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N.º 29

SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Conde de Lagoaça

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. Jayme Moniz manda para a mesa um requerimento, pedindo documentos.

Ordem do dia. - A requerimento do sr. Luiz de Lencastre é prorogada a sessão até se votar o orçamento rectificado e a lei do meios.- Usam da palavra os sr. Camara Leme, presidente do conselho e Barros Gomes. - O sr. Ornellas apresenta o parecer da primeira commissão de verificação de poderes sobre a eleição do sr. Joaquim Antonio de Calça e Pina pelo collegio districtal da Horta. - o sr. Jeronymo Pimentel apresenta o parecer sobre o projecto do bill. - Continuando a discussão da ordem do dia, usam da palavra os srs. Moraes Carvalho (relator), visconde da Moreira de Rey, presidente do conselho, Barros Gomes, Moraes Carvalho. Marçal Pacheco, Pereira Dias, Thomás Ribeiro e José Luciano de Castro. - Os srs. Visconde de Moreira de Rey e Thomás Ribeiro retiram as suas propostas. - É votado o artigo 2.º e o 3.º do orçamento rectificado.- Lê-se o parecer sobre a lei de meios. - Usam da palavra os srs. Bernardino Machado, Moraes Carvalho, Coelho de Carvalho, presidente do conselho, Oliveira Monteiro, José Luciano de Castro, ministro da Fazenda e Bernardino Machado. - Procede-se á votação, sendo approvado o projecto. - O sr. presidente nomeia a deputação que ha de levar á assignatura real os autographos das duas leis votadas, e declarar que Sua Magestade receberá a deputação no dia seguinte pela sua hora da tarde.

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 24 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. ministro da guerra, enviando a nota pedida para aquelle ministerio pelo digno par o sr. Mendonça Cortez.

Para a secretaria.

Officio do sr. ministro da guerra, enviando a nota pedida aquelle ministerio polo digno par o sr. Sá Carneiro. Para a secretaria.

Officio do sr. ministro da guerra, enviando a nota pedida aquelle ministerio pelo digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme.

Para a secretaria.

O sr. Jayme Moniz: - Mando para a mesa um requerimento. Como tem de ser lido na mesa, dispenso-me de o ler.

O sr. Presidente:; - Vae ler-se o requerimento do digno par.

Leu-se na mesa, e é da teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que sejam enviados com urgencia a esta camara, pelo ministerio de instrucção publica e bellas artes, os seguintes documentos:

1.° Relação de todas as propostas consultadas pelo conselho superior da instrucção publica que foram decretadas pelo governo ou por elle submettidas ao poder legislativo;

2.° Copia da acta da sessão da secção permanente do mesmo conselho, de 16 de julho de 1886;

3.° Nota das representações dirigidas ao governo pelas escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, para a creação da cadeira de anatomia geral e histologia;

4.° Nota das representações endereçadas ao governo por todos os institutos de ensino medico do continente do reino, para o desdobramento da cadeira de hygiene e medicina legal;

5.° Copia de quaesquer portarias expedidas desde 1866 aos estabelecimentos de instrucção superior para o fim do os ouvir sobre a reformação do ensino que exercitam e designação das consultas dos referidos estabelecimentos;

6.° Nota de quaesquer disposições decretadas pelo governo ou de quaesquer propostas por elle apresentadas á decisão das côrtes em attenção a estas consultas;

7.° Neta de quaesquer representações, consultas ou propostas, em que o conselho do curso superior de letras, directamente ou por seus delegados ou representantes, hajam solicitado a reforma deste instituto de modo a constituir, com as actuaes cadeiras e outras que forem julgadas indispensaveis, uma escola superior onde se realise o ensino mais elevado da historia, litteratura e philosophia, e se habilitem professores para o magisterio secundario (secção de letras);

8.° Numero de alumnos matriculados em cada lyceu do continente do reino em cada anno do periodo que decorre desde 1880 a 1889. Numero de alumnos internos que em cada anno d'este periodo completaram curso.

9.° Qual a execução que se tem dado ao preceito estabelecido nos §§ 1.° e 2.° do artigo 20.° do decreto de 17 de novembro de 1884 (artigo o.° da carta de lei de 2o de maio do menino anno). = Jayme Moniz.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento rectificado

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia. Tem a palavra para um requerimento o digno par o sr. Luiz de Lencastre

O Br. Luiz de Lencastre: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que se prorogue a sessão até se votar o orçamento rectificado e a lei de meios.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Luiz de Lencastre requer que se prorogue a sessão até se votar o orçamento rectificado e a lei de meios.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. camara de Leme: - Serei muito breve no que vou dizer.

Sr. presidente, eu creio que a discussão deste projecto se tem resumido simplesmente na conjugação do verbo esbanjar.

Sr. presidente, como não quero protelar o debate, limitar-me-hei a fazer algumas considerações com relação ao

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orçamento do ministerio da guerra, e muito pouco direi a respeito dos ministerios das obras publicas e marinha.

Sr. presidente, pelo estudo que fiz do assumpto, que é da minha especialidade, vi, pela nota que tomei, que a despeza extraordinaria no ministerio da guerra monta a 520:169$222 réis, e que deduzida a da tabella de 19 de julho de 1889 fica a differença do orçamento em 232:169$222 réis

Esta verba, sr. presidente, não podia deixar de me causar um certo espanto e admiração, principalmente depois de ter lido uma certa ordem de estudos publicados em diversos jornaes e na Gazeta de Portugal.

(Mostrando um documento.}

N'este escripto o actual sr. ministro da guerra entrando na apreciação do orçamento dos differentes ministerios, referiu-se ao orçamento do ministerio da guerra de então dizendo que a despeza ordinaria foi no periodo de nove annos a seguinte:

"No ministerio da guerra a despeza ordinaria do serviço foi a seguinte, no periodo dos nove annos a que nos temos referido, em réis:

1877-1878 4.488:000$000
1878-1879 4.558:000$000
1879-1880 4.357:000$000
1880-1881 4 300:000$000
1881-1882 4.607:000$000
1882-1883 4.519:000$000
1883-1884 4.604:000$000
1884-1885 4.779:000$000
1885-1886 5.017:000$000

"Augmento medio annual durante este periodo réis 66:000$000.

"Vejamos agora o augmento nos ultimos dois annos. No de 1886-1887 o orçamento rectificado descreve a despeza de 4.987:000$000 réis. Juntando-lhe a da repartição de contabilidade, que agora figura no ministerio da fazenda, na importancia de 15:000$000 réis, temos 5.002:000$000 réis.

"Mas, no exercicio corrente de 1887-1888, o orçamento rectificado do ministerio da guerra auctorisa a despeza de 4.698:000$000 réis. Juntando a esta somma, como acima, a despeza da sua repartição de contabilidade, na importancia de 15:000$000 réis, e alem d'isso a despeza das classes inactivas militares, que passaram a ser pagas pelo banco emissor, na importancia de 648:000$000 réis, temos 5.361:000$000 réis. Logo, augmentou em dois annos réis 344:000$300, que corresponde ao augmento annual de 172:000$000 réis, em vez do augmento de 66:000$000 réis, como tinha sido, em termo medio, no anterior periodo de nove annos."

Como a camara vê, conclue dizendo que em dois annos a despeza augmentou em 344:000$000 réis, quer dizer, o meu amigo o sr. Serpa provou exuberantemente que a media do augmento no ministerio da guerra nos nove annos foi de 66:000$000 réis, e que durante o ministerio progressista essa media subiu a 172:000$000 réis.

Ora, eu abrindo o orçamento rectificado, vejo que n'estes poucos mezes da gerencia do actual ministerio da guerra a despeza augmentou em 332:000$000 réis. Eu bem sei que este augmento não pertence todo á responsabilidade do sr. ministro da guerra; mas uma grande parte d'esse é devido ás reformas e promoções que se fizeram ultimamente. Não condemno de modo algum, as reformas que são justificadas por qualquer necessidade de serviço publico. Mas o que lamento, sr. presidente, e que a camara comprehende, é que das reformas resultam muitas promoções, e d'estas grande augmento de despeza.

Por exemplo, no corpo de estado maior foi promovido um general de divisão que estava no quadro, pois em virtude d'esta promoção houve mais seis generaes que foram promovidos e que estavam fóra do quadro.

Por isto se vê que uma reforma deu logar não a uma só promoção, mas sim a seis promoções, duas de generaes de divisão e quatro do generaes de brigada que estavam fóra do quadro, por isso a camara comprehende o grande augmento de despeza que d'este systema resulta.

Ora eu, sr. presidente, lamento este systema de reformas, que são muitas vezes injustiças.

A camara ha de estar lembrada de que eu ainda na sessão passada apresentei aqui o exemplo de una official que tinha sido reformado violentamente, vendo-se prejudicado nos seus interesses e direitos, requerer a convocação de uma junta de medicos civis, os quaes passaram um attestado, que apresentei á camara e mandei ao sr. ministro da guerra, que geria a pasta n'essa occasião, e que eu sinto não ver presente, em que declaravam, e entre elles um, que é dos mais distinctos e que era assistente que o sr. general Correia de Moraes não tinha nenhuma das molestias de que faz menção a tabella.

Em virtude d'este e outros exemplos é que eu lamento que no ministerio da guerra não tenham em vista as boas praticas com relação ás reformas dos officiaes do exercito. E eu posso apresentar roais exemplos á camara, e estou convencido de que, se o illustre ministro da guerra estabelecesse um principio de economia que se seguia ha vinte annos, em virtude do qual os officiaes do exercito eram inspeccionados antes de serem promovidos, o contrario do que succede agora, evitaria uma despeza injustificavel e importante.

Comprehende a camara que disto resulta um grande augmento de despeza. N'aquella epocha o ministro que geria a pasta da guerra, cujo nome não quero declarar á camara, para proteger certo official, suspendeu, por um aviso do ministerio da guerra, as inspecções de saude antes da promoção, e ficaram suspensas desde então para cá. Veja a camara que despeza tem resultado d'isto. Se os officiaes antes de promovidos fossem inspeccionados, como se faz em toda a parte, não seria tão grande a verba para os officiaes reformados.

Sr. presidente, eu taco inteira justiça ás intenções do sr. ministro da guerra.

Estou intimamente convencido de que o sr. ministro da guerra não queria ser injusto; mas o facto é que em relação a dois membros d'esta camara se deram injustiças relativas.

O sr. José Paulino maguou-se por ter sido reformado. Antes de entrar em mais largas considerações, permitta-me o meu illustre collega e camarada que lhe diga que s. exa. com rasão se maguou por esse acto, mas não concordo com a apreciação que fez a respeito do caracter do sr. Serpa, caracter muito bondoso e incapaz de proceder com intenções menos nobres.

Com toda a franqueza devo dizer ao digno par que ou, sendo ministro da guerra, não constrangia s. exa. a reformar se, mas tambem não lhe conservava o commando; e dou a rasão: porque a idade avançada nos inhibe muitas vezes de desempenhar as funcções militares com o rigor que é necessario, e por isso eu mesmo, para bom de s. exa., para evitar que um official tão distincto e que tão assignalados serviços prestou á nação, podesse em qualquer reunião de tropas, ser menos considerado por aquelles que ignorassem os seus valiosos serviços, eu mesmo, pelo principio de economia, teria convencido o digno par da conveniencia de acceitar uma commissão mais sedentaria, onde podia fazer importantes serviço?, como, por exemplo, uma que me lembra açora de repente, no tribunal superior de guerra e marinha.

S. exa. tem rasão de se queixar da injustiça relativa, porque n'esta camara ha, como disse, dois illustres generaes que podiam ser reformados e nenhum d'elles me consta que fosse chamado ajunta. Deu-se como rasão que um

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D'estes generaes, que nos merece a todos nós a maior estima e respeito pelo seu caracter, está em serviço no ministerio das obras publicas.

Eu entendo que num official general o que ha a exigir como primeira condição é a capacidade physica para poder commandar tropa. A circumstancia de estar em serviço de qualquer outro ministerio não obsta a que se considere que a sua principal obrigação é o que tem a cumprir como militar.

Em relação ao outro general a que me refiro, tambem não me consta que fosse reformado.

Sobre esta injustiça relativa, que de certo o sr. ministro não praticou de modo nenhum com intuitos menos nobres, é que eu acho que o meu amigo e camarada tinha rasão para fazer alguns reparos.

Com todos os illustres generaes que fizeram as campanhas da liberdade e que n'ellas foram feridos, teria eu todas as contemplações possiveis. São poucos os que restam e que vêem desgraçadamente rasgar tantas vezes a carta, pela implantação da qual se bateram.

O sr. Fontes teve sempre uma grande veneração por todos os generaes que entraram nas campanhas da liberdade. S. exa. até consentia que esses illustres generaes commandassem de cama as divisões, tendo assim em contemplação os seus altos serviços e um d'elles foi o sr. conde de Torres Novas, a quem apesar de impossibilitado de commandar, não foi retirado o commando.

Ora eu apresentei estas considerações á camara para demonstrar que a verba de 332:000$000 réis, em grande parte, na quasi totalidade, foi absorvida n'estas despezas, que eu não julgo muito efficazes, porque comprehendo perfeitamente que o illustre ministro da guerra quizesse fazer um bom serviço ao paiz, mas com este systema, sabe v. exa. o que aconteceu? Os elementos que entraram agora, foram peiores do que os que saíram, e eu vou dar mais um exemplo á camara para corroborar o que affirmo.

Um illustre general que foi reformado tambem, o sr. Cordeiro, commandante geral de artilheria, official muito distincto, de avançada idade é verdade, mas ainda muito vigoroso, a ponto de ser elle sempre o primeiro a entrar na repartição e o ultimo a sair, é um militar muito instruido naquella especialidade, como não é facil encontrar outro, e podia portanto ser conservado no commando geral de artilheria, onde podia prestar ainda, por mais tempo, importantes serviços ao seu paiz.

Por conseguinte, sr. presidente, eu o que desejaria era que se fizesse melhor applicação das verbas importantes do ministerio da guerra, porque esta despeza dos 332:000$000 réis, sabe v. exa. a que corresponde? A 6:000 ou 7:000 homens no exercito, e eu desejaria que o que se gasta a mais com officiaes, se gastasse com soldados, porque d'isso se tiraria muito maiores vantagens para a nação.

Se o sr. ministro comparar o orçamento do ministerio da guerra actual, com o orçamento, por exemplo, de 1852, em que a força do exercito não era menor do que a actual, constituida com elementos melhores, porque eram officiaes que se tinham batido no Porto e podiam fazer importantes serviços num caso grave, verá que no orçamento d'esse anno a despeza com relação ao ministerio da guerra, era apenas de 2.500:000$000 réis, menos metade do que se gasta actualmente! E se v. exa. comparar a força do exercito de então com a de agora, verá que era equivalente com outra disciplina e outra instrucção, com outros generaes e outros coroneis.

Se v. exa. então comparar este orçamento com o da Belgica, da Suissa e da Roumania, e já que fallo da Roumania lembrarei ao sr. ministro que tome por modelo esta bella organisação, verá que a Suissa gasta pouco mais de réis 3.000:000$000 e póde amanha mobilisar mais de 100:000 com mais de 300 bôcas de fogo.

Qual a rasão por que Portugal gasta mais do dobro? E eu digo agora á camara que, fazendo uma organisação conveniente, com todos estes desperdicios, o orçamento do ministerio da guerra ha de attingir a perto de 6.000:000$000 réis e chamo a attenção do sr. ministro da fazenda para este ponto, e já que me refiro a s. exa., tenho muito gosto em declarar n'esta occasião, que sou um admirador do seu talento, que apreciei o seu bello relatorio e que approvo muito a sua intenção de entrar francamente no caminho da economia, comquanto eu entenda que ha serviços que não estão excessivamente dotados e que n'esses, embora se não podesse gastar mais, o que conviria era que ao menos se aproveitasse o que se gasta.

Não se tem, porém, encaminhado as cousas para esse resultado. Nós vimos que quando o espirito publico se compenetrou da necessidade de se prover efficazmente á defeza do paiz, o sr. presidente do conselho escolhia para a gerencia da pasta da guerra um general de quem eu sou amigo particular, que é um distincto cavalheiro e um valente militar, mas que se achava afastado da nossa vida politica e parlamentar e de mais a mais muito longe de Lisboa, a mais de 2:000 leguas de distancia. Fez isto o sr. Serpa em vez de procurar no seu partido a maior summidade militar que podesse encontrar.

Fez s. exa. isto? Não, dando-se umas circumstancias tão urgentes e excepcionaes, foi procurar um cavalheiro que gastaria dois mezes para chegar a Portugal.

O que digo em relação á pasta da guerra, digo-o relativamente á pasta da marinha. Para esta escolheu s. exa. outro cavalheiro de certo muito intelligentissimo, mas que sem duvida não tinha dirigido os seus estudos de molde a poder-se consideral-o habilitado para a gerencia d'essa pasta.

O que aconteceu quanto a este?

Foi não poder elle navegar por entre os escolhos da pasta da marinha e ter de ir fundear no ministerio da instrucção publica, na rua larga de S. Roque.

Alem disso s. exa. teve de ficar gerindo a pasta da guerra e entendeu dever prolongar a sua gerencia d'essa pasta. Ora, eu não contesto competencia ao Serpa para gerir essa pasta. Mas tendo s. exa. como presidente do conselho de dirigir a politica do gabinete e tendo a seu cargo os importantes serviços subordinados á pasta do reino, terá tempo para convenientemente se occupar nos negocios da guerra?

Creio que não.

O que acontece é nós verdadeiramente estarmos sem ministro da guerra.

Eu vou ser muito breve.

Em relação ao ministerio da guerra fiz estas simples considerações, com referencia á defeza do paiz e teria a fazer muitas mais mas não o faço n'esta occasião e reservo-me para quando se dicutir o bill de indemnidade e então desenvolver mais as considerações.

Agora permitta-me a camara que eu tambem de passagem me refira ao orçamento do ministerio das obras publicas para o qual o sr. José Luciano de Castro chamou a attenção do sr. ministro da fazenda, a respeito das grandes verbas que estavam consignadas no orçamento rectificado d'esse ministerio.

S. exa., hontem, referindo-se aqui a orçamentos de estradas que se tinham mandado suspender pelo sr. ministro das obras publicas, e eu n'este ponto acho que o sr. ministro das obras publicas andou perfeitamente, s. exa. referiu-se aqui a uma estrada de Braga a Chaves, estrada de que eu tenho algum conhecimento, e não sei se a camara se recorda de eu, haverá talvez dois annos, aqui no parlamento, ter pedido a consulta da junta consultiva de obras publicas e minas a respeito do orçamento d'essa estrada por me constar de um desperdicio que se ia fazer, para não lhe chamar outra cousa.

Pretendia-se approvar o orçamento d'esta estrada, e, como a camara sabe, os orçamentos são sempre calculados

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pela natureza dos terrenos, e n'este orçamento figurava o terreno como quasi todo pedrogoso.

Ora, a camara sabe que o preço da construcção por cada metro quadrado em terreno pedrogoso custa muito mais caro, e neste orçamento era calculado o preço como se o terreno fosse todo pedrogoso, de maneira que só concluia d'aqui que na provincia de Traz os Montes não se podia, senão com enorme dispendio, construir uma estrada.

Eu pedi este documento mas nunca me foi enviada nem será.

Sr. presidente, hontem dizia o sr. ministro da fazenda, e dizia remito bem, ao sr. José Luciano de Castro: "Pergunte s. exa. ao sr. Eduardo José Coelho qual a rasão d'estas grandes verbas".

S, exa. dizia muito bem porque o sr. ministro da situação transacta é que póde explicar o grande augmento d'estas verbas.

Ainda ha outra, sr. presidente, e para esta tambem eu peço a attenção da camara.

Ha uma verba no orçamento rectificado que se refere ao serviços agricolas e pecuarios e ensino agricola que importa em 687:000$000 réis.

Ora, sabe v. exa. o que se diz? É que parte d'esta verba é para professores que foram engajados para esta es; ola agricola por um alto funccionario, sem nenhuma auctorisação.

Pergunto eu: este grande augmento de despesa foi feito som auctorisação? Se assim é eu direi ainda mais uma vez que o sr. ministro da fazenda teve rasão em dizer ao sr. José Luciano de Castro que peça ao sr. ministro das obras publicas da situação transacta que lhe explique a rasão do augmento d'estas verbas.

Sr. presidente, eu tambem desejaria referir-me a um outro ministerio, o ministerio do instrucção publica, mas ficará para outra occasião.

Veja v. exa. como o tempo faz justiça a todos.

Pois e o sr. José Luciano, aquelle illustre ministro que mais direito tinha de se queixar.

Devia estar mais magoado com o acontecimento politico do movimento de l9 de maio de 1870 que veiu declarará camara que aquelle ministerio tinha sido creado então sem augmento nenhum de despeza, muito modesto e que tinha recaído n'um illustre ministro.

Oxalá que esse ministerio então pudesse ter vingado porque hoje a instrucção publica estaria n'outro grau de aperfeiçoamento.

Eu estou fallando diante de um digno par que é competentissimo sobre a materia e está perfeitamente ao facto dos resultados d'esse ministerio; só não fosse a politica, elle talvez existisse ainda com grande proveito do ensino e da instrucção.

Sobre este ponto eu não quero dizer mais nada senão quando se tratar da chamada dictadura de 1870, para explicar ao digno par, o sr. Margiochi, qual é a minha responsabilidade d'essa dictadura.

O digno par o sr. Margiochi fez aqui uma allusão, e eu reservo-me para responder a s. exa. quando se discutir aqui o bill de indemnidade.

Eu desejo agora fazer uma pergunta ao sr. ministro da fazenda.

Eu disse ha dias n'esta camara que tinham partido para Africa uns poucos de cavalheiros com differentes profissões; para fazerem parte do estado maior do sr. Marianno de Carvalho, que foi nomeado commissario regio.

Eu estranhei aqui essa nomeação n'um discurso que pareceu um pouco acre, mas que não foi senão a expressão de um sentimento profundo por ver que não tinham sido respeitados os altos principios de moralidade publica.

Consta que muitos d'esses individuos vão para Africa, recebendo gratificações importantes, alguns ganhando, segundo se diz, cinco e seis libras por dias.

Eu pergunto ao meu illustre amigo; o sr. ministro da fazenda, de que verba sáe esta despeza?

(Interrupção.)

Os jornaes dizem que furam para lá alguns com quatro, cinco e seis libras por dia.

Sr. presidente, ha um ponto para que eu só de muito de passagem vou chamar a attenção do sr. ministro da fazenda.

Eu desejava que s. exa. pozesse com effeito um travão na roda dos desperdicios, mas não sei se s. exa. poderá conseguir que esse travão tenha bastante força para reprimir o movimento de roda dos esbanjamentos.

Eu quero referir-me ao que tenho visto, até certo ponto officialmente, e n'este ponto quero ser muito breve porque me reservo para o tratar quando se discutir o bill de indemnidade, porque n'essa discussão eu hei de fallar na dictadura da defeza.

S. exa. tome muito cuidado com uma verba importante para compra de navios.

Eu tenho aqui uma nota das propostas para construcção dos cruzadores, que peço licença á camara para ler.

Leu o seguinte:

Propostas para construcção de cruzadores de 20 milhas

[Ver valores de tabela na imagem]

Eu tive, sr. presidente, uma certa predilecção pelos estudos de construcção de navios de guerra, principalmente d'estes navios novos chamados cruzadores.

Não é só minha opinião, mas de muitos officiaes illustres e de engenheiros muito distinctos, que este systema de navios não é o melhor.

Vê-se que o custo dos quatro navios propostos para 20 milhas, pela offerta mais barata, seria de 23.200:00 francos, ou 1.120:000 klibras, ou 4 176:000$000 réis.

Ora, 4.176:000$000 réis dariam em resultado quatro navios de uma velocidade excepcional e até estravagante, onde cada milha a mais, desde certo limite, faz aumentar enormemente o preço.

Taes navios, sem mastros, e todos elles occupados por

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um enorme machinismo, exigem uma consideravel despeza pelo consumo de carvão e pelo pessoal de machinas, isto ao passo que não apresentam confortavel alojamento para as equipagens.

São improprios para estações navaes, pois taes velocidades, aliás tão custosas e em prejuizo de outras condições, não têem que ser aproveitadas senão excepcionalmente.

Navios da classe de cruzadores de segunda ordem, com 14 a 15 milhas de marcha, com mastreação e panno, e bons alojamentos, e de menor despeza de combustivel e de pessoal de machinas de proximamente 2:500 toneladas, custariam proximamente 100:000 libras ou 450:000$000 réis.

De sorte, que com o mesmo capital que custariam aquelles quatro, se poderiam ter dez magnificos navios de um typo equivalente ao dobro do nosso Afonso de Albuquerque, o qual custou 43:500 libras, ou proximamente réis 200:000$000.

De sorte que com 4.176:000$000 réis se poderiam adquirir dezoito ou vinte Affonsos de Albuquerque, com o que melhor ficava servida a nossa marinha do que com os taes quatro cruzadores, cujo emprego será problematico.

O Vasco da Gama custou 110:000 libras ou 500:000$000 réis proximamente.

De sorte que os 4.176:000$000 réis dariam para oito Vascos da Gama.

Em 1875 foram construidos sete navios, a saber:

Vasco da Gama £ 110:000
Rainha de Portugal e Mindello £ 125:000
Rio Lima, Tamega e Sado £ 83:000
Africa £ 47:000

Ou réis 1.642:500$000

1.642:000$000 réis sete navios, até agora sempre em serviço ha quinze annos.

Eu podia apresentar aqui o exemplo de um navio magnifico, inglez, que custou apenas 450:000$000 réis, deitando 14 a 15 milhas por hora, navio que tem taes condições nauticas que ainda ha pouco no cyclone que appareceu na America foi o unico navio que resistia.

Ora, eu pedia ao illustre ministro da fazenda, visto s. exa. estar em tão bons desejos de economias, que não deixe passar senão o que for indispensavel, e que n'esta occasião houvesse da parte de s. exa. o maior cuidado n'estas despezas, a fim de impedir que se complique o estado da fazenda publica com prejuizo de outros serviços reclamados por necessidades imperiosas das nossas colonias.

Faço apenas este pedido ao nobre ministro, e chamo a attenção de s. exa., tambem para um outro assumpto que julgo estar na mente do governo, ou não sei de quem, que é a blindagem da torre do Bugio, que não importa em menos de 3.000:000$000.

Estou ao facto d'estes assumptos e vou apresentar a s. exa. opiniões as mais auctorisadas de ha vinte annos, ácerca da utilidade da torre do Bugio pura a de f4 z a de Lisboa, e note s. exa. que se pensava isto ha vinte annos e de então para cá o progresso da arte da guerra tem attingido a perfeição, reformando quasi por completo o que tem havia.

Eu peço licença para citar a opinião de uma commissão nomeada, creio, pelo sr. marechal Saldanha para estudar este assumpto e que era composta dos seguintes cavalheiros: José Maria Baldy, Fortunato José Barreiros, Antonio de Azevedo e Cunha, Innocencio José de Sousa, Francisco Maria Pereira da Silva, Antonio Florencio Sousa Pinto, João Manuel Cordeiro, Sanches de Castro, Torcato Elias
Gomes da Costa, Thomás Quintino de Macedo, Carlos Testa.

Esta commissão deu parecer datada de abril de 1870, declara que a torre do Bugio era inaproveitavel como elemento de defeza da capital.

Era esta opinião d'aquelles distinctos officiaes, e se elles na vinte annos diziam que a torre do Bugio não podia ser aproveitada como defeza, como é que o póde ser hoje que os progressos da marinha de guerra têem sido tão grandes?

Eu ainda comprehendia que se collocasse fóra da barra junto á torre do Bugio, uma bateria fluctuante, porque isto importaria muito menos despeza do que a blindagem da mesma torre.

Nós o que devemos ter principalmente em vista é a defeza do outro lado do Tejo, defeza em que aliás julgo ninguem pensa.

Compraram-se torpedos, mas a defeza entre o Tejo e o Sado está completamente descurada.

Com os torpedos podemos defender a entrada da barra, mas se o inimigo desembarcar em Setubal, vem até á outra banda e arrasa Lisboa.

Aqui tem, pois, a camara como os taes torpedos se tornam assim inuteis para a defeza da capital.

O que eu desejava era que o governo meditasse seriamente n'um plano de defeza, e que congregasse junto a si elementos valiosos que podessem tornar esse estudo productivo.

Sr. presidente, eu não quero abusar da attenção da camara, e talvez tenha abusado mais do que eu mesmo desejava.

Vou concluir dizendo a v. exa. com a franqueza que me caracterisa, que nós não discutimos o orçamento rectificado, e sim um bill de indemnidade.

Sei que ha outro bill, e consta-me que a commissão tem já elaborado o respectivo parecer, mas o certo é que o documento que está submettido á nossa analyse é um verdadeiro bill.

Lamento que o orçamento rectificado viesse á ultima hora, mas julgo intencional o procedimento dos srs. ministros com o fim de evitarem a discussão larga que devia recair sobre um assumpto de tanta magnitude.

Para que nós não discutamos este documento com a precisa largueza, invoca-se a proxima terminação do anno economico, allega-se que é necessario não proporcionar ensejo ao governo para uma nova dictadura, e assim, sr. presidente, eu direi com a rude franqueza de soldado que estas contas me parecem as que vulgarmente se chamam de gran capitão.

Voto, pois, o orçamento, em presença das circumstancias que expuz á camara, e tenho concluido.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.}

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Do que se trata é do orçamento rectificado.

Sr. presidente, respondendo ao digno par que acaba de foliar, a minha resposta referir-se-ha exclusivamente aos pontos em que s. exa. tratou do orçamento rectificado, e serei o mais breve possivel nas minhas considerações.

Começou s. exa. por censurar o augmento de 332:000$000 réis que nota no orçamento rectificado. "

Ora eu peço licença para dizer e repelir o que já por mais de uma vez tenho dito, de que vale mais gastar 5.300:000$000 réis com o exercito e ter exercito do que gastar 5.000:000$000 réis e não o ter.

É preciso, porem, notar uma cousa, é que este augmento não é todo da responsabilidade do actual governo; n'esse augmento se comprehende por exemplo o da verba de 102:000$000 réis que é proveniente de umas lei que foi votada pelas côrtes.

O sr. Camara Leme: - V. exa. dá-me licença? Eu esqueci-me de fallar da verba que se tem gasto com a bri-

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gada de instrucção, verba que pelos documentos que v. exa. me mandou, eu vejo que é de 3:000$000 réis, que acho muito pouco.

O Orador: - Até áquella data a despeza era aquella, mas póde ainda ser augmentada; entretanto os documentos que eu mandei a v. exa. eram exactos.

Agora, como v. exa. sabe, ha despezas, das quaes resultam economia, como por exemplo aquella que se fez com o pagamento aos fornecedores, de artigos para o exercito, porque, como v. exa. sabe, até aqui estes fornecimentos eram feitos por intermediarios, não appareciam os fabricantes, e a demora do pagamento no ministerio dava logar á elevação do preço dos artigos, sendo esse lucro para os intermediarios. Eu dei ordem para que se pozessem estes pagamentos em dia, pagamentos que se elevam á importante somma de 203:000$000 réis, mas dos quaes no futuro resultará uma grande economia; porque, pagando-se de uma só vez cessa por certo tempo a importancia dos pagamentos successivos com o lucro dos intermediarios.

Outro ponto a que s. exa. se referiu foi á despeza feita com a instrução do exercito.

Ora eu creio que o desejo do digno par, é que o exercito seja instruido.

O sr. Camara Leme: - Quero sim senhor, agora o que acho é pequena a quantia consignada na nota que s. exa. me mandou e que me parece uma irrisão.

O Orador: - É possivel que tenha de se gastar mais, mesmo porque um exercito com o qual se gastam réis 5.000:000$000 é necessario que seja instruido e o que é certo é que o vamos conseguindo e que o nosso exercito se vae instruindo. (Apoiados.)

Outro augmento de despeza é aquelle que é proveniente da reforma dos officiaes generaes; eu já tive occasião nesta camara de citar um auctor notavel e auctorisado ein assumptos militares o qual declara que uma das vantagens que tem o exercito allemão sobre o exercito francez, é terem os officiaes, termo medio, dez annos menos que os do exercito francez.

Portanto, obedecendo a este principio e sem que no meu espirito influisse qualquer consideração estranha ao intuito de melhorar as condições do exercito; resolvi mandar á junta os officiaes de idade mais avançada e o que a janta decidiu foi o que eu fiz.

Dos officiaes que foram á junta, um houve que foi considerado apto para o serviço, tendo aliás mais de oitenta annos, não o reformei, é claro, mas os que foram pela junta julgados incapazes não teve o governo outro remedio senão reformal-os.

Alguns factos citou s. exa. que não são da minha responsabilidade e outros que não tinham relação com o orçamento.

Um d'esses factos foi a nomeação do sr. general Vasco Guedes para ministro da guerra, estando s. exa. fóra do paiz; mas isso não era rasão para não poder ser nomeado, porque podia na sua ausencia ser substituido interinamente, por exemplo por mim que ainda conservo interinamente a gerencia d'aquella pasta. (Apoiados.)

Emquanto á minha incompetencia para gerir a pasta da guerra...

O sr. camara Leme (interrompendo): - Peço perdão a v. exa., mas eu desejo que fique bem assente que não disse isso. O que disse foi que achava inconveniente que s. exa. se encarregasse da pasta da guerra e da do reino, de mais a mais sendo tambem presidente do conselho e como tal obrigado a dirigir a marcha do governo, porque não teria tempo para attender a tudo isto.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa) (continuando): - Bem sei que o digno par me faz a honra da sua consideração; mas o que é certo é que eu aqui estou para responder pelas minhas responsabilidades como ministro da guerra. De resto, o facto de um ministro accumular a gerencia de mais de uma pasta é vulgar. (Apoiados.) Não é novo que um ministro accumule mais de uma e até mais de duas pastas, (Apoiados.) e julgo mesmo que esse facto se deu no ministerio de que 3. exa. fez parte. (Apoiados.)

O digno par fallou tambem da verba para estradas, e sobre isso direi que todos os annos ha para gastar com a sua construcção 1.600:000$000 réis, onde s exa. receiou a possibilidade de esbanjamentos. O governo não póde esbanjar, porque não póde exceder aquella verba, e se a não despender por inteiro, ás sobras não póde dar outra applicação.

Tambem s. exa. perguntou ao meu collega da fazenda, que está presente, e pelo qual eu respondo, porque n'esta altura da sessão não é possivel responderem todos os ministros a todos os oradores, d'onde saia o pagamento das despezas com a expedição do sr. Marianno de Cavalho.

Direi que sáe desta verba inscripta no orçamento do ministerio da marinha e ultramar: missões civilisadoras.

Julgo ter respondido ao digno par, na parte em que s. exa. se referiu ao orçamento rectificado, e nos outros assumptos a que s. exa. se referiu, responderei ou responderá o governo, na occasião em que aqui forem discutidos.

(O sr. ministro não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Barros Gomes: - Sr. presidente, julguei dever tomar parte n'esta discussão porque tenho no assumpto responsabilidades que não declino.

De facto, metade dá responsabilidade da gerencia dos fundos publicos no anno economico corrente compete á administração de que fiz parte, metade áquella que nos succedeu, e esta situação de um orçamento rectificado relativo a um anno economico, cuja gerencia pertence a duas situações politicas diversas, é sempre assumpto intrincado para se apurarem responsabilidades. Portanto, a discussão do orçamento rectificado, que em outras circumstancias seria já de muito interesse, nas actuaes ainda o tem maior, e tanto mais quanto por parte do governo se corresponde á attitude benevola e correcta da opposição, não perdendo os srs. ministros occasião de endossar todas as responsabilidades e de dirigir os mais injustos ataques contra os membros do gabinete que os precedeu no poder.

Pois não vimos nós hontem aqui o sr. ministro da fazenda todo arrebatado em ira contra o sr. José Luciano, ou servindo-se de maliciosa ironia, para responder aos justissimos e côrtezes reparos que esse respeitavel membro d'esta camara lhe tinha dirigido?... E não esqueceu o illustre ministro, ao mostrar-se assim assomado e vehemente, que o sr. José Luciano o que fez apenas foi repellir de si a accusação injusta que lhe fora dirigida pelo sr. ministro, de ter elle patrocinado despezas loucas?!

Não era mais do que natural, indispensavel, que o chefe da situação politica anterior procurasse sem demora desfazer similhantes accusações? Pois não viu a camara toda que esse homem que occupa no paiz uma posição eminente tinha feito completa justiça ás qualidades do sr. ministro da fazenda, como homem de talento e de trabalho, justiça que eu tambem lhe faço, e por todos os modos lhe havia tributado consideração pelas suas distinctas qualidades de parlamentar e homem publico?

Se o sr. José Luciano disse que o acaso é que levara o joven ministro ás cadeiras do poder, tambem eu não tenho duvida em considerar que só um infeliz acaso é. que fez subir ao poder o actual ministerio, e entendo por isso que aquella phrase, que nada tinha de offensiva, pois era apenas expressão de um facto incontestavel, não dava direito algum ao sr. ministro da fazenda para tratar como tratou um homem que tem muito mais de trinta annos de vida publica, que durante ella prestou altos serviços ao seu paiz, que collaborou desde a sua entrada no parlamento em importantes reformas politicas, administrativas e financeiras, e que ao entrar pela primeira vez para os conselhos da corôa, após um largo tirocinio parlamentar, rea-

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lisou no ministerio da justiça reformas profundas em todos os ramos do serviço daquelle ministerio, verificando profundas economias que n'aquelle momento eram impostas pela situação da fazenda publica; a um homem que sendo mais tarde ministro do reino, modificou a nossa legislação administrativa, alterou e melhorou a legislação relativa A instrucção primaria e secundaria; a quem tem esta folha de serviço não diz um homem novo, embora talentoso e cheio de qualidades eminentes, como o sr. ministro da fazenda:

"-E vós que direitos tinheis para subir á posição que occupaes?"

Francamente, n'este momento, eu, que respeito e admiro o sr. Franco Castello Branco, lamento que s. exa. tivesse proferido taes palavras.

E logo depois, s. exa., continuando a dirigir-se ao sr. Luciano de Castro, ousa fallar-lhe na sua rhetorica que apenas serviria para intimidar creanças, e na falsa e pouco vigilante guarda que fizera aos seus collegas durante a sua gerencia?!

O sr. Franco Castello Branco tinha porventura nas palavras de s. exa. justificação para este modo irritante e esta feição deprimente de se dirigir a um estadista que durante sete annos governou este paiz u mereceu já a confiança de dois soberanos?

Não posso por minha parte deixar de elevar a minha voz em defeza d'esse homem que foi meu chefe no governo, como o é no partido ein que milito, e que me parece devia merecer da parte do sr. ministro da fazenda, como de certo merece de toda a camara, mais consideração e respeito.

E no fundo, elle foi atacado e accusado, mas o que elle disse, em grande parte, não póde nem podia ser rebatido, conforme eu o provarei hoje ao sr. ministro da fazenda.

Fallou-se aqui muito em insinuações; e eu pergunto o que seria, se não uma insinuação, a maneira accentuada e o numero repetido de vezes com que aqui nos foram lidos por largo espaço de tempo documentos de que toda a camara tinha conhecimento, unicamente para fazer sobresaír que aquelle homem d'estado tinha em um momento talvez, direi mesmo de menos reflexão, concedido uma auctorisação que podia e devia ter sido limitada, e confirmada n'um despacho.

Mas não é porventura o sr. José Luciano de Castro o primeiro a acceitar e confessar essa responsabilidade?

A meu ver esta questão, e perdoem-me todos aquelles que n'ella têem intervinda, porque não é minha intenção fazer lhes a menor offensa, tem sido mesquinhamente tratada.

Se se dissesse simplesmente que num momento de afflicção nacional, e quando sobre a cidade e sobre o reino pairava uma epidemia, que estava fazendo estrabos profundos; quando n'esse momento nas classes populares se revelava a existencia de uma miseria que a todos affligia, o se provocára espontaneamente da parte das redacções de alguns jornaes um appello para que todos corressemos em auxilio dessa miseria; era naturalissimo que reconhecendo-se isso, e aproveitando-se mesmo uma iniciativa particular, muito para louvar, o estado resolveu contribuir com uma quantia mais ou menos importante para acudir a tamanhos males.

n'estes termos, apreciado á luz dos factos, o acto do sr. José Luciano de Castro é não só defensavel, mas nem sequer póde ser censurado.

E por outro lado o actual sr. presidente do conselho, entrando no poder, cercado das difficuldades todas que, eu confesso, existiam no momento em que s. exa. assumiu esse cargo, emquanto está investido, s. exa. honrando a promessa do seu antecessor, obedecia ao mesmo empenho e procedia briosamente como cavalheiro que é.

Nem um nem outro merecem censura.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Para mim merecera-a ambos.

O Orador: - Até aqui não merece censura nenhum d'elles, porque o primeiro podia e devia, se tivesse tempo, ter aberto um credito extraordinario, ou ter pedido á camara um supplemento de credito para a verba de beneficencia publica, que lhe permitisse occorrer a essa despeza. Aias ha uma segunda parte em tudo isto, que é a da execução; e por essa não cabe ao sr. José Luciano de Castro nem a minima parcella de responsabilidade.

Eu não quero n'este momento destrinçar o accentuar as responsabilidades da execução que se deu ã promesssa verbal feita por um presidente do conselho e corroborada por outro.

Não tenho nenhum interesse n'isso. O que me interessa saber, e ácerca do que o sr. ministro da fazenda nada disse, é o que se tem feito no sentido de proceder contra os abusos commettidos pelas casas de penhores, e o que ha a respeito dos 20:000$000 réis roubados vilmente á miseria, 20:000$000 réis que hoje se reclamam do estado, e que foram pagos a quem não tinha o direito de os receber.

Pergunto a s. exa., o que tem feito para rehaver esta quantia?

Quaes são, e a quanto montam as garantias e os depositos que se dizem existentes no governo civil, e que podem responder pelas fraudes das casas de penhores, que abusaram tão infamemente do movimento de generosidade que se manifestara em favor da desgraça?

O paiz tem direito de ser informado das diligencias que se têem empregado n'este assumpto.

Se o sr. ministro da fazenda me poder dizer alguma cousa de mais preciso e definido sobre esta questão, muito folgaria com isso. Se s. exa. cumpriu o seu dever, se as diligencias a empregar foram activadas, eu não tenho senão a louvar o nobre ministro.

Os 20:000$000 réis correopondem ou encontram equivalentes nos depositos realisados pelas casas de penhores delinquentes?

Terá o estado provado o delicto, direito a apropriar-se d'esses depositos, rehavendo assim a importancia do roubo, isso é o que n'este momento mais importa e eu desejo saber, e o sr. ministro da fazenda ainda não o disse. S. exa. contentou-se apenas em accentuar, e por mais de uma vez, no meio de grande elogio, e escusas misericordiosas, que a auctorisação dada pelo sr. José Luciano fôra illimitada.

Ora, se isto não é uma insinuação, não sei então o que seja.

Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda indo desenterrar uma phrase proferida ha muito pelo sr. José Luciano, não fez com isso mais do que contribuir para levantar no animo de todos o apreço pelo caracter d'este illustre estadista.

Com effeito, nunca um homem se eleva tanto como quando reconhece o erro praticado.

Ora, a camara toda ouviu já aqui o sr. José Luciano, singela e nobremente, com espirito levantado e animo generoso, declarar que lamentava do fundo de alma ter proferido no ardor de uma discussão politica, quando era um homem de verdes annos, uma phrase menos pensada e injusta, e que ainda hoje lhe doia de a haver pronunciado.

O sr. José Luciano ao proferir agora taes palavras de magua e arrependimento elevou-se muito, e o sr. ministro da fazenda, que tem talento e grande merecimento, rebaixou-se quando foi resuscitar essa phrase menos feliz que já estava ha muito sepultada no esquecimento. S. exa. por mais de uma vez tem-se espraiado em considerações que vão melindrar e provocar-nos a pôr de parte a reserva patriotica era que nos temos mantido até agora. E agora nem sequer se recordara ao desenterrar aquellas palavras do sr. Luciano de Castro, que tinha a seu lado o sr. presidente do conselho, a cujo nobre caracter ninguem deixa de. prestar homenagem, embora era um periodo igualmente

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afastado, os excelsos e injustiça da sua linguagem em face de Fontes Pereira de Mello não tivessem por certo sido menores.

Creia o sr. ministro que lhe estou faltando com o coração nas mãos. Não ha nas minhas palavras nenhum sentimento partidario ou faccioso. Pela sympathia que me prende ao talento de s. exa., desejo, não dar-lhe um conselho, porque me falta a auctoridade precisa, mas, emfim, exprimir-lhe sinceramente a minha opinião, e isso tenho direito de o fazer.

O illustre ministro fallou-nos em economias, mostrou-se severissimo em despender os dinheiros publicos, e accusou cruelmente os seus antecessores por terem gasto sem attenção para com as necessidades do contribuinte, preparando uma situação verdadeiramente horrorosa.

Gosto de ver as promessas de economia que as suas palavras representam; e em todos os esforços que s. exa. fizer n'esse sentido, apesar das nossas divergencias politicas e do campo diverso em que milhamos, ha de encontrar-me a seu lado.

Registe s. exa. esta declaração. Mas o sr. ministro o que não tem na sua curta vida politica, e todos sabem que a critica é facil para os homens publicos, quando começam a exercer o poder, porque depois, quando é já longa a sua carreira, muitas vezes se têem achado, em virtude das circumstancias, compellidos a praticar muitos actos, que nem sempre estão era inteira harmonia com opiniões anteriormente manifestadas, o que o sr. ministro não tem já, repito, é auctoridade para lançar em rosto aos seus antecessores o que chamou esbanjamento dos dinheiro publicos.

Pois, pergunto eu, neste momento em que a situação financeira é melindrosa, deveria o governo ter-se auctorisado a si proprio, como o fez, para immediatamente contratar o artilha mento todo das fortificações de Lisboa?

Quantas dezenas de milhares de contos vae isso custar, quando é certo que só um canhão Krupp póde custar centenas d'elles?

Pois o decreto n.° 1 de 10 de fevereiro, estabelece textualmente o seguinte:

"É o governo auctorisado:

"1.° A mandar proceder á construcção das obras de fortificações, que faltam para se completar o armamento de segurança do porto de Lisboa, incluindo a transformação da torre de S. Lourenço da Barra (Bugio) em um forte couraçado, e tudo subordinado ao plano geral de defeza do mesmo porto;

"2.° A contratar o fabrico de todas as bocas de foco para o completo artilhamento das referidas obras, e das que estão já construidas e em construcção "

Pois nas circumstancias do paiz, internas ou externas, seriam justificados similhantes decretos?

Não. Pelo contrario, parece-me que na conjunctura em que foram publicados, eram contraproducentes e de inconveniencia para a politica internacional que o governo queria sustentar.

Mas vamos a outro ponto, em que mais directamente me cabem responsabilidades.

O governo transacto entendeu indispensavel proceder á immediata acquisição de navios de guerra.

Em consequencia do bloqueio de Zanzibar, aquelle governo viu se obrigado a destinar especialmente para tomarem parte n'esse bloqueio, juntamente com as esquadras allemã e ingleza, nove navios de guerra.

Póde-se dizer que este serviço extraordinario, acrescendo ao das divisões navaes era Angola e no oriente, fez com que o Tejo ficasse deserto de navios.

É evidente que esses nove navios, quando mais tarde regressarem, hão de carecer de demoradas reparações, e não estarão no caso de render os vasos de guerra ein serviço nas outras provincias ultramarinas.

Ora nós precisâmos de navios de guerra no ultramar para conterem em respeito as populações indigenas, satisfazerem promptamente a qualquer exigencia das nossas auctoridades ali estabelecidas, e defender os territorios que nos pertencem.

O governo do que eu fiz parte, estudou largamente esse assumpto, ouviu á erca d'elle os pareceres que foram apresentados pela commissão nomeada polo ministerio anterior, e ouviu igualmente a opinião auctorisadissima da direcção geral da marinha, onde ha officiaes muito illustrados e cuja competencia technica não póde per posta em duvida.

O governo na resolução d'este problema, attendeu alem d'isso muito especialmente, e não podia deixar de o fazer, á questão financeira.

Pediu por tudo isso á camara uma verba de 1.700:000$000 réis, e cura essa verba esperavamos adquirir dois pequenos cruzadores, não d'esses cruzadores de 3:400 toneladas a que se refere o extraordinario relatorio que precede o decreto dictatorial que ordena essa acquisição, e em que se discute a serio a maneira por que com elles se poderá fazer a guerra de corso a uma grande potencia maritima, que creio devia ser a Inglaterra! E cada um dos quaes deve custar a bagatella de 1.400:000$000 réis, mas uns outros muito mais baratos e mais apropriados ao serviço das nossas colonias.

Com effeito, sr. presidente, os navios que o governo passado se propunha adquirir, seriam de 1:700 ou 1:800 toneladas, quer dizer correspondentes em capacidade á Affonso de Albuquerque, que tão bons serviços tem prestado, e á Rainha de Portugal, navios estes cujo typo poderá ter defeitos, mas que tem prestado serviços importantes no ultramar.

Propunhamo-nos mais adquirir duas canheneiras e um plano inclinado, ou docas fluctuantes, para Loanda. Os cruzadores n'estas condições podiam custar 500:000$000 réis ou 600:000$000 cada um, as duas canhoneiras réis 400:000$000, e o plano inclinado 100:000$000 réis.

Eu bem sei, sr. presidente, que isto não era uma marinha brilhante capaz de declarar ou mesmo sustentar a guerra contra a primeira nação maritima do mundo, mas era o bastante para satisfazer ás necessidades mais instantes das nossas colonias;

Ora, sr. presidente, eu não comprehendo, repito, que o governo que tanto se eleva e reage contra as despezas dos seus antecessores viesse publicar um decreto em dictadura pá vá a compra de quatro cruzadores de 3:400 toneladas e que custam 1:000 e tantos contos cada um.

Quer dizer uma despeza superior a 5.000:000$000 réis,

Que auctoridade tem pois o sr. ministro da fazenda para vir fallar nesta discussão na situação da fazenda e na despeza dos seus antecessores? Eu não me alongarei mais n'este assumpto, vou passar, serena, placida e tranquilamente, ao exame do orçamento rectificado.

Sr. presidente, eu estou perfeitamente de accordo com o meu illustre collega e amigo o sr. conselheiro José Luciano de Castro, em que o parlamento tem o dever impreterivel de analysar e proceder com attenção ao exame e estudo dos orçamentos e leis de fazenda.

Sr. presidente, eu espero da intelligencia, da actividade, da boa vontade e zelo do nobre ministro da fazenda que para o anno, desviando-se s. exa. de uma pratica que tem sido infelizmente seguida de ha muito, faça discutir o orçamento do estado. (Apoiados.)

Eu fui ministro da fazenda dois annos e felizmente consegui que no primeiro anno se discutisse e aprovasse o orçamento geral do estado, e no segundo anno se se approvou apenas na camara dos senhores deputados e não veiu a esta camara foi porque o governo caiu no intervallo.

Eu espero, pois, que o sr. ministro da fazenda proceda da mesma fórma.

Eu entendo que s. exa. deve tambem, para boa regularidade da lei, fazer approvar as propostas que encerram os exercicios findos, e que se prestam á verificação final pelo

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parlamento d'aquella acção fiscal, que é uma das suas attribuições essenciaes.

E á boa paz direi ao sr. ministro que, com respeito á contabilidade publica, s. exa. não precisa de inventar novas formulas para evitar as despezas publicas exageradas ouillegaes.

Contenha-se s. exa. no limite das regras já traçadas e que são indispensaveis para tornar a contabilidade clara aos olhos de todos e de fórma que se perceba bem. Faça s. exa. cumprir o regulamento da contabilidade e não lhe introduza melhoramento nenhum.

Julgo ser desnecessario declarar que fui eu o auctor da lei actual, embora o não fosse igualmente do regulamento, e talvez seja o amor á minha obra que me faz fallar assim, e receiar innovações que reputo menos felizes.

Eu estou convencido que se este regulamento tivesse sido respeitado, a situação da fazenda publica hoje seria absolutamente diversa do que na realidade e Mais tarde, quando se discutir a lei de meios, terei occasião de combater algumas das disposições novas n'ella insertas, de desenvolver mais claramente o meu pensamento. Vamos, porém, agora ao orçamento rectificado. O nobre ministro da fazenda declarou e declara n'este documento que se tem de abater na receita publica réis 931:000$000 de imposto sobre os cereaes, e em tanto se póde avaliar o auxilio prestado á agricultura cerealifera nacional.

Talvez esta proposição não agrade aos dignos pares srs. visconde de Moreira de Rey, Vaz Preto, e a outros cavalheiros que nesta camara zelam especialmente os interesses da agricultura.

Pois quer s. exas. condemnem ou não, esta verba representa de facto um sacrificio enorme feito pelo thesouro em beneficio da agricultura.

Desappareceram igualmente da receita orçada réis 806:000$000 de rendimento a mais calculado para os tabacos, bem como da importancia dos juros que deviam ser pagos pela régie, do emprestimo do 7.200:000$000 réis, e que figuraram nas compensações de despezas.

Tambem desappareceram 150:000$000 réis, producto do imposto sobre a exportação de vinhos que foi abolido e que apenas é compensado em parte por um acrescimo no imposto ad valorem sobre a importação e que representa uns 78:000$000 réis.

Portanto, aqui tem v. exa. que as receitas publicas, pelo orçamento rectificado, baixam da primitiva previsão, só por causa d'esta tres verbas, em 1.869:000$000 réis.

Pois apesar d'isso o progresso economico do reino, progressivo, que não podia ter sido indifferente á acção de um ministerio que durou quatro annos, accentua-se por tal fórma que esta differença foi quasi inteiramente compensada pelo augmento na productividade de todos os restantes ramos da receita publica.

Isto demonstra-se ao verificar que a receita, como está calculada, depois de feitas todas estas rectificações, é de 40.530:000$000 réis, ao passo que a receita orçamental descripta nas tabellas importava em 40.692:000$000 réis. A differença é apenas de 162:000$000 réis. Isto é um facto altamente lisonjeiro e se eu fosse ministro da fazenda havia de o fazer sobresaír com toda a clareza, em vez de avolumar exageradamente os cálculos das despezas extraordinaria, e não quero dizer com isto que o sr. ministro da fazenda o não tivesse feito no seu relatorio, mas a sua tendencia n'esse documento, como nos seus discursos, é accentuar a nota pessimista e, portanto, desfavoravel para o credito publico.

Passemos, porém, á despeza e foi por causa d'ella que eu pedi a palavra.

Não desejo passar por esbanjador, o que nunca fui, apesar do sr. ministro da fazenda, com a auctoridade do cargo, ter dito que eu em seis mezes havia excedido uma verba que fora votada para todo o anno, acrescentando s. exa.
hontem ao dirigir-se ao sr. José Luciano, o ministro do do reino de então, que perguntasse ao seu collega das obras publicas o sr. Eduardo José Coelho, e a mi m, como era que algumas verbas estavam esgotadas no fim de seis mezes.

Quero, pois, que a camara saiba bem quaes são essas despezas e quero tambem fazer ver qual é a responsabilidade que me cabe n'esse acrescimo das despezas realisadas este anno, que é o anno de transição, não se sabendo por isso a quem caiba ao certo a responsabilidade da gerencia.

O nobre ministro diz haver em todos os annos vacaturas que se podem calcular em 710:000$000 réis. Este facto tem-se com effeito dado mais de uma vez e é devido a em sempre largamente calculadas as verbas de depeza, visto estar suspenso o regulamento da contabilidade, a meu ver muito inconvenientemente no que se refere á possibilidade da abertura de creditos supplementares.

Sendo pois a despeza total orçada de 51.341:000$000 réis, abatendo d'ella os 710:000$000 réis de excessos de credito provaveis, ficam-nos ainda 50.631:000$000 réis para provavel encargo total do anno.

Comprehendo bem que este algarismo impressione o espirito do sr. ministro, e que este sentimento lhe avivasse a memoria ácerca do que se passara comungo em 1885, quando ali appareceu pela primeira vez um orçamento de despeza de 40.000:000$000 réis.

Recordei então uma phrase de Thiers que dizia "saluez le milliard, messieurs, vous ne le reverrez plus".

Esta verba de 50.000:000$000 réis, que agora desponta para e paiz e que este não poderá supportar indifferentemente, obriga e muito o governo e o parlamento a reflectirem.

E primeiro que tudo convem apurar o que determina que se attinja e exceda este anno a quinta dezena de milhares de contos.

Comparemos para isso a despeza do actual com o exercicio do anno economico findo. E já o podemos fazer, porque, como a camara o sabe, eu reduzi de vinte e quatro a dezoito mezes o praso da duração do exercicio para que, assim melhor o mais rapidamente se podesse apreciar e fiscalisar a administração dos dinheiros publicos. Já está publicada a conta provisoria do exercicio de 1888-1889 na conta geral do thesouro, e se aos doze mezes, que ella abrange, juntarmos os seis mezes findos em 31 de dezembro ultimo, que são descriptos nas contas publicadas no Diario do governo de 1 corrente, teremos completo o exercicio de 1883-1869, e poderemos assim ter um elemento proximo e seguro da comparação para o orçamento que se discute n'este momento.

Junta pois, a conta provisoria do exercido com a complementar, achâmos uma despeza total em 1888-1889 de 48:195$000 réis, e se formos comparar este algarismo com as despezas rectificadas d'este anno, vemos que existe um augmento consideravel de um para outro exercicio de réis 2.436:000$000.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco):- No calculo de despeza de 1888-1889, v. exa. abateu a verba dos tabacos.

O Orador: - Abati a verba na importancia de réis 5.263:000$000 dos tabacos, porque se refere a uma despeza perfeitamente excepcional, e compensada com o valor das fabricas adquiridas e da exploração monopolisada nas mãos do estado da industria do fabrico.

as reflexões que vou apresentar tenho em vista mais que tudo a liquidação da minha responsabilidade politica, como membro da administração transacta, e não penso especialmente em atacar o governo, no que não tenho o minimo prazer.

O partido a que tenho a honra de pertencer, por circumstancias que são de todos conhecidas, não póde pensar de maneira nenhuma em assumir o poder no momento actual;

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mas isto não obsta a que façamos a critica minuciosa e severa dos actos do governo para que elle, na gerencia dos negocios publicos, seja tão correcto quanto possivel, e quero acreditar que o actual sr. ministro da fazenda, no seu foro intimo, ha de até louvar a opposição, se ella sincera e lealmente compellir o governo a cumprir os seus deveres, do que resultarão incontestavelmente, maior gloria para s. exas. e beneficio para o paiz.

Tenho pois em vista, como ia dizendo, mais que tudo apurar a minha responsabilidade, mas para este apuramento carecia-se de uma demonstração clara, precisa e nitida, de quaes foram as verbas auctorisadas pelo ministerio a que eu tive a honra de pertencer e de quaes as que têem sido ordenadas pelos cavalheiros que compõem a actual situação politica.

Tentaremos fazer isso, pela forma possivel, á vista dos documentos e esclarecimentos officiaes fornecidos á camara. Ora, no orçamento rectificado, deparam-se-nos logo as seguintes verbas da responsabilidade exclusiva do actual governo:

Para fundo de guerra 147:000$000

Augmento no capitulo da segurança publica 98:000$000

Reforma judicial 33:000$000

Reformas dos officiaes militares 50:000$000

Total 348:000$000

Não discutirei neste momento o que significa e o que valha a creação de um fundo de guerra, desviando da sua applicação normal as receitas do estado, reconhecidamente insufficientes, nem farei a critica do calculo modesto em que se aprecia o augmento de despeza com a magistratura.

Referir-me-hei apenas á ultima parcella de 50:000$000 réis.

Ainda ha pouco o sr. Camara Leme criticou aqui severamente este augmento de 50:000$000 réis na despeza proveniente da reforma dos officiaes generaes de terra e mar; mas o sr. presidente do conselho contestou ao digno par, dizendo que o aggravamento d'estas despezas se justifica pela circumstancia de termos no exercito generaes novos ou de pouca idade, e s. exa. disse-nos a proposito d'isso que a rasão principal que faz com que o exercito allemão sobreleve nas condições militares ao da França Consiste exactamente na menor idade dos seus officiaes generaes.

Vamos, pois, ter officiaes novos, que certamente irão sustentar, com toda a impetuosidade dos seus verdes annos. as gloriosas tradicções do nosso passado, tão abundante em feitos de heroicidade.

Vamos ter generaes e officiaes novos, mas é preciso que a camara saiba que este beneficio que nos vae equiparar n'esta particularidade ao exercito allemão, assegurando-nos tambem uma superioridade relativa sobre o exercito francez, augmentou as despezas d'este anno em 50:000$000 réis.

50:000$000 réis só para o serviço dos reformados, é objecto.

Temos, pois, que em 328:000$000 réis de despeza a mais no anno corrente de que no anterior, nenhuma responsabilidade cabe á administração progressista.

Prosiguemos, porém, na analyse encetada, e depararemos primeiro com as obras do porto de Lisboa.

As obras do porto de Lisboa, como toda a gente sabe foram decretadas pelo partido regenerador. Embora, mais tarde o governo progressista, como não podia aliás deixar de o fazer, perfilhasse essa iniciativa, a gloria d'ella, roas tambem a responsabilidade dos encargos, cabem por inteiro ao gabinete presidido pelo finado estadista Fontes Pereira de Mello no exercicio de 1888-1889. Gastaram-se nas obras do porto de Lisboa, segundo a conta provisoria inserta- na conta geral do estado 167:000$000 réis, e segundo a conta complementar do Diario do governo de 7 do corrente mais 126:000$000 réis, ou um total de 293:000$000 réis, mas este anno vamos pagar 700:000$000 réis portanto mais 407:000$000 réis, cuja responsabilidade declinamos igualmente.

Aqui tem pois a camara uma, verba, e avultada, que o ministerio transacto se viu obrigado a gastar para o pagamento de encargos que foram creados pelo partido que está actualmente representado no poder.

O governo progressista foi quem deu impulso a estas obras; e não podia deixar de ser assim, porque uma voz lançada uma idéa d'estas no publico não ha meio de recuar: mas a camara sabe perfeitamente que foi Antonio Augusto de Aguiar que uma e muitas vezes pugnou tenaz e affincadamente por este melhoramento, e que a Fontes Pereira de Mello, repito, cabe a gloria da sua iniciação.

Temos a par das obras do porto de Lisboa o caminho de ferro de Ambaca; outra obra que pertence á iniciativa de s. exas., e digo isto não para os censurar, porque entendo que com esta via ferrea se attendeu a uma grande necessidade politica e colonial, mas para apontar factos que são de todo o ponto verdadeiros e incontestaveis, e tão pouco entra no meu espirito realisar com o que digo qualquer censura, que até pelo contrario me congratulo com s. exa. por ver tambem que na falla do throno d'este anno se confirma o compromisso tornado anteriormente pelo governo progressista, de iniciar uma outra obra de grande importancia, a do caminho de ferro de Mossamedes.

Não serei eu por minha parte, desde já o declaro, que me opponha á approvação de qualquer verba respectiva a obrais de tão capital importancia para o futuro de Angola, em geral do nosso dominio na Africa, e antes estou disposto a auctorisar tudo o que seja necessario fazer para realisa-a, já se vê dentro dos justos limites de uma administração sensata e prudente; mas aponto para estes factos que servem para destruir as responsabilidades que pertencem a s. exas. d'aquellas que exclusivamente nos competem, e declino por isso a responsabilidade de uma verba de 333:000$000 réis pela primeira vez inscripta no orçamento rectificado deste anno, e representativa de garantia ce juro, concedida ao caminho de ferro de Ambaca.

Temos pois, só com estas verbas de iniciativa alheia, explicado um acrescimo de despeza de perto de 900:000$000 réis Vou agora justificar o restante acrescimo de despeza, que essa apresenta iniciativa nossa, de que reclama-me s por inteiro a responsabilidade.

N'este caso está em primeiro logar o subsidio de réis 108:000$000 á mala real, destinado a assegurar a regularidade de communicações da metropole com as das colonias do continente africano, por meio de navegação verdadeiramente portugueza. A opinião publica, reclamando unanimemente que aquelle subsidio se alargue tanto quanto seja indispensavel para garantir aquelle resultado, é a melhor prova da legitimidade d'aquella despeza.

A uma outra verba de despeza nos obrigou o esforço feito em Africa para assegurar ali a nossa occupação, e manter os nossos direitos. O orçamento rectificado pede um augmento de creditos na importancia de 304:000$000 réis para estabelecimento de estações civilisadoras e missões religiosas, custeamento de expedições e acquisições de seis vapores para navegarem no Zambeze, no Chire, Nyassa, no Tembe e no Limpopo. A acquisição d'estes vopores era indispensavel e como que a condição sim que non para exercermos policia e fiscalisação n'aquellas regiões. São elles os melhores elementos para assegurar a occupação e soberania. Não podemos, pois, deixar de auctorisar a sua acquisição.

Creio, pois, mais do que justificado, impreterivel, este excesso de despeza de 300:000$000 réis, realisada, repito, com a occupação de alguns pontos de Africa, com a compra de vapores e com o estabelecimento de estações civilisadoras e de missões religiosas, e direi de passagem, com

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respeito a estas ultimas que eu emquanto ministro as protegi largamente, honrando-me muito por ter procedido assim, e oxalá que este pensamento tivesse sido seguido por todos os governos, pois se assim tivesse sido, a nossa influencia e situação n'aquellas paragens seria inteiramente diversa do que é hoje.

Foi assim que se fundaram e dotaram as missões de Malange, com penetração para o Muata Yanvo, a de Caconda, a do Jau, a dos Ambuellas, e se patrocinou especialmente a do padre Antunes na Huilla, que póde ser citada como modelo em toda a Africa, protegi e favoreci as de Boroma e Zumbo no Zambeze, e a de M'ponda no Nyassa, e estou convencido que se não fosse uma falsa opinião que muitas vezes tem opposto embaraços a estas idéas, outra e bem diversa, repito, seria n'este momento a situação de Portugal em Africa.

Temos, finalmente, uma outra verba avultada de despeza, cuja justificação me parece facil, porque toda a camara sabe o que foi, como foi e para que foi a rescisão do contrato do caminho de ferro de Lourenço Marques ao Transvaal, rescisão que trouxe apoz si a obrigação de se concluir o mesmo caminho de ferro até á fronteira do Transvaal, e de reparar o lanço da linha já construido, o que tudo exigiu a inserção n'este orçamento rectificado de uma verba de 734:000$000 réis.

Sommando todas estas verbas com os 900:000$000 réis, cuja responsabilidade declinei, temos já um algarismo superior a 2.000:000$000 réis, e, portanto, explicado na sua quasi totalidade o augmento de despeza deste anno com relação ás de 188S-1889.

Para explicar o resto basta attender á maneira por que o ministerio actual avolumou, a meu ver, sem explicação ou defeza possivel, as despezas incertas e variaveis do orçamento ordinario.

E n'essa analyse, que é importante, para avaliar o criterio e escrupulo economico do sr. ministro da fazenda, começarei com as despezas que dizem respeito ao ministerio dos negocios estrangeiros, despezas que tenho mais competencia para conhecer e destrinçar por isso mesmo que eu fui o ministro d'aquella pasta.

A despeza d'este ministerio, como a camara sabe, tem vindo descripta nos orçamentos dos ultimos annos em duas secções: despeza ordinaria e despeza extraordinaria.

Occupar-me-hei agora da primeira.

Quando o partido progressista entrou para o poder em fevereiro de 1886, que foi tambem um dos taes annos em que se não sabe bem ao certo de quem são as responsabilidades, a despeza que fazia no ministerio dos negocios estrangeiros o meu mestre e amigo o sr. conselheiro Bucage orçou por uns 350:000$000 réis.

Com effeito, em 1883-1884 a despeza effectivamente realisada foi de 347:000$000 réis; em 1884-1885 de réis 340:000$000; em 1880-1886 primeiro anno commum, em cuja gerencia me cabe metade da responsabilidade, gastaram-se 340:000$000 réis; em 1886-1887, a despeza foi de 343:000$000 réis, vem o anno de 1887-1888 e apparece um augmento a 382:000$000 rei?, e eu vou explicar á camara qual foi a rasão d'este augmento, de 39:000$000 réis, apparente na sua quasi totalidade.

Resultou elle com effeito da lei que destacou os consulados do Cabo, Shanghae, Toldo e Bombaim do ministerio da marinha e ultramar, por cujo orçamento eram pagos, para o ministerio do estrangeiro.

O encargo com esses consulados, englobado e absorvido no deficit das provincias ultramarinas, passou a ser descripto claramente no orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros.

Ora, esse encargo é de 35:000$000 réis, isto é, a quasi totalidade do augmento de 39:000$000 réis a que ha pouco me referi.

Não representa, pois, uma despeza nova, mas sim a regularisação de outra já existente, que era paga pelo ministerio da marinha, e que saía indevidamente da verba elastica dos deficis do ultramar.

Aqui tem a camara a rasão da differença de um anno para o outro na despeza do ministerio dos negocios estrangeiros, durante a minha gerencia. Proseguindo temos, portanto, em 1887-1888, 382:000^000 réis; era 1888-1889, 380:000$000 réis, e chegou finalmente este bem fadado anno de 1889-1890, em que o sr. ministro da fazenda havia de censurar os esbanjamentos dos progressistas, e eu, que tinha conservado a mesma despeza durante quatro annos, passo, segundo parece, n'este ultimo anno o gastar muito, e no orçamento rectificado apparece, segundo insinua o sr. Franco Castello Branco, que condemna as insinuações alheias, por minha culpa elevada a despeza do ministerio dos estrangeiros de 380:000$000 réis a 477:000$000 réis.

Mais 97:000$000 reis!

Eu prezo-me de ser justo, e, portanto, serei o primeiro a dizer que, d'esta differença, 18:000$000 réis proximamente, se gastaram com cinco consulados que os poderes competentes, isto é, as camaras crearam, mas por iniciativa minha.

Onde são, porém, esses consulados?

O primeiro é em Pretoria, e creio escusado encarecer as suas vantagens, o justificar as rasões de ordem politica e economica que nos obrigou a cuidar de modo especial da nossa representação consular no Transvaal.

O segundo, é em S. Francisco da California, onde temos uma importante colonia, composta de muitos milhares de almas, com uma imprensa propria e é fonte de grande commercio.

O terceiro, era em Cantão. Todos sabem as difficuldades que se suscitam a miudo entre nós e a China, por causa de Macau; ora é certo que em Pekim, pela grande distancia a que se acha, e importancia para o governo central, relativamente muito secundaria, dos assumptos pouco ou nada se occupam d'elles.

E com o mandarim vice-rei de Cantão que tem de se tratar assim, é inegavel a conveniencia de ali termos um consulado preenchido por consul de carreira.

Semprem'o aconselharam assim os governadores de Macau, ligando o negociador do tratado recente mais importancia á presença do um consul de carreira em Cantão do que á de um ministro plenipotenciario em Pekim, e é com prazer que n'este proprio momento, em que estou fallando em um antigo e dos mais distinctos governadores d'aquella nossa possessão, applaudir o que estou dizendo ácerca da creação do consulado para o qual tive a honra de propor a El-Rei um digno official de marinha o sr. Demetrio Cinatti.

O quarto consulado estabeleci-o em Hononulu. e todos sabem qual a importancia numerica, politica e social da colonia portugueza nas ilhas Saudwichs e, portanto, quaes as vantagens incontestaveis da creação d'esse consulado.

Iguaes rasões justificaram a coração de um quinto em George-Town-Demerara.

Vem, porém, o actual sr. ministro dos negocios estrangeiros, cujos actos n'esta parte eu posso discutir e apreciar, visto que me não tolhe fazel-o nenhuma alta conveniencia internacional, nem de outra qualquer natureza, e estimo até mostrar que só essas me podem prender em. face de s. exa. e no meio das gravissimas preoccupações que o devem ter assaltado, nada encontro mais urgente do que crear tres consulados de l.ª classe na Europa, um em Antuerpia, outro em Riga, outro finalmente em Bordeus. Isto tinha uma rasão de ser. O seu rendimento cobre as despezas e ainda póde custear parte da despeza dos outros dois, cuja urgente necessidade eu não pude descobrir durante quatro annos.

Ora, isto póde ter muito merecimento para servir pessoas a quem se deseja attender politicamente ou de outro

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modo. Quanto, não desejei eu dispor do um consulado de l.ª classe na Europa!

Alem do prazer de servir alguma das muitas pessoas que tanto se empenharam no provimento de um logar d'esses, lembra-me que ao nomear para um consulado do Brazil, o do Pão Grande, o sr. Feijó, a cuja intelligencia e bom serviço folgo de prestar homenagem, lhe prometti um consulado na Europa logo que a occasião se proporcionasse, mas essa occasião é que nunca se me apresentou em termos de o poder attender com justiça.

Ora, visto que se lança em rosto ao meu collega e amigo o sr. José Luciano de Castro, as despezas loucas do ministerio a que elle presidiu, entendo dever demonstrar que no ministerio dos estrangeiros, por exemplo, uma parte da elevação na despeza, foi o resultado de se crearem alguns consulados de l.ª classe na Europa, nesta era de economia e impostos novos, consulados cuja urgencia o meu espirito de esbanjamento nunca soube descobrir, por muito que aliás tivesse pessoalmente estimado a sua creação.

Mas vamos a outra parte da despeza do ministerio dos negocios estrangeiros.

Sr. presidente, eu vi-me obrigado durante uma serie de annos a inserir no orçamento extraordinario a quantia de 20:000$000 réis para despezas que tinham aquelle caracter; quero que a camara saiba que despezas foram essas.

Todos conhecem as desastrosas e infelizes ocorrencias verificadas no consulado do Rio de Janeiro. Tornaram ellas necessario um processo judicial, cujo resultado final me não cumpre apreciar n'este momento, e obrigaram tambem a que se procedesse a um exame minucioso da escripturação do consulado, para cuja verificação foi necessario nomear dois empregados habeis e de confiança.

Não os escolhi, dirigi-me para essa escolha ao conselheiro director geral da contabilidade e pedi-lhe que me indicasse dois funccionarios de toda a confiança e capacidade, capazes de desempenhar aquella missão importante, deixando ao sr. Pereira Carrilho discutir com elles as condições em que se prestariam a ir para o Rio de Janeiro, salvo approvação finalmente das condições pactuadas.

O prolongado afastamento de Lisboa, e a natureza delicada do trabalho exigido, tornaram essas condições pesadas para o thesouro, e d'ahi a necessidade de uma parte, e não pequena, d'essa despeza extraordinaria a que me venho referindo.

Entendi-me, porém, no anno passado com o ministro da fazenda de então, para que esses dois empregados ficassem incluidos no quadro dos funccionarios da agencia financeira por elle creada no Rio de Janeiro, deixando assira de ser necessario incluir uma verba extraordinaria no orçamento rectificado para lhes pagar.

O jubileu da minha Victoria, o fallecimento dos imperadores Guilherme e Frederico, e ha pouco tempo o fallecimento da imperatriz Augusta, tudo me obrigou a mandar ao estrangeiro missões extraordinarias, que augmentaram a despeza em diversos annos, e obrigaram a recorrer a essa verba de 20:000$000 réis a que venho alludindo.

A celebração de um tratado de commercio que envolve o reconhecimento final de Macau, que tive a satisfação de ver realisado na minha gerencia, após seculos de diligencias infructiferas, obrigou-me a enviar uma missão á China, áquellas regiões afastadas e carissimas, e tambem isso exigiu uma verba no orçamento extraordinario.

Tive que mandar igualmente em seguida á reivindicação da bahia de Tungue, ha tantos annos arrebatada a Portugal, e por tantas vezes reclamada debalde, uma missão ao Zanzibar, porque durante a minha gerencia accumnlaram-se as dificuldades e as negociações, tendo eu tido a fortuna de as ver todas coroadas de exito feliz, excepto a ultima em que o malogro que feriu a patria nas suas aspirações e nos seus direitos, mais do que a ninguem, me pungiu o coração.

Tive do mandar uma embaixada a Marrocos e de presentear o sultão d'aquelle paiz, do qual tinhamos obtido em uma pendencia diplomatica com elle, todas as satisfações pelo insulto que tinha sido feito aos nossos marinheiros, consistindo essas satisfações na saudação da bandeira portugueza em Larache, na demissão do capitão do porto, e até em nina indemnisação pecuniaria relativamente avultada para os marinheiros que tinham sido apedrejados.

Julguei depois dever mandar a Fez o nosso ministro, que foi recebido na côrte scherifana com todas as honras e demonstrações de respeito, vindo pouco depois a Lisboa uma luzida embaixada patentear o acatamento do sultão de Marrecos para com o nosso chefe do estado.

Estas verbas vieram todas descriptas nos successivos orçamentos, mas para ellas me contentei sempre com a quantia de 20:000$000 réis.

Pois para este anno não foram bastantes 20:000$000 réis, pedem-se 45:000$000 réis!

Eu não contava a principio com despezas extraordinarias no anno que vae findar, e por isso não pedi nenhuma verba para as costear, mas o certo é que ainda no meu tempo ellas se verificaram, e por quantia que deve ter sido avultada. Basta referir-me ás exequias de El-Rei D. Luiz, que se celebraram com a indispensavel decencia em Paris, Roma, Berlim, Londres, Vienna e Madrid, e que, como a camara póde calcular, obrigou a uma despeza extraordinaria.

Eu não podia coutar que occorresse a morte de El-Rei o Senhor D. Luiz, nem que se verificasse a conferencia de Bruxellas, onde temos como representantes, alem do ministro os srs. Capello, Batalha Reis e Augusto de Castilho, julgando eu, e creio que bem, que naquelle areopago europeu nos era não só necessario, mas indispensavel que os nossos interesses fossem defendidos por quem conhecesse a fundo as questões que ali se debatiam, e podesse zelar devidamente os interesses e os direitos de Portugal.

A conferencia tem durado mais de seis mezes, e isso representa uma avultada verba de despeza, a que viciam acrescer as resultantes da recepção das embaixadas de Marrocos e da minha dos Amatongas.

Ora, como disse, eu não tinha pedido nada ás camaras para despezas extraordinarias, porque não contava com ellas. E o que fiz pois? Fui á verba das despezas diversas e paguei por ella toda a despeza com que não contava, e para que só em janeiro pedia muito justificadamente pedir verba.

Aqui tem s. exa. a rasão por que o sr. Hintze Ribeiro entrando para o ministerio, encontrou a verba das despezas diversas das legações esgotada; porque eu tinha pago por ella, repito, despezas de caracter absolutamente extraordinario, para custear as quaes tencionava pedir, quando muito, um credito de 20:000$000 réis. Não digo que fosse esta exactamente a verba, porque ignoro a importancia total despendida, mas para os 40:000$000 réis pedidos agora, a margem é larguissima.

Temos portanto que para as despezas diversas, se pedem agora mais 71:000$000 réis, e pelo orçamento extraordinario mais 25:000$000 réis. Isto é, só no ministerio dos negocios estrangeiros, pedem-se mais 96:000$000 réis, do que em qualquer dos annos anteriores. Ora, d'isto não tenho eu nem quero de modo algum ter a responsabilidade; e digo mais: quero crer que todas estas despezas são justificadas e aconselhadas mesmo por altas conveniencias publicas. Não as contesto, nem as discuto, ou aprecio, e mesmo ainda faço insinuações de qualidade alguma, porque não tenho motivo fundado para as fazer, nem tambem as fez o meu illustre amigo o sr. José Luciano de Castro. O que digo simplesmente é que não me cabe a responsabilidade de taes despezas, tão consideraveis, e uma vez que se me quer lançar em rosto, como o fez o sr. ministro da fazenda, uma tal responsabilidade, venho aqui defender-

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me muito claramente, sustentando que nenhuma me cabe n'esse augmento enorme de 97:000$000 réis.

E se passar agora do ministerio dos negocios estrangeiros, que eu conheço de perto, para os outros ministerios, direi tambem no sr. ministro da fazenda, e sempre sem insinuação malevola, que as despezas tambem ali cresceram por uma forma absolutamente inexplicavel, que apparecem algumas verbas extraordinariamente augmentadas, envolvendo esse augmento uma responsabilidade que só muito parcialmente nos póde caber. E se não, a camara vae ouvir-me.

O meu illustre amigo, o sr. José Luciano de Castro, referiu-se hontem ás despezas eventuaes do ministerio das obras publicas; e o sr. ministro da fazenda ficou com isso muito satisfeito, como eu o reconheci logo na sua physionomia franca como o seu nome e aberta como o sen animo; s. exa. ficou muito satisfeito quando viu fazer uma referencia da qual esperava poder tirar partido para um effeito oratorio que oppozesse a essa rhetorica cansada do meu collega, que apesar de causada, no dizer de s. exa., não deixou de doer vivamente ao nobre ministro da fazenda, como toda a camara viu pelo teor da sua resposta, que bem outra devera ter sido no tom e no fundo, em face de um homem que pela sua idade e pelos seus largos serviços ao paiz, merecia talvez da parte de s. exa. mais alguma contemplação, se não mais algum respeito que por tantos titulos elle a todos devia inspirar.

Mas voltemos ás despezas eventuaes do ministerio das obras publicas.

Toda a camara ouviu o sr. ministro da fazenda dizer triumphantemente ao sr. José Luciano de Castro: "V. exa. pergunta-me quem fez estas despezas? Pergunte-o aquem tem ao seu lado". Indicava assim o sr. Eduardo José Coelho, que n'esse momento estava presente n'esta camara.

Ora, eu não digo que não se gastasse de mais em o nosso tempo.

V. exa., sr. presidente, reconhecerá, sem duvida, que o governo progressista, dizem uns que por excesso de felicidade, outros que por uma habilidade notavel de quem geriu durante tres annos a pasta da fazenda, o governo progressista, repito, governou durante uma maré de grandes felicidades.

E por isso, como era naturalissimo, para logo começaram as exigencias. Os militares, com rasão, exigiram augmento de soldo; e depois não eram só os officiaes combatentes, eram tambem os reformados, e depois dos reformados os officiaes do ultramar; eram os exercitos de terra e mar que pediram e obtiveram augmento de soldo; e n'estas circumstancias podiam tambem os professores das escolas superiores deixar de ser contemplados?

Foi indispensavel attender á classe do professorado, e se os juizes não melhoraram tambem de vencimentos durante a situação transacta, foi isso por culpa exclusiva de s. exas., os actuaes ministros.

A intenção firme e consciente do partido progressista era que a magistratura fosse remunerada; mas pela forma como devia sel-o, respeitada sempre a sua independencia e exaltada a sua situação moral.

O que o gabinete do sr. José Luciano nunca teria feito era beneficiar os juizes e magistrados do ministerio publico, por um acto gracioso e illegal do poder executivo, quando carecia recorrer á sua benevolencia para a execução de decretos tambem illegaes, que tendiam a cercear as liberdades publicas fora da acção do parlamento, e em desrespeito absoluto da constituição do reino.

E assim como se pedia e conseguiu o augmento dos vencimentos, tambem se pediam os melhoramentos materiaes e as obras em toda a parte, obrigando tudo a avolumar as despezas alem do que a prudencia aconselhava, sou o primeiro a confessal-o. E a presença do reverendo prelado da Guarda, que me está escutando neste momento, faz-me lamentar que nessa largueza geral só escapasse o clero, e que bem merece, ao menos, que lhe não regateiem essa aposentação promettida já pelo gabinete de que eu fiz parte, e que é o menos que se póde fazer em beneficio da justiça que assiste a uma classe, que mais do que nenhuma outra póde exercer sobre a sociedade inteira uma influencia benefica e salutar.

E por o crer assim, espero que o espirito agora muito economico do sr. ministro da fazenda se não opponha, e que justiça seja feita a essa classe benemerita.

Mas voltemos ao triumpho do sr. ministro da fazenda, quando recommendou ao sr. José Luciano que perguntasse ao sr. Eduardo José Coelho em que gastara tanto dinheiro, pois que a verba votada para todo o anno, que era, segundo creio, de 37:000$000 réis, já estava excedida em 9:000$000 réis no mez de janeiro, ao passo que o sr. Arouca gastou com uma moderação espantosa os 15:000$000 réis nos cinco mezes restantes do anno economico.

E por aqui se vê quanto s. exas. são economicos.

Mas, sr. presidente, a infelicidade quer que as despezas eventuaes sejam apenas uma parcella do capitulo das diversas despezas do ministerio das obras publicas.

(Interrupção do sr. ministro da fazenda que não se ouviu.}

Verifique v. exa. que possue os documentos, eu não posso senão fazer uso dos que oficialmente já foram publicados.

Vamos, pois, ver o que se gastou pelo capitulo todo das despezas diversas.

Em 1885-1886 gastaram-se 31:800$000 réis; em 1886-1897, 51:600$000 réis; em 1887-1888, 29:000$000 réis, em 1888-1889, liquidação até 30 de junho d'este ultimo anno, 53:800$000 réis.

Chega o tal anno famoso da transição e transforma os 53:800$000 réis em 100:000$000 réis, que não são pedidos no actual orçamento rectificado.

Ora, pergunto eu á boa paz, ao sr. ministro da fazenda: devemos nós carregar ainda com estes 105:000$000 réis todos?

Nada posso affirmar por que não conheço os algarismos e documentos, mas receio muito que influissem n'este numero as mesmas rasões que engrossaram desmarcadamente as despezas do ministerio dos negocios estrangeiros, e que por isso os louvores á parcimonia do sr. ministro das obras publicas, porque só gastou a modesta quantia de 15:000$000 réis com as despezas eventuaes, tenham de montar, por se ter tratado, de uma fracção apenas do capitulo das despezas diversas, onde as despezas crescem de um para o outro anno de 54:000$000 réis a 105:000$000 réis.

E como este capitulo 11.°, outros ha que não se coadunam muito com as explicações e louvores de s. exa. o sr. Franco Castello Branco.

O capitulo 6.°, por exemplo, a que se referiu o meu amigo e collega Luciano do Castro, das diversas obras, está muito particularmente n'este caso.

Por este capitulo 6.° gastou-se em 1885 1886 396:000$000 réis.

Segundo as contas do thesouro, logo no anno seguinte, 1886-1887, a despeza foi já de 704:000$000 réis, e este acrescimo póde até certo ponto explicar se pelas causas que influiram na economia geral da nação, e no procedimento do ministerio, determinando um consideravel augmento nas despezas.

Em 1887-1888 a despeza foi de 880.000$000 réis; em 1888-1889, liquidação até 30 de junho 935:000$000 réis.

Apesar do desafogo relativo do thesouro, a despeza apenas cresceu em tres annos 180:000$000 réis; mas chega esto anno das vaccas magras, na opinião do sr. ministro da fazenda, e esta verba, longe de diminuir, apparece transformada em 1.387:000$000 1eis, o que constituo uma verdadeira monstruosidade.

Procura o sr. ministro da fazenda dar a rasão d'este crescimento, sacudindo de cima de si e do seu collega a

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responsabilidade inteira do facto. Pois em grande parte ella é de s. exas., e não é difficil demonstral-o.

"Quando nós entrámos para o ministerio, disse o sr. ministro, e escreveu-o minuciosamente no seu relatorio, estavam já gastos 707:000$000 réis, por este capitulo das despezas diversas, isto é, excedeu se a dotação."

(Áparte do sr. ministro da fazenda.)

Estava em janeiro liquidada a despeza na importancia de 770:000$000 réis, dil-o o relatorio de fazenda de s. exa.

Pois se o ministerio progressista, direi eu agora, se viu obrigado a alargar um certo numero de despezas publicas, ou se mesmo foi excessivo no gastar em despezas reproductivas, poderá isso explicar que os actuaes ministros, a quem falta por tudo isto auctoridade para se mostrarem Catões tão severos, como se mostrou o sr. ministro da fazenda, não restringissem essas despezas exageradas, e venham pedir agora, tendo-se gasto nos cinco mezes e meio da sua gerencia mais 687:000$000 réis, quer dizer, quantia proximamente igual á que se despendeu nos primeiros seis mezes e meio, em que se verificaram as prodigalidades tão duramente profligadas pela palavra ardente do sr. ministro?

Onde está, pois, o tão apregoado espirito economico da actual administração?

Refugiou-se talvez nas economias famosas de 200:000$000 réis, mas que o sr. ministro da fazenda, no seu relatorio, conseguiu retirar depois de meditar profundamente sobre todas as verbas de um orçamento que, por infelicidade de nós todos, já se eleva a mais de 50.000:000$000 réis.

Essas economias rabiscadas através de tão densa seara pelo sr. ministro da fazenda, foram já hontem alvo da critica desapiedade, mas justa, do sr. Luciano de Castro.

Mais tarde, e em outra discussão, serão ellas alvo de censura mais detida por parte de um dos nossos mais auctorisados collegas d'esta camara.

Quero, porém, eu igualmente referir-me a ella ainda que por incidente, para mais uma vez accentuar o seu valor e significação.

A camara viu que neste orçamento rectificado o governo pede para o ministerio dos negocios estrangeiros mais 97:000$000 réis do que effectivamente se gastou no anno passado.

Pois uma das economias descobertas pelo sr. Franco Castello Branco é a de 6:000$000 réis no capitulo das despezas diversas do ministerio dos negocios estrangeiros; o espanto que isto suscita cresce de ponto quando se observa que esta brilhante economia se calcula não sobre a verba augmentada do orçamento rectificado, mas &im sobre a verba primitiva do orçamento de previsão!

Ha uma outra economia muito curiosa, que devia tambem verificar-se para o anno no mesmo ministerio dos negocios estrangeiros.

E essa, alem de poupar ao estado a importante quantia de 2:250$000 réis, tem tambem a superior e moralisadora vantagem de pôr termo a uma flagrante illegalidade de que se me lançou gravemente em rosto, no relatorio do sr. ministro da fazenda.

Consiste essa illegalidade em se ter inserido aquella verba de 2:250$000 réis para occorrer ás despezas do consulado de Portugal em Alexandria.

E consul de Portugal em Alexandria o sr. Gabriel de Zogheb, que se naturalisou portuguez, que tem feito excellentes serviços ao paiz, que está hoje ali encarregado de negocios, e que nunca recebeu por todos esses serviços, como empregado consular e diplomatico, um real do thesouro portuguez.

Ultimamente conseguiu elle por suas diligencias e iniciativa minha que o governo egypcio nomeasse, de accordo com os tratados, que nunca haviamos feito observar, um juiz de primeira instancia para Mansurah.

Foi nomeado para esse cargo, largamente remunerado pelo governo do khediva o sr. Antonio Paes de Sande e Castro.

E já posteriormente á minha saída do governo o sr. ministro dos negocios estrangeiros participou que outra vantagem se havia alcançado, promettendo o governo egypcio nomear um outro juiz portuguez para o tribunal mixto de segunda instancia, direito este que eu já procurei alcançar, mas que só agora o governo egypcio reconheceu, a proposito da convenção celebrada com o sr. Hintze Ribeiro.

Ora, o sr. Gabriel de Zogheb disse-me um dia: "Eu tenho servido Portugal ha muitos annos gratuitamente. O mesmo fizera meu pae. A situação do consulado, hoje com representação diplomatica, obriga-me, porém, a despezas, de material e expediente, que eu desejava me fossem abonadas, pois me não são indifferentes".

Toda a camara sabe que no orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros sempre se inscreveram verbas para occorrer ás despezas de varios consulados; assim dava-se um subsidio ao consulado de Génova, ao de Marselha e ainda a outros, lembra-me agora ainda o de Vigo, por exemplo.

Eu entendi em vista disso que era decoroso para o governo portuguez annuir ao pedido do sr. Gabriel de Zogheb, e como não gosto de encobrir os meus actos, em vez de ir buscar aquella verba de 2:200$000 réis ao capitulo das despezas diversas de legações e consulados, augmentando-a para isso, preferi descrevel-a franca e abertamente no orçamento do estado, contando que as camaras a achariam por todos es motivos justiticadissima.

Consulte s. exa. o sr. ministro dos negocios estrangeiros ácerca de quanto acabo de expor e eu desafio-o a que me diga que esse seu collega acha conveniente fazer desapparecer esta verba do orçamento, que mereceu ao sr. ministro da fazenda menção especial e de censura no rol das suas economias.

E assim tambem que se vae crear uma importante despeza nova constituindo e organisando o ministerio da instrucção publica, com um luxo de numerosas direcções gerais, e annuncia-se a par d'isso uma economia de réis 30:000$000, uma verba destinada anteriormente para subsidio ás camaras com as despezas da instrucção primaria!

E ao passo que se apregoam estas falsas e insignificantes economias, que mesmo quando se realisassem, nenhuma influencia podiam ter sobre um orçamento de 50.000:000$000 réis, a par disso deixa-se o orçamento sobrecarregado com verbas importantes, como é a de 480:000$000 réis para as obras do porto de Leixões, quando o primeiro cuidado do sr. ministro deveria ter sido dar execução á lei relativa ás linhas de Salamanca, obrigando a companhia a realisar a operação de credito para que estava auctorisada e que desonerando os bancos do Porto da responsabilidade muito grave que sobre elles pesa, devia ao thesouro um reembolso de 3.700:000$000 réis já gastos, e uma disponibilidade immediata de 6.316:000$000 réis os quaes juntos á importancia da operação por mim realisada com a caixa geral de depositos, faria face a todos os encargos do anno economico corrente, e poderia mesmo deixar alguma sobra, maior ou menor, para o anno immediato.

Em vez disso o sr. ministro foi imprudente em inconvenientemente realisar um emprestimo directo de réis 9.000:000$000, cansando o credito para o qual teve de appellar dentro em pouco por quantia tres vezes superior aquella, o que tudo deu em resultado arrastar-se o nome de Portugal pelas das e esquinas de Paris, e praticar o sr. ministro um grave erro financeiro, releve-me s. exa. que lho diga, cujas desastrosas consequencias finaes ainda hoje se não podem prever. Pois era para estes grandes e graves interesses que se devia olhar, eram estas as economias que deviam prender a attenção do ministro, e não a attenuação aliás pequenissima de pequenas verbas de despeza.

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A minha referencia ao porto de Leixões suggere-me uma observação final, que me parece digna de fixar o estudo do sr. Franco.

Tambem relativamente ás obras do porto de Lisboa se podia proceder de forma que o orçamento ficasse alliviado de importantes verbas, que sobre elle vão pesar nos annos proximos e que devem elevar-se a uma totalidade de réis 10.800:000$000. O sr. ministro da fazenda, que em tempo, na camara dos deputados, quando ali eramos collegas, ha de estar lembrado que eu combati com energia a proposta do sr. Fontes, relativa ás obras do porto de Lisboa.

Fil-o mais que tudo por causa da operação financeira, a meu ver detestavel, e que andava ligada áquella proposta. Pois se essa proposta era inconveniente, quando as inscripções estavam a 43, hoje, que apesar do abalo recente do nosso credito, ellas se mantêem a 63, é evidente a vantagem de alterar o contrato primitivo celebrado para a construcção do porto nos termos d'aquella lei. Porque se não procederá a respeito de Lisboa, como se fez proceder a respeito de Leixões, alliviando desde logo o thesouro de recorrer directamente ao credito por uma quantia superior a 10.000:000$000 réis? Pense o sr. ministro da fazenda n'este e em outros expedientes destinados a alliviar o orçamento de verbas importantes, de que o póde desonerar; realise economias no anno economico futuro de centos de contos de réis, no ministerio das obras publicas, economias que são possiveis e não fazem sangue, e deixe em paz o consulado de Alexandria, e outras economias de igual tomo, que nem sequer têem o merecimento de serem realisaveis, e que não honram a capacidade inventiva do nobre ministro, que é, gostosamente o confesso, para muito mais.

Tenho dito.

O sr. Ornellas: - Mando para a mesa o parecer da primeira commissão de verificação de poderes sobre a eleição para par do sr. Calca e Pina, pelo collegio districtal da Horta.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir para ser distribuido por casa dos dignos pares.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, mando para a mesa, por parte da commissão especial, o parecer sobre o bill de indemnidade.

O sr. Presidente: - Vae a imprimir para ser distribuido por casa dos dignos pares.

O sr. Moraes Carvalho (relator): - Competindo-lhe responder ao digno par sr. Barros Gomes, por um lado a hora adiantada da sessão e pelo outro a necessidade urgente de se votar o orçamento rectificado e a lei de meios, não lhe permittiam dar grande desenvolvimento ás considerações que ia apresentar em resposta ao digno par; procuraria, pois, ser o mais breve, sem comtudo deixar de responder a todos os pontos do discurso do sr. Barros Gomes.

Censurara s. exa. o sr. ministro da fazenda pela energia com que respondera ao digno par sr. José Luciano do Castro, attribuindo a arrebatamentos da mocidade, menos em harmonia com a cordura propria do exercicio do seu alto cargo, a vehemencia da sua resposta. Não pretendia fazer o confronto dos discursos do sr. José Luciano de Castro e do sr. ministro da fazenda, mas a camara a ambos os ouviu e de certo verificou que o nobre ministro não ultrapassou os limites da sua legitima defeza.

N'este ponto o digno par accusára o sr. ministro por ter s. exa. na sua resposta recordado uma celebre phrase do sr. José Luciano proferida ha trinta annos num discurso em que na outra camara s. exa. accusava o sr. Fontes, então ministro da fazenda.

É que o sr. ministro ao ouvir o illustre o chefe do partido progressista, como que rejuvenescido trinta annos, tal como rejuvenescera Fausto, pronunciar um discurso como os que proferia no principio da sua carreira parlamentar, imaginou-se transportado a esses tempos, era, pois, natural a recordação da phrase que citou.

Insistíra tombem o sr. Barros Gomes na questão dos 40:000$000 réis para beneficencia, e não comprohendo bem os motivos de tal insistencia.

Comprehende-se a posição do sr. visconde de Moreira de Rey. S. exa. condemna o facto da auctorisação, e consequentemente não auctorisa com o seu voto a despeza. Mas a situação do sr. José Luciano não é a mesma. Acaso não approva s. exa. a verba? Votando-a, pretende s. exa. negar a sua responsabilidade de a ter auctorisado como ministro? Se a vota como par, que mais será o tel-a aucto-risado como ministro? Tendo-a auctorisado como ministro, que mais será o votal-a como par? Era simples a questão. Como ministro auctorisára o sr. José Luciano a despeza por uma simples promessa verbal; o sr. presidente do conselho, quando isto lhe foi communicado, respondeu que, uma vez que a promessa verbal fosse reduzida a escripto, não duvidaria auctorisar a despeza. Assim se fizera.

O orador leu em seguida uma carta do sr. conde de Burnay publicada nos jornaes. Perguntara o sr. Barros Gomes se no pagamento ás casas de penhores estavam garantidos os direitos do estado.

Affirma o orador que estão garantidos pelas providencias adoptadas no ministerio do reino, e do que a camara já tem noticia. De resto, entendia que mal se podia censurar este ou aquelle ministerio, pelo facto de ter destinado da verba de beneficencia quaesquer quantias para na occasião de uma epidemia, que estava victimando a população, principalmente nas classes pobres, se acudir aos mais necessitados, e nem o facto era novo; n'outros paizes se tem feito o mesmo; fez-se em França em 1848 e até no tempo da communa em 1871, mandando o governo de então desempenhar até instrumentos de trabalho, dando-se tambem ahi, como se dão sempre, abusos que nunca é possivel evitar. Entrando na questão financeira, o sr. Barros Gomes referira-se ao natural augmento das receitas, entendendo s. exa. que para esse augmento deve em parte ter contribuido a gerencia de quatro annos do ministerio progressista. Pedia licença ao digno par para lhe observar que o augmento das receitas tem a sua principal origem no desenvolvimento da riqueza publica, proveniente dos grandes melhoramentos materiaes do paiz devidos á grande e gloriosa iniciativa do illustre chefe do partido regenerador, Fontes Pereira de Mello. (Apoiados.)

Foi o partido regenerador que, iniciando uma longa serie de melhoramentos materiaes no paiz, desenvolveu as fontes da riqueza publica, alargando os recursos do thesouro.

Mostrára-se o sr. Barros Gomes inquieto em virtude do algumas palavras do relatorio do sr. ministro da fazenda; mas n'esse relatorio não são as palavras, são os numeros, são os algarismos o que incommoda de certo os dignos pares.

Em seguida, referindo-se á parte do discurso do sr. Barros Gomes, em que s. exa. apreciava o augmento das despezas ordinarias e extraordinarias, oppoz aos cálculos do digno par outros calculos para provar que a apreciação de s. exa. não fora exacta. Para elle, orador, o augmento das despezas extraordinarias tu por si não era facto de uma grande significação, por que de um anno para o outro podem essas despezas crescer ou diminuir sem que a esse facto corresponda melhoria ou aggravamento das condições financeiras e economicas do paiz, e o que era mais grave era o augmento da despeza ordinaria, e mais grave ainda quando esse augmento chegava, como provara pelos seus calculos, a 3.860:000$000 réis.

Estavam já todos acostumados a ver ha alguns annos crescer de anno para anno a despeza ordinaria 600:000$000 réis a 700:000$000 réis, sendo de 2.000:000$000 réis em 1880-1886 por motivos excepcionaes.

Já ha dois annos elle, orador, na camara dos senhores de-

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putados chamara a attenção do governo e do paiz para este facto, que reputava grave, mas hoje o mal aggravava-se, porque o augmento excedia ainda a 2.000:000$000 réis o maximum a que tinha attingido, chegando este anno o augmento a 3.800:000$000 réis, o que equivale a um augmento de 8 por cento.

Mas era porventura do actual gabinete a responsabilidade d'esse augmento? Eis o que elle, orador, contesta. Com relação ao augmento de despeza do ministerio das obras publicas em differentes verbas do seu orçamento o sr. ministro respondera ao sr. José Luciano que pedisse a explicação de tal augmento ao ministro das obras publicas do ministerio de que s. exa. fôra chefe. Com relação ao augmento rio ministerio dos negocios estrangeiros o proprio sr. Barros Gomes, justificando as despezas extraordinarias com a creação de novos consulados e outras, s. exa. mesmo mostrara que não é do actual governo a responsabilidade do augmento, nem o orador por isso accusa o illustre ex-ministro porque comprehende bem que circumstancias extraordinarias trazem despezas extraordinarias, e se em todos os ministerio se tivesse procedido como se procedeu no ministerio a cargo então de s. exa., ninguem certamente alcunharia de gastador o governo transacto.

O certo era que o augmento de despezas, cuja responsabilidade podesse caber ao actual ministerio, e justificado, pouco excederia a 100:000$000 réis. O augmento progressivo da despeza é inevitavel e dá-se nos orçamentos de todas as nações, nem póde deixar de dar-se em consequencia das exigencias sempre crescentes da civilisação, roas por isso mesmo que é fatal o crescimento das despezas publicas, é norma da boa administração ter sempre em vista o equilibrio orçamental, havendo sempre a maxima prudencia na fixação de novas despezas que não obedeçam a uma impreterivel necessidade.

De resto, o crescimento da despeza dá-se em todos os paizes e em todas as gerencias, mesmo n'aquellas que têem por intuito unico a reducção das despezas.

Referira-se o sr. conde de Valbom que o orador reputa incontestavel auctoridade no assumpto, ao facto de em França se tratar tambem de reduzir a despeza publica. É que em França, como entre nós, se contara demasiadamente com a prosperidade da nação e o desenvolvimento dos seus recursos. Citára tambem s. exa. o exemplo da França, quando indicara a necessidade de passar para o orçamento ordinario muitas verbas da despeza extraordinaria; fez o orador a apreciação dos motivos que n'aquelle paiz determinaram a condição de tal necessidade, e concluiu concordando com o digno par na conveniencia de se estudar devidamente a maneira de transferir para o orçamento ordinario verbas indevidamente consideradas de despeza extraordinaria.

Tinham sido qualificadas de ridiculas as economias feitas pelo sr. ministro da fazenda.

Effectivamente, era diminuta uma reducção de réis 200:000$000, diminuta na sua importancia, mas valiosa como indicio dos intuitos do governo na occasião do succeder algum outro que, em vez de reducções de 200:000$000 réis, augmentava 3.000:000$000 réis na despeza, e por isso felicitava o governo e o sr. ministro da fazenda, como o felicitava pela coragem de que dera irrecusaveis provas, não só dizendo a verdade ao paiz sobre o estado da fazenda publica, mas tambem arcando resolutamente com as difficuldades que podesse encontrar no seu proposito de se resistir á febre de se augmentar constantemente a despeza.

Entendia que a situação financeira estava longe de ser desesperada, sem comtudo deixar de ser seria, e proval-o-ha quando essa questão for discutida. Se n'este momento algum sentimento de vaidade ou de interesse partidario podesse no seu espirito dominar o sincero amor pelo seu paiz, lembraria que ha dois annos, em plena prosperidade financeira, quando por toda a parte se cantavam hymnos de louvor á administração progressista; quando o sr. José Luciano de Castro a todas as accusações respondia invariavelmente com a alta dos nossos fundos, a abundancia de capitães e o grande desenvolvimento dos recursos do thesouro, fôra elle, orador, o que na outra camara se levantara para mostrar que, apesar de toda essa prosperidade, o caminho que então levavamos era o caminho da ruina; fora elle que mostrara como era arriscada e illusoria tanta confiança na alta dos nossos fundos, unicamente devida a causas geraes que influiram no valor dos nossos fundos, como influiram no dos fundos de todas as nações ainda as de segunda, terceira e quarta ordem, como succedêra com os fundos de Italia, que já então caminhava para uma situação economica difficilima, como succedêra com os fundos do Chili, que hoje se debate n'uma gravissima crise economica.

A verdade é que se dera um facto unico na historia economica do mundo, qual fôra a extraordinaria abundancia de capital, ao passo que a agricultura e a industria se achavam assoberbadas pelas maiores difficuldades. (Apoiados.)

Os capitaes fugiram da agricultura, fugiram da industria e procuraram os fundos das nações ainda as de terceira e quarta ordem; este facto, unico na historia, eis o que determinara a subida dos nossos fundos e os de todos os paizes, inclusive da Turquia, da Russia, do Egypto e até das republicas hespanholas, que não passam por modelo de administração financeira e as das provincias do Brazil, inclusive as que tinham, deficit consideravel e lactavam com graves difficuldades para pagarem o juro das suas dividas. Mas a hora estava adiantada e em mais opportuna occasião dará o orador maior desenvolvimento ás considerações que acaba de apresentar.

(O discurso do digno par será publicado na integra logo que s. exa. o restitua.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Como eu fui o auctor da proposta para a eliminação da verba de réis 40:000$000, destinados a pagar a despeza extraordinaria que se fez com a caridade publica, e havendo uma differença, que me parece essencial, entre o que disse o sr. ministro da fazenda e o que acabo de ouvir ao digno relator da commissão, que a verba, a que me refiro, é destinada a uma despeza que não está paga...

O sr. Moraes Carvalho: - Apoiado.

O Orador: - Ora, como não está ainda paga, é por isso que eu, pouco amigo de theorias e essencialmente pratico, propuz que se retirasse do orçamento.

Se ella estivesse paga, estava disposto a julgar esta questão como um facto consummado e a considerar esta parte do orçamento como uma especie de bill de indemnidade, na phrase do digno par o sr. camara Leme.

Sr. presidente, da verba dos 40:000$000 réis inserida no orçamento rectificado é absolutamente innocente o actual governo, que se recusou a pagal-a e submetteu a questão ao parlamento. O nobre ministro da fazenda não tem responsabilidade nenhuma do facto e o seu procedimento merece louvor. (Apoiados.)

S. exa. apresentou ao parlamento, com toda a clareza, um pedido de auctorisação para realisar o pagamento dos 40:000$000 réis. Se esta camara não conceder esta auctorisação, o pagamento não se faz; mas se ella hoje ou ámanhã a votar, então a responsabilidade do pagamento pertence ás duas casas do parlamento. Cada um, sr. presidente, tome o seu logar, e quem poder com a responsabilidade que a assuma.

Eu é que não posso com ella, e por isso não voto a verba dos 40:000$000 réis que vem no orçamento rectificado.

Esta verba podemos consideral-a pequena em relação ao orçamento do paiz; mas quando se vae pedir ao contribuinte mais um addicional de 6 por cento, convem lem-

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brar que para este addicional poder produzir 40:000$000 réis é preciso que seja integralmente cobrado em mais de um concelho do paiz. É preciso que o contribuinte de um concelho ou de uma comarca saiba que o addicional de 6 por cento com que vae ser sobrecarregado não chega para pagar, não uma despeza auctorisada por lei, mas uma simples promessa feita pelo digno par o sr. José Luciano, quando ministro do reino.

Eu não posso deixar de protestar contra este precedente, que, se continua a ser seguido, póde levar de uma vez todos os rendimentos do estado.

O sr. ministro da fazenda disse, e com muita rasão, que a questão não é de dinheiro, não é de quantia, é do se saber se um governo deve, ou não, cumprir as promessas, honrar a palavra do presidente do conselho de ministros da situação anterior. (Apoiados.}

Entretanto a esta questão responde affirmativamente o sr. ministro da fazenda; eu sou que respondo ao contrario, que não tem tal obrigação.

O governo que manda pagar, incorre em uma culpa muito similhante á do governo anterior.

Supponhamos que em vez de 40:000$000 réis se tratava de 400:000$000 réis ou de 40.000:000$000 réis, e aqui tinhamos os membros do actual governo a julgarem-se no dever de os mandar pagar, só para honrar a palavra, do ex-presidente do conselho que tão ferozmente combateram!

Isto não póde ser!

Se alguma cousa ha de respeitavel é o pagamento das verbas que se acham devidamente consignadas no orçamento do estado ou em leis especiaes, mas não estas despezas que não foram legalmente ordenadas.

Póde embora o sr. Barros Gomes elogiar a obra tão perfeita que fez, o regulamento do contabilidade publica, tão perfeita que não é susceptivel de aperfeiçoamento, não ha de o sr. ministro alterar em nada a sua estricta execução se quizer que tudo marche o melhor possivel, que eu digo que se ha um regulamento de contabilidade que permitte o pagamento d'esta verba, carece de ser não aperfeiçoado mas eliminado radicalmente.

Disse-me um amigo meu, e vejo que é verdade, que esta questão engatou pelos dois lados, (Riso) engatou em dois chefes do gabinete, em dois partidos, em dois governos, e não ha forças humanas que a desengatem. (Riso.)

Mas, sr. presidente, como eu não fallo para este governo, nem para o anterior, e sim para o paiz, digo ao paiz que veja, que pense, e que, se quer que o governem de outra fórma, tem o remedio na sua mão.

Eu, por mim, não terei talvez muito tempo a viver, entretanto espero que, pelo menos, emquanto eu estiver n'este mundo não hão de conseguir dar cabo do paiz.

Ora, sr. presidente, eu ouvi ha pouco um digno par, o sr. relator d'este parecer, digno par cuja estreia eu não venho felicitar, porque para mim não foi estreia; a mim não me surprehendeu porque estava habituado ha muito a ouvir os excellentes discursos proferidos por s. exa. na outra casa do parlamento. O que pedia a s. exa. era que, como homem novo, me permittisse que eu lhe dissesse que houve tempo em que se adoptava a politica da verdade e da franqueza; das hoje, por muitos que sejam os homens que se agrupem para a tornar a adoptar, eu receio que não sejam sufficientes.

Sr. presidente, o digno par disso que não se podia censurar o governo por ter auctorisado aquella despeza na occasião em que uma epidemia victimava a população da cidade e principalmente as classes pobres. Ora, eu não teria duvida em votar a verba de 40:000$000, 100:000$000 ou 400:000$000 réis para este fim; mas votava-a segundo as leis estabelecidas e applicadas estas verbas directamente pelo governo, debaixo da fiscalização, não só dos srs. ministros, mas de uns tribunaes creados para fiscalisar a applicação que o governo d'esse aos dinheiros.

As leis d'este paiz obrigam-nos a exercer a fiscalisação directa sobre os actos de todos os ministros e de todos os presidentes do conselho. Mas aqui ha uma excepção a este principio, porque se trata de entregar o dinheiro publico a um particular simplesmente, com uma auctorisação dada pelo sr. José Luciano de Castro ou pelo sr. Antonio de Serpa.

E note v. exa. que esta é a terceira ou quarta vez que eu me refiro a esta questão, e v. exa. nunca me viu declarar, nem o individuo que tinha tomado a iniciativa da subscripção particular, nem o nome do jornal onde se abrira essa subscripção. O digno par o sr. Barros Gomes disse á camara, ainda ha pouco, que se tem tratado esta questão debaixo de um ponto de vista mesquinho. Ora eu nunca me referi, nem ao individuo, nem ao jornal, e no entanto estava no direito de me referir desde o momento em que este nome apparece aqui ligado á auctorisação de uma despeza que o paiz tem de pagar.

Por parto do governo ainda nenhum dos seus membros tomou a palavra que logo no principio do discurso não dissesse quem era o conde que tinha tomado a iniciativa e qual era o jornal de que se tratava.

Para que isto, sr. presidente? para que vem o nome do conde? Será para assustar a maioria parlamentar? Será para fazer pressão no voto de alguem?

Sr. presidente, eu acho ridicula, acho verdadeiramente mesquinha esta maneira de tratar as questões.

O sr. José Luciano, por quem eu tenho a maior consideração e cuja politica é tão respeitavel que não póde ser arguida nem levemente pelo sr. ministro da fazenda, sem incorrer no desagrado do sr. Barros Gomes, pelo facto de ser muito novo o sr. ministro, o que me dá a esperança de uma excepção para mim, que sou velho e sou quasi do mesmo tempo n'estas lactas politicas, para, sem incorrer no desagrado do digno par e meu amigo sr. Barros Gomes, poder arguir quando quizer os actos do sr. José Luciano de Castro como ministro.

Eu não tenho essa intenção; tenho porem todo o direito como membro d'esta casa de responder ás palavras que s. exa. proferiu e profere porque as escolheu e não porque eu lh'as ensine.

Quando não estou de accordo, tenho direito a considerar se é nobre, se é levantado, se é digno tratar uma questão de uma certa maneira e encaminhar a discussão para um campo em que não será de certo o mais proprio d'elle.

Ora, se eu não attendesse, como devo, ao meu logar n'esta casa, e não fosse meu desejo e meu costume tratar aqui das cousas e não das pessoas, eu podia fazel-os arrepender acceitando a questão n'este terreno, mettendo-me tambem a discutir nomes e individualidades.

O sr. José Luciano chegou a dizer á camara estas ou equivalentes palavras: "Pois póde alguem accusar-me de benevolencia para com um homem que nunca foi benevolo para commigo, que tem um jornal onde sempre me aggrediu emquanto eu era governo?"

Pois será esta, sr. presidente, a maneira de se levantar e considerar esta questão e de a discutir?

Eu não entro n'esse campo.

Eu podia perguntar ao sr. José Luciano e ao seu governo: "Mas que inimigo, que adveesario é esse pessoal ou politico, de quem o governo se queixa, e como é que foi honrado esse cavalheiro com um titulo de Portugal?"

Anda isto já por tal fórma e era taes condições que seja obrigação ou necessidade de um governo propor á corôa a favor de qualquer estrangeiro a mercê de um titulo da grandeza de Portugal, a um inimigo ou a um adversario.

Eu não digo mais nada, o creio que isto é o sufficiente para que vejam que esta questão não se trata n'este campo. Tem muitos inconvenientes, menos para mim, que não tem nenhuns.

Eu ponho a questão clara.

Eu tive a honra de mandar para a mesa a minha pro-

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posta. Não peço á camara que a vote, o que peço é que haja votação nominal sobre ella.

Quem poder com a responsabilidade não vota, e quem não poder vota a minha proposta.

Tenho dito em relação a este ponto.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par, o sr. conde de Valbom.

O Orador: - Eu ainda não acabei.

O sr. Presidente: - Eu julgava que o digno par tinha concluido o seu discurso.

O Orador: - Não, senhor.

Eu não quero terminar som dizer alguma cousa a respeito da nossa situação financeira. Eu não posso resistir ao desejo de ver só sei alguma causa da questão da fazenda.

Sr. presidente, eu vejo que continua a escola que considera a riqueza racional pela alta, cotação dos fundos publicos e pelo augmento da receita das alfandegas do paiz.

Eu creio, sr. presidente, que os governos entre nós, abusando d'este facto denunciam e demonstram o impobrecimento do paiz.

Da receita das alfandegas eu já tive occasião de dizer, e faço agora apenas uma ligeira referencia ao que então disse, que tendo nós tributado os generos de primeira necessidade, os productos das industrias que nós podiamos ter tanto mais as alfandegas rendem mais nós gastâmos.

Em relação á cotação alta dos fundos, quando ella vem de causas geraes, como declarou o illustre relator ou de manobras de occasião, como muitas vezes se tem visto na historia de muito papel de credito; quanto á alta das inscripções corresponde a depreciação da propriedade no paiz, da industria e do commercio; concluir d'ahi a prosperidade da riqueza publica é simplesmente queremos il-ludir-nos ou illudir os outros.

Sr. presidente, v. exa. sabe que a propriedade territorial não tem hoje em todo o paiz mais de 30 por cento do valor que tinha ha vinte annos, o que valia 100:000$000 réis vale hoje 30:000$000 réis, e o que ha vinte ou vinte e dois annos encontrava immediatamente compradores hoje não os encontra, apesar de e custar trinta em vez de cem.

Ora, é n'estas circumstancias que nos dizem, que a riqueza nacional adquiriu grande desenvolvimento graças á benefica e escrupulosa administração que tivemos durante quatro annos, e que, se continua por mais algum tempo tão benefica não tardaria a reduzir a propriedade á situação de não valer nada entre nós, e, sem querer alongar-me por agora em considerações, basta pensar na enorme quantidade de propriedade que o credito predial póde lançar no mercado permanentemente.

No tempo em que eu estudei não havia ainda um ministro da instrucção publica, e portanto a ignorancia devia ser muito maior: mas o que havia era mais juizo, bastava dizer-se que a offerta era maior que o pedido para provocar a depreciação e toda a gente entendia e concordava.

Hoje espero que ainda algum sabio me conteste isto. (Riso.)

Sr. presidente, eu desejo ainda referir-me ás providencias julgadas indispensaveis para a de ff z a do paiz e para pôr a capital ao abrigo do primeiro golpe do mão.

Vão decorridos cinco mezes apoz o ultimatum, e é por isso que eu estranho n'este orçamento a falta de uma verba importante que permittisse artilhar devidamente o porto de Lisboa e guarnecer de força respeitavel os pontos mais principaes da nossa costa maritima.

São decorridos cinco mezes, e eu não vejo nada feito, nem nada que esteja em via de realisação.

Para este fim, que eu reputo de uma instante necessidade e de maior urgencia, não recuso qualquer quantia, por mais importante que seja, e voto tudo, comtanto que este paiz se possa livrar de um novo opprobrio.

Vejo com magua, sr. presidente, que um individuo, não em nome do partido a que pertence, mas com a auctoridade que lhe dá a posição que n'elle occupa, ao passo que criticava as verbas de despeza relativa á defeza nacional, nenhuma duvida tinha em votar os 40:000$000 réis, para a canidade publica.

Eu gosto que tudo se conheça, gosto que todos exponham as suas opiniões com a franqueza com que eu o faço gosto que cada um assuma a responsabilidade do seu modo de ver e do seu voto.

Aquelles que querem que o porto mais importante do paiz, esteja aberto de par em par e sujeito ao primeiro golpe de mão, recusem absoluta e francamente qualquer quantia para a defeza nacional; mas aquelles que entendem que devemos resistir ás aggressões violentas que nos fizerem, tratem por todos os meios de convencer o governo do seu paiz, seja elle quem for, de que é necessario, de que é urgente prepararm'o nos para a defeza, sem a qual não podemos ser nação.

Se não podemos ser nação, se não queremos ou se entendemos que não devemos reagir, consintamos que nos tomem por um rebanho de escravos indignos da liberdade; mas se prezâmos a nossa nacionalidade, luctemos até á ultima, porque não fica mal a ninguem morrer com dignidade e com honra, e não nos colloquemos por fórma nenhuma em condições de soffrermos um novo insulto, um novo opprobrio, uma nova villania.

Admira-se o sr. Barros Gomes de que o governo compre quatro navios de corso?

As nações comprara os seus navios de guerra e os seus armamentos para castigarem aquelles que mereçam o castigo. (Apoiados.)

Pois é licito perguntar a uma nação por que é que adquire os seus meios do defeza? Pergunta se, porventura, a alguem se tem mãos para dar bofetadas?

Não temos as mãos unica e exclusivamente para esbofetearmos o proximo; mas é indispensavel que estejamos nas condições de vingar qualquer affronta e defender o que nos pertence.

V. exa. comprehende que eu devia dizer mais alguma cousa; mas callo-me attendendo á hora e á fadiga da camara.

(O digno par não reviu as notas ao seu discurso.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros r Antonio de Serpa): - O digno par estranhou que o orçamento rectificado não inclua verba de despeza para a defeza do reino.

O digno par sabe perfeitamente que o orçamento refere-se a um periodo que está a terminar, emquanto que as auctorisações para o armamento do porto de Lisboa, essas estão nos decretos que o governo publicou usando de poderes extraordinarios, e que hão do ser em poucos dias discutidos n'esta camara.

N'um d'esses decretos o que se teve em vista foi o facto que o digno par apontou, de pôr o porto de Lisboa a coberto de um golpe de mão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu o que quero é a defeza completa do porto de Lisboa; se não se póde gastar esse dinheiro, então é melhor não gastar nada.

O Orador: - Se s. exa. me permitte, mesmo para chegar a isso seria preciso começar pela defeza apenas bastante para nos pôr a salvo de um golpe de mão, e para isso é necessario completar as fortificações de Lisboa, é necessario sobre tudo armal-a, é necessario a acquisição de torpedos e de alguns vasos de guerra, e o digno par sabe, que não se póde fazer tudo de repente.

O sr. Visconde Moreira de Rey: - Eu peço a s. exa. que não dê explicações nenhumas, e o meu desejo é que o governo se compenetre d'esta necessidade, e nada mais.

O Orador: - Tudo isto está em estudo, porque todas estas obras obedecem a um plano, e o projecto só tem por fim auctorisar o governo a activar estes trabalhos, de maneira que possamos o mais depressa possivel chegar ao

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resultado que todos desejámos, qual é a defeza completa do porto de Lisboa.

(S. exa. não reviu.)

O ser. Conde de Valbom: - Não desejando fatigar a camara, e estando a hora muito adiantada, desisto da palavra.

O sr. Barros Gomes: - Pedi a palavra apenas para declarar que, salva uma correcção a fazer á verba destinada ao pagamento feito ás fabricas de tabacos, eu mantenho todos os calculos que serviram de base ás considerações que fiz á camara.

Mandei vir os documentos, e á face d'esses documentos acabo de verificar que não me enganei. Creio que o sr. relator da commissão se fundou mais nos documentos que serviram para o relatorio do sr. ministro da fazenda, do que nos documentos publicados e d'ahi resulta a nossa divergencia.

(S. exa. não reviu,)

O sr. Moraes Carvalho: - O sr. Barros Gomes, nos calculos que apresentou em relação á conta provisoria do exercicio, e não á conta definitiva de 1888-1889, firmou-se em parte na conta geral do estado, e em parte na conta provisoria publicada no Diario do governo, emquanto que eu na conta que apresentei do exercicio de 1888-1889 firmei-me na conta provisoria d'esse exercicio, cuja nota vem publicada no relatorio do sr. ministro da fazenda, que s. exa. naturalmente publicou em virtude de informações officiaes que lhe foram fornecidas, e por isso dou mais pelo meu calculo do que pelo do sr. Barros Gomes, porque s. exa. serviu-se de documentos que muitas vezes soffrem correcções.

S. exa. já se referiu a um equivoco em relação á verba dos tabacos, mas ainda ha mais.

Pelas notas publicadas no Diario ha de ver que ali as sommas pertencentes ao exercido de 1888-1889 são superiores á somma das despezas liquidadas n'esse exercicio, o que não me parece provavel.

(Áparte do sr. Barros Gomes.)

São contas provisorias, mas ha differença entre a verba que vem nas contas dos tabacos e a que o sr. ministro da fazenda apresenta.

(Áparte do sr. Barros Gomes.)

Eu com isto não censuro s. exa. estou apenas dizendo que se fizeram contas provisorias e que dou mais pela conta do sr. ministro da fazenda do que por aquella que s. exa. organisou.

O sr. Marçal Pacheco: - Sr. presidente, levanto-me para dizer apenas duas palavras em relação á proposta que mandou para a mesa o meu nobre amigo e collega, o digno par do reino visconde de Moreira de Rey.

S. exa. propõe para ser eliminada a verba de 40:000$000 réis que o sr. ministro da fazenda incluiu no orçamento rectificado para pagamento da despeza com o resgate das roupas, e eu sinto dizer que voto contra essa proposta ainda que esteja de accordo com muitas das considerações feitas por s. exa., muito de accordo com algumas d'ellas até.

Effectivamente, sr. presidente, não parecerá muito bem que n'uma occasião em que o governo vae pedir sacrificios novos ao paiz venha tambem pedir-lhe 40:000$000 réis para pagar uma divida contrahida illegalmente. Digo illegalmente, porque o credor d'ella, que não discuto agora quem seja, a pede em virtude de uma declaração verbal que lhe foi feita por um ministro a quem, se perguntarem em que lei se fundou para dar uma auctorisação verbal d'esta ordem, certamente não acudirá resposta facil e prompta.

O ministro do reino da passada situação, que auctorisou esta despeza, de certo que para responder, se verá collocado em serios e graves embaraços e não encontrará lei nenhuma que o defenda.

Portanto, sob este ponto de vista, quanto á illegalidade da auctorisação, eu concordo com o digno par. É obvia.

Tambem concordo com outras considerações que s. exa. fez com respeito ás consequencias que vão derivar-se do acto que vamos approvar.

Effectivamente, ficará estabelecido como procedente que uma simples auctorisação de um ministro obriga os ministros successores a mantel-a.

Os perigos serios e as consequencias desastrosas que podem advir de um facto d'esta ordem, todos os prevêem claramente.

Eu creio que a auctorisação foi dada sem limite, até a quantia que fosse precisa, mas essa quantia que, felizmente, foi agora só de 40:000$000 réis, póde ámanhã ser de 400:000$000 ou de 4.000:000$000 réis.

Estou, pois, de accordo com as considerações do digno par que me precedeu, tendentes a provar os graves inconvenientes do acto que o parlamento vae praticar, approvando o pagamento d'esta despeza.

Mas, sr. presidente, como o digno par disse, e muito bem, é precito ver esta questão por dois lados. Os lados por que eu a vejo são dois tambem.

Um, é constituido por nós, que temos de pagar; o outro lado é o do credor, que tem de receber.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Não são esses os lados por que eu considerei a quentão.

O Orador: - Não digo o contrario.

Mas eu olho para estes que tambem são dois lados.

Poderá haver outros, e é possivel que ao digno par não convenha considerar estes, mas para mim é condição essencial vel-a por estes dois aspectos, porque, desde que se trata de um pagamento é porque ha uma divida, e desde que ha uma divida, ha por força um credor e um devedor.

Sr. presidente, não podemos abstrahir da situação do credor n'este deploravel assumpto.

Em verdade, ninguem contestou ainda o facto de uma determinada individualidade ter sido auctorisada pelo sr. ministro do reino do ministerio transacto, a despender, sem limite, as quantias que fossem precisas para um determinado serviço.

A camara póde não approvar o pagamento das despezas feitas, mas ha um facto necessario que emerge necessariamente da recusa d'esse pagamento.

É um calote.

Ora, com franqueza, não me parece que esteja entra nós tão elevado e tão considerado o poder executivo que seja preciso juntar-lhe mais este requisito de caloteiro para mais o honrar.

Sinceramente, não me parece.

Se ficar estabelecido que o governo actual não honra a palavra do seu antecessor, qual será a resposta de alguem a quem um ministro da corôa precise, no futuro, de encarregar qualquer serviço? Esta, com certeza: "Quem me assegura de que me pagarão esse serviço? Não tenho a certeza de que ámanhã me paguem."

A questão é esta. O estado ou para as despezas auctorisadas por um. dos ministros da corôa, ou se recusa ao pagamento.

Se não pagamos, o credor tem o direito de chamar caloteiro ao governo do paiz. Se pagamos, honramos o compromisso do estado, mas auctorisamos um precedente de consequencias graves. Entre um e outro d'estes inconvenientes, prefiro o segundo, tanto mais quanto ha meios que podem acautelar o futuro.

O sr. Visconde de Moreira de Rey (interrompendo):- O governo não auctorisou nada, o sr. José Luciano sim...

O Orador (continuando): - Eu não fallo em nomes; só considero a entidade governo. Não me parece que tenha cabida aqui qualquer subtileza.

O sr. Visconde de Moreira de Rey (interrompeu do): - Fica então estabelecido o precedente.

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O Orador (continuando): - Cumpre ao parlamento tomar medidas para que o caso se não repita.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco (interrompendo): - Vae tomal-as já, approvando a lei de meios como está redigida.

O sr. Marçal Pacheco (continuando}: - O caso é este: não póde deixar de distribuir-se o epitheto de caloteiro ao governo que ali está, ou ao governo que ali esteve, no caso de se recusar o pagamento.

E não se diga que o primitivo compromisso foi meramente verbal, porque o ministro que o tomou, foi depois rectifical-o por escripto, tal era o gosto que isso lhe dava. (Apoiados.}

Parece-me pois, que não temos grande liberdade de acção n'este assumpto, e que o que devemos fazer é pagar, porque a minha opinião é que quem deve, paga.

Sr. presidente, parece-me que nestas simples considerações tenho dito francamente o que é preciso para justificar o meu voto. Não entro em considerações de ordem politica, mais ou menos superior, ou de ordem financeira, mais ou menos bem entendida, que podem justificar a auctorisação, que se fez, para as despezas que temos de pagar. A auctorisação foi illegal, mas póde ser que fosse justa. Succede, muitas vezes, haver justiça sem haver legalidade f e haver legalidade, sem haver justiça.

Tambem não quero sabor se o ministro da anterior situação, ao tomar aquelle compromisso, o tomou impensada e levianamente. O que digo e affirmo é que o tomou, embora e tomasse illegalmente. Mas tornasse-o illegalmente ou não, cumpria-lhe honral-o, desde que o tomou, como cumpre aos seus successores honral-o igualmente, porque na entidade governo, não ha solução de continuidade.

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, eu não fazia tenção de tomar a palavra, mas roubarei poucos momentos á camara.

Esta questão para mim é simples; e eu de certo não sou menos escrupuloso do que os dignos pares que têem fallado neste assumpto. Para mim a questão é muito simples.

Houve um ministro que fez uma promessa verbal de um certo subsidio para beneficencia publica.

Esse ministro, antes da realisação d'essa promessa caíu.

Eu, se fosse o ministro que lhe succedesse, perguntaria ao individuo a quem a promessa fôra feita, se já tinha ou não gasto alguma cousa em nome d'essa promessa.

Se tivesse gasto, não teria duvida absolutamente nenhuma em mandar pagar essa quantia.

Se porventura, em virtude d'essa promessa, não tivesse ainda gasto nada, então eu pensaria se deveria ou não honrar a firma do meu antecessor. Em todo o caso, desde esse momento* A responsabilidade seria para mim.

Mas com a franqueza que me expropria eu direi que, quando chegasse a realisar se a promessa, eu quizera então fazer a caridade official por mim ou pelos meus empregados.

É necessario destrinçar as responsabilidades n'este sentido.

Esta questão foi considerada por dois lados, pelo digno par sr. visconde de Moreira de Rey; foi considerada por outros dois lados pelo digno par sr. Marçal Pacheco; e eu se quizesse, ainda a considerava por outros dois lados tambem. Assaltam-me n'este momento ao espirito reflexões neste sentido.

No entretanto termino por dizer á camara que me reputo ser tão escrupuloso como os dignos pares que me precederam; e que não tenho duvida absolutamente alguma em votar essa poposta.

Eu quizera que tivesse havido desde o principio a fiscalisação respectiva; no entranto, desde que o governo me assegura que nada está pago, e que as contas pelas quaes se ha de pagar essa quantia se hão de fiscalisar devidamente, eu não tenho duvida absolutamente nenhuma era auctorisar o pagamento da quantia que se verificar que foi, empregada em favor de um sentimentos altamente humanitario.

Se eu fosse ministro, que nunca hei de ser por muitas rasões, em casos d'esta ordem nunca me preoccuparia com outras considerações que não fossem aquellas que derivassem dos deveres do meu cargo, principalmente quando fosse inspirado por sentimentos humanitarios.

O que vejo é que n'esta questão todos se preoccupam com o receio de uma certa e determinada responsabilidade. Não sei a rasão d'este facto.

Em todo o caso eu n'este ponto sigo a opinião do sr. ministro da fazenda.

Eu elevo-me acima de todas as preoccupações para cumprir o meu dever.

Voto, pois, a auctorisação pedida para pagar os réis 40:000$000, depois de verificada a sua applicação, porque o que eu desejo é que esta quantia tenha sido applicada, como era necessario que o fosse. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Thomás Ribeiro.

Ouviu-se esta exclamação: Oh!

O sr. Thomás Ribeiro: - É pouco lisonjeiro para mim esse: Oh!

Sr. presidente, eu fazia tenção de dizer duas palavras como explicação do meu voto; mas agora tenho grande desejo de discutir o assumpto largamente. Não se afflija a camara com isto que eu digo, que não passa de uma ameaça bem merecida, pelo menos, por um não sei qual dos meus collegas. (Riso.}

Sr. presidente, eu tenho estado silencioso.

Fazia tenção de tomar a palavra na discussão da lei de meios; mas n'esta occasião, á ultima hora, com o contador á vista, é desanimador.

Sr. presidente, eu voto contra o pagamento dos réis 40:000$000, apesar de ter feito varias elegias de caridade.

Eu creio que a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey poucos mais votos terá.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu julgava que tinha só o meu. (Riso.)

O Orador: - Pois não tem. Seremos dois a votal-a.

Sei que houve uma promessa de pagamento feita por quem não podia fazel-a.

É uma dictadura da beneficencia. O sr. ministro da fazenda pede para ella um bill de indemnidade.

Quem podia votar que se fizesse esta despeza era o parlamento, mas o parlamento de ha muito que está posto de parte.

Sr. presidente, eu entendo que não podemos votar aqui no orçamento rectificado esta proposta dos 4U:000$000 réis que vem adherir á somma pedida para a beneficencia.

O meu amigo, sr. visconde de Moreira de Rey, perguntou, não sei a quem foi, parece-me que ao sr. relator da commissão, se estavam ou não pagos estes 40:000$000 réis. Respondeu-se lhe que não. Bem.

Pois, se não estão pagos, não se pagam já n'este anno economico e entram no orçamento do anno economico seguinte.

(Aparte.)

Eu não percebo nada das questões, quando as querem embrulhar os homens das cifras.

Perguntou o sr. visconde de Moreira de Rey ao sr. presidente do conselho: "Porque é que não vem no orçamento rectificado as despezas grandiosas para a defeza de Lisboa e seu porto?"

Disse-lhe s. essa era resposta: "Porque essas despezas não estão feitas; não podem entrar n'este orçamento, hão de vir no futuro."

Ora, se esta despeza dos 40:000$000 réis tambem não está feita, porque não ha de vir no futuro e vem n'este orçamento?

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Por isso eu proponho.

(Leu.)

Em qualquer das leis não a approvo, mas em todo o coso parece-me que está deslocada aqui.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

Leu-se na mesa e foi admittida a proposta que é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que a verba de 40:000$000 réis do orçamento rectificado passe para a lei de meios, em cuja discussão póde apreciar-se. = Thomás Ribeiro.

O sr. Presidente: - Tanto esta proposta como a do sr. visconde de Moreira de Rey não podem ser votadas antes da generalidade do projecto.

Se s. exas. concordassem, passavamos á votação da generalidade e depois na especialidade, quando chegassemos ao artigo 2.°, então se trataria das propostas.

Consultada a camara approvou o projecto na generalidade. Em seguida foi appravado sem discussão o artigo 1.°

Artigo 2.°

Leu-se na mesa.

O sr. José Luciano de Castro: - Eu voto contra a proposta, do sr. visconde de Moreira de Rey. Para que não pareça que ha contradicção entre o meu voto e as reflexões que fiz na occasião de se discutir o ponto a que ella se refere, devo dizer que voto a verba proposta como auctorisação dada ao governo para pagar o que justamente se dever.

Se alguma despeza se fez por causa da minha promessa eu sou responsavel por ella; mas eu já disse á camara que a promessa foi feita no dia 12 e eu deixei de fazer parte dos conselhos da corôa no dia 13.

Tambem devo dizer á camara que o cavalheiro a quem eu fiz essa promessa, procurou no dia da minha saída o sr. Serpa, novo presidente do conselho, perguntando-lhe se elle confirmava a promessa que eu lhe tinha feito e o sr. presidente do conselho respondeu-lhe que sim. Portanto toda a responsabilidade da despeza, que ainda não estava feita, vem d'essa confirmação, corre por conta do actual sr. presidente do conselho.

É claro que aquelle cavalheiro depois da mudança de governo não teria contado com que o thesouro pagasse aquella despeza sem a confirmação do sr. Serpa.

É tambem evidente, sr. presidente, que ao mesmo tempo que digo isto só para delimitar responsabilidades, não fujo ás minhas; e até declaro que a minha intenção era tornar effectivo o que tinha promettido por conta da verba de beneficencia publica; e se a despeza excedesse a quantia que eu pouco mais ou menos calculava que poderia auctorisar, eu tomaria providencias para que o governo não tivesse que pagar uma importancia muito avultada.

E em todo o caso, o que se gastasse alem da verba de que eu dispunha para beneficencia publica, pediria eu no orçamento rectificado auctorisação ao parlamento para o pagar.

Mas, sr. presidente, desde que o sr. presidente do conselho confirmou aquella promessa, é claro que a camara não póde deixar de auctorisar o pagamento.

E por assim o entender e n'este sentido que eu voto contra a proposta do digno par o sr. visconde de Moreira de Rey.

Acrescento que entendi que, fazendo aquella promessa, não precisava de invocar lei nenhuma, nem lei nenhuma infringia.

Isto podia eu fazer. Se o não podesse, todos os augmentos de despezas que estão incluidos no orçamento rectificado seriam injustificados.

A minha intenção era fazer este- pagamento pela verba da beneficencia, e quando essa verba fosse excedida, eu viria no orçamento rectificado pedir á camara auctorisação para que este pagamento se fizesse

Sr. presidente, declaro a v. exa. que voto contra a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey. O meu voto é para que seja dada auctorisação ao governo para se pagar o que se prometteu, e se mostrar que se applicou a resgate de penhores de roupas de vestuarios.

(O digno par não reviu.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Se o digno par e meu amigo o sr. Thomás Ribeiro está de accordo, como a minha proposta não terá mais que os nossos dois votos, nós obtemos o mesmo resultado declarando que votamos contra essa auctorisação e podemos assim poupar o trabalho e o tempo de uma votação nominal. N'estes termos, se o meu illustre amigo concorda, eu retiro a minha proposta.

Sr. presidente, eu declaro a v. exa. que depois das declarações do sr. José Luciano fiquei satisfeitissimo e peço a v. exa. que me não de mais explicações, porque, o que é certo é que eu tenho de pagar, por mais convictamente que vote contra a auctorisação. A isso é que eu não escapo.

O que eu peço a s. exa. é que não me explique mais a questão, para que eu não tenha de pagar mais.

Fique bem assente e bem claramente consignado que o que eu com a maior firmeza impugnei e impugno é que as despezas feitas até ao dia 13 ou 14 fossem por conta do sr. José Luciano e d'ahi em diante por conta do sr. Antonio de Serpa, porque a verdade é que tanto até ao dia 14, como do dia 14 em diante, ellas foram e são por conta do paiz, porque é o paiz quem paga; mas como paga por causa e por deliberação dos seus representantes, paga legalissimamente. Nada mais.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - O digno par o sr. visconde de Moreira de Rey retira a sua proposta?

O Orador:- Retiro, sim, senhor.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que o sr. visconde de Moreira de Rey retire a sua proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que o sr. Thomás Ribeiro retire a sua proposta têem a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Em seguida foram approvados os artigos 2.° e 3.°

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 47; o projecto a que se refere este parecer tem um só artigo e por conseguinte está em discussão na generalidade e especialidade.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 47

Senhores.- A vossa commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.° 7, vindo da camara dos senhores deputados, e tendo em attenção a proxima terminação do actual anno economico e a falta de tempo para se discutir o orçamento do estado, é de parecer que esse projecto seja approvado para ser submettido á sancção real.

Sala da commissão, 23 de junho de l890.=sAugusto Cesar Cau da Costa = Antonio José Teixeira = Marçal Pacheco = Conde de Valbom (com declaração) = Augusto José da Cunha (com declaração) = Henrique de Barros Gomes (com declaração) = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

Projecto de lei n.º 7

Artigo 1.° É auctorisado o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, na metropole e provincias ultramarinas, relativos ao exercicio de 1890-1891, e a applicar respectivamente o seu producto ás despezas ordinarias do estado na mesma metropole

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e provincias ultramarinas, correspondentes ao citado exercicio, nos termos das leis do 21 de junho de 1883, l5 de abril de 1886, 30 de junho de 1887, 23 de junho de 1888, 19 de junho de 1889, decretos de 17 e 20 de dezembro de 1888 e demais legislação em vigor ou que vier a vigorar, e do parecer sobre os respectivos orçamentos datado de 16 dó corrente mez de junho de 1890.

§ l.° O governo applicará á receita geral do estado em 1990-1891, para compensar o pagamento da dotação do clero parochial das ilhas adjacentes, a quantia de réis 61:000$000 deduzida do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo juros de inscripções, vencidos e vincendos, dos conventos de religiosas supprimidos depois da lei de 4 de abril de 1861.

§ 2.° A contribuição predial do anno civil de 1890 é fixada o distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, nos termos do que preceituam os §§ 1.° e 3.° do artigo 6.° da carta de lei de 17 de maio de 1880.

§ 3.° O addicional ás contribuições predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria do anno civil de 1890 para compensar as despezas com os tribunaes administrativos, viação districtal é serviços agricolas dos mesmos districtos, é fixado ha mesma quota, respectivamente lançada em cada districto, em relação ao anno civil de 1889.

§ 4.° A conversão dá divida consolidada interna em pensões vitalicias, nos termos da carta de lei de 30 de junho de 1887; continuará á ser regulada j no anno economico de 1890-1891 j pelo preço de 58,536 por cento do nominal das inscripções a converter, isto é pelo juro real de 5 1/8 por cento.

§ 5.° As quotas de cobrança dos rendimentos publicos, no anno de 1890-1891, que competem tanto aos inspectores da fazenda publica dirigindo repartições de fazenda districtaes, como aos escrivães de fazenda, serão reguladas respectivamente pelas mesmas tabellas actualmente em vigor, rios termos do disposto no decreto com força de lei de 23 de julho de 1886;

§ 6.° Continuam em vigor no exercicio do 1890-1891 ás disposições do § 4.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 18H7 e as do § 10.° do artigo 1.° da lei de 23 de junho de 1888.

§ 7.° É o governo auctorisado a adiantar sem juro á camara municipal de Lisboa, mais a quantia de 150:000$000 réis por conta da somma que se liquidar a favor da mesma camara, no ajusto de contas antigas, entre o respectivo municipio e o thesouro, ficando a camara responsavel pelo reembolso da quantia adiantada com o juro de 5 por cento ao anno, quando da citada liquidação nenhum credito resulte a favor da mesma camara, ou, resultando, for inferior ás sommas adiantadas nos termos d'esta disposição e da do § 14.° do artigo 1.° da carta de lei de 19 de junho de 1889.

§ 8.° É auctorisado o governo a levantar na metropole, de conta das provincias ultramarinas, pelos meios que julgar mais convenientes, até á quantia de 500:000$000 réis para pagamento das despezas com obras publicas nas mesmas provincias, no exercicio de 1890-1891, sendo o juro e amortisação d'esse capital pago por uma consignação especial, annual e successiva, de 50:000$000 réis pelo augmento das receitas aduaneiras das mesmas provinciais, nos termos do § 16.° do artigo 1.° da carta de lei de 19 de junho de 1889.

§ 9.° A despeza extraordinaria do estado na metropole, no referido exercicio de 1890-1891, despeza a que é applicavel o disposto no § 1.° do artigo 10.° da lei de 21 de junho de 1883, é fixada, afóra a que tiver de ser satisfeita por meio de recursos especiaes, tudo conforme a legislação vigente ou que vier a vigorar, nos termos do mappa junto a esta lei e que d'ella faz parte, em 2.506:500$000 réis a saber:

Ao ministerio dos negocios da fazenda 76:500$000 réis ;

Ao ministerio dos negocies da guerra, 333:000$000 réis;

o ministerio dos negocios da marinha e ultramar: direcção geral de marinha, 150:000$000 réis; direcção geral do ultramar, 1.342:000$000 réis;

Ao ministerio das obras publicas, commercio e industria, 605:000$000 réis.

§ 10.° Nenhuma despeza, incluindo as auctorisadas por eis especiaes, de qualquer ordem ou natureza, ordinaria ou extraordinaria, quer se refira á metropole, quer ás provincias ultramarinas, que não esteja incidida ou não caiba nas verbas das tabellas decretadas em virtude da lei annual das receitas e despezas publicas, poderá ser ordenada, s a respectiva ordena registada na direcção geral da con-tabilidade publica, visada pelo tribunal de contas e paga pelos cofres competentes, sem a preliminar abertura, no ministerio dá fazenda, de credito a favor do ministerio a que competir a despeza, determinando-se pelo ministerio da fazenda no respectivo decreto, que será fundamentado em conselho de ministros e publicado na folha official, o artigo, capitulo, secção ou verba das tabellas onde a mesma despeza deva ser escripturada. A disposição d'este paragrapho é de execução permanente.

§ 11.º Fica suspensa, durante o anno economico de 1890-1891, à execução de todas e quaesquer auctorisações concedidas ao governo por leis ou disposições especiaes e geraes de qualquer ordem da natureza, promulgadas até 31 de dezembro de 1889, para a creação de quaesquer empregos ou funcções publicas, modificação dos respectivos vencimentos, alargamento de quaesquer quadros, estabelecimento de novas escolas, institutos, ou modificação dos existentes, emfim o uso de toda e qualquer auctorisação concedida até ao dia ultimo do anno civil proximo findo, para augmento, nos termos d'este paragrapho, por qualquer fórma, dos encargos do estado, e em relação ao que se achar descripto nas tabellas de despeza, tanto da metropole, como do ultramar, que forem decretadas era virtude das disposições d'esta lei. Somente ficam exceptuados das disposições d'este paragrapho os augmentos de vencimento por diuturnidade de serviço de qualquer ordem, estabelecidos na legislação vigente.

§ 12.° O governo, com o fim de diminuir a importancia da divida fluctuante, poderá, se as circumstancias dos mercados assim a aconselharem, contratar a collocação nos mesmos mercados, pela fórma que julgar mais conveniente, dos titulos de divida fundada actualmente na posse da fazenda, doando auctorisado, não só a modificar o typo dos titules de que se trata como a crear quaesquer outros, que para o fim indicado forem necessarios, não podendo, porém, no uso das faculdades que lhe são concedidas por esta auctorisação, resultar para o thesouro maior encargo annual do que o encargo maximo correspondente á divida fluctuante que for amortisada;

§ 13.° O governo decretará nos mappas das receitas e nas tabellas de distribuição de despeza as necessarias rectificações, em harmonia com esta lei e com o citado parecer de 16 de junho de 1890, era que as receitas ordinarias são avaliadas, na metropole em 40.972:694$400 réis e rãs provincias ultramarinas em 3.424:676$900 réis, e as despezas: na metropole, ordinarias em 42.934:397$336 réis, e nas provincias ultramarinas: ordinarias, extraordinarias e de vencimentos de inactividade em 4.545:036$352 réis,

§ 14.° Alem das despezas ordinarias fixadas no paragrapho antecedente, ficam auctorisadas ao ministerio da instrucção publica e bellas artes, pelo artigo 16.° da respectiva tabella, mais as quantias de: 4:400$000 réis para renda do edificio onde tem de funccionar a respectiva secretaria (secção 3.ª) e de 2:500$000 réis (secção 4.ª( para despezas eventuaes do mesmo ministerio.

§ 15.° Esta lei começará a vigorar no 1.° de julho de 1890.

Art. 2,° Fica revogada a legislação contraria a esta.

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SESSÃO DE 27 DE MAIO DE 1890 391

Palacio das côrtes, era 23 de junho de 18DO.= Pedro Augusto de Carvalho, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

MAPPA DA DESPEZA EXTRAORDINARIA no ESTADO, NA METROPOLE, PARA O EXERCICIO DE 1890-1891 A QUE SE REFERE A LEI D'ESTA DATA E QUE D'ELLA FAZ PARTE

Ministerio dos negocios da fazenda

CAPITULO UNICO

Armamento para a guarda fiscal - despezas extraordinarias de material aduaneiro e complemento da despeza com um rebocador para a doca de Ponta Delgada 76:500$000

Ministerio dos negocios da guerra

CAPITULO 1.º

Subsidio, rancho, alojamentos e transportes a emigrados hespanhoes 3:000$000

CAPITULO 2.º

Estrada militar de circumvallação e continuação das obras de fortificação de Lisboa e seu porto 120:000$000

CAPITULO 3.º

Artilhamento das obras concluidas no campo entrincheirado de Lisboa 100:000$000

CAPITULO 4.º

Acquisição de torpedos, material correlativo e conclusão das obras da respectiva escola e plano inclinado de Paço de Arcos 10:000$000

CAPITULO 5.º

Cartuchame para as armas 8m (K) m/l886 60:000$000

CAPITULO 6.º

Compra de cavallos e muares para os regimentos de artilheria e cavallaria e para os officiaes montados dos corpos a pé 40:000$000 333:000$000

Ministerio dos negocios da marinha e ultramar

Direcção geral da marinha

CAPITULO 1.°

Reparação e construcção dos navios da, armada, ferias e maiorias de jornaes aos operarios provisorios empregados n'este serviço 100:000$000

CAPITULO 2.º

Material permanente para ns officinas do arsenal e estabelecimentos do ministerio e edificios da marinha 20:000$000

CAPITULO 3.º

Acquisição de material de guerra 30:000$000 150:000$000

Direcção geral do ultramar

CAPITULO 1.°

Despezas geraes das provincias ultramarinas 622:000$000

CAPITULO 2.º

Estabelecimento de novas missões, de estações civilisadoras e commerciaes e exploração em Africa, incluindo colonisação em Lourenço Marques 218:000$000

CAPITULO 3.°

Garantia, segundo o contrato de 5 de junho de 1885, relativa ao cabo submarino até Loanda e para occorrer ao pagamento das quantias que se liquidarem 152:000$000

CAPITULO 4.°

Dividendo sobre o capital levantado pela "West of India Portuguese Guaranted Railway Company limited" - contrato de 18 de abril de 1881 150:000$000

CAPITULO 5.º

Garantia á companhia do caminho de ferro de Ambaca, segundo o contrato de 25 de setembro de 1885 - carta de lei de 16 de julho, de 1886 200:000$000 1.342:000$000 1.492:000$000

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392 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Ministerio das obras publicas, Commercio e industria

CAPITULO 1.º

Construcção do edificio do lyceu nacional de Lisboa 25:000$000

Continuação das obras da alfandega de Lisboa 20:000$000 45:000$000

CAPITULO 2.°

Continuação das obras da escola agricola de reforma 15:000$000

CAPITULO 3.°

Para as seguintes despezas, que não podem ser exercidas, nem mesmo com fundamento em lei especial promulgada até esta data:

Construcção e installação das estações chimico-agricolas e das coudelarias nacionaes 30:000$000

Outras despezas de material e de construcção dos serviços agricolas 30:000$000 60:000$000

CAPITULO 4.º

Para as seguintes despezas, que não podem ser excedidas, nem mesmo com fundamento em lei especial promulgada até esta data:

Acquisição e construcção de edificios para as escolas industriaes 45:000$000

Material para as escolas industriaes e respectivas officinas e suas installações 15:000$000 60:000$000

CAPITULO 5.º

Recenseamento geral da população, segundo a lei de 25 de agosto de 1887 25:000$000

CAPITULO 6.º

Para construcção, grandes reparações e estudos de caminhos de ferro, não podendo esta verba ser excedida, nem mesmo com fundamento em lei especial promulgada até esta data 400:000$000 605:000$000

Rs. 2.506:500$000

Palacio das côrtes, em 23 de junho de 1890.=Pedro Augusto de Carvalho, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Bernardido Machado: - Sr. presidente, o gabinete, creando o ministerio da instrucção publica, como um penhor e uma esperança de melhores dias, bem mereceu do paiz: o eu desejo cordialmente prestar-lhe o meu concurso.

Por isto mesmo tenho pena de que venha tão enfraquecida para o primeiro anno do ministerio a dotação do ensino.

A verba total do orçamento da instrucção está calculada em menos 5:972$006 réis. Para se distribuir a despeza que se fazia com a antiga secretaria d'estado do ministerio dos negocios do reino, proporcionalmente pelas duas direcções geraes agora separadas, haviam de caber, afora os vencimentos dos directores geraes, tres partes á instrucção publica, que dispõe de tres repartições, e quatro á administração civil, que conta quatro. É, como as despezas com a instrucção e com a administração são proximamente iguaes, a verba dos exercicios findos devia repartir-se por igual. Se o ministro do reino precisasse de mais dinheiro, e de facto precisava quando não fosse senão para inteirar o pessoal do seu quadro, não era motivo para ir tiral-o ao novo ministerio da instrucção publica.

Nas propostas ministeriaes de fazenda são reduzidas em 4:000$000 réis as gratificações para exames de instrucção secundaria; ora eu não tenho sympathia pela nossa multiplicidade de exames, mas é de lei e a reducção não se explica, a não ter havido um erro incrivel no primeiro calculo; e são cerceados em 30:000$000 réis os subsidios para diversas, despezas de instrucção primaria, despezas imprescindiveis que nem com os 30:000$000 réis teriam o necessario, longe d'isso. Nas mesmas propostas de fazenda a quantia destinada para se continuar a construcção do lyceu de Lisboa baixa a metade: menos 25:000$000 réis.

Para mais, não é claro se fica ou não suspensa a auctorisação dada por lei ao governo para crear institutos de ensino secundario para o sexo feminino em Lisboa, Coimbra e Porto. Espero que o governo na commissão me tranquillise a este respeito. Não preciso de encarecer a importancia da educação da mulher, de mostrar a falta que essa educação faz á sociedade portugueza. A camara bem o sabe.

Sr. presidente, não dificultemos a vida ao novo ministerio. A elle sobretudo está confiada a nossa regeneração. Não pretendo que o paiz faça com o ensino todas as despezas convenientes. Não póde fazel-as. O ensino é para o paiz e não o paiz para o ensino. As circumstancias não nos permittem sacrificarmo-nos desinteressadamente pela sciencia. Queremol-a para nosso proveito. Mas esse proveito, tenhamol-o sempre em mente, que da instrucção das nossas gerações depende o futuro da patria.

O sr. Moraes Carvalho (relator): - Sr. presidente, poucas palavras direi em resposta ao digno par e meu amigo, o sr. Bernardino Machado.

Á maior parte das considerações que s. exa. apresentou, respondeu já antecipadamente o sr. ministro da fazenda na sessão de hontem.

S. exa. expoz á camara de um modo claro as rasões que teve para fazer uma reducção no orçamento do ministerio da instrucção publica.

Havia uma verba importante, cujas sobras eram destinadas ao fundo da instrucção primaria, e apresentando-se o fundo destinado para este fim em circumstancias tão prosperas que tinha um saldo de 200:000$000 réis.

Julgou-se por isso dispensavel aquelle subsidio permanente, que consistia nas sobras de uma verba que tinha sido augmentada de proposito para se ter sobras com esse destino.

No orçamento apresentado pelo digno par, o sr. Augusto José da Cunha, augmentava-se esta verba de proposito para ter sobras destinadas á instrucção primaria.

Na realidade, não se gastavam e já vê o digno par e meu amigo que a reducção em cousa alguma contraria o seu e

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SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1890 393

o meu desejo, de que com a instrucção primaria se continue a fazer a mesma despeza que se tem feito até aqui o que se não quer é estabelecer uma verba excessiva unicamente para ter sobras.

De resto, as outras considerações que o digno par apresentou; a organisação da secretaria d'estado da instrucção publica, como s. exa. sabe, está em discussão na camara dos senhores deputados e quando for discutida n'esta camara será então a melhor occasião de prestar ás observações do digno par a consideração que ellas merecem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Coelho de Carvalho: - Sr. presidente, os meus amigos politicos, aquelles a quem eu sirvo como o ultimo dos seus soldados, não querem crear o menor embaraço ao governo na approvação das medidas constitucionaes.

N'estas circumstancias nós approvamos o projecto em discussão. Mas permitta-me v. exa., que eu, só de passagem, e porque o reputo urgente, me refira a um assumpto importante, dirigindo ao governo uma pergunta, de cuja resposta póde depender a minha attitude e dos meus amigos na discussão do projecto a que se refere o parecer ha pouco mandado para a mesa, e que, segundo creio, entrará em ordem do dia para a seguinte sessão.

Permitta-me v. exa. que eu aproveite esta occasião para dirigir ao governo esta simples pergunta: Entre os decretos de dictadura, ha um em que o governo se auctorisou a si proprio, a reorganisar, por assim dizer, todo o serviço da importante instituição militar.

É claro que o governo, publicando um decreto d'esta ordem, devia ter de certo um pensamento sobre a reorganisação do exercito.

São decorridos cinco mezes e o governo não poz ainda a sua obra em execução, nem usou d'essa auctorisação.

Eu não posso, nem me julgo habilitado a entrar na discussão que principia na segunda feira, na parte relativa a este assumpto, sem conhecer as bases em que assenta o plano de reorganisação.

Pergunto, portanto, ao governo, se tem duvida em mandar a esta camara, até segunda feira, as bases que s. ex. o sr. ministro da guerra necessariamente deve ter dado á commissão que encarregou de elaborar esta reforma.

V. exa. comprehende que se trata de uma das instituições mais melindrosa, em que se trata não só da organisação militar propriamente dita. mas de outros serviços importantissimos estreitamente ligados ao serviço militar, como é a fórma do recrutamento, etc., etc.

Desejo que o governo declare se tem duvida em mandar aqui as bases que determinaram o pensamento fundamental da commissão encarregada de elaborar o projecto da reforma do exercito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Começo por dizer que o ponto a que o digno par se referiu não tem nada com o assumpto que se discute.

O sr. Coelho de Carvalho: - Perfeitamente de accordo.

O Orador: - Direi comtudo ao digno par que as bases a que s. exa. se referiu são as que constam do decreto.

O sr. Coelho de Carvalho: - Só essas?

O Orador: - As bases constam do decreto e foram essas as que o governo forneceu á commissão que delegou numa sub-commissão o estudo do assumpto.

O sr. Coelho de Carvalho: - Nenhumas outras?

O Orador: - Nenhumas outras, alem das que constam do decreto.

(O sr. presidente do conselho não reviu as notas d'esta sua resposta.)

O sr. Oliveira Monteiro: - Sr. presidente, v. exa. comprehende muito bem que eu não tomo a palavra para fazer um longo discurso, nem as circumstancias especiaes em que nos achamos permittem largas dissertações.

Associando me ao voto auctorisadissimo do meu illustre amigo e distincto correligionario o sr. Barros Gomes, com cuja camaradagem, creio eu, todos nós nos honramos, lamento que ainda este anno o parlamento portuguez se veja privado de discutir o orçamento do estado, o primeiro dos diplomas que podem ser offerecidos á consideração dos corpos legislativos.

Lamento, sr. presidente, este facto e lamento que a lei de meios destinada a substituir o orçamento do estado venha á tela do debate em uma prorogação de sessão, e por isto limito-me a declarar, cumprindo assim o dever que me assiste como membro d'esta camara, que me não conformo com estes processos.

Não quero criminar ninguem, e não sei mesmo a quem. pertence a responsabilidade do systema ultimamente adoptado, mas lamento que isto se faça.

Dito isto, devo declarar que tentei corresponder ao delicado convite que a todos os portuguezes, e nomeadamente aos membros do parlamento, dirigiu o actual sr. ministro da fazenda no seu relatorio.

V. exa., a cujas boas intenções, a cuja capacidade e competencia eu faço inteira justiça, pede a cooperação de todos nós para a boa solução da questão financeira.

Eu tinha formulado uma emenda a um dos paragraphos da lei de meios, e tinha preparado um additamento á mesma lei; mas, nesta altura da sessão, entendo que devo poupar á camara e poupar á minha pessoa os poucos minutos que me levaria a leitura da minha proposta e a sua justificação.

Tenho dito.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, eu pedi a palavra unica e simplesmente para declarar a v. exa. e á camara o meu voto, porque não é numa sessão prorogada, e com a hora já tão adiantada, que se póde discutir, como deve ser discutido, um projecto desta natureza, mas como não quero crear difficuldades ao governo, voto o projecto.

Nós estamos a 27 de junho, e como eu entendo ser de uma alta conveniencia publica que este projecto seja convertido em lei antes do fim do mez, por isso me limito a dizer que voto o projecto.

Devo porem declarar por esta occasião que ha dois paragraphos com os quaes me não conformo, que são o § 10.° e o § 11.°, principalmente o § 10.° que estabelece a doutrina de que nenhuma despeza tenha logar ainda que seja auctorisada por lei especial.

(Leu.}

Quer dizer, estabelece a doutrina de que fica dependente da vontade ou do capricho de um ministro o pagamento de uma despeza ainda que seja auctorisada por uma lei especial, e por consequencia pelo parlamento.

Não me parece que esta doutrina seja acceitavel, mas outro receio me acode, á vista da redacção do projecto, e é que o sr. ministro da fazenda poderá julgar-se auctorisado por este artigo assim redigido a abrir creditos em favor de despezas que não estejam incluidas no orçamento do estado.

Como v. exa. sabe, sr. presidente, o artigo 12.° da lei de contabilidade determina que as ordens de pagamento...

(Leu.)

Ora, por este paragrapho, a que me estou referindo, toda e qualquer despeza, ainda que esteja incluida no orçamento do estado, não poderá ser paga sem credito aberto no ministerio da fazenda, e fica dependente da vontade do sr. ministro o ser ou deixar de ser paga qualquer despeza ainda que esteja auctorisada.

Sr. presidente, repito, parece-me inacceitavel similhante doutrina e acho que a camara não deveria revogar, n'um artigo accidental da lei de meios, uma lei tão benefica. De mais a mais, é inutil, porque se o sr. ministro da fazenda quer obstar a que os seus collegas façam despezas individas, s. exa. tem um meio.

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394 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

É oppor-se a ella no conselho de ministros, onde a voz de todos os ministros da fazenda têem sempre grande preponderancia. Tem ainda outro medio.

S. exa. tambem póde simplesmente restabelecer e manter o regulamento de contabilidade. (Apoiados.)

Se s. exa. dissesse aqui que ficavam restabelecidos os credidos supplementares, empregava tambem um meio seguro para obstar á má applicação dos dinheiros publicos, pois que os creditos supplementares não podem ser auctorisados sem audiencia do conselho d'estado e quando um governo propõe a este alto corpo politico um credito supplementar é sempre baseando-se em justificadas rasões.

Sr. presidente, estas considerações são a meu ver bastantes para mostrar, por uma parte, a inutilidade do paragrapho e por outra parte o perigo de ser elle approvado pela camara sem qualquer declaração por parte do sr. ministro ou do sr. relator.

Eis-aqui as rasões por que, se eu tivesse tempo, combateria este paragrapho e proporia que fossem restabelecidos os creditos supplementares.

Tambem me não conformo com o § 11.°, porque eu quizera que fossem suspensas todas as auctorisações concedidas, alem d'estas de que no paragrapho se falla; mas já, sei que o sr. ministro da fazenda se opporia, e por isso me limito a estas declarações.

(O digno par não reviu o seu discurso.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco):- Corno acabou de dizer o digno par que me precedeu, exactamente as suas ultimas observações já na outra camara me foram apresentadas e a ellas respondi por fórma que s. exa. mesmo mostrou que nau desconhece, porque com relação ao § 11.° s. exa. acaba de dizer que não espera que eu acceite quaesquer modificações.

Vejo, pois, que s. exa. se referia ao que sobre isso eu já disse na camara dos senhores deputados, e escudado será repetir as explicações que ali dei.

Com relação ao outro paragrapho, o 10.°, para satisfazer o desejo do digno par, repetirei a declaração que fiz na camara dos senhores deputados. O paragrapho não contem faculdades novas, e só tem em vista fazer abrir creditos no ministerio da fazenda, quando haja despezas por leis especiaes, sobras de exercicio a applicar, e quando se dêem precisamente os casos dos artigos 45.°, 57.° e 58.° do regulamento de contabilidade publica.

(O sr. ministro não reviu as notas da sua resposta.)

O sr. Bernardino Machado: - Sr. presidente, o sr. relator só tentou explicar a diminuição de uma das verbas da instrucção, da verba dos subsidios para diversas despezas de instrucção primaria, e não estranho a sua explicação, porque s. exa., apesar de muito esclarecido, não póde conhecer todas as applicações do orçamento do estado, verba por verba. Nem a quantia de 90:000:000 réis, que primeiro se inscreveu, chegava. Das despezas diversas de infracção primaria abrangem o subsidio ás camaras municipaes para pagamento dos vencimentos dos professores e ajudantes das escolas primarias, o auxilio para construcções escolares e ainda outros encargos importantes. Ora, só para as construcções escolares, pedia a lei do sr. Sampaio réis 200:000$000 annuaes, pediu o sr. José Luciano de Castro 160:000$000 réis e o sr. Thomás Ribeiro entendia que eram indispensaveis pelo menos 100:000$000 réis. Que restará dos 60:000$000 réis que ficam no orçamento para subsidiar as camaras no pagamento aos professores e para o mais?

Sr. presidente, poupe-se, mas não se comprometiam serviços que são vitaes. Eu não esperava encontrar na lei de meios a dotação do ensino elevada de prompto ás suas proporções normaes; confesso, porém, que não pensei vel-a assim desfalcada. Era urgente, podia-se e devia-se augmental-a algum tanto. Vão votar-se 6:600$000 réis para o arrendamento e apropriação do novo edificio do ministerio da instrucção publica. Lembre-se, pois, a camara, só que seja, do estado lastimoso de parte dos edificios do ensino superior em Lisboa, em Coimbra e no Porto.

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto. Vae votar-se.

Em seguida foi approvada a lei de meios.

O sr. Presidente: - A deputação que ha de ir amanha ao paço, apresentar a Sua Magestade os autographos das duas leis approvadas, será composta dos dignos pares os srs.:

Mello Gouveia.

José Luciano de Castro.

Conde de S. Januario.

Conde de Valbom.

Barros Gomes.

Conde da Folgosa.

Visconde de ferreira do Alemtejo.

Conforme me communicou o sr. presidente do conselho, Sua Magestade recebe a deputação amanha á uma hora da tarde.

A proxima sessão é na segunda feira, e a ordem do dia é a discussão do bill de indemnidade, cujo parecer foi a imprimir e será distribuido por caia dos dignos pares.

Está levantada a sessão.

Eram sete horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão da 27 de junho de 1890

Exmos srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes, de Alie, d'Avila, da Arriaga, do Bomfim, de Carnide, da Folgoza, de Lagoaça, de Thomar, de Valbom; Bispo da Guarda; Viscondes, de Alemquer, da Azarujinha, de Ferreira do Alentejo, de Moreira de Rey, de Paço de Arcos, de Soares Franco, de Sousa Fonseca; Barão, de Almeida Santos; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Caetano de Oliveira, Sousa e Silva, Antonio José Teixeira, Oliveira Monteiro, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Neves Carneiro Basilio Cabral, Bernardino Machado, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Firmino João Lopes, Costa e Silva, Francisco Cunha, Barros Gomes, Jayme Monyz, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Coelho de Carvalho, Peito de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Bocage, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia. Polycarpo dos Anjos, Rodrigo Pequito, Lopo Vaz, Thomás Ribeiro1.

O redactor = Fernando Caldeira.

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