O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

N.º 29

SESSÃO DE 19 DE MARÇO DE 1892

Presidencia é exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Sousa Avides

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. Camara Leme refere se ao facto do sr. ministro da guerra não ter ainda vindo á camara responder a uma interpellação annunciada pelo sr. Barros e Sá. Cita e commenta o artigo de um jornal a respeito d'aquelle mesmo sr. ministro, e falla da situação do monte pio official em presença das medidas de fazenda. - O sr. ministro da marinha responde ao sr. Camara Leme. - O sr. conde de Castro apresenta uma representação, que acompanha com algumas considerações sobre o seu assumpto. - O sr. Thomás Ribeiro interroga o governo ácerca da annunciada emigração de boers para o planalto de Mossamedes. - O sr. ministro da marinha responde ao digno par. - Sobre o mesmo assumpto usam de novo da palavra os srs. Thomás Ribeiro, ministro da marinha e Thomás Ribeiro (terceira vez). - O sr. conde d'Avila apresenta um parecer da commissão de guerra.

Ordem do dia: lê-se o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de reforma de pautas. - O sr. Pinto de Magalhães, relator, requer, e a camara approva, que, depois da discussão do projecto na generalidade, seja pôr classes a discussão na especialidade. - Usa da palavra sobre a ordem o sr. conde de Castro. - É lida e admittida a moção apresentada pelo sr. conde de Castro. - O sr. presidente nomeia a commissão que, na proxima segunda feira, 21, ha de ir felicitar Suas Magestades no anniversario de Real o Principe da Beira.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, achando-se presentes 25 dignos pares, abriu-se a sessão.

O sr. Presidente: - Convido o digno par o sr. Sousa Avides a vir occupar o logar de segundo secretario.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio vindo da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição já ali approvada, que tem por fim dividir a comarca de Odemira em cinco districtos de juizo de paz, e determinando que os actuaes funccionarios deixem de ter competencia para exercer attribuições dentro da area dos districtos agora indicados desde que seja nomeado e ajuramentado o novo pessoal.

Para a commissão de legislação.

Officio mandado para a mesa pela presidencia da camara dos senhores deputados, enviando uma preposição já ali approvada, que tem por fim dividir a comarca de Ourique em seis districtos de juizo de paz, e determinando que as funcções dos actuaes funccionarios cessem logo depois de nomeado e ajuramentado o novo pessoal.

Para a commissão de legislação.

Officio vindo da presidencia da camara dos senhores deputados, enviando uma proposição já ali approvada, que tem por fim tornar definitiva a concessão provisoria, feita á camara municipal do concelho de Abrantes, do edificio e cercado supprimido convento de Nossa Senhor da Graça, na villa d'aquelle nome.

Para a comunismo de administração publica.

Officio vindo da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição já ali approvada, que tem por fim determinar que o concelho de Mondim da Beira, que faz parte do circulo n.° 54 (Armamar), continue, para os effeitos eleitoraes, dividido em duas assembléas, a primeira com a séde na freguezia da cabeça do mesmo concelho e a segunda na freguezia de Salzedas.

Para a commissão de administração publica.

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, v. exa. e a camara hão de estar lembrados de que eu, quando pela primeira vez se apresentou ao parlamento o actual governo, tive a honra de tomar a palavra e fazer algumas considerações, mostrando a maior deferencia para com os illustres ministros que vinham de novo gerir os negocios publicos, e referindo-me ao sr. ministro da guerra eu fiz algumas considerações e chamei a attenção de s. exa. para alguns pontos importantes da administração militar e entre elles um que julgava de grande importancia, porque dizia respeito á disciplina no exercito.

Disse eu n'essa occasião que não pedia a s. exa. que respondesse n'aquelle momento, mas esperava que logo que o illustre ministro podesse, não deixaria de comparecer na camara para responder a uma interpellação pendente, que tinha sido annunciada pelo meu illustre amigo o sr. Barros e Sá, e em que eu tomarei tambem parte. Esta interpellação versa sobre dois pontos importantes, um d'elles com relação á liga liberal, e o outro com relação a um conflicto que se tinha dado entre o supremo tribunal de guerra e marinha e o ministerio da guerra transacto.

São já passados bastantes dias, alguns membros do parlamento, tanto d'esta, como da outra camara tem instado pela presença do sr. ministro e s. exa. não tem comparecido. Sr. presidente, deu-se um facto ultimamente na camara dos senhores deputados, que foi a discussão de um assumpto importante de administração militar, sobre o fornecimento do lanificios para o exercito, mas cousa notavel, nós estamos n'um tempo em que se passam cousas extraordinarias, foi o sr. presidente do conselho o que defendeu esta questão na outra casa do parlamento, dizendo s. exa. que o sr. ministro da guerra não podia comparecer porque estava occupado com negocios da sua secretaria.

Sem querer dirigir a menor censura a s. exa., estou a ver, sr. presidente, que ainda nós havemos de ver s. exa. vir aqui tratar questões de direito publico constitucional. O que se está vendo, sr. presidente, é que o nobre ministro que está acostumado ás luctas de ferro e de chumbo, não gosta muito das luctas da palavra.

Mas este caso não é novo, e não se dá só em Portugal; ultimamente na Allemanha o sr. presidente do conselho é quem responde pelo ministro da guerra, tambem pela mesma rasão. Caprivi diz que o ministro da guerra, acostumado ás luctas da guerra, tem difficuldade em ir ao parlamento tomar parte nas luctas da palavra.

Mas a camara não se tem mostrado muito impaciente, e espera que o nobre ministro da guerra se digne comparecer perante o parlamento. Ha um ponto para que vou chamar a attenção da camara, e que no meu espirito tem causado bastante impressão; refiro-me a um artigo publi-

35

Página 2

2 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cado n'um dos jornaes de Lisboa, e que é considerado como um jornal semi-official.

Este jornal diz o seguinte:

Temos ouvido dizer que o actual ministro da guerra, herdando a pasta de um general illustre que não deu conta ao parlamento dos actos complicados que assignalaram a sua gerencia, se encontrou n'uma situação difficil. Contratos feitos e medidas de alcance tomadas pelo seu antecessor, parece terem-no collocado no dilemma, ou de os corrigir e annullar no silencio da secretaria da guerra, ou de ir ao parlamento expol-os e renegal-os, o que repugnaria aos seus sentimentos de lealdade. Optando pela primeira hypothese, por ser mais conforme á honestidade escrupulosa do seu caracter e ao seu respeito pela disciplina, explica-se a sua não comparencia na camara por um acto de melindre e delicadeza pessoal."

Ora, sr. presidente, isto realmente é grave, porque, a não ser uma insinuação, parece que se têem passado na secretaria da guerra cousas irregulares, o que eu não posso acreditar.

Não posso deixar de levantar a minha voz, como militar, e perguntar o fundamento que teta festa apreciação feita n'um jornal que se diz do governo.

Eu devo declarar que estas minhas reflexões não representam, de modo nenhum, opposição ao governo, porque eu disse, na occasião em que os srs. ministros se apresentaram aqui pela primeira vez, como o digo agora, que me mantinha n'uma espectativa benevola; mas ha factos que não podem passar desapercebidos.

Realmente, não se póde comprehender bem, nem explicar a ausencia do sr. ministro da guerra em questões d'esta importancia.

(Interrupção do sr. Rebello da Silva que não se ouviu.)

Repito, isto não significa opposição ao governo.

Como está presente o meu amigo o sr. ministro da marinha, eu peço a s. exa. que de certo não ignora todas estas circunstancias, o favor de tomar nota do que eu acabo de dizer para que agora, ou noutra occasião, sejam explicadas estas palavras de um jornal que apoia a situação actual.

E, como estou com a palavra, chamarei tambem a attenção do nobre ministro para um assumpto que eu tencionava apontar á attenção do sr. ministre da guerra: a situação em que se acha o monte pio official, depois que a camara votou as medidas de salvação publica.

Como é sabido, d'esse monte pio vivem exclusivamente muitas familias de officiaes, grande numerados quaes morreram em campanha, e tendo prestado grandes serviços ao seu paiz. O governo dá ao monte pio um subsidio animal de 100 contos de réis; mas agora, com a reducção dos juros das inscripções em que está convertido o fundo d'essa instituição, succederá que o governo lhe dá por um lado e lhe tira pelo outro.

Não sei como obviar a este inconveniente.

Para este negocio queria eu, pois, chamar a attenção do sr. Ministro da guerra, do sr. ministro da fazenda, e até do sr. ministro da marinha, pois é certo que o monte pio official tambem subsidia familias de officiaes de marinha.

Permitta-me agora a camara que eu, como remate ao que tenho a dizer, me refira a um facto acontecido no parlamento inglez n'uma das ultimas sessões da camara dos communs, facto que tem ligação com o assumpto das incompatibilidades politicas.

Notavel coincidencia! Dois dias depois de eu ter apresentado essa importante questão, apresentava o governo na camara dos communs uma proposta para se dar subsidio a uma companhia, proposta que foi approvada por uma grande maioria. No dia immediato um membro do parlamento propoz uma moção em que pedia que se eliminassem os votos de tres membros d'aquella camara, que eram directores da companhia subsidiada. Levantou-se grande questão, combatendo o governo essa proposta com o fundamento de que não havia lei em contrario.

Sabe v. exa. o que aconteceu? O governo levou um cheque.

Eu leio á camara o telegramma que trouxe esta noticia.

«Camara dos communs. Na sessão de hontem o sr. Mac Neill apresentou uma moção annullando os votos emittidos hontem a respeito dos estudos do caminho de ferro de Mombaça ao lago Victoria por varios deputados que têem interesses n'este negocio. A moção, apesar de ser combatida pelo governo, foi approvada por 154 votos contra 140.»

Esta coincidencia é notavel e d'ella tiro uma triste conclusão.

Direi como o celebre padre Antonio Vieira: «Não censuro, nem louvo; admiro só».

Tenho concluido.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso).

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral): - O digno par e meu amigo o sr. Camara Leme fez varias referencias ao meu collega o sr. ministro da guerra, desejando a presença de s. exa. para se discutir uma interpellação ha muito tempo annunciada, relativamente á disciplina do exercito e a um conflicto entre o tribunal superior de guerra e marinha e o ministerio dos negocios da guerra. Hei de informar aquelle meu collega dos desejos de s. exa. e estou certo de que, ou elle, se poder vir aqui, ou algum dos membros do governo, ha de responder cabal e inteiramente ás observações que sobre os referidos assumptos forem feitas.

Estranhou tambem o digno par que n'uma questão sobre fornecimento de lanificios para o exercito, o meu collega da guerra não estivesse presente, quando essa questão se tratou na camara dos senhores deputados. A verdade é que não havia ahi que discutir nenhum ponto de tactica, ou de disciplina, nenhum assumpto especial, emfim, propriamente militar. Tratava-se unica e exclusivamente de apreciar um contrato.

O sr. Camara Leme: - A discussão recaia sobre um ponto importantissimo de administração militar.

O Orador: - Tanto o assumpto da interpellação se considerava propriamente de direito, que todos os srs. deputados que entraram no debate não pediram enfio que sobre a questão fosse ouvida a procuradoria geral da corôa, a qual não me consta que consulte sobre pontos technicos de guerra.

Portanto, d'esta vez parece-me que não precisava o digno par de procurar exemplos de Allemanha. O facto tem, como se vê a mais simples explicação.

Disse s. exa. que um orgão semi-official do governo deu uma noticia sobre quaes eram as intenções do ministro da guerra, e quaes os motivos por que não vinha ás camaras.

Responderei a s. exa. que não creio na existencia de jornaes semi-officiaes.

O governo tem um unico jornal, é o Diario do governo.

Quando s. exa. vir na folha official algum documento assignado pelo governo, tem todo o direito a pedir-nos a responsabilidade do que n'elle se convier; mas s. exa. comprehende perfeitamente que não Apodemos responder nem assumir a responsabilidade do que se escreve em qualquer jornal, tanto mais que este ministerio está, como o digno par não ignora, fóra das luctas partidarias.

O governo póde ter e tem tido a fortuna de merecer a alguns orgãos da imprensa o applauso e a defeza dos seus actos; isto é apenas uma prova de que os seus actos têem conseguido merecer a approvação e a sympathica publica; mas é certo, repito, que não podemos responder p lo que disser ou escrever qualquer folha.

Tambem s. exa. apresentou algumas considerações com respeito ao monte pio official, e a este respeito posso affiançar a s. exa. que a idéa do governo é manter integros os direitos e interesses das viuvas e dos filhos dos associados

Página 3

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 3

fallecidos; mas é claro que isto não quer dizer que nos compromettamos a isentar esse estabelecimento dos sacrificios que são pedidos a todos os contribuintes, e que para serem justos terão de ser para todos, sem excepção.

(S. exa. não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, estando proxima a discussão da pauta, vou mandar para a mesa uma reprerentação de vendedores e de consumidores de lonas, meias lonas, brins e brinzões e de fabricantes de vélas para embarcações, os quaes pedem seja mantido o direito que foi estabelecido pelo governo no projecto primitivo, e que foi alterado na camara dos senhores deputados.

Parece-me que o pedido contido n'esta representação é muito justo, e, a prova é que o conselho geral das alfandegas entendeu, e a meu juizo, entendeu muito bem, que só devia elevar o direito, que era então de 70 réis por kilogramma a 100 réis.

Com esta elevarão ficava a industria nacional,: e deixe-me a camara dizer que no paiz creio que existe uma unica fabrica d'estes artigos, ficava a industria nacional com uma protecção de 40 por cento; no entretanto a camara, dos se nhores deputados, movida não sei por que rasões entendeu que devia elevar aquelle direito ao dobro, isto é, em vez de 100 réis alvitrados pelo conselho geral das alfandegas, votou 200 reis.

Encontra um tal augmento que representam os signatarios d'este documento.

Queixara-se, e com rasão, de que alguns d'esses artefactos não são produzidos no paiz, como por exemplo, as lonas de algodão que vem dos Estados Unidos, e de que, sendo cada peça do custo de 7$000 réis, lança-se-lhe um imposto de 4$000 réis, quer dizer um direito de 300 por cento.

Parece-me pois, que assiste aos signatarios d'este documento toda a justiça, e eu peço a v. exa., sr. presidente, que o envie á commissão para ser examinado, especialmente pelo seu relator.

Espero mesmo que durante a discussão d'esse projecto por parte da commissão, se apresente alguma emenda, mas se por ventura não for Apresentada, eu quando se discutir esse assumpto na especialidade terei então occasião de propor uma emenda ou substituição.

Mando para a mesa a representação.

O sr. Presidente: - A representação enviada para a mesa pelo digno par vae ser remettida á commissão de fazenda.

Não sei se o digno par deseja que esta representação seja publicada no Diario do governo, para que; todos os membros d'esta camara tenham d'ella conhecimento.

O sr. Conde de Castro: - Sim, senhor; peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que essa representação seja publicada no Diaria do governo.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que esta representação seja publicada no Diario do governo tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tem agora a palavra o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: - sr. presidente, eu não tinha tenção de pedir hoje a palavra, mas como vejo presente o sr. ministro da marinha e ultramar aproveito a occasião para fazer algumas perguntas relativamente a um assumpto que já aqui tratei em uma das passadas sessões na ausencia de s. exa.

Sr. presidente, v. exa. ha de certo, estar lembrado de que me referi aqui a uma noticia publicada n'um jornal de Pretoria, que se referia ao facto de se preparar uma grande lava de boers que se destinavam a estabelecerem-se no planalto de Mossamedes.

Por essa occasião eu fiz algumas ponderações que me pareceram rascaveis, e que poderiam chegar ao conhecimento do illustre ministro por meio do Diario das nossas sessões, a fim de que s. exa. ficasse prevenido do perigo que nos póde trazer a introducção dos boers, em grandes levas nos nossos territorios.

Eu ponderei então a s. exa. que aquelles colonos africanos, na occasião em que os inglezes occuparam a cidade do Cabo da Boa Esperança, abandonaram a cidade e partiram em procura de territorio onde ainda não houvesse definitivo dominio inglez, pois não querem sujeitar-se á auctoridade estrangeira. Estes colonos, sr. presidente, vieram para o Natal onde se estabeleceram; mas os inglezes, assim que viram a colonia começar a florescer, de novo procuraram sobre elles exercer a sua auctoridade, ao que elles resistiram em quanto poderam, tendo por fim de ceder perante a força e foram d'ali fundar para o Estado Livre de Orange e a republica do Transvaal, onde conseguiram, apesar de luctas sangrentas, viver independentes de qualquer auctoridade estranha.

Por aqui se vê, sr. presidente, que estes homens não estão dispostos a acceitar fórma de governo, ou soberania, que não seja exercida por gente sua.

Ora, os boers, alguns d'elles, são perfeitamente vagabundos, vivem nos seus carros puxados por vinte ou trinta bois, e assim atravessam desertos montanhas e correntes.

N'esses seus carros, verdadeiras casas portateis, vieram um dia encontrar-se com os nossos colonos no plan'alto de Mossamedes e ahi estabeleceram-se como nomadas se podiam estabelecer, e d'ahi partiram, alguns d'elles, a recrutar gente sua, gente dos boers para virem arrotear alguns terrenos do plan'alto de Mossamedes.

Eu dizia ao governo que esse planalto era o ponto mais apropriado para receber colonos nossos e onde a gente europêa podia estabelecer-se, viver e reproduzir-se.

No meu entender, faria bem Portugal e faria bem o governo, forçando todos os meios, se podesse, formar ali o nucleo de um futuro imperio lusitano, a Nova Lusitania, como eu lhe chamo já, nos encarecimentos do meu ardente desejo.

Parecia-me que o governo devia ter todo o cuidado em resguardar aquelle territorio para gente nossa, para sucursal d'este paiz, que d'ella muito carece.

Receio muito que uma grande emigração de boers venha estabelecer-se no plan'alto e dentro era pouco vivam sob o regimen das suas leis e não achem acceitavel a auctoridade portugueza.

Portanto, o que por um lado nos póde servir de auxilio póde por outro lado transformar-se em perigo serio para os nossos dominios, se elles, tomando posse de territorios nossos, se installarem e constituirem por fórma menos conveniente para o exercicio da nossa auctoridade soberana e segura manutenção do nosso direito.

Desejava que o nobre ministro, que de certo leu a Impvensa da Pretoria era que vem uma declaração e uma correspondencia do nosso consul, que por consequencia não póde deixar de merecer credito a s. exa. e ao governo, dissesse á camara dos pares o que havia a este respeito.

Aguardo a resposta de s. exa.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Ministro da Marinho (Ferreira do Amaral): - Sr. presidente, o digno par e meu amigo, o sr. Thomás Ribeiro, fez na sua linguagem sempre elevada e primorosa a descripção approximada, direi mesmo, completa do movimento da emigração dos boers em toda a Africa central.

Eu tenho tambem pela leitura dos jornaes e por outras noticias o conhecimento de que uma grande emigração de boers pensa em vir estabelecer-se nos nossos territorios. Não creio que se destinem propriamente ao sertão de Mossamedes, mas sim um pouco mais para o norte, para o Bihé e Caconda,

Nas povoações conhecidas por povoações de boers ha dois partidos completamente definidos e perfeitamente distin-

Página 4

4 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ctos. Um dos partidos representa a politica ingleza e trata de promover a permanencia da habitantes nos pontos que exploram. Outro, o elemento boer, tradicional e que exaltando até ao fanatismo mais intransigente] o seu amor de raça, reage por todos os modos contra a oppressão do outro partido preferindo mesmo, a ter de submetter se, o lançar-se em aventurosa emigração.

A este segundo partido pertencem as familias que pensam em emigrar para es nossos territorios; Entretanto não me parece que haja rasões para receios como ao digno par se afigura. Eu conheço-os por ter fallado com elles quando estive em Angola e muitas occasiões tive de os ouvir chegando mais de uma vez a dar-me ao trabalho de procurar dar-lhes breves noções da nossa legislação e até de muitos pontos do nosso codigo civil.

É certo que estes boers não têem o caracter de permanencia que aos outros se póde attribuir, portanto sob muitos pontos de vista reputo até vantajosa a sua emigração para aquelle ponto da nossos dominios africanos; sómente desejaria que taes vantagens não custassem ao estado algum sacrificio, e tanto que, tendo-me sido perguntado por um official do exercito, muito relacionado com os boers, o sr. Arthur de Paiva, se eu faria a despeza com a passagem d'essas familias, eu respondi-lhe que não, pois isto attingia uma somma importante.

Parece-me que, desde que haja um caminho de ferro do interior para o littoral, os receios do digno par desapparecem completamente, e para contrabalançar de algum modo esse elemento de possivel, comquanto pouco provavel, de absorpção que o digno par receia, ha ainda um outro elemento importante e folgo de poder dar uma noticia á camara que de certo lhe será agradavel, qual é a de que uma grande emigração judaica pensa em estabelecer-se no planalto do interior do Bihé desde que o governo lhe faculte algumas porções de terrenos.

O digno par não ignora que esta emigração de uma raça laboriosa, activa e intelligente, levar-nos-ia áquelle ponto valiosos elementos de trabalho e de riqueza. (Apoiados.)

Ora desde que nós estamos auctorisados, por lei a fazer a concessão de terrenos supponho que com grande vantagem podemos facilitar essa colonisação que alem de nos levar um elemento seguro para contrabalançar o da emigração dos boers, poderá em pouco tempo concorrer efficazmente para a construcção da linha ferrea para a costa que, uma vez estabelecida, incitará tambem, estou certissimo, a emigração portugueza para áquelle ponto, estabelecendo ali um viveiro de gente branca em condições de poder fazer o credito da nossa colonisação africana.

Parece-me, que as explicações que acabo de dar satisfarão o digno par, mas se o não conseguir, usarei novamente da palavra.

(O sr. ministro não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, estimo ter tido occasião; de pedir estas noticias ao nobre ministro da marinha, porque, a dizer a verdade, vejo que entre s. exa. e os promotores d'aquella emigração ha relações estabelecidas, e não é uma surpreza para o governo do meu paiz o facto a que me referi.

Disse nos s. exa.: - que não são só os boers que pretendem ir estabelecer-se no planalto de Mossamedes, mas sim tambem os israelitas expulsos do norte da Europa, o que para nós é uma vantagem, porque podem contrabalançar a influencia que a raça boer possa adquirir

Sr. presidente, eu reputo a expulsão dos israelitas do norte da Europa uma barbaridade, assim como acho barbaridade os flagicios por que têem passado; mas devo dizer ao nobre ministro que não deve confiar muito na efficacia da d'aquella emigração para contrabalançar a influencia dos boers.

A raça dos israelitas é menos forte; não é tambem nacionavel (permitiam a palavra) e é essencialmente commerciante, exploradora; ora, nós do que precisâmos no planalto é de cultivadores e de mineiros, e para isto não servem os israelitas.

Alem d'isso acresce ainda a circumstancia de que os israelitas são uma raça de gente .. nervosa, emquanto que a dos boers é uma raça de gigantes.

Não para contrabalançar o predominio e independencia que podem adquirir os boers, mas para fazerem o caminho de ferro, entendo que é bom chamal-os ali. Agora quanto ao espirito laborioso, e á força dos boers deve o governo cuidar em que elles, em vez de serem embaraço, sejam auxiliares do prestimo da nossa auctoridade n'aquellas regiões. Elles podem, estando em perfeita harmonia comnosco, ser uma parte da nossa força; mas seria bom que o governo tratasse ao mesmo tempo, e por sua conta, da defeza do planalto, fazendo construir alguns fortes e estabelecendo uma milicia local, especial. É necessario que o governo ponha ali auctoridades, que não sejam a imagem e similhança de grande parte das que por lá temos tido, e sobretudo que não faça comarcas.

E dito isto, como o que eu desejo principalmente é que venha o caminho de ferro, congratulo-me com o illustre ministro pelas vantagens com que conta; mas o que lhe peço é que não poupe a concessão de alguns hectares a quem lá os aproveite sendo-nos util, para os conceder a quem cá os pede e não vae lá, só para os negociar e crear-nos embaraços.

Eu já disse mais de uma vez que tomo grande interesse por áquelle paiz, que nunca vi, que nunca visitei, mas cuja prosperidade muito desejo, e oxalá que eu podesse de alguma fórma contribuir para bem d'elle. Não tenho n'isto nenhum outro desejo que não seja este.

Sei que se diz que quem hoje procura servir alguma parte da Africa é porque algum interesse ali vae buscar.

Eu creio, porém, que toda a camara está convencida de que, quando eu fallo n'estes assumptos, nenhum outro interesse me guia alem do desejo de contribuir para o bem do que é uma parte de Portugal.

Eu já me offereci para ir á Africa em qualquer missão.

Sei que na idade em que estou não posso sujeitar-me a aventuras; no emtanto para servir o meu paiz é sempre completa da minha disposição.

O que eu peço ao sr. ministro da marinha é que mande para ali muitos braços que trabalhem, muito dinheiro de que tanto lá se precisa; mas é conveniente que se previna de modo que o não tome algum acontecimento de surpreza, acontecimento que o obrigue a mandar áquelle ponto alguma expedição, do continente ou do ultramar a fim de repellir qualquer affronta.

Aqui está o pedido que faço ao sr. ministro da marinha, e nada mais tenho que dizer.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral): - Sr. presidente, eu não quero prejudicar a ordem dos trabalhos da camara, e por isso serei muito breve.

O que eu desejo dizer ao digno par sr. Thomás Ribeiro é que, quando estive no planalto de Chella, os boers só me pediram a creação de um juiz de conciliação. Foi isto o que me pediram, e o que eu lhes concedi, talvez abusando de alguma das disposições da carta constitucional, mas em todo o caso deu-se-lhes o magistrado que desejavam.

O sr. Thomás Ribeiro: - Apoiado, apoiado.

O Orador: - Agora, para socegar o espirito do digno par, devo declarar que, por occasião em que em meetings se tratou no Transvaal da emigração dos boers para o nosso territorio, foram elles unanimes em confessar que não lhes era possivel encontrar liberdade mais completa, maior generosidade e mais grato acolhimento do que no territorio

Página 5

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 5

portuguez, o que positivamente sabiam pelas noticias dos colonos da Humpata,

Quanto aos israelitas, devo dizer que eu não coado n'elles como agricultores, mas sim como industriaes, como commerciantes e de certo como protegidos por possuidores de grandes fortunas:. e por todos estes fundamentos penso que serão um valioso elemento de prosperidade para aquella parte do nosso territorio.

Era isto o que eu tinha a dizer em resposta ao digno par sr. Thomás Ribeiro.

(O sr. ministro não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, duas palavras apenas.

Eu sou muito de accordo com a creação d'aquelle juiz conciliador, ou avindor, com aquelle juiz que os boers pediram e a que se referiu o sr. ministro da marinha, mas como s. exa. d'esse que tinha concedido aos boers esta autoridade conforme elles proprios lh'a pediram, eu direi ao nobre ministro que não o faça exclusivamente para os boers, nem lhe dê uma autoridade sua, faça o para todos que ali vivem. O que o sr. ministro da marinha quer conceder aos boers tem parentesco proximo com os juizes conservadores, que nós conhecemos em tempo á Inglaterra, e que trouxeram gravissimas difficuldades á nossa justiça e aos nossos interesses. Crear uma autoridade só para os boers e dos boers, é crear uma justiça peculiar, que se parece, como eu já disse, com os referidos juizes conservadores; por isso eu dou de conselho ao sr. ministro da marinha que não o faça.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Avila: - Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão de guerra sobre o projecto vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim determinar que não sejam prejudicados na sua classificação final os alferes ou segundos tenentes habili todos com a carta geral do curso das suas respectivas armas ou do corpo doestado maior, por terem sido impedidos, por doença devidamente comprovada, de concluirem os dois annos de tirocinio para o posto de tenente, ou primeiro tenente, sem perda de um unico dia de serviço.

Lido na mesa o parecer foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Estando a hora adiantada e sendo necessario passar-se á ordem do dia, eu conservo a inscripção dos dignos pares que pediram a palavra para antes da ordem do dia, para a proxima sessão.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer da commissão sobre o projecto das pautas, para entrar em discussão na generalidade.

Leu-se na, mesa. É do teor seguinte:

PARECER N.° 133

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de fazenda o projecto de lei n.º 84, vindo da camara dos senhores deputados, reforma das pauta geral das alfandegas.

É a segunda vez que em Portugal se apresenta á consideração e discussão parlamentar a reforma completa das pautas das alfandegas; agora chega tão importante medida a esta camara, acompanhada de copiosos esclarecimentos, que de certo muito podem contribuir para bem se ajuizar de questão de tanta magnitude, como é a que serve de base á cobrança das mais avultadas receitas do thesouro, constitue poderoso elemento de defeza e protecção a valiosos interesses industriaes e commerciaes e importa á grande massa dos consumidores.

Com effeito, acompanhando o projecto que temos a honra de expor á vossa esclarecida consideração, vem, um volume comprehendendo o relatorio e proposta da pauta de importação organisada pela commissão, que especialmente estudou este assumpto no conselho superior das alfandegas, proposta que foi approvada e adoptada pelo referido conselho, e 135 documentos, reclamações dos interessados, aos quaes foi concedido o espaço de onze mezes para dizerem de sua justiça.

Em outro volume a proposta do governo e as numerosas reclamações que ácerca da referida proposta organisada pelo conselho superior das alfandegas, fizeram alguns industriaes e commerciantes. Finalmente, depois de discutida e alterada a proposta do governo pela camara dos senhores deputados, ainda esclarecem o assumpto as representações enviadas ás camaras.

É certo, que depois de realisados trabalhos e estudos no sentido de se conhecerem todas as opiniões, ainda muitas aspirações ficarão por satisfazer, como acontece em questões d'esta ordem, nas quaes os interesses por vezes se não combinam, prejudicado a uns o que aproveita a outros, nem é facil achar meio termo justo e rasoavel em assumpto de natureza tão difficil e complexa, que sempre dá margem á critica mais ou menos apaixonada.

Em 6 de fevereiro de 1886 o illustre estadista que então geria os negocios da fazenda, apresentou ao parlamento uma proposta de lei reformando as pautas das alfandegas, acompanhando a dos documentos que tinham servido de informação para se realisar aquelle trabalho.

A proposta de lei, chegando a ter parecer impresso da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, não entrou em discussão por ter sido substituido o gabinete.

Essa reforma era de ha muito reclamada, por isso que a pauta de importação então em vigor era de difficil applicação por causa das successivas modificações tributarias por leis especiaes e da accumulação de impostos de diversa natureza e incidencia, recaíndo uns; sobre o valor das mercadorias, outros, sobre os direitos, por esta fórma era difficil a averiguação do quantitativo de imposto sobre cada especie de mercadoria e a contagem dos direitos e o despacho aduaneiro tornavam-se morosos.

No anno seguinte, na sessão de 13 de abril do 1887, o governo apresentou ás camaras nova proposta para a reforma das pautas das alfandegas, moldada nos seus traços principaes pela que tinha sido anteriormente apresentada.

A proposta approvada pelo parlamento foi convertida em lei, mandadas executar as novas pautas em 16 de agosto de 1887 e editar pelo decreto de 22 de outubro do mesmo anno.

São estas as pautas que vigoraram até 31 de janeiro proximo.

Na citada lei de 16 de agosto se prescrevia no n.° 13.° do artigo 1.° o seguinte: «Antes de expirar o praso de execução do tratado de commercio com a França, o governo apresentará ás côrtes uma proposta fixando os direitos geraes das mercadorias até então sujeitas ao regimen de excepção do tratado».

Cumprida esta prescripção, findando o praso para a execução do tratado de commercio com a França em 1 de fevereiro do corrente anno, na sessão de 16 de dezembro proximo passado, foi a proposta da reforma das pautas presente ás côrtes pelo sr. ministro da fazenda da situação transacta.

Esta proposta era inadiavel.

A pauta tinha sido organisada estando em vigor as condições estipuladas com a França, Italia e Suecia, e as taxas fixadas nas respectivas tabellas dos tratados applicadas á importação de outros paizes, aos quaes, segundo as clausulas dos mesmos tratados, concedemos as vantagens do titulo da nação mais favorecida, e finalmente, pela lei de 7 de junho de 1882 foram as tabellas dos tratados generalisadas a todas as procedencias.

Foi por isso que na reforma então realisada, não se

Página 6

6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pôde attender ao que seria util e conveniente para a justa defeza do trabalho nacional, e se cuidou muito principalmente do que era proveitoso para a simplificação do expediente aduaneiro e para o augmento das receitas do thesouro.

Hoje, livres de todos os compromissos, e ouvidas as reclamações das classes interessadas, póde e deve legislar-se pela fórma que se julgar mais conveniente e proficua para o bem geral da nação.

Tendo cessado de ter applicação o regimen convencional no dia 1 de fevereiro com alguns paizes com os quaes temos relações commerciaes de importancia, e estando a tabella das convenções generalisada a todas as procedencias, como dissemos, era urgente a promulgação da pauta geral das alfandegas antes do referido dia, para evitar difficuldades e inconvenientes de consideração.

Tendo-se ainda d'esta vez dado a coincidencia de ter o governo deixado só em começo de discussão na camara dos senhores deputados o projecto da pauta, como em 1886, por motivo da ultima crise politica, o actual gabinete tomando para base de discussão a proposta apresentada e no sentido de evitar o inconveniente de deixar de se executar no 1.° de fevereiro a pauta geral, propoz ao parlamento o projecto n.° 71, sendo approvado e convertido em lei, mandou executar a proposta apresentada ás côrtes na sessão de 14 de dezembro proximo, até que podesse estar convertida em lei a que se discute.

Tendo-nos referido ás convenções commerciaes por nós realisadas, para que se ajuize da sua importancia e de qual tem sido o desenvolvimento do nosso commercio com as principaes nações antes e depois de realisado o tratado de commercio com a França, depois generalisado a todas as procedencias, publicâmos os seguintes mappas que contêem o valor em contos de réis das mercadorias (excepto moeda) despachadas para consumo e importação nos paizes e nos annos abaixos mencionados:

Valores em contos de réis

[ver tabelas de valores na imagem]

Dos algarismos que antecedem se reconhece que, comparado o anno de 1882 com o de 1890, o valor das importações para consumo, nos paizes mencionados, elevou-se era relação a oito e decresceu só em relação a tres, produzindo um augmento no valor geral das importações de 10:302 contos de réis, e pelo que diz respeito á exportação de productos nacionaes para esses paizes, os resultados foram um decrescimento no valor geral das nossas exportações de 1:929 contos de réis.

O decrescimento no valor das importações dos Estados Unidos da America e da Russia, é resultante da menor importação de trigo para supprir a alimentação publica, o valor das nossas importações d'esses paizes, oscilla conforme as maiores ou menores colheitas cerealiferas; quanto ao Brazil é proveniente da diminuição gradual e successiva que se tem dado na importação do assucar e café d'aquelle paiz. Ainda em 1865 a importação total de assucar não refinado foi no valor de 2:040 contos de réis, sendo do Brazil 1:678 contos de réis, e das outras procedencias 362 coutos de réis; em 1890 a importação total foi de 1:981

Página 7

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 7

contos de réis, sendo do Brazil apenas 70 contos de réis e o restante de outras procedencias. Igual decrescimento se dá pelo que diz respeito ao café que tem sido substituido nos mercados do paiz, pelo das nossas provincias ultramarinas.

Dos algarismos contidos nos dois mappas ainda se poderão deduzir argumentos de valia para se ajuizar da importancia, effeitos e conveniencia das convenções a realisar com os paizes com que mantemos estreitas relações commerciaes.

O projecto da pauta em discussão, nos direitos com que tributa as diversas mercadorias, teve em vista, sem descurar os interesses do estado, ser instrumento de protecção para as industrias. Debaixo d'este ponto de vista é accentuadamente proteccionista, no sentido do trabalho e industrias nacionaes se exercerem em boas condições.

Na elaboração das pautas não se podem applicar principios ou theorias abstractas, tem de se attender ás circumstancias economicas de occasião; assim é, que por vezes o que hontem seria inopportuno, se impõe hoje como indispensavel.

Não nos parece proprio em assumpto tão momentoso tratar questões de escolas ou de principios; postas de parte as nossas opiniões economicas, devemos attender á opportunidade que se impõe, seguindo o movimento geral que é de defeza.

Não definir a nossa situação n'este momento seria erro grave e prejudicial pelas consequencias que resultariam do nosso isolamento.

Ha, porém, outras rasões que nos indicam o Caminho a seguir.

E facto averiguado, que á sombra das taxas convencionaes reguladoras da importação de muitas manafacturas estrangeiras, a concorrencia se estabeleceu com algumas de producção indigena, por fórma que, certas industrias soffreram e outras se não iniciaram com desproveito do trabalho nacional. O capital retrahiu-se, temendo não ver recompensados os seus esforços nas explorações industriaes e buscou outras collocações.

Por isso é conveniente defendermos mais o trabalho nacional da concorrencia dos productos estrangeiros, e opportuno e indispensavel contribuir para o progresso e desenvolvimento industrial, por fórma que substitua nos mercados do paiz muitas das manufacturas que actualmente importâmos.

Tem-se argumentado com o desequilibrio da nossa balança de commercio, ou a differença que de anno para anno se tem mais accentuado entre o valor das importações e o das exportações.

Em 1890 foi esse desequilibrio considerados os valores totaes e comprehendidos os metaes preciosos em barra e moeda, de 25:760 contos de réis, e considerando, só a importação para consumo e a exportação, não comprehendidos os metaes preciosos em barra e moeda, foi a differença de 23:085 contos de réis a mais no valor das importações.

Para se julgar com exactidão do que vale este deficit parada, nossa situação economica e financeira, e argumentar com precisão quaes os effeitos resultantes, é indispensavel proceder a estudos e indagações muito difficeis e complexas, de que só se póde formar opinião hypothetica, attendendo a muitas coeficientes de correcção.

Sendo porém certo, que os valores das importações excedem os das exportações, tem de se acrescentar á somma a haver dos productos exportados quantia que tem de ser paga por qualquer fórma, em ultimo caso pela saida do oiro; é facto que ultimamente essa saída se tem realisado por fórma que de janeiro a dezembro proximo accusa a estatistica aduaneira a exportação de 29:706 contos de, réis, e a importação de 3:721 contos de réis, havendo assim a falta de 25:985 contos de réis n'este meio circulante.

Basta este facto para nos devermos precaver e para nos esforçarmos em diminuir, quanto possivel a differença, importando menos e exportando mais; para que se realise o primeiro facto, é sem duvida necessario que pela elevação dos direitos se defenda mais a industria nacional.

Na reforma de impostos d'esta natureza, os resultados não podem ser immediatos; é indispensavel que se de tempo a que os habitos se transformem e modifiquem, e convem ainda a applicação de bons principios economicos e administrativos, para que o fim que se tem em vista se produza sem inconveniente, e os esforços do capital e do trabalho sejam recompensados para por esta fórma afastarmos muitos dos perigos da actual situação.

Para exportarmos mais, e reputamos da maior importancia este facto e não inferior ao primeiro, é necessario facilitar mercados consumidores aos nossos productos.

A exportação de vinhos no anno de 1890, foi:

[ver tabela de valores na imagem]

Antes de proseguirmos, faremos notar que os valores medios dos vinhos acima mencionados, declarados nas alfandegas, estão muito abaixo dos valores reaes nos mercados do paiz, e muito inferiores ás quantias pelas quaes os nossos exportadores foram creditados nas praças do destino.

Estamos convencidos que o valor real do vinho exportado do paiz no anno indicado excederia a quantia 14:000 contos de réis, n'este caso o coefficiente de correcção a introduzir na balança de commercio era a nosso favor.

A nossa exportação vinicola tem decrescido, e tendo chegado em 1886 a 19.631:140 decalitros, está em menos de metade, em rasão, parte da diminuição da producção, parte da escassez de pedidos dos mercados estrangeiros, tendo-se accentuado mais a differença nos vinhos communs tintos.

Assim, é preciso cuidar que o que nos sobeja d'este producto seja exportado em boas condições e ache mercados consumidores; mas, nos paizes em que o vinho é indispensavel para attender ás necessidades do consumo, excepto no Brazil, está estabelecida a sua tributação pelo alcool contido ou pela denominada escala alcoolica; os nossos vinhos são geralmente bastante graduados, competindo-lhes por isso taxas elevadas.

A principal riqueza da nossa exportação é fornecida pelas industrias agricola e extractivas, pela ordem da sua importancia, assim valorisada em 1890:

Contos de réis

Vinho 10:897
Cortiça 3:112
Fructas e hortaliças 1:587
Minerios 1:371
Pescarias 1:230
Gado 671
18:868

Restando para todos os mais generos (excepto moeda) 2:670 contos de réis, e estando ainda comprehendidos n'este valor alguns productos naturaes e agricolas, lãs, cereaes, etc.

Preparar terreno para a collocação da nossa exportação e fomentar o seu maior desenvolvimento é, de certo, questão da maior importancia, e que eficazmente póde contribuir para a resolução da crise economica.

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Não devemos, por isso, renunciar ás vantagens obtidas pela reciprocidade estabelecida nas convenções, não só porque nas questões de troca e de commercio, é preciso sempre attender aos intermediarios, e um paiz não póde impor a outro as suas leis economicas, sem renunciar a essas vantagens, mas ainda porque as circumstancias em que nos achamos indicam, por ventura, que precisâmos celebrar tratados com alguns paizes, com os quaes mantemos mais estrictas relações commerciaes.

Esses trabalhos inspirando-se em preceitos uteis, sendo os principios geraes e bases regulados com justiça, acerto e equidade, muito poderão contribuir para a prosperidade e riqueza commercial e industrial e maior desenvolvimento do trabalho nacional.

Assumptos de tanta magnitude, convem que estejam collocados, fóra do campo da politica partidaria e do antagonismo de classes, porque o commercio, a industria fabril e a agricola devem viver em completa harmonia, tendo misteres definidos a cumprir.

Se a pauta proteccionista for convertida em lei e contribuir para que a importação dos objectos manufacturados seja, em parte;, substitituida pelos de fabricação nacional, que importancia poderá ter este facto para a diminuição das receitas aduaneiras, que constituem a primeira fonte das receitas da thesouro?

É questão para considerar, muito principalmente na actual conjunctura.

Se é facto, que só quando a industria nacional se exercer em melhores condições, augmentará a receita total dos interessados e d'esse augmento resultará a devida participação do thesouro publico, e se como dissemos os resultados não podem ser immediatos, de igual fórma não deverá haver rasão para se fazer sentir de prompto depressão sensivel nas receitas aduaneiras, por effeito da applicação da pauta era discussão.

Vejamos, porém, mais detidamente este assumpto, que é deveras importante.

A receita total de direitos de importação, cobrada no atino de 1890, elevou-se á quantia de 14:545 coutos de réis.

N'esse anno as substancias alimenticias que vem mencionadas na classe 4.ª do projecto contribuiram para essa receita com a somma de 8:411 contos de réis. Na generalidade, os direitos que actualmente tributam os generos de que se trata foram mantidos com a inclusão dos addicionaes e em virtude dos arredondamentos realisados para esse fim e de algumas taxas que soffreram pequena elevação, deverá a receita augmentar na quantia de no contos de réis. O rendimento produzido pela importação dos generos incluidos na referida classe, a não augmentar, segundo a tendencia que se tem accentuado não ha rasão para suppor que diminua e assim a receita a cobrar d'esta fonte se elevará pelo menos a 8:521 contos de réis.

Na classe 2.ª do projecto vem classificadas as materias primeiras para as industrias. Visto que a tendencia do projecto é accentuadamente proteccionista, é de suppor que o progressivo desenvolvimento do trabalho nacional, fará crescer a importação das materias primeiras que lhe são indispensaveis e augmentará portanto esta fonte de receita. Os direitos pela importação das mercadorias de que se trata, no anno de 1890, fôram na importancia de 1:848 contos de réis. Da inclusão dos minimos nas taxas pelos arredondamentos realisados, e do augmento de alguns direitos principalmente madeira em vigas, tábuas, etc, resultará pelo menos o acrescimo de 60 contos de réis, que sommados com os 1:848 perfaz a totalidade de 1:908 contos de réis.

Temos assim, que as receitas a cobrar em virtude das classes 2.ª e 4.ª do projecto, sem ter em consideração o augmento do despacho que de certo se acentuará pelas rasões indicadas, serão na importancia de 10:429 contos de réis, e como a receita cobrada é de 14:545 contos de réis, temos só de receita contingente que póde soffrer depressão, a quantia de 4:116 contos de réis, isto é a que deverá ser produzida pelas quatro restantes classes do projecto, aonde estão todos os fios, tecidos e suas obras, papel é suas obras, vidros e louças, obras de metaes e todas as demais manufacturas de qualquer qualidade ou especie.

É facto que sobre algumas das mercadorias mencionadas n'estas quatro classes é que mais se fez sentir o augmento de direitos, e que d'esse augmento poderá resultar menor importação; mas ainda n'este caso é provavel que a receita não decresça sensivelmente, porque o augmento das taxas compensará a menor quantidade importada.

Nasce por isso a convicção do que suppondo que tenham de se regular as nossas importações unicamente pelo regimen geral que se discute, só quando a industria nacional attingir o desenvolvimento que suppre os mercados de muitas manufacturas que importâmos, é que se fará sentir depressão sensivel nas receitas, mas estas evoluções, como já dissemos, não podem dar-se rapidamente.

As receitas cobradas pelas alfandegas no mez de fevereiro findo em que vigorou a pauta provisoria, tiveram decrescimento comparadas com as de igual mez do anno anterior; esse facto resultou de diversas causas, sendo a principal a mesma que produziu o decrescimento importante que tiveram todas as receitas aduaneiras no anno proximo findo de 1891, comparadas com as do anterior apesar de no já referido anno de 1891 se terem cobrado novos tributos, o imposto de 6 por cento addicional e o imposto de carga e vigorar a pauta das convenções, mas similhante facto não resultou do regimen tributario adoptado, mas dos effeitos da terrivel crise economica que temos atravessado e para debellar a qual póde contribuir o regimen pautal que se discute.

Mais especial cuidado deve merecer o prejuizo que póde causar o descaminho de direitos, do que a depressão das receitas aduaneiras que tenha porventura de resultar de diminuição de importação directa pelo retrahimento do consumo, causado pela elevação de preços a que o augmento de taxas de occasião, ou pela substituição nos mercados internos das mercadorias estrangeiras, pelas de producção nacional.

Se crescer, conto é natural, é incentivo e margem de lucros para o trafico illicito das mercadorias oriundas do paiz vizinho, é para receiar, que por esta fórma, possam ser prejudicados, não só o thesouro publico, mas as industrias nacionaes e o commercio licito.

Julgâmos por isso que acompanhando a execução do projecto, não se farão esperar as indispensaveis medidas que acautelem os perigos que podem resultar, e a que nos referimos.

Convem decerto definir claramente as responsabilidades por fórma que todos os serviços das alfandegas de modo homogeneo, correspondam á importante missão que lhes é incumbida e se justifique e aproveite a avultada e sempre crescente quantia que custa ao thesouro a fiscalisação externa.

Podem ainda contribuir efficazmente para prevenir muitas fraudes e descaminhos e para regularisar convenientemente a acção do fisco, que a sellagem de tecidos e o despacho por declaração, sejam de vez postos em pratica, por fórma que se vençam resistencias, filhas mais das vezes do modo por que se põem em execução as medidas e da sua regulamentação, do que de outras causas.

No relatorio que precede o projecto da pauta organisado pela commissão especial do conselho superior das alfandegas, que para este fim foi nomeada, vem justificadas e explicadas as rasões que motivaram as alterações das taxas propostas. Na parte em que o mencionado projecto não soffreu alteração escusado nos parece reproduzir o que consta do referido documento, visto que não teriamos novos argumentos para acrescentar aos que d'elle constam.

N'estes assumptos, posta de parte a questão economica,

Página 9

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 9

só fica a de direito e equidade, a controversia póde circumscrever-se á analyse do quantitativo do imposto, conforme a sua natureza e os fins que se têem em vista, isto é, conforme o direito é fiscal ou protector.

No projecto têem muito principalmente importancia capital para a receita do estado os direitos fiscaes consignados para a importação do assucar, bacalhau, manteiga, arroz, favas, chá, café, petroleo e carvão de pedra, que produzem mais de 70 por cento da receita total cobrada de direitos de importação.

Os direitos d'esta natureza, para serem productivos, incidem sempre nos generos do mais geral e indispensavel consumo, dos quaes ha avultada importação.

Os direitos protectores consignados no projecto, que em muitos casos poderão parecer exagerados, não podem deixar de representar uma percentagem elevada do valor das manufacturas, attendendo ás causas de inferioridade que existem para a nossa industria, comparada com as de outros paizes, nos quaes o capital é barato, possuem as materias primas e o combustivel ou podem nos adquirir por preços relativamente reduzidos.

No emtanto no projecto estão estabelecidos direitos protectores para determinadas manufacturas, inferiores áquelles que constam das pautas da França e da Hespanha, de onde se póde concluir que não houve exagero, e só empenho de defender os legitimes interesses do trabalho nacional, tendo em linha de conta as difficuldades com que lucta e os encargo que sobrecarregam a producção.

As emendas, introduzidas pela camara dos senhores deputados na proposta do governo, foram fundamentadas nas rasões produzidas durante a prolongada discussão que o projecto teve na mesma camara, e n'aquellas que constam do parecer da commissão especial que discutiu e organisou o projecto; mencionaremos no emtanto as mais importantes.

No sentido de proteger a industria agricola e difficultar a adulteração do Azeite de oliveira, sem perturbar a industria que fabrica os oleos vegetaes, que muito convem desenvolver, alargar e proteger, no interesse da propria agricultura e do commercio colonial aonde se produzem muitas das sementes e fructos de que se extrahem alguns dos oleos, que são materias primeiras indispensaveis para muitas industrias, se consignaram as bases estabelecidas no artigo 2.° do projecto.

Por este artigo se regulam as prescripções por que deverá decretar-se o regimen especial para fiscalisar a fabricação dos oleos liquidos vegetaes e animaes, e nos artigos 69.°, 70.° e 80.° do projecto da pauta se alteraram as taxas que foram propostas para a importação dos oleos de que se trata, por fórma a harmonisal-as com os fins que se teve em vista. Assim ao oleo de gergelim se elevou a taxa de 100 a 200 réis por kilogramma, e os direitos prohibitivos que tinham sido propostos para as sementes de gergelim e de algodão foram diminuidos á taxa de 0,1 de real por kilogramma, sendo encorporadas no artigo generico n.° 80, sementes oleosas; finalmente, libertou-se de direitos a exportação dos oleos liquidos e concretos.

A industria agricola em resultado dos principies que se prescrevem para a fabricação e venda dos oleos fica assim garantida, e a industria que se emprega na fabricação de oleos e as suas dependentes, deverão desenvolver-se e prosperar.

Com o fim de animar a producção do gado vaccum sem que soffra alteração o preço normal da carne, elevou-se no projecto o periodo de um a tres annos para a importação dos novilhos, conforme se vê no artigo 9.° do projecto.

O gado vaccum no periodo de um a tres annos de idade é o mais proprio e lucrativo para a recreação e o que ordinariamente importâmos de Hespanha, e a recreação é actualmente o primeiro elemento de lucro, por isso que infelizmente a industria da engorda tem tido gradual e importante diminuição, depois que a exportação do gado para Inglaterra se tornou quasi irrealisavel em resultado do regimen fiscal e policial a que elle é sujeito n'aquelle paiz.

Sem prejuizo para a importante industria de fiação e tecelagem de lã e com vantagem para a agricultura pecuaria se inscreveram no projecto novos artigos tributando a lã em rama preta, suja e lavada, artigos 15.° e 17.° No paiz a producção da lã preta é muito superior á da lã branca, aquella serve para a fabricação de tecidos mais grosseiros, demais a lã preta pela lavagem perde metade do seu peso, emquanto que a branca só perde geralmente um terço.

Para acautelar e defender a importante receita que o thesouro publico cobra pela importação do petroleo (756 contos de réis era 1890) na pauta proposta e nas anteriores a taxa de 67 réis abrangia todos os óleos mineraes em bruto ou refinados.

D'este facto resultava que surgiam contestações sobre se alguns dos oleos apresentados a despacho eram ou não proprios para illuminação, e os oleos mineraes em bruto tinham uma taxa prohibitiva com desproveito de algumas industrias.

No projecto para se evitarem os inconvenientes referidos, incide a taxa proposta de 67 réis (artigo 97) só nos oleos proprios para illuminação, chamados «leves», para os medios, que só depois de preparados se podem applicar para aquelle fim a taxa de 60 réis, e finalmente os pesados, proprios para lubrificação de machinas 2 réis por kilogramma (artigos 98 e 99.)

Para mais garantir a receita do thesouro, caso se realise a importação dos oleos não purificados para no paiz se refinarem ou prepararem, no artigo 9.° do projecto que antecede a pauta se estabelece que os oleos mineraes refinados ou preparados no paiz ficam sujeitos ao imposto do fabrico de 60 réis por kilogramma.

Processos positivos e praticos tornam relativamente facil a distinção dos oleos mineraes n'estes differentes estados quando se apresentem duvidas.

No sentido certamente de conceder protecção mais efficaz á industria agricola augmentou a camara dos senhores deputados o direito proposto para o vinho ao dobro, e elevou sensivelmente as taxas que tinham sido propostas para o azeite de oliveira, carne preparada e toucinho, fructas frescas e seccas e forragens, artigos 320, 321, 353, 354, 356, 360 e 361. Elevou a taxa da manteiga natural de 200 a 250 réis por kilogramma e em novo artigo mencionou a margarina de Mouriers e as imitações da manteiga com a taxa de 400 réis por kilogramma, artigos 362 e 363.

Para a importação dos apparelhos e machinas industriaes e seus pertences adoptou o projecto a classificação segundo o seu peso, e assim ao artigo 372 correspondem cinco taxas diversas, conforme pesarem até 50, 100, 500, 1:000 on mais de l:000 kilogrammas, separando em artigo especial determinados apparelhos e machinas agronomicas a vapor e seus pertences (artigo 373.)

Pelo que diz respeito ás machinas a vapor, gaz ou ar quente, dividindo-se conforme a força nominal de cavallos, foram impostas tres taxas diversas pelo artigo 392.

O systema adoptado para a classificação d'estas manufacturas podará provocar algumas difficuldades para a classificação e applicação do imposto; mas é certo que por esta fórma as taxas especificas que lhe foram applicadas vão incidir mais proporcionalmente sobre o valor, a protecção é melhor distribuida, e facilita-se mais a importação de alguns d'estes importantes auxiliares do trabalho, dos quaes ainda não ha fabricação apreciavel no paiz.

No projecto, para se conceder maior protecção ás industrias de torneiro e marceneria e evitar os inconvenientes da taxa ad valorem nos artigos 444 a 447, se classificaram as obras de madeira em moveis e outros artefactos, segundo o seu acabamento e guarnições, e se lhes applicou taxas por kilogramma. As obras de vidro foram classifica-

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

das segundo a qualidade de vidro, e conforme a obra é lisa, lapidada, gravada ou colorida, certamente que as alterações realisadas pelo projecto na classificação d'esta manufacturas, foram para tornar a incidencia das taxas mais proporcional ao valor dos productos (artigos 459 a 466).

Pelo que diz respeito ás industrias de metallurgia e ás de lithographia, typographia, gravura e encadernador, foram attendidas em grande parte as suas reclamações pela camara dos senhores deputados. Conforme se reconhece consultando os artigos 486, 491 a 499 do projecto, os direitos para as obras não especificadas de ferro, estanho de metaes diversos, foram augmentados e igualados aos das obras de cobre não especificadas e pelos artigos 500 506, 508 a 513, 518 e 519, foram elevadas as taxas á estampas, livros em branco, impressos avulsos e obras de encadernador.

Nos artigos, 569 a 572 do projecto, foram classificadas as composições pharmaceuticas, do que resultou augmento de taxa para os globulos, lentilhas, etc., de 2$000 a 5$000 réis, e reducção no direito que tinha sido proposto para as pastilhas de 2$000 a 1$200 réis, e no artigo 8 do projecto se prohibe o despacho de importação do todos os medicamentos de composição secreta ou não devidamente registada, providencia de ha muito reclamada, pela qual fica a classe pharmaceutica garantida de concorrencia que muito a prejudicava, em detrimento da saude publica.

A importação de medicamentos que, orça annualmente por 120:000 kilogrammas no valor de 130 contos de réis é em grande parte de productos que sem fiscalisação alguma se vendem fóra das pharmacias, e que n'estas se podiam preparar em boas condições.

São estas as mais importantes alterações realizadas pela outra casa do parlamento na proposta apresentada ás camaras, com o fim de tornar mais effectiva a protecção concedida ao trabalho nacional.

Em alguns artigos foram tambem reduzidos os direitos propostos, e diminuida a protecção concedida, no sentido de facilitar a concorrencia dos productos similares da industria estrangeira, citaremos os principaes: Artigo 143, adubos para agricultura; 388, massas para sôpa; 193 a 197, fios de algodão; 26l, 263 e 266, fios de linho; artigos nos. 370 a 874, contadores para agua e gaz, cylindros de cobre, correias de transmissão e geradores de vapor; artigo 379, ferramentas para artes e officios; 391, machinas de coser; 408, embarcações de mais de 200 metros cubicos de arqueação, artigo 441, pentes de cao tchouc, etc.

Tendo-nos referido ás principaes modificações introduzidas na proposta pela camara dos senhores deputados, resta-nos acrescentar que a principal justificação do projecto que se discute, consiste na fórma pela qual tem corrido toda a discussão de assumpto tão importante, e que muito interessa a todos os cidadãos.

Sem perturbações e antes com o accordo das classes das quaes os interesses são difficeis de conciliar, todos se fizeram ouvir, e postas de parte todas as questões violentas e apaixonadas a discussão correu livre, acceitando-se como indispensavel o novo regimen economico.

A proposta da pauta apresentada ao parlamento está em execução desde o 1.° de fevereiro, e não tem provocado difficuldades, poucas e insignificantes tem sido as duvidas resolvidas pelas estações competentes, embora a pauta esteja desacompanhada de indice remissivo e explicativo e de instrucções preliminares, complementos indispensaveis para a boa comprehensão e execução das pautas aduaneiras.

O projecto, modificando a proposta em algumas das suas disposições, e devendo ter os complementos indispensaveis da alçada do poder executivo, segundo a auctorisação concedida no artigo 10.°, contribuirá para tornar facil a execução, e para que se alcancem os resultados economicos que muito principalmente têem em vista os poderes do estado.

Por todas as rasões expostas, é a vossa commissão de fazenda de parecer que deve merecer a vossa approvação, para ser convertido em lei o referido projecto.

Sala das sessões da commissão, 14 de março de 1892. = Augusto Cesar Cau da Costa = Conde de Valbom = José Luciano de Castro = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Conde da Azarujinha = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, relator. Tem voto do digno par Antonio de Serpa Pimenta.

Projecto de lei n.° 84

Artigo 1.° São approvadas, para o continente do reino e ilhas adjacentes, as pautes dos direitos de importação, exportação, reexportação e baldeação, annexas á presente lei e que d'ella fazem parte.

§ 1.° Estas pautas começarão a vigorar no mesmo dia em todas as alfandegas do continente do reino.

§ 2.° Sobre os direitos fixados n'estas pautas não será cobrado nenhum dos addicionaes em vigor.

Art. 2.° O governo decretará, quando estas pautas forem postas definitivamente em execução e conjunctamente com ellas, um regimen especial para a fabricação e vencia dos oleos liquidos, extrahidos de substancias oleoginosas exoticas, em harmonia com as limitações e bases seguintes:

l.ª Os oleos não comestiveis serão isentos de qualquer fiscalisação; esta, porém, será obrigatoria em todas as fabricas que produzam oleos comestiveis ou uns e outros conjunctamente;

2.ª O oleo de sementes de algodão só poderá saír das fabricas directamente para exportação ou desnaturado nos termos do n.° 5.°;

3.ª Os oleos comestiveis poderão ser applicados em conservas de peixe, destinadas á exportação, ficando, porém, sujeitos ao regimen alfandegario, desde a sua saída das fabricas até á exportação das conservas;

4.ª Os oleos destinados á fabricação da manteiga artificial serão da mesma fórma sujeitos ao regimen alfandegario e pagarão um imposto de fabrico de 55 réis por kilogramma, ficando este imposto equiparado aos direitos de importação mencionados na alinea a) do artigo 3.º do regulamento de 30 de agosto de 1888, approvado por decreto da mesma data;

5.ª Fóra dos casos mencionados nos numeros anteriores os oleos comestiveis só podem saír das fabricas nas condires seguintes:

a) para exportação, precedendo o respectivo despacho na alfandega;

b) para quaesquer, applicações industriaes, alem das já, inundadas, devendo, porém, ser previamente desnaturados de modo a não poderem servir para o consumo alimentar;

c) Para este consumo pagando, porém, antes o imposto e fabrico ou producção, de 200 réis por litro, alem dos e consumo ou do real de agua, applicaveis ao azeite de oliveira.

6.ª Os fabricantes e vendedores de oleos liquidos extrahidos de substancias oleoginosas exoticas, ficarão sujeitos s penas estabelecidas para os delictos de descaminho no decreto de 29 de julho de 1886, quando encontrados em fracção ou inobservancia das disposições legaes respectivas.

Art. 3.° Sobre as receitas provenientes de quaesquer objectos ou productos importados pelo estado para consumo nos seus estabelecimentos ou propriedades, não será eduzida quantia alguma para, o cofre dos emolumentos os empregados aduaneiros.

Art. 4.° Fica o governo auctorisado a rever a legislação respectiva ao drawack, devendo restringir quanto possivel a sua applicação.

1 é V r

Página 11

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 11

§ unico. Fica muito expressamente declarado que os direitos dos productos importados ou a importar pelos contratadores de obras do estado, em virtude de lei, e destinados esses productos á realisação das mesmas obras, e emquanto não estiverem concluidas, serão os vigentes na epocha da assignatura dos respectivos contratos.

Art. 5.° O milho em grão importado na ilha da Madeira de portos estrangeiros, pagará um terço do direito estabelecido na pauta geral das alfandegas.

§ 1.° O milho de producção, do archipelago de Gabo Verde será importado livremente na ilha da Madeira.

§ 2.° O milho em grão que no continente der entrada, vindo da ilha da Madeira, pagará os direitos da pauta geral das alfandegas como estrangeiro.

§ 3.° O direito do milho existente na alfandega do Funchal em 27 de novembro de 1891 e despachado para consumo posteriormente a essa data, é fixado em 4 réis por kilogramma.

Art. 6.° Todas as mercadorias vindas de Macau em navio portuguez, e acompanhadas de certificado de origem d'aquella cidade, gosarão, quando despachadas para consumo nas alfandegas do continente e ilhas adjacentes, do beneficio de 50 por cento nos direitos, de que gosam as demais mercadorias vindas e de producção propria das outras provincias ultramarinas portuguezas.

§ unico. Esta disposição, porém, só começará a vigorar no 1.° de julho de 1892, e sem prejuizo das convenções internacionaes.

Art. 7.º Fica muito expressamente declarado que nenhuma isenção de direitos de entrada de mercadorias estrangeiras póde ser concedida, sendo assim todas as estações publicas, de qualquer ordem ou natureza, obrigadas ao pagamento dos direitos fixados na pauta para os productos que importarem, quer de paizes estrangeiros, quer de provincias ultramarinas, e ficando revogadas quaesquer leis, praxes ou usos em contrario.

§ unico. Só será concedida isenção de direitos nos casos de reciprocidade ou de usos diplomaticos, ou em virtude de quaesquer contratos celebrados por força de lei anterior.

Art. 8.º É prohibido o despacho de importação de medicamentos de composição secreta ou não devidamente registada.

Art. 9.° Os oleos mineraes refinados ou preparados do paiz para illuminação ficam sujeitos a um imposto de fabrico de 60 réis por kilogramma, pago á saída das fabricas.

Art. 10.° É auctorisado o governo a decretar novas instrucções preliminares e novo Indice remissivo e explicativo das pautas aduaneiras.

Art. 11.° Fica revogada toda a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 12 de março de 1892. = Antonio de Azevedo Castello Branco presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado vice-secretario.

Página 12

12 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

PAUTA DOS DIREITOS DE IMPORTAÇÃ0 A QUE SE REFERE A LEI DATADA DE HOJE E QUE D'ELLA FAZ PARTE

CLASSE 1.ª

Animaes vivos

[ver valores da tabela na imagem]

(a) São isentas de direitos as crias, quando importadas com as mães que as amamentam.

CLASSE 2.ª

Materias primas para as artes e industrias

[ver tabela de valores na imagem]

Página 13

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 13

[Ver valores da tabela na imagem]

(a) Nas ilhas adjacentes vigoram os direitos estabelecidos na edição da pauta de 1885.

Página 14

14 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

[Ver valores da tabela na imagem]

CLASSE 3.ª

Fios, tecidos, feltros e respectivas obras

[Ver tabela de valores na imagem]

Página 15

SESSÃO N.º 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 15

[Ver valores da tabela na imagem]

(a) É adoptada para os fios a numeração ingleza.

Página 16

16 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

[Ver valores de tabela na imagem]

(a) É adoptada para os fios a numeração ingleza.

(b) Os similares são as fibras textis liberianas brancas.

Página 17

SESSÃO N.º 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 17

[Ver valores de tabela na imagem]

CLASSE 4.ª Substancias alimenticias

[Ver valores da tabela na imagem]

(a O Mosto concentrado pagará dez vezes esta taxa.

Página 18

18 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

[Ver valores da tabela na imagem]

CLASSE 5.ª

Aparelhos, instrumentos, machinas e utensilios empregados na sciencia, nas artes, na industria e na agricultura; armas, embarcações e vehiculos

[Ver valores da tabela na imagem]

Página 19

SESSÃO N.º 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 19

[Ver valores da tabela na imagem]

Página 20

20 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

CLASSE 6.ª

Manufacturas diversas

[Ver valores da tabela na imagem]

Página 21

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 21

[Ver valores de tabela na imagem]

Página 22

22 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

[ver valores da tabela na imagem]

(a) Nas ilhas adjacentes vigoram os direitos estabelecidos na edição da pauta de 1885.

(b) Este direito nunca póde ser inferior ao do numero antecedente.

Página 23

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 23

PAUTA DOS DIREITOS DE EXPORTAÇÃO DE PRODUCTOS NACIONAIS A QUE SE REFERE A LEI DATADA DE HOJE E QUE D'ELLA FAZ PARTE

[Ver valores da tabela na imagem]

PAUTA DE REEXPORTAÇÃO E DE BALDEAÇÃO A QUE SE REFERE A LEI DATADA DE HOJE E QUE D'ELLA FAZ PARTE

Unidades Direitos

Mercadorias reexportadas a baldeadas - Livres

Palacio das côrtes, em 12 de março de 1892. = Antonio de Azevedo Castello Branco, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado vice-secretario.

Página 24

24 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Pinto de Magalhães (relator): - Peço a v. exa. por parte da commissão, que consulte a camara sobre se concorda em que, havendo uma discussão na generalidade, a discussão na especialidade seja por classes,

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Conde de Castro (sobre a ordem): - Sr. presidente, eu sinto muito que a esta discussão não esteja presente o sr. ministro da fazenda. Vejo o governo representado na pessoa do sr. ministro dos negocios estrangeiros; e sendo assim, é claro que não posso recusar-me a fazer uso da palavra. Mas o que é certo é que durante a discussão eu terei de dirigir algumas perguntas ao governo, ás quaes o sr. ministro dos negocios estrangeiros não poderá realmente responder com aquella certeza e exactidão que eu desejaria, por serem assumptos estranhos á sua pasta. Portanto acho inconveniente que tratando-se d'esta questão, que é tudo quanto ha de mais especial da pasta da fazenda, não esteja presente o sr. ministro da fazenda. Noto pois esta irregularidade, e sinto que ella exista, pois creio que ella ha de trazer grandes embaraços para a discussão.

No emtanto, como o governo está representado, eu farei uso da palavra, e direi mesmo que estimo que na ausencia do sr. ministro da fazenda, seja o sr. ministro dos negocios estrangeiros quem esteja representando o governo, porque nas considerações que tenho de fazer terei naturalmente de referir-me a, s. exa., e por esse lado, pois, folgo muito que s. exa. esteja presente.

Como pedi a palavra sobre a ordem, vou mandar para a mesa a minha moção, e logo pela leitura d'ella reconhecerá o sr. ministro dos negocios estrangeiros a grande falta que faz n'esta occasião o sr. ministro da fazenda.

A moção é a seguinte:

(Leu)

O nobre ministro dos negocios estrangeiros não deixará de communicar ao seu collega este meu convite, e estou certo de que s. exa. virá, durante a discussão, responder ás perguntas que lhe dirijo.

A apreciação da pauta é sempre difficil pela sua complexidade. Por isso peço á camara desculpa se for talvez um pouco longo n'essa apreciação.

Tenho primeiramente que apreciar o pensamento que presidiu á elaboração d'este trabalho; e é talvez esta a parte mais importante das considerações que vou expor.

Em segundo logar, tenho a considerar o assumpto sob o ponto de vista fiscal. Depois d'isso desejo fazer bem sentir os inconvenientes que para a economia d'este paiz resultam dos direitos extraordinariamente protectores, e mesmo prohibitivos, que se encontram na pauta.

Em ultimo logar - e sobre isto hei de insistir - preciso saber qual é a situação da nossa exportação, principalmente da nossa exportação agricola, no intervallo que vae desde a denunciação dos tratados em fevereiro d'este anno até que se celebrem os novos tratados. Desejo conhecer quaes as responsabilidades do sr. ministro dos negocios estrangeiros n'esta parte, e quaes as do cavalheiro que geriu essa pasta no governo transacto.

Comecemos por apreciar o pensamento que presidiu a esta reforma.

É claro que foi um pensamento justo: desenvolver o trabalho nacional e dar protecção ás industrias.

Mas ao mesmo tempo vejo que se foi desenterrar uma idéa inteiramente obsoleta, qual era a da balança do commercio, para com ella se justificarem todos esses exageros, todas essas demasias que se introduziram na pauta.

Eu ainda comprehendo a adopção de um principio ou de uma idéa velha pelo renascimento; quer dizer, introduzindo-lhe modificações consentaneas com as idéas mais geralmente seguidas e em harmonia com as conveniencias de uma epocha bem differente d'aquella em que um tal principio era proclamado como uma verdade incontroversa.

Se o facto se realisasse depois d'essa modificação, ainda se podia acceitar; mas não ha idéa novo, e pelo contrario a pauta assenta exactamente nos principios de uma escola que estava completamente posta de lado, isto é, voltâmos aos principios já esquecidos e condemnados.

É certo que ha toda a conveniencia em approximar, quanto possivel, a nossa exportação da importação, e é claro que uma nação agricola, como a nossa, deve ter o maior interesse em dar um grande desenvolvimento á sua exportação.

Não contesto isto, mas desejava que me explicassem como é que se podem attribuir os effeitos de uma crise economica principalmente ao desequilibrio da balança do commercio.

Não ha muito, e no tempo do ministerio transacto, discutiu-se largamente aqui a questão de fazenda, e o sr. Marianno de Carvalho, não com o meu applauso ou a minha acquiescencia, disse que era mister attender primeiro que tudo á questão ecenomica.

Eu comprehendo que é de terriveis consequencias a crise economica e que esta sobreleva á crise financeira, mas tambem é fóra de duvida que não era a resolução d'aquella que nos tirava da falsa situação em que nos achavamos collocados.

Não concordava, repito, com a opinião do sr. Marianno de Carvalho, mas por isso mesmo que s. exa. tratava de demonstrar que não era facil resolver de um momento para o outro a questão economica, deviamos então envidar os nossos esforços para desde logo nos desembaraçarmos da crise financeira.

O sr. Marianno de Carvalho, querendo explicar as causas da crise economica, fallou em primeiro logar da ha lança do commercio; disse-nos que era preciso desenvolver trabalho nacional e que se dava um grande desequilibrio entre a exportação e a importação.

Tudo isto é verdade, mas logo em seguida s. exa. apontou outros factores da mesma crise.

Apontou a crise monetaria, a baixa do cambio do Brazil, a nossa emigração, e ainda alguns outros factores no meio dos quaes a balança do commercio quasi desapparecia.

Sr. presidente, eu entendo que do facto unico do desequilibrio entre á importação e a exportação não provem a pobreza ou a prosperidade de uma nação, e vou apresentar á camara um exemplo que justifica este meu modo de ver.

Eu noto, por exemplo, recorrendo ás estatisticas, que a França, em 1890, exportava productos no valor de 3:753 milhões de francos e que importava no valor de 4:336 milhões de francos, quer dizer que a differença commercial orçava por 616 milhões de francos ou proximamente 110:000 contos de réis.

Ora, pergunto: se a França, como acabo de apontar, tem entre a sua exportação e a sua importação um desequilibrio tão consideravel, devemos nós d'ahi concluir que ella está pobre?

Em Portugal mesmo, se por acaso não sobrevíesse a baixa do cambio do Brazil; se tivessem continuado a affluir d'ali as remessas de dinheiro, não se teria levantado esta questão da balança do commercio, da differença entre a importação e a exportação.

Nós não temos agora o Brazil como correctivo, mas havemos de voltar a tel-o, assim o espero. A França tem tambem o seu Brazil, isto é, outras causas que attenuam muito a differença entre a sua importação e exportação. A Franca que é o centro da civilisação, recebe por isso um grande numero de visitantes que despendem n'ella muito dinheiro. Alem de que a França hoje é de certo o primeiro banqueiro de toda a Europa, e lucra rios de dinheiro com os emprestimos que faz. É tudo isto um grande correctivo.

Infelizmente o nosso Brazil é diverso e mais penoso do que o da França.

Sr. presidente, eu sinto, torno a repetir, que não esteja presente o sr. ministro da fazenda, porque desejava ouvir

Página 25

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 25

da sua bôca qual é a sua opinião a respeito da reforma da pauta.

No relatorio do sr. Marianno de Carvalho noto eu que s. exa. ao propor esta reforma parece estar um tanto violentado, e o illustre relator da commissão, a quem eu dirijo o mais sincero elogio pelo seu excellente trabalho, que está escripto com toda a clareza e fluencia, qualidadades que só as possue quem tem um perfeito conhecimento do assumpto e bastantes conhecimentos economicos, o digno relator, quando trata de justificar a reforma, declara a necessidade de, em dadas occasiões, se sacrificarem principios e opiniões ás circumstancias do momento, e a conveniencia de se seguir a corrente geral que é pelo principio de uma decidida protecção.

Ora, eu não concordo com esta opinião. Quer-me parecer que nós podiamos ter deixado de seguir essa corrente e podiamos e deviamos manter-nos em completa liberdade.

Quando tivessemos de fazer um tratado, o fizessemos de fórma que não nos compromettessemos.

Não concordo tambem com este exagero de opportunismo com que se; depara tanto no relatorio do sr. ministro da fazenda, como no do sr. relator.

Trabalhos d'esta natureza precisam obedecer, a principios certos, seja qual for a escola.

O que é certo é que o sr. Marianno de Carvalho apresentou o projecto da pauta, o qual foi depois adoptado pelo actual governo, e especialmente pelo sr. ministro da fazenda, e agora esposado por s. exa. está melhor do que estava apresentado pelo sr. Marianno de Carvalho. Todos nós conhecemos quaes as idéas economicas do sr. Oliveira Martins. Elle é um grande proteccionista, e eu desejava perguntar-lhe se s. exa. chega ao ponto de approvar e de fazer suas todas as taxas extraordinariamente elevadas que se encontram n'esta pauta.

Dizem que o para não póde prosperar desde que existe um desequilibrio entre a importação e a exportação.

Ora estabelecendo nós, como fazemos, n'esta pauta, direitos á sombra dos quaes, segundo dizem os industriaes, se podem crear industrias, e não podendo nós, pelos direitos prohibitivos, mandar vir de fora esses productos, que no paiz não são feitos com tanta perfeição é são mais caros, pergunto eu se o que gastámos n'isso a mais não representa um grande cerceamento na riqueza publica.?

Podem dizer-me que tal cerceamento não é tão grande, por isso que o trabalho nacional representa tambem riqueza. Assim é, mas ainda com essa correcção, ha uma diminuição na riqueza publica.

Sr. presidente, tem-se apresentado tambem a idéa, idéa muito patriotica, de que a nossa industria deve fazer tambem quanto possivel, para produzir tudo quanta se consome no paiz. Ora, isto é um dos erros que vieram do chamado systema mercantil, é um verdadeiro absurdo, que agora revive e com é qual não me posso conformar, porque é até um principio anti-civilisador.

Pois então fizeram-se caminhos de ferro para nos ligar com o resto da Europa, gasta-se muito dinheiro com os melhoramentos dos nossos portos, para facilitar e para multiplicar as transacções entre o nosso paiz e as outras nações, fizemos estes enormes sacrificios, que ainda hoje pesam em grande parte sobre a nossa situação financeira, e havemos de fechar as nossas portas, havemos de nos isolar e rodear com uma; especie de muralha da China, só porque se entende que o que temos a fazer é produzir muito, e não comprar nada lá fóra?!

Isto não póde ser.

Ha ainda uma outra circumstancia, sr. presidente, que é preciso não esquecer, e é a necessidade de harmonisar quanto possivel os interesses dos industriaes com os do consumidor.

Alem d'isso, ha a grande industria; grande industria que, não podemos ter, como por exemplo, a grande industria metallurgica, pois não podemos fabricar as grandes construcções a, vapor, de ferro e de aço, nem as grandes machinas, porque não temos as materias primas, nem o ferro, nem o carvão, nem a primeira das materias primas que é o capital.

Podem-me dizer que nós temos jazigos de hulha nas proximidades de Leiria e jazigos de ferro em Moncorvo; mas o que é certo é que não temos tido possibilidade de os explorar só com os nossos recursos. (Apoiados.)

Pois é possivel que industrias, cuja fabricação exige consideravel despendio em machinismo e outros instrumentos encontrem no paiz á sua disposição os capitães necessarios?

Não é. Capitães nacionaes não ha os que seriam necessarios, e de fóra não virão por emquanto.

Acresce em abono da minha opinião, que certas industrias se não podem radicar entre nós, e que esta mesma facilidade de communicações que hoje existe entre quasi todos os paizes, tem dado em resultado cada paiz restringir-se aproduzir o que lhe é mais facil produzir, segundo as suas condições economicas.

É, pois, um erro, um grande erro, imaginar-se a possibilidade do estabelecimento de todas as industrias no paiz. E, direi mais, receio muito que se não houver modificação n'estas idéas proteccionistas exageradas, d'ahi provenha uma gravissima crise economica. (Apoiados.)

Nós produzimos, em absoluto, imperfeito e caro.

E, quem ha de comprar caro e imperfeito? Exportar esses productos não podemos. Quando muito ficaremos reduzidos ao mercado interno, que é pequeno. E d'ahi poderá resultar um grande desequilibrio entre a producção e o consumo.

É preciso, sr. presidente, que não se deprehenda do facto de eu sustentar estas idéas, que sou contrario á protecção da industria nacional.

Entendo, por exemplo, que temos duas industrias, entre outras, que merecem a maior solicitude dos poderes publicos.

Refiro-me á industria algodoeira em todas as suas manifestações de trabalho, afiação, a tecelagem, a estampagem, que realmente se têem aperfeiçoado muito no nosso paiz.

O mesmo direi em relação á industria dos lanificios.

Mas, o que é necessario é ver quaes das industrias são as que merecem protecção.

Seria uma injustiça supporem que eu venho para o parlamento apresentar unicamente theorias, e que como livre cambista, que sou, não tenha em attenção as circumstancias em que se encontra o paiz, para o qual nós estamos a legislar.

Eu tenho presente uma reforma da pauta feita em 1860 pelo sr. duque d'Avila, então Antonio José d'Avila, e da qual fui eu o relator.

Vou ler á camara um periodo do meu relatorio a fim de que se veja que eu estou hoje sustentando as mesmas idéas que então sustentava. Escrevia eu:

«... Ácerca dos outros artigos, a vossa commissão observa que se fazem importantes alterações, já diminuindo alguns direitos que eram excessivos, e que, onerando muito o consumidor, davam logar ao contrabando e ao estacionamento das respectivas industrias, já reduzindo outros artigos com o fim de crear em certos casos; e augmentar em outros a importação com manifesta vantagem para o thesouro. A doutrina da liberdade de commercio não póde deixar de soffrer excepções na pratica, segundo as circumstancias peculiares de cada nação, mas nem por isso os seus principios cessam de ser verdadeiros, e as suas formulas exactas. Em Portugal, por exemplo, muitos estabelecimentos fabris, não assentes em boas condições economicas, mas creados á sombra dos direitos protectores da pauta de 1837, e importando uma avultada somma de capitães, demandam do governo toda a prudencia nas reducções, tendo de restringir por isso a applicação dos principios. Não vem para aqui apreciar o alcance d'aquella, me

Página 26

26 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dida, mas é certo que não se devem arriscar, e muito menos aniquilar as industrias originadas por aquella legislação. Fazel-o por uma reforma precipitada e radical seria affectar muito considerideravelmente a riqueza publica. Acceitando pois todas as consequencias d'esse facto economico, cumpre ao governo, por via de reducções graduaes e successivas, caminhar para o equilibrio entre a producção e o consumo, conciliando a existencia e o desenvolvimento das industrias com o maior allivio para a classe consumidora».

Como a camara vê, o que acabo de ler é de uma perfeita actualidade.

Eu quero que se protejam as industrias, mas d'essa protecção, como ella deve ser, a estabelecerem-se direitos protectores, taes como aquelles que se encontram no projecto da pauta, vae uma grande distancia.

Eu, tanto como membro d'esta camara, como da dos senhores deputados, nas occasiões em que se tem tratado de dar protecção ás industrias, tenho sido sempre o mais rasoavel possivel, porque eu sei que da protecção que se der ás industrias depende bastante o seu desenvolvimento.

Por consequencia, não sou contrario a que se protejam as industrias quando realmente mereçam protecção; e tenho tambem advogado, n'esta e na outra casa do parlamento, a situação e os interesses do operariado, insistindo muitas vezes n'este ponto, e pedindo aos governos que tenham em attenção as condições em que se encontra a classe operaria.

Como eu igualmente o digno par o sr. Thomás Ribeiro, que sendo ministro das obras publicas, apresentou ao parlamento algumas propostas tendentes a resolver estes problemas sociaes, o que s. exa. fez de uma maneira brilhante; e a minha insistencia tem sido para que os governos tratem defender esses interesses, sendo eu muito enthusiasta pelo principio de associação.

Faço esta declaração para que as minhas considerações não possam inspirar suspeita e para que não se presuma que ha má vontade da minha parte.

Dito isto, passarei a um outro ponto, que se refere especialmente á parte technica do projecto, á sua estructura, ao projecto considerado sob o ponto de vista, alfandegario. E no que vou, dizer não quero por fórma alguma ser desagradavel ao conselho das alfandegas, onde tenho amigos, e que se compõe dos mais distinctos funccionarios aduaneiros.

Eu observo, por exemplo, que quando se tratava da reforma das pautas, uma das cousas que antigamente mais preoccupava aquelles que trabalhavam n'essa reforma, era a simplificação da mesma pauta. Hoje, porém, já não está isso em moda. Talvez nos chamem inglezados. Hoje a moda é regulamentar tudo e complicar tudo. Parece á primeira vista que isto é uma cousa indifferente, mas não é.

Um dos primeiros inconvenientes é o grande numero de artigos.

Na reforma de 1887, o sr. Marianno de Carvalho, no relatorio que a precede, faz exactamente sobresaír esse melhoramento, declarando que reduzira os artigos da pauta a 331, isto é que ficavam sendo menos 330 do que os da pauta então vigente e menos 109 réis do que os da proposta reforma do sr. Hintze.

Agora, porém, succede o contrario; na pauta actual, com as modificações feitas na camara dos senhores deputados, foi elevado o numero a 594, quer dizer mais 263 artigos.

Com respeito á grande variedade de taxas que terminam em 3, 6, 7, 8 e 9, parecia-me muito mais conveniente que a contagem fosse decimal, e que acabassem em 5 e 10, o que de certo traria uma grande economia de trabalho, e com o que poderiamos mais facilmente reduzir o numero dos empregados, havendo tambem mais presteza nos despachos com grande beneficio para o commercio. É portanto indispensavel esta simplificação.

Ha tambem um outro ponto em que não estou de accordo.

Na reforma de 1860 extinguiu-se a numeração do fio, como se póde ver no relatorio do sr. duque d'Avila, e reduziu-se a graduação na contagem dos fios por tecidos. A este respeito dizia eu no meu relatorio o seguinte:

«Observa mais a vossa commissão que a maior simplificação e clareza nos dizeres da pauta, a eliminação da numeração para o fio, e a reducção na graduação da contagem nos tecidos de algodão, são outros tantos melhoramentos que se encontram na proposta do governo, e que evitando o engano ou a fraude, e facilitando o despacho nas alfandegas, devem produzir o melhor resultado fiscal e economico.»

Quer isto dizer, que retrogradamos com este projecto.

Eu noto tambem que a associação commercial do Porto estranhou igualmente estas disposições, e em especial o modo de se fazerem as verificações nas alfandegas; diz o presidente da associação commercial:

« Observações sobre processos e meios de verificação, e liquidação de direitos aduaneiros. - A associação commercial representa com a mais seria instancia para que seja abandonado, e eliminado por completo, o systema extravagante proposto no projecto nos artigos 155, 156, 157,158, 221 a 236 e outros, quanto a pesagens, contagem de fios e calculo de superficies por metros quadrados ou submultiplos, etc. Similhante systema deverá trazer inconvenientes gravissimos no expediente e despacho aduaneiro, tornando o serviço de uma enorme morosidade, complexidade e difficuldade mesmo por deficiencia de pessoal disponivel. E tudo isto redundará em grande prejuizo para o commercio, sem nenhuma vantagem de valor para o thesouro. Posso informar a v. exa. que ao commercio repugna completamente tal systema.»

Esta é a opinião da associação commercial.

Mas, para mim ha ainda n'este projecto outro defeito. Desde 1860, sempre que se fizeram reformas das pautas e muitas foram feitas pelos srs. conde de Casal Ribeiro, Fontes, conde de Valbom, Barros Gomes, e outros, presidiu sempre a ellas o pensamento de substituir quanto possivel o direito ad valorem pelo direito especifico.

Pois n'este trabalho observou-se exactamente o contrario, porquanto ha uma grande quantidade de direitos ad valorem.

Agora passemos a examinar o projecto sob um outro ponto de vista; quanto ao exagero de direitos.

Ha realmente direitos excessivos sobre generos e artefactos que se não produzem no nosso paiz e que portanto se não justificam, e são um estimulo ao contrabando.

Eu posso citar á camara uns poucos de artigos que estão n'este caso: vejamos por exemplo os seguintes:

N.° 409. Material circulante de caminhos de ferro. - 12 por cento ad valorem.

N.° 520. Quadros a oleo e aguarellas. - 10 por cento ad valorem.

N.º 558. Estojos guarnecidos, de costura, toilette, escriptorio. - 25 por cento ad valorem.

N.° 574. Oleados para tapete de casa. - Kilogramma, de 70 réis passou a 200 réis.

N.° 575. - Oleados não especificados. - De 500 réis passou a l$000 réis.

Encontram-se tambem direitos tão excessivos, que ainda recaíndo sobre artigos que se produzem no paiz, nem assim se podem approvar.

Em 1883, tratando-se n'esta camara do assumpto das pautas fiz eu algumas observações, comparando as pautas portuguezas com as hespanholas.

Se a memoria me não falha, foi o digno par o sr. Pinto de Magalhães que me proporcionou um jornal que supponho que, era a Gazeta das alfandegas, de que s. exa. era redactor, e não sei se até proprietario, e no qual se publicara então um estudo comparativo dos direitos nos differentes artigos da nossa pauta, com os direitos da pauta hespanhola. N'esse estudo vinha uma serie de artigos, alguns

Página 27

SESSÃO N.º 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 27

dos quaes eu encontro agora aqui, em que havia uma differença de direitos exraordinaria.

Os direitos menos exagerados eram mais elevados 100 por cento do que os das pautas hespanholas,

Ora, em relação a tres d'esses artigos tive eu a curiosidade de ver o que lhes estabelecia a nova pauta. São os tres artigos sobre a passamaneria.

Então, a passamaneria de seda pagava 2$500 réis por por kilogramma, quando o direito hespanhol era de 1$410 réis, a de lã na pauta hespanhola pagava 470 réis, e o direito portuguez era de 800 réis, e a de algodão e outras pagavam 376 réis, e o direito portuguez era de 700 réis. Portanto, havia uma differença consideravel nos direitos.

Ora, agora vejo a nova pauta e deparo com relação ao artigo 305, que a passamaneria de lã passa a pagar 2$500 réis por kilogramma, quando pagava 760 réis. Quer dizer, são 228 por cento a mais.

O artigo 306, passamaneria de seda, que passou de 2$720 para 5$000 réis, mais 80 a 90 por cento.

O artigo 307, sobre a passamaneria de algodão, passou de 760 para 2$500 réis, mais de 200 por cento de augmento.

O que se dá em Hespanha com relação á França, não é o mesmo que se dá com a Hespanha em relação a Portugal.

Com relação á França, a Hespanha usa do seu direito de represalia e publica uma pauta em muitos cases prohibitiva.

De modo que os commerciantes e até os proprietarios industriaes são os primeiros que estão a pedir pelo amor de Deus ao governo francez que faça com que o de Hespanha modere as suas pautas, para assim poderem exportar os seus productos. E nós o que temos a receiar da Hespanha é que o seu contrabando nos invada.

O que eu queria saber, sr. presidente, e é esse o objecto da moção que mandei para a mesa, era qual a influencia da nova pauta relativamente ás receitas do thesouro, e sob o ponto de vista fiscal.

Este assumpto merece toda a attenção, não só porque realmente não estamos em circumstancias de prescindir da receita das alfandegas, que é a mais importante, e não póde de prompto ser supprida, mas tambem porque, diminuindo esta receita, pela elevação dos direitos e augmento do contrabando, torna-se preciso fazer maior despeza com a fiscalisação.

Ora, quando estamos assoberbados com um, deficit de 10:000 contos de réis, havendo quem diga que este calculo está errado e que já chega a 13:000 contos de réis, quando estamos exigindo ao paiz sacrificios extraordinarios, quando estamos a reduzir os juros da divida publica e a fazer grandes deducções nos vencimentos do funccionalismo, quando emfim, lançamos uma larga tributação, não é admissivel que, por outro lado, se vá, em consequencia de uma reforma de pautas, diminuir a receita das alfandegas e augmentar a despeza com a fiscalisação.

O que eu pergunto, e naturalmente o sr. ministro dos negocios estrangeiros não me poderá responder, é a quanto, pouco mais ou menos, póde montar a diminuição da receita aduaneira.

(Aparte, do sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

Se v. exa. adoptar o calculo do seu collega supponho que vae mal.

O sr. Marianno de Carvalho, no seu relatorio, diz que lhe parece ficar seguro o rendimento da alfandega. Apresenta esta idéa, porém muito de passagem.

Ora, o que eu desejava ouvir, era a opinião do sr. ministro da fazenda.

Isto é importante, e uma cousa que se deveria saber, e vir até exarado no relatorio que acompanha a reforma da pauta.

Quando, em 1887, por exemplo, o sr. Marianno de Carvalho apresentou a reforma, no seu relatorio dizia s. exa. que augmentava a receita 750 contos de réis, e nada se dizer d'esta vez, é significativo.

Pois é importante, repito, o assumpto, porque, quando se apresentou na camara dos senhores deputados o projecto da reforma, appareceu um artigo no jornal o Dia, que se publica em Lisboa, um artigo a que eu liguei muita consideração, porque o attribui ao sr. conselheiro Joaquim Gonçalves, que, segundo geralmente se dizia, era então o director politico d'aquella folha, na ausencia do sr. Alpoim.

Referindo-me ao sr. Joaquim Gonçalves, eu devo prestar á sua memoria um tributo de saudade, pois era um homem de talento e trabalhador. (Apoiados.}

Pois n'essa occasião, dizia eu, appareceu no Dia um artigo em que se tratava de apreciar e fazer sobresahir o que havia de bom na reforma das pautas.

Na parte que se referia á provavel diminuição das receitas aduaneiras, dizia-se no artigo, depois de varios calculos e compensações, que da reforma podia vir um maior movimento industrial para o paiz, talvez de 10:000 contos de réis, e que n'esse caso o desfalque das receitas do thesouro seria de 2:500 contos de réis.

Tem grande valor esta opinião do sr. Gonçalves, que, alem da sua competencia, era n'esta questão perfeitamente insuspeito. Assim, é de crer que o que elle disse fosse o menos que podia dizer em relação ao desfalque.

Eu inclino-me tambem a crer que o deficit deverá orçar entre 2:500 a 3:000 contos de réis.

Note a camara que os meus calculos não assentam no rendimento das alfandegas no mez de fevereiro.

Todos sabem que nos mezes de dezembro e janeiro, e na espectativa da lei que mandou cobrar provisoriamente por esta pauta, houve uma grande antecipação de direitos portanto um maior rendimento.

No mez de fevereiro, por consequencia, houve uma grande diminuição de rendimento, e creio que ainda no mez corrente e no que vem se deverá ella attribuir em parte aos effeitos da antecipação; mas depois é que ha de ver-se até que ponto chega, no corrente anno, o decrescimento da receita aduaneira, em resultado da exagerada protecção da pauta.

Agora, sr. presidente, vou encarar este trabalho das pautas debaixo de um outro ponto de vista; vou discutil-o em relação a um assumpto a que já me referi em uma das sessões passadas, e que reputo de altissima importancia, qual é o de apurar em que circumstancias fica a nossa exportação pelo facto de não terem sido prorogados os tratados de commercio.

Pedi, em uma das sessões dos ultimos dias de janeiro, alguns esclarecimentos a este respeito, isto é, perguntei ao sr. ministro dos negocios estrangeiros se s. exa. estava ou não resolvido a prorogar os tratados de commercio e apontei logo quanto seria prejudicial á nossa exportação o facto de não adoptarmos qualquer medida para o intervallo que decorresse desde a denunciação dos tratados, que findavam no 1.° de fevereiro, até á celebração dos novos convenios.

S. exa. o sr. ministro, em resposta, disse-me que não estava disposto a prorogar os tratados e que não podia entrar em negociações emquanto a nova pauta não estivesse approvada.

Não me conformei com esta opinião, e, não me conformei por duas rasões que vou submetter á consideração da camara.

Em primeiro logar entendo que o facto de não prorogarmos os tratados, como fizeram algumas nações que são nossas concorrentes na exportação de certos productos, faria com que ficassemos em uma situação incomparavelmente inferior a essas nações, e em segundo logar entendia então, e entendo ainda hoje, que o unico correctivo a todos os exageros e a todas as demasias da nova pauta era a celebração de novos tratados. (Apoiados.)

Página 28

28 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Não concordei com a opinião do sr ministro porque ella importava, a meu juizo, o gravo inconveniente da se não acautelar o futuro da nossa exportação.

O sr. ministro disse-me, e repetiu esta declaração na camara dos senhores deputados, que, embora na intenção de não prorogar novos tratados, estava comtudo disposto a acceitar qualquer proposta que lhe fosse apresentada.

Confesso que ma desagradou em extremo esta declaração do sr. ministro.

Aprecio muito os sentimentos patrioticos aos homens, que se sentam nas cadeiras do governo, mas aprecio muito mais o tino com que elles devem proceder em certos casos depois de ponderarem bem o que ha de particular e de especial na situação do seu paiz.

Realmente não me parece rasoavel que se possa imaginar que hão de ser as grandes potencias que virão fazer propostas a um paiz pequeno como o nosso.

A obrigação do nobre ministro e a obrigação do cavalheiro que o antecedeu na gerencia da pasta dos estrangeiros era ver se por todos os modos se attendia á nossa exportação de maneira que n'este intervallo não ficasse ao desabrigo.

Depois n'uma outra sessão pedi a publicação do Livro branco relativamente á denunciação dos tratados de commercio.

O sr. ministra disse-me particularmente que n'elle eu não encontraria nada, que eram apenas officios denunciando os tratados e sem importancia.

Eu sinto, sr. presidente, que o sr. ministro não accedesse ao meu pedido, porque me é desagradavel, para o fim de apreciar os actos do sr. ministro dos estrangeiros, ser obrigado a mendigar esses, esclarecimentos no Livro amarello.

Eu não tenho o Livro amarello, mas foram aqui publicados n'um jornal os telegrammas do ministro francez em Lisboa para o governo francez, e esses telegrammas já são do tempo do actual sr. ministro.

Eu vou fazer; a leitura d'elles pela sua ordem chronologica.

Em 27 de janeiro dizia mr. Ribot o seguinte:

«Mr. Ribot, ministro dos negocios estrangeiros, a mr. Bihourd, ministro da Franca em Lisboa. - (Telegramma). - París, 27 de janeiro de 1892. - A nova pauta portugueza será applicada a todos os paizes sem excepção, a partir de 1 de fevereiro, ou um tratamento mais favoravel continuará applicado a um ou mais paizes, em virtude de convenções anteriores? Responda-me pelo telegrapho. = Ribot.»

E depois respondia o sr. ministro de Franca:

«Mr. Bihourd, ministro da França em Lisboa, a mr. Ribot, ministro dos negocios estrangeiros. - (Telegramma). - Lisboa, 27 de janeiro de 1892. - Portugal denunciou todos os seus tratados. Os que não tiverem expirado no 1.° do mez proximo, contém apenas a clausula de nação mais favorecida. Quanto ao que Portugal concluiu recentemente com o Brazil e cujos termos não são ainda conhecidos, não foi ainda ratificado. Todos os paizes serão, pois, submettidos á nova pauta portugueza no l.° de fevereiro = Bihourd.»

E logo no dia seguinte, em 28, dirigia o mesmo a mr. Ribot o seguinte telegramma, e para este chamo a attenção da camara e a do sr. ministro para que me possa explicar uma phrase que n'elle se encontra:

«Mr. Bihourd, ministro da França em Lisboa, a mr. Ribot, ministro dos negocios estrangeiros. - (Telegramma). - Lisboa, 28 de janeiro de 1892. - Adquiri á certeza da impossibilidade absoluta de proseguir n'este momento em qualquer accordo com o gabinete de Lisboa. Esbarrei com os meus collegas com uma decisão que parece inabalavel. O ministro dos negocios estrangeiros exprimia o desejo de chegar mais tarde a um accordo com a França, mas creio que negociações viaveis só poderão ser iniciadas depois de votada a nova pauta. A camara dos pares confirmou, sem discussão, o voto da camara dos deputados. A partir de 1 de fevereiro as procedencias francezas serão sujeitas em todos os casos e por um espaço de tempo que não posso indicar, a direitos muito elevados. = Bihourd.»

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): - Isso é uma traducção muito livre.

O Orador: - Por isso é que eu desejava que se tivesse publicado o Livro branco.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo.): - Como quer v. exa. que eu publique telegrammas se eu não os dirigi?

O Orador: - V. exa. tem o Livro amarello que dá a entender que o...

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): - Eu conheço perfeitamente esse telegramma; mas não encontrei lá palavra franceza que possa corresponder á palavra «esbarrei».

O Orador: - Eu estimo a correcção do illustre ministro.

O digno ministro é um homem muito respeitavel pela sua honradez e pelo seu caracter austero, mas como succede muitas vezes a quem tem essa austeridade, no enthusiasmo com que sustenta as suas opiniões, podia na occasião fallar por uma fórma um pouco brusca e sacudida que desse logar áquella phrase do telegramma. Mas eu não insisto e acceito a correcção dada pelo nobre ministro.

Eu quero acreditar que o traductor não foi fiel.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): - Com certeza.

O Orador: - Mas o que se vê é que o governo francez, segundo se deprehende d'este telegramma, estava realmente desejoso de poder vir a algum accordo.

É preciso, porém, que sejamos justos.

O sr. Costa Lobo quando tomou conta da sua pasta, assoberbado com aquelles muitos afazeres, com aquellas difficuldades proprias da entrada de um ministro na gerencia dos negocios, tem por este facto alguma desculpa.

Mas o sr. conde de Valbom é que nos poderá dizer quaes os motivos, isto é, quaes os antecedentes d'estes telegrammas.

Effectivamente o ministro francez queria um accordo, que seria naturalmente a prorogação do tratado até 50 de junho.

N'isto não via eu inconvenientes, e, pelo contrario, via vantagens, não só porque d'este modo se podia fazer um estudo mais largo e detido da pauta, como porque nenhum prejuizo resultaria para a industria visto ser curto o praso da prorogação.

Eu desejava, portanto, alguns esclarecimentos a este respeito, uma vez que não foi publicado o Livro branco.

(Aparte do sr. conde de Valbom, que se não ouviu.)

Parece, pois, que foi realmente um grande erro da nossa parte não ter prorogado os tratados, não só para melhor se poder estudar a questão, mas porque os prejuizos que poderiam resultar para a nossa industria não seriam grandes porque esta pauta...

(Apartes do sr. conde de Valbom e do sr. ministro dos negocios estrangeiros, que se não ouviram.)

Dizia eu que sentia muito que se tivesse commettido um erro que póde produzir effeitos e consequencias desastrosas.

Sr. presidente, todas as nações tratam de desenvolver eficazmente a sua exportação.

Aqui tem-se citado por diversas vezes o discurso, que já hoje é celebre, proferido em Milão pelo marquez de Rudini. Fallou-se d'elle a proposito da questão de fazenda, e n'esse discurso, que era um programma politico da parte do governo italiano, se dizia que o pensamento do governo era não só collocar a sua industria no pé de poder concorrer com as industrias estrangeiras, mas principalmente facilitar a exportação dos productos agricolas da Italia.

Mas, sr. presidente, em que situação, ficámos nós pela falta de prorogação dos tratados?

Página 29

SESSÃO N.º 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 29

Em primeiro logar as vantagens que tinhamos para a nossa exportação cessaram.

Bem sei que faziamos concessões, e concessões valiosas, mas obtinhamos em troca o podermos exportar os nossos productos, e desde que deixámos de prorogar os tratados perdemos todas essas vantagens.

A Hespanha é Italia trataram de prorogar os seus tratados com as outras nações, no que me parece que andaram mais avisadamente do que nós, e eu posso proval-o á camara.

Vamos a um producto importante da nossa exportação, que é a cortiça, e eu refiro-me á cortiça em bruto e fabricada, em cuja exportação tintamos por concorrentes Alger, Marrocos e ainda mais a Hespanha.

Em 1890, Portugal exportou cortiça no valor de 3:112 contos de réis, emquanto que a Hespanha exportou o mesmo artigo no valor de 23 milhões de pesetas, ou proximamente 4:300 contos de réis. Ha, porém, uma differença e é que d'esses 23 milhões de pesetas, 22 sãs de rolhas, emquanto d'estas nós exportámos 720 contos; de réis. A Hespanha, portanto, soube aproveitar os lucros do fabrico.

Aconteceu, porém, que depois do bill Mac-Kinley, se nos fechou o principal mercado para onde faziamos a nossa exportação, que era para os Estados Unidos, Restava pois o da Allemanha.

A Hespanha naturalmente voltou-se para este ultimo recurso, e prorogou o seu tratado com a Allemanha. Mas nós o que fizemos? Não procedemos da mesma maneira.

O sr. visconde de Silves, socio e gerente de uma importante fabrica de cortiça no Algarve, publicou em um jornal da capital uma carta do seu correspondente em Hamburgo, em que este lhe dizia o seguinte:

«O tratado de commercio de Hespanha e Allemanha foi prolongado até 30 de junho proximo futuro, de forma que os productos de origem hespanhola, rolhas, amendoa, laranja, etc., podem, entrar na Allemanha até áquella data.

«Até esta hora. O tratado de commercio de Portugal e Allemanha, findo no dia 31 do corrente mez (janeiro) ainda não foi prolongando, e não se prolongando o prejuizo será enorme.

«Não se comprehende que os governos portuguez e allemão não se entendessem a tempo, visto que entre as duas nações não ha a clausula do alcool, que a Hespanha tem. Como as cousas estão, a datar do i,° de fevereiro proximo futuro, os direitos n'este paiz para as rolhas de fabrico portuguez serão elevados de 10 marcos ou 2$800 réis a 30 marcos ou 8$400 réis por 100 kilogrammas de rolhas!!!

«A differença de 20 marcos é tão enorme que se deve contar com o fim d'este negocio.

«A entrada da cortiça é livre, de modo que, de hoje em diante, os fabricantes allemães podem fornecer as rolhas inferiores por menos do que os fabricantes estrangeiros, etc., etc.»

Veja, portanto, a camara como, com relação a esta industria da cortiça, se deu o inconveniente de ficarmos em condições muito inferiores ás da Hespanha, nossa concorrente.

Passemos agora á exportação dos vinhos.

Começo por me referir aã tratado do commercio com o Brazil, e, por este motivo dou os devidos louvores ao ministerio transacto e em especial ao ministro dos estrangeiros o sr. conde de Valbom, por ter promovido a negociação d'esse tratado.

Oxalá que elle se possa realisar em boas condições.

É certo que a nossa exportação de vinhos está tambem periclitante, não só porque a exportação total que foi em 1886 de 16:800 contos de réis, em 1891 não chegou a 10:000 contos de réis, como porque o direito que ultimamente se estabeleceu na pauta franceza para os vinhos que aquella nação tiver que importar é realmente um direito prohibitivo.

A exportação dos nossos vinhos para França tem infelizmente diminuido, e essa diminuição é tão consideravel que, segundo uma estatistica que tenho presente, tendo a exportação attingido em 1886 a importancia de 6:600 contos, em 1891 foi unicamente de 117 contos de réis!

Bem sei que esta diminuição é devida a diversas causas e entre estas e sobretudo á reconstituição dos vinhedos em França.

Tenho porém uma grande confiança nos effeitos do tratado de commercio que houvermos de realisar com o Brazil, porque a verdade é que a exportação dos nossos vinhos para aquelle paiz tem augmentado progressivamente de anno para anno; e se nós fizermos um tratado que nos seja favoravel, é muito de suppor que a exportação dos nossos vinhos para ali seja para nós de uma grande importancia commercial.

Tenho aqui uma estatistica publicada no Jornal ao commercio do Rio de Janeiro, e que foi transcripta nos jornaes de Lisboa.

Por esta estatistica prova-se que a importação dos nossos vinhos em 1891 excedeu ali em quantidade e valor a importação dos vinhos francezes, italianos, e de outras proveniencias do Mediterraneo. E por outro lado vê-se tambem que este augmento tem sido um augmento progressivo.

A estatistica comprehende os annos do 1887 a 1891; não mencionarei todos os annos para não fatigar a camara; basta apontar os annos extremos para se reconhecer quanto o augmento vae em sentido progressivo, e superior ao da França. Assim os vinhos de Bordéus foram em 1887 na importancia de 3:573 quartolas, (que eu presumo serem as pipas bordelezas), e 12:400 caixas, e em 1891 foram 9:762 quartolas e 27:155 caixas; emquanto que os vinhos portuguezes foram em 1887 na quantidade de 38:659 pipas e 112:847 caixas, e em 1891, 46:377 pipas e 182:659 caixas.

Já se vê, portanto, que os nossos vinhos têem tido um augmento muito mais progressivo do que os vinhos francezes, e por isso eu acredito que a nossa exportação se desenvolverá ainda mais.

O mesmo se prova tambem com relação aos preços. Os preços dos vinhos portuguezes são mais favoraveis que os dos vinhos italianos, francezes e de outras procedencias. E emquanto que a exportação dos vinhos do Porto foi de 20:832 pipas e 144:825 caixas, a exportação dos vinhos de Lisboa e da Figueira foi de 25:545 pipas e 37:834 caixas; o que significa que os vinhos communs estão tendo muita saída para o Brazil.

A respeito do tratado não dirijo nenhuma pergunta ao sr. ministro, porque elle já fez uma declaração na outra casa do parlamento.

(Deram cinco horas.)

Se v. exa. e a camara não se incommodassem e tivessem a bondade de me conceder por mais dez minutos a sua attenção, eu não levava a palavra para casa.

O sr. Presidente: - Se a camara consentir...

Vozes: - Falle, falle.

O Orador: - Creio que o sr. ministro já disse na outra camara que o tratado de commercio com o Brazil não era apresentado ao parlamento n'esta sessão. Sinto muito.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Costa Lobo): - Tenciono responder ao digno par e peço a v. exa. que me inscreva; mas desde já declaro que o tratado não é definitivo, é ad referendum, não só para o governo portuguez, mas para o governo brazileiro.

O Orador: - Se esse tratado ad referendum contivesse na realidade condições tão manifestamente vantajosas...

(Aparte.)

Em todo o caso, faço votos para que o mais proximamente que seja possivel o governo traga ao parlamento o tratado de commercio com o Brazil.

O mesmo que eu ponderei a respeito da cortiça e dos vinhos, digo-o relativamente á conserva de peixe.

Página 30

30 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A nossa industria das conservas, que é hoje importantissima no paiz, e que tende a desenvolver-se do uma maneira extraordinaria, porque tem as materias primas baratissimas, essa industria, sobretudo a da conserva do atum, que em larga escala se exporta do Algarve, está em grande risco, porque o seu principal mercado era a Italia e nós não prorogámos o tratado com esta nação; d'ahi, como consequencia, a impossibilidade de mandar para lá essas conservas. Está presente o meu amigo e collega o sr. Coelho de Carvalho, que mais alguma cousa poderá dizer a este respeito.

Esta questão interessa a differentes classes: á classe dos pescadores, á dos industriaes e a milhares de operarios que são empregados n'aquella industria e que realmente se encontram n'uma triste situação.

Quem, sr. presidente, como eu, encontrou tantos senões, tantos defeitos n'este projecto de reforma da pauta das alfandegas, parece que em logar de pedir que declarasse o sr. ministro da fazenda qual era o desfalque na receita aduaneira em consequencia d'essa reforma, devia antes propor o adiamento d'ella.

Não o faço, porque não formo de mim uma tal idéa que queira apresentar o meu voto e a minha opinião como infalliveis.

Agradeço aos meus collegas que se dignaram ouvir a minha opinião muito franca sobre o assumpto, mas realmente ha a ponderar que este projecto das pautas foi largamente debatido quasi durante dois mezes na camara dos senhores deputados, e que, segundo a constituição, é essa mesma camara que tem a primasia em materia do impostos.

Sei perfeitamente o que dispõe a tal respeito o nosso codigo fundamental; o que, no emtanto, não quer dizer que esta camara seja apenas uma chancella.

Quando se discutir o projecto na especialidade, hei de mandar para s, mesa algumas emendas e substituições.

Mas, desde que o projecto levou a discutir tanto tempo na camara dos senhores deputados, discussão que, aliás, o melhorou em parte, eu não me atreveria a propor o adiamento, mesmo, porque tal pedido seria tido na conta de platonico; mas repito, hei de na especialidade apresentar algumas emendas ou substituições que, no meu entender, corrijam defeitos do mesmo projecto.

Sr. presidente, voto contra o projecto, porque tenho a este respeito e desde longa data, idéas assentes e definidas, que estão consignadas nos annaes parlamentares, e que são fundamentalmente contrarias ao pensamento geral a que elle obedece.

Entendo que podia haver um limite para a protecção, entendo ainda que em casos extraordinarios, se poderiam introduzir algumas taxas um pouco mais elevadas; mas queria ao mesmo tempo as materias primas, quanto possivel livres, e queria sobretudo que o grande desfalque na receita que ha de resultar d'esta pauta excessivamente protectora se evitasse.

Se este grande desfalque que havemos de sofrer nas receitas das alfandegas fosse proveniente de outra causa; se resultasse de uma reducção nos direitos sobre os generos de primeira necessidade, ainda se comprehenderia, mas assim, parece-me muito inconveniente.

Sr. presidente, em 1886 o sr. Hintze Ribeiro apresentou aqui uma reforma da pauta, que depois foi acceita com pequenas, alterações pelo sr. Marianno de Carvalho, em 1887. S. exa. fazendo a justificação do seu trabalho, mostrou ao mesmo tempo no seu relatorio os inconvenientes d'uma exagerada protecção. E a este proposito parecia fazer s. exa., obedecendo ás doutrinas e aos principios que julgava mais sãos e verdadeiros, a critica mais perfeita e completa do trabalho que agora estamos discutindo.

Dizia o sr. Hintze Ribeiro:

«A protecção descomedida, fechando as portas aos artefactos estrangeiros, nem estimula o aperfeiçoamento das nacionaes, nem permitte que os rendimentos do thesouro se acresçam; incita ao contrabando, obriga a uma fiscalisação, que nem por dispendiosa se torna efficaz, e ou cria um monopolio que se não justifica, ou desperta no proprio paiz uma tão accesa rivalidade de interesses, que a ninguem aproveita e a muitos arruina.»

Isto é perfeitamente exacto e bem escripto. E se eu hoje quizesse simplificar o meu discurso condemnando a reforma da pauta, não tinha mais do que ler o que dizia o digno par o sr. Hintze Ribeiro em 1886.

Eu, sr. presidente, considero a protecção da pauta debaixo de um outro ponto de vista.

Sinto que não esteja presente o sr. ministro da fazenda, porque eu queria referir um facto que talvez fizesse impressão no seu espirito.

Houve um tempo em que eram muito poucos os proteccionistas.

Entre estes tinha o primeiro logar Fradesso da Silveira, que era realmente um homem de muita intelligencia e grande valor, e que sustentou uma lucta pertinaz na imprensa contra aquelles que defendiam as idéas mais liberaes.

Eu honro-me muito de o ter tido por adversario, sobretudo quando se discutiu o primeiro tratado de commercio com a França em 1860, do qual eu fui um dos relatores.

Fradesso da Silveira publicou em 1872 sobre assumptos economicos uns trabalhos interessantissimos, não só pelos dados estatiscos, como pela maneira clara e bem deduzida como eram escriptos. Eu possuo todos esses opusculos reunidos em volume.

Ora entre esses opusculos ha um intitulado A questão de fazenda, no qual referindo-se a uma animada polemica jornalistica que pouco antes tinha havido entre elle e um escriptor muito illustrado e que todos nós venerâmos, o nosso collega o sr. Ferreira Lapa, dizia Fradesso da Silveira que o sr. Lapa pelo menos não deixaria de acceitar aquella protecção que elle considerava uma protecção compensadora de faltas.

E acrescentava, como é que n'um paiz onde não ha capitães, porque vão todos para a divida fluctuante, onde não ha estradas nem viação accelerada (referia-se elle especialmente ao centro manufactureiro da Covilhã), quando não temos o ensino profissional, se ha de deixar de conceder a protecção compensadora da falta de todos esses elementos essenciaes da vida e desenvolvimento industrial? Assim será.

Mas o que eu não posso admittir é que volvidos vinte annos, quando nós vemos o capital encaminhar-se mais para as industrias quando nós temos a viação ordinaria e accelerada, muito desenvolvida, quando os productos fabris podem chegar rapidamente aos pontos de consumo ou de embarque; quando temos creado com grande dispendio as escolas industriaes, que passados vinte annos, repito, vamos estabelecer uma pauta com direitos muito mais elevada do que aquelles que então se pediam.

E repito, portanto, que a protecção levada ao extremo em que está n'esta pauta, se é com o intuito de crear industrias que a propõem, enganam se. As industrias hão de crear-se aquellas que encontrem no paiz as condições economicas proprias para se desenvolverem.

Sr. presidente, eu não admitto esta reforma da pauta, porque os interesses do consumidor são n'ella desprezados, e quando fallo nos interesses do consumidor, entenda-se bem, não me refiro a uma determinada classe, mas a todas, e aos proprios industriaes, porque os productores são tambem consumidores. E não me conformo com ella tambem porque a não julgo opportuna, attenta a crise que atravessâmos, pois que não só importa um grande cerceamento nas receitas do thesouro como um consideravel aggravamento dos sacrificios com que todos temos de concorrer para nos salvarmos das dificuldades com que luctâmos.

Sr. presidente, eu não dou mais de dois annos de existencia a este regimen pautai, E senão, vejamos o que se está passando nos Estados Unidos, onde o partido demo-

Página 31

SESSÃO N.° 29 DE 19 DE MARÇO DE 1892 31

cratico, dispondo-se para a eleição presidencial, tomou por lemma da bandeira eleitoral a revogação do beel Mac Kinley. Vejâmos tambem o que está succedendo na França onde os commerciantes, e até os proprios industriaes se dirigem ao governo pedindo-lhe com instancia que obste a que a Hespanha use de represalias por isso que ella é uma das mais importantes consumidoras dos seus productos.

Sr. presidente, eu espero em fim que virá um lampejo de bom senso a todas as nações, cujos interesses economicos estão n'este momento em uma phase muitissimo grave, e que ellas porão de lado doutrinas e leis que estavam já esquecidas, condemnadas, e que eu reputo completamente falsas e funestas.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par.

Leu se na mesa e é do teor seguinte:

Moção

Sendo de absoluta necessidade promover com efficacia o equilibrio orçamental, attendendo a que n'esse intuito se recorreu ultimamente a uma larga tributação, lançando um forte addicional sobre as contribuições directas, resumindo os juros da divida publica e sujeitando a importantes deducções os vencimentos do funccionalismo e considerando que em taes circumstancias a reforma da pauta deve obedecer ao mesmo pensamento de economia e augmento de refeita, proponho que o sr. ministro da fazenda seja convidado a declarar se julga, como o seu antecessor, assegurado o actual rendimento das alfandegas, ou quando não, em quanto calcula approximadamente a diminuição, e como espera poder fazer face a esse decrescimento nas receitas do thesouro. = Conde de Cativo.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que a admittem á discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida, e ficou em discussão conjunctamente com o parecer.

O sr. Presidente: - A deputação que na proxima segunda feira tem de ir ao paço, em nome da camara dos pares, felicitar Suas Magestades pelo anniversario de Sua Alteza Real o Principe da Beira, será composta, alem da mesa, dos dignos pares srs.:

Marquez da Praia e de Monforte.
Conde de S. Januario.
Conde de Valbom.
Conde de Thomar.
Conde de Castro.
Conde do Bomfim.
Conde de Bertiandos.

onde de Carnide.
Antonio de Serpa.
José Luciano de Castro.
Antonio Emilio de Sá Brandão.
Hintze Ribeiro.
Thomás Ribeiro.
Mexia Salema.
Franzini.
Ferreira de Mesquita.
Sousa Avides.
Polycarpo Anjos.
Rebello da Silva.

A esta deputação poderão aggregar-se os dignos pares que quizerem.

A proxima sessão será na terça feira, e a ordem do dia a continuação d'esta discussão.

Eu peço aos dignos pares o favor de se reunirem ás duas horas, para mais cedo começarmos com os nossos trabalhos.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 19 de março de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marqueses, de Fontes Pereira de Mello, de Vallada; Condes, de Avila, do Bomfim, de Carnide, de Castello de Paiva, de Castro, de Ficalho, da Folgosa, de Gouveia, de S. Januario, de Linhares, de Thomar, de Valbom; Viscondes, de Alemquer, de Ferreira do Alemtejo, de Sousa Fonseca; Sousa e Silva, Sá Brandão, Antonio José Teixeira, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Bernardino Machado, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Bandeira Coelho, José Luciano de Castro, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, camara Leme, Sousa A vides; Franzini, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro.

O redactor = Fernando Caldeira.

Página 32

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×