresentados.
O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae ler-se o projecto.
Leu-se na mesa e foi approvado na generalidade e especialidade.
O sr. José Joaquim de Castro: - Peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que sejam discutidos os dois projectos que estavam tambem dados para ordem do dia.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente: - Em virtude da resolução da camara, vae ler-se o parecer
n.° 51.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
PARECER N.° 51
Senhores. - Está pendente da vossa approvação o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados que approva, para ser ratificada, a convenção de extradicção. entre Portugal e a Russia, assignada em Lisboa em 10 de abril ultimo.
Sendo esse pacto modelado por aquelles que já temos celebrado com outras potencias e dilatando em proveito da punição dos crimes a esphera de acção das nossas leis penaes, entende a vossa commissão dos negocios externos que está no caso de ser approvado, para subir á real sancção, o referido projecto de- lei.
Sala da commissão, em 8 de junho de 1887.= A. de Serpa = H. de Macedo = Marquez de Rio Maior = J. V. Barbosa du Bocage - Visconde de Borges de Castro - A. de Ornellas, relator.
Projecto de lei n.° 6
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção para a reciproca extradicção de criminosos, entre Portugal e o imperio da Russia, assignada em Lisboa a 10 de abril de 1887.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 7 de junho de 1887 .= Francisco de Barros Coelho e Campos, vice-presidente = Francisco
José de Medeiros, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado
vice-secretario.
Convenção de extradição entre Portugal e a Russia
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias, tendo resolvido de commum accordo concluir uma convenção para a extradição reciproca dos individuos accusados ou con-demnados pelos crimes abaixo enumerados, nomearam para esse effeito como plenipotenciarios, a saber:.
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves:
O sr. Henrique de Barros Gomes, do seu conselho, par do reino, ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, gran-cruz da ordem de Nosso Senhor Jesus Christo e de varias ordens estrangeiras, etc., etc.
E Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias:
O sr. Nicolau de Fonton, seu conselheiro d'estado actual, camarista da sua côrte, gran-cruz de varias ordens russas e estrangeiras, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto da côrte de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc.
Os quaes, depois de terem trocado-os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, accordaram e convieram nos artigos seguintes:
Artigo I. O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e o governo de Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias, obrigam-se á entrega reciproca, com excepção dos proprios subditos por nascimento, ou por naturalisação adquirida antes da perpetracão do crime que dá logar á extradição, de todos os individuos refugiados de Portugal, das ilhas adjacentes e das possessões ultramarinas na Russia, e vice-versa da Russia em Portugal, nas ilhas adjacentes e nas possessões ultramarinas, indiciados, accusados ou condemnados por motivo de um dos crimes ou delictos abaixo enumerados, commettidos fóra do territorio da parte á qual a extradição é pedida.
A extradição terá logar pelos factos seguintes:
1.° Attentado contra a vida do soberano ou dos membros da sua familia, assim como qualquer outro crime ou delicto abaixo enumerado, commettido contra o soberano ou os membros da sua familia.
2.° Homicidio voluntario, parricidio, infanticidio, envenenamento.
3.° Ameaças de attentado contra as pessoas ou as propriedades, puniveis com penas criminaes.
4.° Aborto.
5.° Lesões corporaes, pancadas e ferimentos voluntarios commettidos com premeditação e reconhecidos graves, ou que tenham occasionado uma doença ou incapacidade de trabalho pessoal durante mais de vinte dias.
6.° Rapto, violação ou qualquer outro attentado ao pudor commettido com violencia.
7.° Attentado contra os bons costumes, excitando, favorecendo ou- facilitando habitualmente á devassidão ou a corrupção da mocidade de um ou de outro sexo, de idade inferior à vinte e um annos.
8.° Bigamia.
9.° Rapto, occultacão, suppressão, substituição ou parto supposto, exposição e abandono de uma creança.
10.° Attentado contra a liberdade individual, rapto de menores.
11.° Imitação fraudulenta, falsificação, alteração ou cerceio de moeda, ou participação voluntaria na emissão de moeda imitada fraudulentamente, falsificada, alterada ou cerceada.
12.° Imitação fraudulenta ou falsificação dos sellos do estado, das natas de banco, dos titulos publicos e dos cunhos, carimbos e marcas de papel moeda e de estampilhas do correio; uso de sellos, notas, titulos, marcas, cunhos ou carimbos falsificados; uso prejudicial de sellos, marcas, carimbos ou cunhos verdadeiros.
13.° Falsificação e uso de falsificação em escriptura pu-
Página 434
434 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
blica ou authentica de commercio ou de banco, ou em escriptura particular, á excepção das falsificações commettidas nos passaportes, guias de marcha e certificados. Destruição e roubo de documentos.
14.° Juramento falso, testemunho falso, declarações falsas de peritos ou de interpretes, suborno de testemunhas, de peritos ou de interpretes.
15.° Corrupção de funccionarios publicos, concussão, subtracção, ou desvios de fundos commettidos por preceptores ou depositarios publicos.
16.° Fogo posto.
17.° Destruição ou demolição voluntaria por qualquer meio que seja, no todo ou em parte, de edificios, de pontes, diques ou calçadas, ou outras construcções pertencentes a, outrem. Damno causado voluntariamente aos apparelhos telegraphicos.
18.° Associação de malfeitores, pilhagem, damnificacão de generos ou mercadorias, bens, propriedades moveis, commettida em reunião, ou bando ou á viva força.
19.° Crimes e delictos maritimos previstos pelas legislações respectivas das partes contratantes.
20.° O facto voluntario de ter posto em perigo um comboio em caminho de ferro.
21.° Roubo.
22.° Burla, extorsão commettida por meio de violencia ou de ameaças.
23.° Abuso de assignatura em branco.
24..° Desvio ou dissipação em prejuizo do proprietario, possuidor ou detentor, de bens ou valores que não foram entregues senão a titulo de deposito ou para um trabalho assalariado (abuso de confiança).
2õ.° Bancarota fraudulenta.
26.° Receptação dos objectos obtidos por meio de um dos crimes ou delictos acima enunciados.
São comprehendidos nas qualificações precedentes a tentativa e cumplicidade, quando são puniveis pela legislação do paiz a quem é pedida a extradição.
As altas partes contratantes obrigam-se a perseguir na conformidade das suas leis os crimes e delictos commettidos pelos seus subditos contra as leis da parte adversa, desde que isto lhes seja pedido e nos casos em que estes crimes e delictos possam dar logar a extradição nos termos da presente convenção. O pedido acompanhado de todos os esclarecimentos necessarios, - com a demonstração evidente da culpabilidade do criminoso, deverá ser feito pela via diplomatica.
Art. II. As disposições do presente accordo não são applicaveis ás pessoas culpadas de algum crime ou delicto politico.
A pessoa que foi extraditada em rasão de um dos crimes ou delictos communs mencionados no artigo I não póde por conseguinte em caso algum ser perseguida e punida no estado, ao qual a extradição foi concedida, em rasão de um crime ou delicto politico commettido por ella antes da extradição nem em virtude de um facto connexo com similhante crime ou delicto politico, nem por qualquer outro crime ou delicto anterior que não seja o mesmo que tiver motivado a extradição.
Art. III. Os individuos accusados ou condemnados por crimes aos quaes, segundo a legislação do paiz reclamante, é. applicavel a pena de morte, não serão entregues senão com, a condição de que não lhes será infligida a dita pena.
Art. IV. A extradição não terá logar:.
1.° No caso de um crime ou de um delicto commettido n'um terceiro paiz. quando o pedido de extradição for feito pelo governo d'esse paiz;
2.° Quando o pedido de extradição for motivado pelo mesmo crime ou delicto pelo qual o individuo reclamado tiver sido julgado- no paiz ao qual foi feito o pedido e pelo crime por que foi condemnado, absolvido ou despronunciado;
3.° Se a prescripção da acção ou da pena se tiver verificado pelas leis do paiz a que tiver sido pedida a extradição antes da prisão do individuo reclamado, ou se. a prisão não tiver sido effectuada antes de elle ter sido citado perante o tribunal para ser ouvido;
4.° Quando a pena pronunciada contra o condemnado ou o maximum da pena applicavel ao facto incriminado segundo a legislação das altas partes contratantes não excederem um anno de prisão.
Art. V. Se o individuo estiver processado ou condemnado no paiz em que se tiver refugiado por um crime ou delicto commettido n'este mesmo paiz, a sua extradição poderá ser adiada até que o processo haja sido abandonado, que elle seja despronunciado ou absolvido, ou que tenha cumprido a pena.
Art. VI. Quando o accusado ou condemnado cuja extradição for pedida por uma - das partes contratantes, em conformidade com a presente convenção, for igualmente reclamado por outro ou por outros governos com as quaes tiverem sido concluidas convenções d'esta natureza por causa de crimes commettidos nos territorios respectivos, será entregue ao governo em cujo territorio houver commettido o crime mais grave, e no caso em que os crimes tiverem igual gravidade será entregue ao governo que primeiro tiver feito o pedido de extradição.
Art. VII. Os compromissos dos culpados para com particulares não poderão suspender a extradição, salvo á parte lesada o fazer valer os seus direitos perante a auctoridade competente.
Art. VIII. A extradição será pedida pela via diplomatica e não será concedida senão em vista da apresentação do original ou de uma expedição authentica, quer de uma sentença de condemnação, quer de um despacho de pronuncia, de um mandado de captura ou de qualquer outro documento equivalente expedido pela auctoridade competente, nas fórmas prescriptas pela legislação do paiz que fiz o pedido, e indicando o crime ou o delicto de que se trata, assim como a disposição penal que lhe é applicavel.
Art. IX. Se no decurso de tres mezes, a contar do dia em que o. culpado, o accusado ou o condemnado tiver sido posto á sua disposição, o agente diplomatico que o reclamou o não tiver feito partir para o paiz reclamante, será posto em liberdade e não poderá ser preso novamente pelo mesmo motivo.
Art. X. Os objectos roubados, achados- em poder do criminoso, os instrumentos e os utensilios de que elle se tiver servido para commetter o crime, assim como quaesquer outros instrumentos de prova, serão entregues em todo o caso, quer a extradição se venha a realisar, quer se não possa effectuar em consequencia da morte ou da fuga do culpado. Os direitos de terceiro a estes mesmos objectos serão reservados, e terminado o processo serão os objectos restituidos sem despezas.
Art. XI. Nos casos de urgencia, o estrangeiro poderá ser preso provisoriamente em qualquer dos dois paizes mediante um simples aviso transmittido pelo correio ou pelo telegrapho da existencia de um mandado de captura com a condição de que este aviso será regularmente dado pela via diplomatica ao ministerio dos negocios estrangeiros do paiz em que o indiciado se tiver refugiado. O estrangeiro preso provisoriamente ou mantido em estado de prisão, nos termos do presente artigo, será posto em liberdade se durante cinco semanas, desde a sua captura, não receber notificação dos documentos que nos termos da presente convenção poderão dar logar ao pedido de extradicção.
Art. XII. Se no seguimento de uma causa criminal não politica forem julgados necessarios os depoimentos de testemunhas domiciliadas no territorio do outro estado, será enviada para este effeito, pela via diplomatica, uma carta rogatoria a que se dará seguimento, na conformidade das
Página 435
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887 435
leis do paiz em que as testemunhas deverem ser interrogadas.
Toda a carta rogatoria que tiver por fim pedir uma audição de testemunhas deverá ser acompanhada de uma traducção franceza.
Os dois governos renunciam a toda a reclamação relativa ao reembolso das despezas occasionadas pela execução das ditas requisições a menos que se trate de exames! de peritos criminaes, commerciaes, medicos e outros.
Art. XIII. Se n'uma causa penal não politica for necessaria a comparencia pessoal de uma testemunha no outro paiz, o seu governo propor-lhe-ha que acceda ao convite que lhe for feito e no caso de consentimento deverá; ser reembolsado, pelo estado interessado na comparencia; da testemunha, das despezas de viagens e de permanencia segundo os regulamentos e as tarifas do paiz em que; tiver de fazer os seus depoimentos. Nenhuma testemunha,; qualquer que seja a sua nacionalidade, que, citada n'um dos dois paizes, comparecer voluntariamente perante os juizes do outro paiz, poderá ser ali perseguida ou detida por factos e condemnações criminaes anteriores nem sob pretexto de cumplicidade nos factos que fazem objecto do processo em que ella figurar como testemunha.
Art. XIV. O transito atravez do territorio de uma das partes contratantes de um individuo entregue por uma terceira potencia á outra parte e não pertencente ao paiz de transito será concedido mediante a simples apresentação em original ou em expedição authentica de um dos actos do processo mencionados no artigo VII, comtanto que o facto que servir de base á extradição esteja comprehendido na presente convenção e não entre nas previsões dos artigos II e III e que o transporte tenha logar quanto á escolta com o concurso de funccionarios do paiz que auctorisou o transito no seu territorio.
Art. XV. Os governos respectivos renunciam de uma e de outra parte a toda a reclamação para as despezas de sustento, transporte e outras que poderiam resultar, nos limites dos seus territorios respectivos, da extradição dos réus accusados ou condemnados, assim como das que resultam da remessa e da restituição dos instrumentos de prova ou dos documentos.
No caso em que o transporte por mar fosse julgado preferivel, o individuo cuja extradição tiver logar será conduzido ao porto do paiz reclamado que for designado pelo agente diplomatico ou consular do governo reclamante, á custa do qual será embarcado.
Art. XVI. Os dois governos communicar-se-hão pela via diplomatica as sentenças dos seus tribunaes que condemnarem os subditos do estado estrangeiro por crime ou delicto.
Art. XVII. A presente convenção só será posta em vigor a datar do vigésimo dia depois da sua promulgação, nas fórmas prescriptas pelas leis dos dois paizes.
Nas possessões asiáticas do imperio da Russia a convenção não entrará em vigor senão seis mezes depois da promulgação.
Continuará a vigorar até seis mezes depois de declaração contraria da parte de um dos dois governos.
Será ratificada e as ratificações serão trocadas em Lisboa logo que for possivel.
Em fé de que os plenipotenciarios assignaram a presente convenção e lhe pozeram o sêllo das suas armas.
Feita em Lisboa, em duplicado, em 10 de abril do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1887.= (L. S.) Sarros Gomes. = (L. S.) N.º de Fonton.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 12 de maio de 1887. = A. de Ornellas.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Presidente: - Agora vae ler-se o parecer n.º 52.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
PARECER N.° 52
Senhores. - A vossa commissão dos negocios externos, havendo tomado conhecimento da convenção consular, assignada em Berne aos 27 de agosto de 1883, entre Portugal e a Suissa, a que se refere o projecto de lei n.° 5, vindo da camara dos senhores deputados, entende que deve ella merecer a vossa approvação, para subir á sancção regia, a fim de se proceder sem maior demora á troca das respectivas ratificações.
Sala da commissão, em 8 de junho de 1887. = Carlos Bento da Silva = Marquez de Rio Maior = J. V. Barbosa du Bocage = A. de Serpa = A. Costa Lobo = Ornellas = Visconde de Borges de Castro, relator.
Projecto de lei n.° 5
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção consular assignada em Berne aos 27 de agosto de 1883.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 7 de junho de 1887. = Francisco de Barros Coelho e Campos, vice-presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado vice-secretario.
Convenção consular celebrada entre o governo da republica helvética e o governo portuguez
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e o conselho federal da confederação suissa, animados do desejo de determinar com precisão os direitos, privilegios e immunidades reciprocas dos agentes consulares, bem como as suas funcções e as obrigações ás quaes estarão sujeitos nos dois paizes, resolveram concluir uma convenção consular e nomearam por seus plenipotenciarios, a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves: o sr. conde de S. Miguel, official mór da sua real casa, cavalleiro da antiga e muito nobre ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, commendador de diversas ordens estrangeiras, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto do alto conselho federal suisso, e
O conselho federal da confederação suissa o sr. Luiz Ruchonnet, presidente da confederação e chefe do departamento politico, os quaes, tendo trocado os seus respectivos plenos poderes, que acharam em boa e devida fórma, convieram nos artigos seguintes:
Artigo 1.° Cada uma das altas partes contratantes terá a faculdade de estabelecer um consul geral, cônsules, e vice-consules nas cidades, portos e localidades do territorio da outra parte.
Os ditos agentes serão reciprocamente admittidos e reconhecidos, apresentando as suas nomeações segundo as regras e formalidades estabelecidas nos paizes respectivos.
O exequatur necessario para o livre exercicio de. suas funcções lhes será concedido sem despezas, e em vista do dito exequatur a auctoridade superior do logar da sua residencia tomará immediatamente as medidas necessarias para que elles possam desempenhar os deveres do seu cargo, e que sejam admittidos ao goso das isenções, prerogativas, immunidades, honras e privilegios que lhes são inherentes.
As duas altas partes contratantes reservam-se .todavia o direito de determinar; as residencias, onde não lhes convier admittir funccionarios consulares, mas fica bem entendido que a este respeito, os dois governos não se opporão respectivamente restricção alguma que não seja commum, no seu paiz, a todas as outras nações.
O governo que concedeu o exequatur terá a faculdade de o retirar, indicando os motivos pelos quaes julga conveniente fazel-o.
Página 436
436 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Art. 2.° No caso de um funccionario consular exercer um commercio ou uma industria qualquer, ficará sujeito, no que diz respeito ao seu commercio ou á sua industria, ás mesmas leis e usos a que estiverem sujeitos, no mesmo logar, no que disser respeito ao seu commercio ou á sua industria os subditos e os cônsules negociantes, se os houver, da nação mais favorecida.
Alem d'isso fica entendido que, quando uma das altas partes contratantes escolher para seu consul geral, consul ou vice-consul n'uma cidade, porto ou localidade da outra parte um subdito d'esta, o dito funccionario consular continuará a ser considerado como subdito do estado ao qual elle pertence, e estará, por conseguinte, sujeito ás leis e! regulamentos, que regem os nacionaes no logar da sua residencia, sem que comtudo esta obrigação possa estorvar em cousa alguma o exercicio das suas funcções, nem offender a inviolabilidade dos archivos consulares.
Art. 3.° O consul geral e os consules e vice-consnles do reino de Portugal na Suissa e reciprocamente o consul geral, os cônsules e vice-consules da confederação suissa; em Portugal poderão collocar por cima da porta exterior! do consulado geral, consulado ou vice-consulado o escudo das armas da sua nação com a inscripção: consulado geral, consulado ou vice-consulado de ...
Poderão igualmente arvorar a bandeira do seu paiz sobre a casa consular nos dias de solemnidades publicas, assim como em outras circumstancias de uso.
Fica bem entendido que estes signaes exteriores nunca poderão ser interpretados como constituindo um direito de asylo, mas que servirão antes de tudo a designar aos nacionaes a habitação consular.
Art. 4.° Os funccionarios consulares, que não são subditos do paiz no qual residem, não poderão ser intimados a comparecer como testemunhas perante os tribunaes.
Quando a justiça local tiver necessidade de colher junto d'elles alguma declaração juridica, deverá transportar-se ao seu domicilio para a receber de viva voz, ou delegar para esse fim um funccionario competente, ou pedir-lhes a declaração por escripto.
Art. 5.° Os archivos consulares serão inviolaveis, e as auctoridades locaes não poderão, sob pretexto algum, e em caso algum revistar nem apprehender os papeis que fizerem parte d'esses archivos.
Estes papeis deverão sempre estar completamente separados dos livros e papeis relativos ao commercio ou á industria, que possam exercer o consul geral, os consules ou vice-consules respectivos.
Art. 6.° Quando um funccionario consular fallecer sem deixar na sua localidade substituto designado, a auctoridade local procederá immediatamente á apposição dos sei-los nos archivos, em presença de um agente consular de uma nação amiga e de dois subditos do paiz do cônsul defunto, ou na falta d'estes ultimos, de dois notaveis da localidade.
O processo verbal d'esta operação será lavrado em duplicado, e um dos dois exemplares será transmittido ao cônsul geral da nação do defunto, ou na falta do cônsul geral ao funccionario consular mais proximo.
O acto de levantar os sellos effectuar-se-ha para a entrega dos archivos ao novo funccionario consular em presença da auctoridade local e das pessoas, que, tendo assistido á apposição dos ditos sellos, habitarem ainda a localidade.
Art. 7.° Os funccionarios consulares dos dois paizes terão o direito de receber nas suas chancellarias, e no domicilio das partes interessadas, todas as declarações e outros actos de jurisdicção voluntaria que precisarem fazer os negociantes e outros subditos do seu estado.
Serão, igualmente, auctorisados a receberem na qualidade de tabelliães, as disposições testamentarias, dos seus nacionaes.
Terão alem d'isso o direito de lavrar, na mesma qualidade, nas suas chancellarias todos os actos convencionaes entre os seus nacionaes e outras pessoas do paiz no qual residem, e, do mesmo modo, todos os actos convencionaes concernentes unicamente a subditos deste ultimo paiz, comtanto, bem entendido, que estes actos tenham relação com bens situados ou com negocios a tratar no territorio da nação que represente o funccionario consular perante o qual elles forem lavrados.
As copias ou extractos d'estes actos devidamente legalisados pelos ditos funccionarios e sellados com o sêllo consular farão fé tanto em justiça, como fóra, seja em Portugal seja na Suissa, pelo mesmo titulo que os originaes, e terão a mesma força e valor que se tivessem sido lavrados perante um tabellião ou um outro official publico de um ou de outro paiz, comtanto que estes actos tenham sido redigidos nas formas exigidas pelas leis do estado, ao qual pertencem os funccionarios consulares, e que tenham sido depois sujeitos ao sêllo e ao registo, assim como a todas as outras formalidades que o regem a materia no paiz em que o acto deverá receber a sua execução.
Os funccionarios consulares respectivos poderão traduzir e legalisar toda a especie de documentos emanados das auctoridades ou funccionarios do seu paiz, e estas traducções terão no paiz da sua residencia a mesma força e valor que se tivessem sido feitas por interpretes ajuramentados.
Art. 8.° Quando um portuguez fallecer ha Suissa não deixando herdeiros conhecidos nem executores testamentarios, as auctoridades suissas darão aviso ao funccionario consular portuguez no districto do qual occorrer o fallecimento, a fim que elle transmitia aos interessados ás informações necessarias.
O mesmo aviso será dado pelas auctoridades competentes portuguezas aos funccionarios consulares suissos, quando um suisso fallecer em Portugal sem deixar herdeiros conhecidos nem executores testamentarios.
As auctoridades competentes do logar do fallecimento são obrigadas a tomar, com respeito aos bens moveis ou immoveis do defunto, todas as medidas conservatorias que a legislação do paiz prescreve para a successão dos nacionaes.
Art. 9.° Os, funccionarios consulares portuguezes na Suissa e os funccionarios consulares suissos; em Portugal gosarão, a cargo de reciprocidade, de todos os poderes, attribuições, prerogativas, isenções e immunidades de que gosam ou gosarem no futuro, os funccionarios consulares do mesmo grau da nação mais favorecida.
Art. 10.° Em caso de impedimento, de ausencia ou de fallecimento do consul geral, dos cônsules ou vice-consules, os chancelleres ou secretarios que tiverem sido apresentados anteriormente na dita qualidade ás respectivas auctoridades serão admittidos, de pleno direito, a exercer interinamente as funcções consulares e elles gosarão, durante este tempo, das isenções e privilegios que lhes são conferidos pelo presente tratado.
Art. 11.° O cônsul geral, os cônsules e os vice-consules dos dois paizes poderão, no exercicio dos poderes que lhes forem attribuidos, dirigir-se ás auctoridades de suas circumscripções para reclamarem contra toda a infracção aos tratados ou convenções existentes entre os dois paizes e contra todo o abuso de que os seus nacionaes tiverem a queixar-se.
Na falta de um agente diplomatico do seu paiz, poderão mesmo recorrer ao governo do estado no qual elles residem.
Art. 12.° A presente convenção será ratificada o mais breve que seja possivel.
Será executoria a datar do vigésimo dia depois da troca das ratificações.
Ficará em vigor até á expiração de um anno a contar do dia em que uma ou outra das duas altas partes contratantes a houver denunciado.
Página 437
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1887 437
Em fé do que, os respectivos plenipotenciarios a assignaram e lhe pozeram o sêllo das suas armas.
Feita em Berne, em duplicado, a 27 de agosto de 1883.= (L. S.) Conde de 8. Miguel = (L. S.) L. Ruchonnet.
Está conforme. - Direcção dos consulados e dos negocios commerciaes, em 20 de abril de 1887. = Eduardo Montufar Barreiros.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Desejava, sr. presidente, chamar a attenção de v. exa. para uma inexactidão que se encontra no extracto da sessão de hontem, publicado em varias folhas da capital.
N'esse extracto diz-se que o governo acceitára a moção do digno par o sr. Miguel Osorio, quando é certo que eu apenas declarei não ter duvida em fazer chegar ao conhecimento de Sua Santidade os sentimentos d'esta camara relativamente á situação em que ficaram es christandades de Ceylão, pela concordata celebrada entre a Santa Sé e Portugal.
Por varias vezes, sr. presidente, eu observei de uma maneira clara e terminante, e pareceu-me ter conseguido ser comprehendido por todos, que não iniciava negociações novas porque o não podia fazer, e que no caso da moção do digno par ser approvada, acataria o voto da camara, mas que me limitaria a leval-o, por intermedio do nuncio n'esta côrte, ao conhecimento do Santo Padre, sem de qualquer fórma o apoiar.
Foi isto unica e exclusivamente o que eu disse.
N'estas circumstancias, foi grande a minha surpresa quando vi completamente alterado o sentido das minhas palavras.
Como reputo muito importante a minha declaração, a camara comprehende que eu não poderia deixar de fazer esta rectificação.
Agora, permitta-me v. exa., que eu, aproveitando o estar com a palavra, mande para a mesa, em nome do meu collega das obras publicas, uma proposta para que possa accumular as funcções de par, com as que exerce dependentes d'aquelle ministerio, o digno par o sr. Candido de Moraes.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Acerca das observações feitas por v. exa. relativamente aos extractos publicados nos jornaes, devo declarar que a camara não tem responsabilidade alguma por qualquer inexactidão que appareça n'esses extratos, que não são officiaes.
Agora vae ler se a proposta mandada para a mesa pelo o sr. ministro dos negocios estrangeiros em nome do sr. ministro das obras publicas.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Proposta
Na conformidade do artigo 3.° do acto adicional, tenho a honra de pedir á camara dos dignos pares do reino que permitia possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do serviço publico que exerce no ministerio das obras publicas commercio e industria, o digno par do reino João Candido de Moraes.
Ministerio das obras publicas commercio e industria, em 11 de junho de 1887. = Emygdio Julio Navarro.
Foi approvada.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu deixei de fallar sobre um assumpto importante para o qual desejava chamar a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros; e deixei de fallar para que se entrasse na ordem do dia a fim de serem discutidos os projectos que ha pouco tempo foram votados na camara, isto por deferencia para com v. exa. e para que se não suppozesse que eu era obstrucionista.
Eu peço, pois, ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que tenha a bondade de vir aqui na primeira sessão, porque desejo fazer a s. exa. algumas perguntas com relação a um assumpto importante.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para agradecer em nome do governo ao digno par o sr. Vaz Preto, o não ter s. exa. feito observações que desejava fazer para não impedir a discussão e approvação dos projectos de lei que ha pouco foram votados por esta camara.
Com relação ao desejo que o digno par manifesta de interrogar o governo ácerca de assumptos de interesse publico, e que dizem respeito ás duas pastas que tenho a honra de gerir, declaro a s. exa. que na proxima sessão ouvirei as perguntas do digno par, e responderei tanto quanto me seja possivel.
(Sua exa. não reviu.)
O sr. Presidente:- A proxima sessão terá logar na terça feira 14 do corrente, sendo a ordem do dia a discussão dos pareceres n.os 53 e 54.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e dez minutos da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 11 de junho de 1887
Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; marquez de Vallada; condes, de Alte, de Campo Bello, de Castro, de Paraty, da Folgoza, do Bomfim, de Gouveia; Bispo de Bethsaida, viscondes, da Azarujinha, de Benalcanfor, de Bivar, de Borges de Castro, de Carnide; Adriano Machado, Aguiar, Sá, Brandão, Antunes Guerreiro, Couto Monteiro, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Senna, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Testa, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Cardoso de Albuquerque, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Jayme Moniz, Ferreira Lapa, Holbeche, Vasco Leão, Gusmão, Bandeira Coelho, Ayres de Gouveia, Castro, Silva Amado, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Bocage, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, D. Miguel Coutinho, M. Osorio Cabral, Serra e Moura, Raposo do Amaral, Melicio.
Redactor: - Alberto Pimentel.