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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 29

EM 22 DE JULHO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Penafiel

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Presidente dá conta de uma representação que recebeu da Associação Industrial Portuense e nomeia uma commissão para o congresso interparlamentar da paz. - O Sr. Conde de Arnoso refere-se a um conflicto levantado no Conselho da Escola Elementar de Commercio do Porto e ao inquerito sobre os crimes de l de fevereiro. Responde o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par Sr. Sebastião Baracho refere-se á pensão concedida á viuva e filhos de Manuel Fernandes Thomás, aos documentos de que carece para versar a questão dos adeantamentos, sobre o que manda para a mesa um pedido, e apresenta varias considerações sobre actos do Governo. - O Sr. Conde de Arnoso e o Sr. Teixeira de Sousa ficam inscritos para antes de se encerrar a sessão. - Os Dignos Pares Jacinto Candido, Francisco José Machado, Teixeira de Sousa e Visconde de Monte-São enviam requerimentos á mesa.

Ordem do dia. - É approvado, falando apenas sobre elle o Digno Par Sr. Francisco Beirão, o parecer relativo á admissão na Camara, como Par do Reino, do Sr. Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos - Os Dignos Pares Francisco Beirão e Dias Costa mandam pareceres para a mesa. - É posto em discussão o parecer sobre a fixação da força naval. Fala sobre elle o Digno Par Sr. Sebastião Baracho, a quem responde o Sr. Ministro da Marinha. Segue-se o Digno Par Jacinto Candido, a cujas observações responde o Digno Par relator o Sr. Dias Costa. - Antes de terminar a sessão usam da palavra os Dignos Pares Conde de Arnoso, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho, e o Sr. Teixeira de Sousa para fazer uma rectificação.

Do Governo estavam os Srs. Presidente do Conselho, Ministros da Justiça, da Guerra e da Marinha.

Ás 2 horas e 30 minutos da tarde foi aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 31 Dignos Pares.

Foi lida a acta antecedente e approvada.

Expediente mencionado:

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, enviando o projecto de lei que tem por fim subsidiar com a somma de 3 contos de réis durante dez annos a Sociedade Nacional de Bellas Artes.

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, enviando o projecto de lei que tem por fim determinar a forma por que deve ser conferida a pensão concedida á viuva e filhos do patrão Quirino Lopes.

Officio do Ministerio da Fazenda sobre os documentos requeridos pelo Digno Par Dantas Baracho.

Teve segunda leitura, foi admittido á discussão e enviado á commissão respectiva o projecto de lei apresentado na sessão antecedente pelo Digno Par Sr. Visconde de Monte-São.

O Sr. Presidente: - Acabo de receber uma representação da Associação Industrial Portuense, secundada pela da Associação Commercial de Lisboa. Nesse documento pede-se a approvação de duas propostas de lei.

Consulto a Camara sobre se permitte que esta representação venha no Diario do Governo.

(A Camara consentiu).

Tambem recebi um officio da Commissão do congresso interparlamentar de paz, que se reune em Berlim, convidando esta Camara a fazer-se lá representar.

Lembro os seguintes Dignos Pares:

Marquez de Pombal.
Marquez de Sousa Holstein.
Conde de Sabugosa.
Conde de Mártens Ferrão.
Conde de Monsaraz.
Conde de Valenças.
Visconde de Pindella.
Almeida Garrett.
Jacinto Candido.

Antonio da Costa e Silva.
Carlos Bocage.
Conselheiro Veiga Beirão.

Se mais alguns Dignos Pares quiserem fazer parte d'essa commissão, queiram mandar os seus nomes para a mesa.

O Sr. Conde de Arnoso: - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra apenas para fazer umas perguntas ao Sr. Ministro das Obras Publicas. S. Exa. tem tido a amabilidade de aqui vir todos os dias desde que eu o preveni do meu desejo, e só hoje, por estar empenhado numa discussão na outra Camara, não veio. Eu desejaria bem fazer directamente as perguntas a S. Exa. para assim demonstrar a minha deferencia; mas como aqui estou, com sacrificio da minha saude, por me encontrar muito incommodado e ser possivel que não me ache em estado de assistir á proximo sessão, peço a qualquer dos membros do Governo o favor de transmittir ao Sr. Ministro das Obras Publicas as perguntas que vou fazer, assim como as razões que acabo de enumerar e que exprimem não haver falta de consideração por S. Exa.

Sr. Presidente: do Sr. Ministro das

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Obras Publicas desejo saber o que ha de verdade na noticia publicada pela Palavra, considerado jornal do Porto, acêrca de um conflicto levantado num conselho escolar da Escola Elementar de Commercio d'aquella cidade, que obrigou tres dos seus mais distinctos professores a appellarem para o Governo de Sua Majestade; conflicto já aggravado, segundo informações posteriores do mesmo importante jornal, pelo inqualificavel silencio do Governo, tendo sido dois d'esses distinctos professores dispensados, por simples communicação do director da escola, de fazerem parte do jury de exames para que tinham sido nomeados, dentro das precisas prescrições regulamentares, pelo respectivo conselho escolar.

De que natureza é este conflicto? O Sr. Ministro das Obras Publicas o explicará.

Pela minha parte só direi á Camara que se trata de um caso analogo á vergonhosa peregrinação ao cemiterio do Alto de S. João, vergonhosamente autorizada pelo Sr. Presidente do Conselho, segundo a propria declaração de S. Exa. nesta Camara, acrescentando nessa occasião que assim procedera por não ter na lei maneira de impedir essa manifestação. Sem se lembrar, Sr. Presidente, ingenuo e triste esquecimento, que bastaria ter indeferido o pedido que lhe fizeram para evitar ao país e a todos nós tão aviltante vergonha.

Resumindo pergunto: É ou não verdade ter havido um conflicto?

Qual a sua natureza? Que se respondeu aos professores que ao Governo se dirigiram?

Foram realmente dispensados dois professores de fazer parte do jury de exames para que estavam nomeados? É o director da Escola Elementar do Commercio do Porto funccionario da confiança do Governo?

Taes são as minhas perguntas.

Habituado ha muitos annos a considerar e respeitar o Sr. Ministro das Obras Publicas através do coração de um amigo commum, que foi em toda a sua curta vida o mais claro exemplo do mais perfeito homem de bem, seguindo em todos os seus actos a divisa adoptada por seu glorioso pae - recta, recte, direito, pelo caminho direito - não posso crer ou acreditar que S. Exa. a serem verdadeiros os factos apontados, não encontre para elles a devida e merecida sancção, contentando-se e satisfazendo-se em lançar-lhes a dissolvente agua da conhecida acalmação ministerial.

Seria mais uma demolidora enxadada no prestigio e decoro do poder e a triste confirmação, se de confirmação se precisava, do que é e do que vale esse indecoroso, esse inqualificavel inquerito que ha longos meses por ahi se vae arrastando com a indiscutivel cumplicidade do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Não conheço nos seus pormenores os factos a que alludiu o Digno Par, mas posso assegurar a S. Exa. que o Sr. Ministro das Obras Publicas já deu as suas ordens para que se proceda a uma syndicancia destinada a apurar esses factos. Terminada essa syndicancia, o Sr. Ministro das Obras Publicas ha de proceder com o rigor e a isenção que lhe são peculiares e a que o Digno Par fez justiça.

Quanto ao inquerito a que o digno Par alludiu, direi simplesmente que o Juizo de Instrucção Criminal continua cumprindo o seu dever, e só o Digno Par é que pensa que elle o não cumpre.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Quando na sessão de 14 do corrente me occupei de Manuel Fernandes Thomás, notei que, por diploma correspondente a 2 de dezembro de 1822, lhe foi pensionada vitaliciamente a viuva, com um conto de réis annual, e os deis filhos, Roque e Manuel, cada um com 500$000 réis, tambem annuaes e vitalicios.

Ha dois dias recebi uma carta de um neto do preclaro varão, informando-me que, tanto a pensão de sua avó, como a de seu pae e a de seu tio, nunca se tinham tornado effectivas. Mais me communicava que, em 1835, as Côrtes votaram novamente uma pensão, e esta de 600$000 réis annuaes, em proveito da viuva de Manuel Fernandes Thomás.

Como succedeu pela primeira vez, a agraciada não cobrou nunca, sequer um real, da segunda pensão.

São curiosos estes esclarecimentos. Outrora decretavam-se pensões, e d'ellas não se recebia nem um ceitil. Agora ellas não são decretadas, e recebem-se avantajadamente, sob a eufemistica denominação de adeantamentos illegaes e outras armadilhas mais ou menos degeneradas.

Mudança dos tempos.

Esclarecido pelo modo que fica indicado este pormenor da historia respeitante ao grande cidadão que foi Manuel Fernandes Thomás, seja-me permittido registar que, não obstante estar proximo a entrar em discussão, nesta casa do Parlamento, a lista civil com os seus enxertados adeantamentos illegaes, ainda não recebi um unico documento dos que solicitei, por varios Ministerios, para poder versar habilitadamente tão importante assunto.

O meu scepticismo não me permitte abrigar veleidades acêrca d'esta questão.

A commissão de syndicancia, nomeada pela Camara Electiva, serve de pretexto ao Governo para não fornecer, aos representantes da Nação, as informações por elles reclamadas.

O expediente afigura-se-me de urdidura essencialmente grosseira, e em todo o ponto contraproducente.

Todavia, nem taes assomos poderiam revelar-se se tivesse sido adoptada a minha proposta de inquerito, em que os inquiridores seriam investidos com plenos poderes. Em tal caso, não se daria o triste espectaculo de elles usarem apenas, no exercicio da sua missão, dos documentos que lhes são fornecidos por aquelles a quem a syndicancia muito tem que alvejar e attingir.

Labora num completo engano - mais uma vez o consigno - o Ministerio pseudo-acalmador, se abriga a louca esperança de por tal modo, evitar a dissecação politica dos adeantamentos, dos adeantados e dos adeantadores. Emquanto a questão não for tratada a fundo, clara e cristalinamente, os seus effeitos morbidos far-se hão sentir, como tem succedido até agora, com os mais funestos resultados. Tenha-se presente, para se não alimentarem illusões, a tragica liquidação do reinado anterior, em 1 de fevereiro.

Fazendo, pois, valer o direito que me assiste, mando para a mesa a seguinte rogativa:

Rogo á mesa que se sirva instar, com a possivel urgencia, para que me sejam satisfeitos os documentos abaixo indicados, os quaes se especificam nos Annaes n.° 2 de 4 de maio de 1908 e que reputo imprescindiveis para eu entrar, com indispensavel conhecimento de causa, na proximo discussão da lista civil:

Pelo Ministerio do Reino:
Articulados nos. 4 e 5, que se ampliam aos outros Ministerios.

Pelo Ministerio da Justiça:
Articulado n.° 4.

Pelo Ministerio da Fazenda:
Articulados nos. l, 16, 18, 22 e 23.

Pelo Ministerio da Marinha e Ultramar:
Articulado n.° 9.

Pelo Ministerio dos Estrangeiros:
Articulados nos. 2 e 4.

Pelo Ministerio das Obras Publicas:

Articulados n.º 9, 10 e 11.

Prescindo dos outros documentos, os quaes, com identico objectivo, reclamei igualmente em 4 de maio derradeiro.

Concernentemente aos que vão referidos, são-me todos indispensaveis, repito, para convenientemente apreciar a proposta de lei acêrca da lista civil. = Sebastião Baracho.

Na vigencia dos processos rotativos, não teem sido geralmente acceitos os meus alvitres, comquanto o tempo se tenha encarregado de me dar plena

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SESSÃO N.° 29 DE 22 DE JULHO DE 1908 3

razão, em muitas das minhas previsões.

É d'isso prova o occorrido com as visitas regias feitas a Portugal por Soberanos estrangeiros, e que occuparam ainda a attenção d'esta camara na sessão anterior.

Da maneira como eu me conduzi, na questão sujeita, testemunham os Annaes parlamentares.

Com effeito, na sessão de 2 de abril de 1903, foi celebrada pela camara dos Dignos Pares a visita feita a Portugal por Eduardo VII, cuja chegada a Lisboa se realizou no dia que fica indicado.

Varios Dignos Pares usaram da palavra com esse objectivo; e, entre elles, eu puz em relevo a minha adherencia, de velha data, á alliança inglesa, e emitti o parecer de que o Rei da liberal e legalista Inglaterra devia ser acolhido com a mais larga hospitalidade.

Por dever de cortesia, de comprehensão intuitiva, não esplanei então, sob o ponto de vista das despesas a legalizar, esse melindroso assunto, de que ulteriormente me occupei, em 14 do mesmo mês, pela maneira seguinte:

Sabe a Camara que, no dia em que celebrámos aqui a vinda de Eduardo VII ao nosso país, elle, orador, foi um d'aquelles que se pronunciaram aberta e claramente no sentido de que esse Soberano devia ser recebido com o acatamento e respeito que merece o Chefe de uma nação nossa velha alliada, de uma nação onde se presta um altissimo culto á liberdade e á legalidade.

É certo que assim se pronunciou; mas isso não o impede de pedir ao Governo que lhe diga se houve algumas despesas por parte do Thesouro, com respeito á recepção feita ao Monarcha inglês; se as houve, de que verba sairam.

Quando se trata de receber um Soberano de uma nação em que a legalidade tem um culto especial, não é demais tudo quanto se faça para mostrar que a essa recepção presidiu tambem a mais completa legalidade.

Quer crer que associações houve, como a Associação Commercial de Lisboa, que realizaram largas despesas para acolher o chefe de uma nação com a qual mantemos commercio e relações intimas; quer crer que algumas houve que se esmeraram em receber condignamente, e á sua custa, tão egregio hospede; mas é possivel que nem todas as collectividades igualassem o proceder da Associação Commercial de Lisboa, e por isso deseja saber se effectivamente se fizeram algumas despesas por parte do Estado para a recepção do Monarcha inglês, e, dado que se tenham feito, de onde vieram receitas especiaes para isso, se estavam ou não legalizadas, e, não o estando, se o Governo não procura legalizá-las.

Em resposta, o Sr. Campos Henriques, nessa epoca Ministro da Justiça, expressou-se nos seguintes termos:

Claro é que não pode desde já indicar á Camara o que ha com respeito ás despesas feitas com a recepção ao Rei Eduardo VII; mas o que assegura desde já é que, se houver alguma despesa a legalizar, o Governo nem um só instante hesitará em apresentar ao Parlamento as propostas necessarias para que essa legalização se faça. É esse o seu dever; não faltará a elle.

Estranha ignorancia a manifestada pelo Sr. Campos Henriques! ... O orçamento para o exercicio de 1903-1904, discutido nesta Camara em sessão de 10 de novembro de 1904, veio patentear, no seu n.° 5.° do artigo 47.°, quão mal informado se encontrava, em abril, o então titular da pasta da Justiça, acêrca de um assunto indubitavelmente importante. Não se tratava apenas de centos de mil réis, tratava se de centos de contos de réis, conforme resalta do citado n.° 5.°, assim concebido:

5 ° A abrir no Ministerio da Fazenda creditos especiaes para as despesas abaixo mencionadas, e que serão escriturados nos respectivos exercicios:

Despesas para as recepções de Sua Majestade o Rei de Inglaterra e de Sua Majestade o Rei de Espanha.......... 224:513$325

Despesas com a preparação das equipagens de gala para o mesmo fim................ 77:670$509

Somma... 302:183$834

Do que fica relatado é licito concluir que, se o Governo estivesse habilitado, como lhe cumpria, com os necessarios creditos, á data da chegada a Lisboa dos dois Monarchas estrangeiros, ter-se-hia prestado culto aos preceitos legaes de administração, e não haveria materia prima, originaria dos episodios que se deram nos ultimos dias, que não primam, seguramente, por edificantes.

Do occorrido não me cabe a minima responsabilidade. Fiz advertencias, insisto, em tempo util, as quaes, á semelhança do que me tem succedido frequentemente, não foram attendidas. Limito-me, portanto, a registar estes factos, cuja lição é evidente, e quiçá continue a ser improductiva, como até ao presente.

Na verdade, o Sr. Presidente do Conselho é alheio, em todo o ponto, a este ensino. Tenham-se presentes os seus alardes de liberal, que os não ha mais gafados.

Assim, esquiva-se a fornecer os documentos com que teem de ser fiscalizados os seus actos; e, por esta forma, longe de prestar homenagem ao liberalismo, com que se diviniza, cultiva o mais retinto absolutismo bastardo.

Obedecendo ao mesmo prejuizo, outros actos pratica, que succintamente passarei em revista.

Em taes condições, e irmanado reaccionariamente com o Sr. Ministro da Justiça, procura fazer reviver a condemnada lei de imprensa de 7 de julho de 1898, contra a qual mantive aqui, nesta tribuna, energicas e successivas pugnas. Ameudadamente me insurgi contra as apprehensões e mormente contra a censura previa, intitulada por eufemismo, essencialmente rotativo, leitura previa.

Se alguma lei tivesse de reviver devia ser a de 17 de maio de 1866, cujo espirito liberal está nella solidamente garantido.

De resto, é minha arraigada opinião que os desmandos da imprensa, na propria imprensa encontram o devido correctivo.

Era esta a preferente doutrina, do tempo em que o liberalismo era reverenciado sinceramente entre nós.

Agora, sob a signa do Sr. Presidente do Conselho, a livre emissão do pensamento não lhe merece mais attenção do que a liberdade individual, patenteada pelo habeas corpus.

Com infracção patente da lei, e com desprezo manifesto dos mais elementares preceitos humanitarios, encontram-se presos, sem culpa formada, ha mais de 50 dias, 5 individuos, a quem, por mais de uma vez eu tenho alludido. Com estas e outras exorbitancias, indubitavelmente abominaveis, procura a execranda policia preventiva justificar os seus gastos, que só em despesas inconfessaveis, note-se bem, inconfessaveis, se cifraram por 61 contos de réis, no anno economico findo.

A verba orçamental, com tal objectivo, é de 36 contos de réis, que foram reforçados com mais 25 contos, para que semelhante policia se possa exibir pela maneira repugnante como está exercendo o seu desprezivel mister.

Para considerar é que, legalmente, só 1:800$000 réis são attribuidos aos gastos com essa exautorante e exautorada policia, tão querida do Sr. Presidente do Conselho.

É estrictamente o que a ella faculta o scelerado decreto de 19 de setembro de 1902, e nada mais.

Todo o excedente, tanto orçamental, como derivante de creditos especiaes, é retintamente arbitrario. Não tem connexão alguma com os principios legaes.

Isto, porem, não obsta a que a complacencia do Sr. Presidente do Conselho se faça sentir em proveito da policia a que eu me venho referindo, e com prejuizo até, nas suas larguezas pecuniarias, da instrucção publica, tão deficientemente dotada, consoante é sabido.

Na sangrenta questão de 5 de abril, em que os pretorianos policiaes, militares e civis, se conduziram pela forma barbara e cruel de todos conhecida, o Sr. Presidente do Conselho procurou irresponsabilizá-los, nesse mesmo dia, com a sua nota famosa mandada á imprensa.

Fez infelizmente escola o Sr. Presidente do Conselho, que, na sua tentativa de irresponsabilização dos crimi-

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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nosos policiaes, foi á risca seguido pelo syndicante, o Sr. general Leopoldo Gouveia.

Quando, pela primeira vez, me referi ao condemnavel procedimento do general syndicante, evidenciei a inconveniencia de o inquerito ter sido commettido a um militar.

Objectou-me então o Sr. Ministro da Guerra que, sendo o commandante da guarda municipal um coronel, a um general pertencia a direcção investigadora.

Teria, na verdade, acceitação o conceito do Sr. Ministro da Guerra, se o coronel da guarda municipal estivesse sob as ordens do general da divisão ou de outra qualquer graduada autoridade militar.

Mas a verdade é que o commandante da guarda exerce uma commissão sob a dependencia do governador civil do districto.

Ora se esse coronel pode habitualmente funccionar sob a acção de uma autoridade civil, tão civil que até essa denominação lhe qualifica o cargo, podia e devia, sem desdouro de especie alguma, e com proveito geral, ser syndicado por um empregado de identica feição.

Não o entendeu assim o Governo, na sua alta sabedoria. D'isso resultou a deploravel situação em que se encontra o Sr. general Gouveia, com a sua syn-dicancia, e o Sr. Presidente do Conselho perfilhando esse trabalho parcialis-simo, que imprime positivamente caracter.

Mas o Sr. Presidente acabou de me informar de que é chegado o momento de se passar á ordem do dia. Nestas circunstancias ponho termo ás minhas observações, ficando ainda bastante por dizer acêrca de como o Sr. Presidente do Conselho cultiva o liberalismo, isto é, ao revés.

É filão inesgotavel.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde de Arnoso: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se me permitte dizer ainda duas palavras em resposta ao Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente: - Eu vou pôr em discussão o projecto que está pendente e se houver tempo, depois d'essa discussão e votação, darei a palavra a V. Exa.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Tambem desejo usar da palavra antes de se encerrar a sessão, para fazer uma rectificação á forma como o Summario da ultima sessão se refere á parte final das explicações trocadas entre mim e o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Presidente: - Vou por á discussão o projecto pendente; depois, se houver tempo, darei a palavra a V. Ea.

Peço aos Dignos Pares que tenham de mandar alguns papeis para a mesa o obsequio de os enviarem.

O Sr. Francisco José Machado: - Mando tambem para a mesa a seguinte nota sobre um requerimento:

O Diario Illustrado de 21 do corrente diz que já foi entregue no Ministerio do Reino o relatorio e mais trabalhos da commissão nomeada pelo Governo transacto, composta dos Srs. Dr. Alfredo Costa, Dr. Alfredo Luis Lopes, Ramalho Ortigão e Visconde de Sacavem, para estudar os melhoramentos a introduzir no Hospital Real das Caldas da Rainha e seus annexos, com o fim de evitar os abusos manifestos e claros da sua administração, e tendo na sua sessão de 20 de maio do corrente anno requerido que me fosse mandada copia do referido relatorio e propostas que o acompanham:

Venho rogar a V. Exa. visto que esses trabalhos estão entregues, a fineza de mandar instar para que seja com a possivel brevidade satisfeito o meu requerimento. = F. J. Machado.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja remettida a esta Camara copia de todos os despachos ministeriaes que digam respeito ás relações financeiras do Thesouro com a Casa da Rainha Senhora D. Maria Pia ou com o fallecido Conde de Ribeiro da Silva.

Requeiro mais que pelo mesmo Ministerio sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos: reclamação da Administração da Casa Real sobre vendas de predios de usufruto da Coroa; informação da Direcção Geral da Contabilidade; parecer de quaesquer commissões incumbidas da avaliação dos mesmos predios; fixação das vendas, despachos posteriores que porventura os tenha alterado; communicação á Direcção Geral de Contabilidade e importancia dos creditos abertos para os respectivos pagamentos. = Teixeira de Sousa.

O Sr. Jacinto Candido: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada copia do regulamento e relatorio que o precede, elaborados como projectos, por uma commissão do pessoal operario da Imprensa Nacional, e que está entregue á guarda da Direcção Geral de Instrucção Publica. = Jacinto Candido.

Mando tambem para a mesa tres projectos de lei, sobre serviços industriaes do Estado, exercicio do poder judicial e providencias para attenuar as consequencias da crise agricola.

Alem d'isto mando tambem para a mesa uma representação de aspirantes da Repartição de Fazenda do concelho de Braga1, cuja publicação requeiro, no Sum-mario das sessões; outra dos parochos do concelho de Reguengos, para ser enviada ao Sr. Ministro da Justiça; e um requerimento de missionarios em Timor, para ser enviada ao Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Visconde de Monte-São: - Envio para a mesa o seguinte requerimento:

Não tendo até hoje, 22 de julho, recebido os documentos pedidos nesta casa do Parlamento á Direcção Geral de Instrucção Publica, Superior, do Ministerio do Reino, nos dias 3 e 10 do mesmo mês, e tendo absoluta necessidade de dos referidos documentos tomar immediato conhecimento, requeiro a V. Exa. se digne, com autorização de S. Exa. o Ministro do Reino, ordenar, ás respectivas repartições que facultem a leitura dos documentos a que os meus requerimentos se referem, e, sendo necessario, a copia d'esses documentos por mim feita na propria Repartição do Ministerio.

A copia por mim feita, conferida com o original pelo Sr. chefe da Repartição, dará á Camara a garantia da sua fidelidade e, ao mesmo tempo, eximirá a Repartição de um trabalho que, decerto por affluencia de outros não pôde ser realizado em vinte dias uteis, apesar de não dever preencher mais do que oito a dez paginas de papel almaço usado nas repartições burocraticas do Estado.

Sala das sessões, em 22 de julho de 1908. = O Par do Reino, Visconde de Monte-São.

ORDEM DO DIA

PRIMEIRA PARTE

Discussão do parecer n.° 9, relativo á admissão, como Par do Reino, do Sr. Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 9.

É o seguinte:

PARECER N.° 9

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de verificação de poderes o requerimento e documentos com que o Exmo. Sr. Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos justifica o direito que lhe

1 Esta representação vem publicada no final da sessão.

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assiste para tomar assento na Camara dos Dignos Pares do Reino, como successor de seu pae, o fallecido Par do Reino Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Tendo a vossa commissão examinado attentamente esses documentos, d'elles consta que o requerente é filho legitimo mais velho; que tem mais de trinta annos de idade; tem curso; que está no gozo de seus direitos politicos e civis; que tem moralidade e boa conducta; e que tem o rendimento de 2:132$450 réis. Por isso é a vossa commissão de parecer que o pretendente está nas condições de ser admittido a prestar juramento e tornar assento na Camara por direito hereditario.

Sala das sessões da commissão, em 9 de junho de 1908. = Julio de Vilhena = L. Pimentel Pinto = Visconde de Asseca = Marquez de Sousa Holstein = D. João de Alarcão = Francisco José Machado = Luciano Monteiro = Gonçalo X. de Almeida Garrett = Antonio Costa, relator.

Posto á discussão, é dada a palavra ao Digno Par Sr. Francisco Beirão.

O Sr. Francisco Beirão: - Sr. Presidente: encontro neste parecer exactamente as mesmas condições que encontrei naquelles para cuja discussão pedi o adiamento, numa das sessões passadas.

Não venho propor novamente esse adiamento, por isso que a Camara. por uma grande maioria, se pronunciou contra elle, mas quero dizer que nada tenho contra os cavalheiros que pediram para prestar juramento como Pares do Reino; o meu voto nada significa, pessoalmente, contra esses candidatos, que são pessoas muito dignas; mas o processo é que não prova que tenham a categoria necessaria, o que aliás seria demonstrado, se o meu requerimento tivesse sido approvado, como não foi.

O meu requerimento, não pode pois ser tomado como menos consideração por S. Exas.

(O Digno Par não reviu).

Feita a chamada, procedeu-se á votação. Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 36 esferas, sendo 28 brancas e 8 pretas, ficando, portanto, o parecer approvado.

O Sr. Francisco Beirão: - Pedi a palavra, por parte da commissão de fazenda, para mandar para a mesa um parecer relativo á pensão da familia do general Galhardo.

(Foi a imprimir).

O Sr. Dias Costa: - Pedi a palavra, por parte da commissão de marinha, para mandar para a mesa um parecer que applica á armada a legislação sobre pensões de sangue que regula para o exercito de terra.

Foi a imprimir.

SEGUNDA PARTE

Discussão do parecer n.° 23, relativo á fixação da força naval para o anno economico de 1908-1909.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 23.

Leu-se na mesa e entrou em discussão.

É do teor seguinte:

PARECER N.° 23

Senhores: - Submettido ao exame da vossa commissão de marinha o projecto de lei n.° 18, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que tem por fim fixar a força naval para o anno economico de 1908-1909, vem ella dar-vos o resultado d'esse exame.

Determina o mencionado projecto que o numero de praças seja de 5:687, destinadas á composição das guarnições de diversos navios, que constituem a armada.

Pouca é a differença no numero de praças, fixado para o mencionado serviço, d'aquelle regularmente estabelecido nos annos anteriores, sendo tambem pouco sensivel a alteração que se nota no material. Assim é a vossa commissão de marinha de parecer que o projecto de lei que examinou seja approvado.

Sala das sessões da commissão, em 18 de julho de 1908. = Julio de Vilhena = A. Eduardo Villaça = Antonio Teixeira de Sousa = L. M. Bandeira Coelho = Conde do Cartaxo = J. de Alarcão = Gama Barros = F. J. Machado = F. F. Dias Costa (relator).

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 18

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1908-1909 é fixada em 5:687 praças, distribuidas por 1 hiate, 6 cruzadores, 1 corveta, 20 canhoneiras, 3 torpedeiros, 7 lanchas-canhoneiras, 3 transportes, 2 rebocadores, 1 vapor, 3 navios-escolas, 1 navio-deposito e 1 pontão-enfermaria.

§ unico. No total de praças proposto é incluido o pessoal indigena que faz parte das lotações das lanchas-canhoneiras e outros navios em serviço nas colonias, bem como o pessoal de serviço e Escola Pratica de Torpedos e Electricidade.

Art. 2.° O numero e a qualidade dos navios armados poderão variar segundo o exigirem as conveniencias do serviço, comtanto que a despesa não exceda a que for votada para a força que se autoriza.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 22 de junho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga = Antonio A. Pereira Cardoso.

N.º 12

Senhores. - Á vossa commissão de marinha foi presente, para seu exame, a proposta de lei n.° 5-N, respeitante á fixação da força naval para o anno economico de 1908-1909.

O numero de praças determinado por esta proposta é de 5:687, e é applicavel para composição das guarnições dos diversos navios do serviço da armada.

Não se afasta sensivelmente o numero de praças agora fixado d'aquelle que tem sido estabelecido em anteriores documentos de igual indole, e, sendo o material proximamente o mesmo, nenhuma razão tem a commissão de marinha para deixar de entender que a referida proposta esteja nas condições de merecer approvação e de ser, de acordo com o Governo, convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo l.° A força naval para o anno economico de 1908-1909 é fixada em 5:687 praças, distribuidas por 1 hiate, 6 cruzadores, 1 corveta, 20 canhoneiras, 3 torpedeiros, 7 lanchas-canhoneiras, 3 transportes, 2 rebocadores, 1 vapor, 3 navios-escolas, 1 navio-deposito e 1 pontão-enfermaria.

§ unico. No total de praças proposto é incluido o pessoal indigena que faz parte das lotações das lanchas-canhoneiras e outros navios em serviço nas colonias, bem como o pessoal de serviço e Escola Pratica de Torpedos e Electricidade.

Art. 2.° O numero e a qualidade dos navios armados poderão variar, segundo o exigirem as conveniencias do serviço, comtanto que a despesa não exceda a que for votada para a força que se autorisa.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 8 de junho de 1908. = Manuel Antonio Moreira Junior = Vicente Moura Coutinho de Almeida d'Eça = João do Canto e Castro Silva Antunes = Ernesto Jardim de Vilhena = Manuel Telles de Vasconcellos = Joaquim Anselmo da Motta Oliveira = Antonio de Macedo Ramalho Ortigão = Antonio Hintze Ribeiro = Thomaz de Aquino de Almeida Garrett = Alvaro Rodrigues Valdez Penalva = Roberto da Cunha Baptista = Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, relator.

Proposta de lei n.° 5-N

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1908-1909 é fixada em

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

«5:687 praças, distribuidas por 1 hiate, 6 cruzadores, 1 corveta, 20 canhoneiras, 3 torpedeiros, 7 lanchas-canhoneiras, 3 transportes, 2 rebocadores, 1 vapor, 3 navios-escolas, 1 navio-deposito, e 1 pontão-enfermaria.

§ unico. No total de praças proposto é incluido o pessoal indigena que faz parte das lotações das lanchas-canhoneiras e outros navios em serviço nas colonias, bem como o pessoal do serviço e escola pratica de torpedos e electricidade.

Art. 2.° O numero e a qualidade dos navios armados poderão variar, segundo o exigirem as conveniencias do serviço, comtanto que a despesa não exceda a que for votada para a força que se autoriza.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, 29 de maio de 1908. = Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Sebastião Baracho: - Continua o desprezo pelo artigo 7.° do 3.° Acto Addicional de 3 de abril de 1896.

Debalde o tenho invocado ha annos. A politica acalmadora não se differencia da integra politica rotativa, em ataques á Liberdade e á Carta Constitucional e seus Actos Addicionaes.

Não ha duvida, continua triunfando o absolutismo bastardo.

Nesse desnorteamento, até se lançou o balão de ensaio para o orçamento deixar de ser discutido este anno. Contra tão anarchizadora tentativa protesto desde já.

Quanto ao parecer em debate, foi remettido da Camara Electiva para esta em 22 de junho de 1908.

Podia, portanto, estar approvado, sem infracção dos preceitos constitucionaes, isto é, antes de 30 de junho.

Não o entenderam, porem, assim os praxistas acalmadores ministeriaes, que só em 18 do mês corrente se dignaram formular o parecer, que hoje entrou retardatariamente em discussão.

Nella é de uso, tradicionalmente observado, versar os assuntos respeitantes tanto á administração colonial, como os relativos á armada e concomitancias.

Pela minha parte não me alargarei em considerações, nem com um nem com o outro objecto.

Acêrca da administração ultramarina, limitar-me-hei a perguntar; que ha com relação ao Cuanhama?

Deu-se, por parte de algum nosso vizinho, qualquer acto de coacção, em questão de vassalagem, para com regulos ou regulo, sob a nossa esfera de acção, e ao dominio português subordinados?

Quando se ultima a delimitação fronteiriça do sul de Angola e da colonia allemã de Damara?

Rogo ao Sr. Ministro da Marinha que se digne elucidar o país, concernentemente a negocio tão importante, qual é o que acabo de perfunctoriamente tratar, e cujo apparecimento a lume, na imprensa periodica, impressionou todos os que se interessam pelo nosso futuro colonial.

Após o triunfo obtido pela expedição ao Cuamato, mais seria ainda para sentir qualquer contrariedade da natureza da que deixo, com a devida reserva, esboçada.

Fale, pois, o Sr. Ministro da Marinha, tranquillize, se pode, o espirito publico, e sirva-se tambem esclarecê-lo respeitantemente ás causas, determinantes da aumentação havida, este anno, no numero de praças comprehen-didas na fixação da força naval.

Posto isto, observarei que a pobreza, por assim dizer franciscana, da nossa armada dimana:

Da falta, por vezes, de são criterio dirigente;

De não haver sequencia, sem distincção de mudanças politicas, na execução de um programma efficaz e technicamente elaborado;

E da accentuada penuria do Erario.

Noutras occasiões tenho abordado este thema, indicando alvitres e concretizando providencias, cuja adopção muito teriam contribuido, no meu criterio, para o melhoramento da nossa marinha de guerra e do complexo serviço a ella adstricto.

Não fui ouvido, como em outros muitos assuntos administrativos e politicos me tem succedido, e do mesmo modo acontece com a mysteriosa, ou antes, tumultuaria encorporação do yacht Amelia na armada.

É indubitavelmente caracteristico o que se tem passado com o yacht Amelia. Acêrca d'elle, pediu informações, na sessão d'esta Camara, de 17 de março de 1900, o Digno Par Fernando Larcher, a quem o Ministro da Marinha da epoca, o Digno Par Eduardo Villaça, respondeu nestes termos:

Tambem o Digno Par se mostrara surprehendido pelo facto de encontrar este anno um navio a mais.

A razão é muito simples. Esse navio a mais é o yacht D. Amelia com que Sua Majestade doou a nossa marinha de guerra e que mais uma vez tem feito serviço, não deixando por este facto de estar ao serviço do mesmo Augusto Senhor.

O Digno Par sabe muito bem que é de uso em toda a parte estar sempre um navio da
Marinha de guerra á disposição do chefe do Estado.

Por seu turno, o proemio de ditatorial decreto liquidatario de 30 de agosto de 1907 menciona:

Segundo o apuramento feito na Direcção Geral da Thesouraria, os abonos escriturados em conta da fazenda da Casa Real ascendem á importancia total de 771:715$700 réis. Como, porem, o yacht Amelia, que custou 306:600$000 réis, se acha, desde 27 de abril de 1899, encorporado na marinha real portuguesa, fica sendo o debito ao Thesouro da cifra de 465:7l5$700 réis. É, pois, uma importancia inferior em mais de 100:000$000 réis, ao montante dos donativos feitos ao Thesouro pela Familia Real, em consequencia da crise financeira de 1892, e que sommaram 567:900$000 réis.

Sem analysar, neste momento, a peregrina declaração acêrca das deducções experimentadas pela Familia Real, na importancia de 567:900$000 réis, similarmente com o que se praticava com todos os funccionarios do Estado, sem excepção, em virtude da lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892, sem analysar, repito, essa peregrina confissão, notarei que o artigo 1.° do mencionado decreto de 30 de agosto de 1907 é assim concebido:

Artigo 1.° A conta de 771:715$700 réis, proveniente dos abonos feitos á administração da fazenda da Casa Real, sob a rubrica Adeantamentos pelo Ministerio da Fazenda, será encerrada pela seguinte forma, abrindo-se os creditos necessarios:

A quantia de 465:715$700 réis, por compensação da privação perpetua das rendas dos predios da Coroa dados de arrendamento ao Estado para diversos serviços publicos.

A quantia de 306:000$000 réis, por encontro com igual quantia, como despesa do Ministerio da Marinha pela acquisição do yacht Amelia.

§ unico. A despesa legalizada nos termos d'este artigo será addicionada ás contas dos exercicios em que se effectuaram os abonos.

Pela minha parte, carecendo de estar convenientemente instruido para versar o assunto magno dos adeantamentos illegaes, requeri, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, em 4 de maio ultimo, o seguinte:

O relatorio que precede o decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907, derogado por decreto de 27 de fevereiro de 1908, consigna que o yacht Amelia cujo custo foi de réis 306:000$000, está encorporado na armada desde 27 de abril de 1899. Por seu turno, o Sr. Eduardo Villaça, ao tempo Ministro da Marinha e Ultramar, declarou na Camara Alta, em sessão de 17 de março de 1900, que o mesmo yacht fóra doado pelo Rei á marinha de guerra. Dadas estas circunstancias, requeiro:

a) Copia da declaração pela qual o fallecido Rei D. Carlos doou á armada o yacht em questão, ou de outro qualquer documento que antecedesse ou acompanhasse a sua inscrição na marinha de guerra; e ainda indicação dos dizeres constitutivos da sua matricula e registo officiaes.

b) Nota, por annos economicos, desde 1899-1900 até o presente, do que se tem gasto com a guarnição d'esse barco, com o combustivel que consome, com os reparos e concertos, e mais achegas.

c) Totalidade das despesas feitas, em todo esse periodo.

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SESSÃO N.° 29 DE 22 DE JULHO DE 1908 7

d) Especificação dos serviços em que tenha sido empregado, estranhos aos que prestava ao reinante; e bem assim os que presta posteriormente á morte do Rei D. Carlos, e na posse de quem se encontra depois do decreto de 27 de fevereiro de 1908, retro-citado.

Não tendo obtido até hoje as informações constantes do requerimento que acabo de ler, rogo ao Sr. Ministro da Marinha que se digne fornecer-m'as com a maxima urgencia, visto d'ellas carecer para discutir a questão dos adeantamentos illegaes, que tudo deixa prever que, em breve, entrará na ordem do dia nesta casa do Parlamento.

Entretanto, seja-me licito pôr em relevo que o Digno Par Sr. Eduardo Villaça declarava peremptoriamente, em 17 de março de 1900, que o Rei D. Carlos tinha doado o yacht Amelia á marinha de guerra portuguesa.

Contraditoriamente com esta affirmação, o relatorio do ditatorial decreto liquidatario de 30 de agosto de 1907, asseverara precedentemente que o yacht Amelia, cujo custo foi de 306:000$000 réis, se acha desde 27 de abril de 1899, encorporado na marinha real portuguesa.

Em taes condições, careço de ser elucidado, concernentemente a este estranho caso.

Como é que, estando encorporado o yacht Amelia, consoante o attestado do ditatorial decreto franquista, na marinha de guerra nacional desde 27 de abril de 1899, o mesmo yacht se achava doado, segundo o testemunho do Sr. Villaça, em 17 de março de 1900, á nossa armada?

Deu-se, porventura, a doação em 1900, ulteriormente á encorporação, que é de 1899?

Contra esta dupla occorrencia pronuncia-se a redacção do relatorio do decreto de 30 de agosto de 1907, por dizer textualmente que o yacht Amelia «se acha, desde 27 de abril de 1899 encorporado na marinha portuguesa».

Se na verdade elle está encorporado na armada desde 27 de abril de 1899, essa situação não pode ter experimentado variantes. Mas, attentas essas circunstancias, em que pé fica a doação opinada, ou antes, certificada pelo Digno Par Sr. Eduardo Villaça?

Por quem foi pago o yacht Amelia?

Foi producto de algum adeantamento illegal?

Em quanto importou a sua acquisição?

Como em tudo que é referente aos adeantamentos illegaes, a embrulhada produzida pela questão relativa ao yacht Amelia assume proporções epicas.

Pela parte que me diz respeito, procuro, tanto quanto possivel, aclará-la. Para isso reclamei esclarecimentos, que me não foram fornecidos, e agora formulo perguntas precisas, e tendo apenas, como objectivo, uma parcela diminuta no assunto sujeito.

Ao Sr. Ministro da Marinha peço a fineza de fazer desapparecer, se pode, as duvidas e incongruencias subsistentes, porque de outra forma a mystificação e o ludibrio predominantes continuarão a produzir os mais funestos resultados.

Aguardo, pois, a resposta de S. Exa., quer sobre as perguntas que formulei, quer sobre as minhas instancias, para que me sejam proporcionadas as informações que requeri em 4 de maio derradeiro, a fim de me orientar devidamente.

Perante tudo o que fica exposto, reconhece-se que o yacht Amelia está sendo, por assim dizer, uma segunda edição do Navio Fantasma - fantasma com respeito á sua situação na armada, mas completamente real pelo que tem custado ao Thesouro.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Augusto de Castilho): - Cabe-me a honra de responder ao Digno Par que primeiro falou sobre o projecto em discussão, Sr. Sebastião Baracho.

S. Exa. não atacou o projecto; pelo contrario, dá-lhe o seu voto, como tem procedido com projectos identicos em annos anteriores.

Disse, porem, o Digno Par que este projecto veio tarde á apreciação d'esta Camara.

Sobre este ponto, nada tenho a responder, porque a regularização e distribuição dos trabalhos das Camaras está a cargo dos respectivos Presidentes, que podem dar a preferencia a este ou áquelle projecto, conforme julgarem melhor em seu alto criterio.

Deve-se suppor, portanto, que este projecto entra hoje em discussão na devida altura.

Ha, entretanto, uma circunstancia que fez com que este projecto apparecesse mais tarde á discussão - as Camaras terem começado a funccionar mais tarde do que o prazo marcado na Constituição, mas para isto, decerto, ninguem dirá que contribuiu o Governo, que subiu ao poder num momento grave da vida nacional, sendo necessaria a eleição de uma nova Camara de Deputados, etc.

Alludiu S. Exa. á questão do sul de Angola ou dos Cuanhamas, e estimo ter-se proporcionado occasião de dizer o que penso sobre tal assunto.

Conheço um pouco esta questão, como conheço a delimitação feita com a Allemanha pelo tratado de dezembro de 1886, no qual se fixou a linha commum no sul de Angola, linha que separa as nossas possessões das possessões sujeitas á esfera da influencia allemã.

Esse tratado, cuja notificação tive quando era governador geral da provincia de Moçambique, tem uma parte de limites naturaes, e outra parte de limites mathematicos.

Os limites luso-allemaes na Africa Oriental desde a confluencia do rio Msinge com o Rovuma até o lago Niassa foram determinados por uma missão luso-allemã, e tiveram que ser em certos pontos modificados, ad referendum, é claro, conforme as conveniencias dos povos e attendendo-se ás condições geographicas naturaes.

Em tal delimitação, tanto o commissario português como o allemão estavam animados do mais largo espirito de conciliação e boa vontade para não offender os interesses de qualquer das partes, sendo portanto de esperar que agora, quando se nomearem novos commissarios, elles se animem da mesma boa vontade, pois é de crer que o Governo Allemão procurará usar do mesmo largo espirito de conciliação.

Posso garantir que conheço um pouco, na pratica, esta questão.

Ha doze annos, quando estive em Angola, percorri o sul d'esta provincia; e posso asseverar que, da nossa parte, não ha a menor má vontade contra quem quer que seja.

Sei que, nestes ultimos dias, teem apparecido artigos em alguns jornaes, artigos que excitam bastante a attenção publica, e até certo ponto sobresaltam aquelles que não conhecem as cousas como ellas são.

Li alguns d'esses artigos, e confesso que, para quem não conhecer bem o assunto, elles podem fazer crer na existencia de perigos, ou que estamos em risco de qualquer invasão.

Entendo dever dizer, com toda a confiança, que o Governo Allemão tem instado ultimamente para se fazer a precisa delimitação.

Por consequencia, desde que é o proprio Governo Allemão que procura que nos apressemos a fazer com elle a delimitação em questão, estou crente de que esse Governo, que é um Governo serio e honesto de uma nação amiga, não procura senão chegar a um accordo que salvaguarde os verdeiros interesses dos dois paises.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que sinto não ver presente, poderia, provavelmente, informar mais minuciosamente o Digno Par sobre o assunto, visto que está em directas relações com o representante, nesta corte, d'aquella nação.

O Governo não descura os interesses que ali temos, e ha de manter a soberania portuguesa nos territorios que ainda ha pouco a acção brilhante

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dos nossos officiaes e tropas conquistou e subjugou.

Muito embora o heroe da grande campanha que sustentámos no sul de Angola tivesse sido nomeado para governar a provincia de Macau, o Digno Par sabe que foi nomeado governador do districto da Huilla um official brioso e valente, mas prudente como são todos os verdadeiros valentes, porque sem prudencia não pode ser bem empregada a energia.

Esse official, que deu provas brilhantissimas na campanha dirigida contra os Dembos, e que se chama João de Almeida, vae partir em breve para o governo da Huilla; e, como elle conhece o país, estou certo de que trio brioso official ha de ser um excellente continuador da obra encetada pelo então capitão Roçadas.

O Governo não regateia os meios necessarios para o desenvolvimento dos nossos territorios, e posso garantir que, tendo dado instrucções para todas as provincias ultramarinas a fim de se diminuir quanto possivel o numero de militares que não sejam absolutamente indispensaveis ao serviço, não dei taes instrucções para o sul de Angola, de onde não mandei retirar ninguem, visto que precisamos subjugar completamente o sul d'aquella provincia, a fim de se estabelecer a confiança e colherem-se os frutos da civilização que é necessaria para justificar a nossa acção de tantos seculos e agora renovada com tanto brilho e heroicidade.

A parte sul da provincia de Angola ha de caminhar na senda do progresso, como ha de ficar completamente debaixo da nossa soberania.

Pelo que respeita propriamente ao projecto, disse o Digno Par que ha um aumento de praças.

Não contesto esse aumento; mas é preciso ver que tal aumento não é excessivo, porquanto o corpo de marinheiros não tem no seu quartel mais de 300 praças, o que não é muito, pois é preciso ter sempre um nucleo de praças disponiveis que possa render aquellas que veem das provincias ultramarinas; e, apesar de termos no quartel tão pequeno numero de praças, as guarnições dos navios não estão completas nas estações navaes.

Pelo que toca ao que S. Exa. disse sobre o yacht Amelia, não me parece que seja este o momento proprio para discutir se esse yacht foi comprado pelo Estado ou doado por El-Rei D. Carlos.

Está nomeada uma commissão parlamentar para tratar dos assuntos concernentes ao ultimo reinado, sendo de crer que essa commissão, que tem trabalhado circunspectamente, apurará tudo e de tudo dará contas satisfatorias, podendo então cada um dizer da sua justiça como entender.

Entretanto, o que posso dizer é que as despesas com o yacht Amelia, antes d'este barco pertencer á marinha de guerra, eram custeadas pelo bolsinho de El-Rei.

E esse navio, que fôra pertença particular do extincto Rei, não é um luxo excessivo que o país concede á Monarchia.

Em todos os países os soberanos teem o seu navio de regalo para as suas viagens e a Inglaterra tem uns poucos de barcos de dimensões mais avantajadas que o Amelia e que servem apenas para a Casa Real, sendo custeados pelo Estado, circunstancia que ninguem impugna. Este navio, que só no ultimo Governo passou a ser pertença do país e a figurar na lista da nossa armada, tem sido mais impugnado do que merece.

Tenho aqui uma lista, que o Digno Par tambem deve ter, das despesas feitas por esse navio.

O Sr. Sebastião Baracho: - Não tenho essa lista.

O Orador: - Parecia-me que devia ter, mas cedo-lhe a que aqui tenho.

Parece-me que são estes os pontos principaes que o Digno Par tocou no seu discurso. O projecto ficou intacto e não teve impugnação que mereça outra resposta, mas se algum Digno Par fizer outras considerações, estou pronto a usar novamente da palavra. -(Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu.}

O Sr. Jacinto Candido: - Sr. Presidente tratando-se da discussão do projecto em ordem do dia, que diz respeito á fixação da força naval, tenho que fazer iguaes considerações e dizer identicas verdades ás que a Camara me ouviu, quando se discutiu aqui o projecto referente á fixação da força do exercito, isto é, que tanto a organização das forças navaes, como a organização das forças militares de terra devem considerar-se como elementos componentes da mesma unidade, cujo fim é a defesa do territorio nacional.

As forças de terra e mar teem forçosamente de obedecer ao mesmo pensamento, ao mesmo objectivo.

Não se pode, num assunto de tão grande magnitude, proceder avulsamente com projectos isolados ou destacados; tem que se proceder harmonicamente, seguindo-se um plano profundamente estudado, que corresponda ás exigencias e necessidades da defesa do país; e, depois de um tal plano estudado madura e reflectidamente pelo pessoal technico competente, é que se poderá adoptar um conjunto de medidas que sigam successiva e gradualmente o seu curso, mas por modo progressivo, integrando-se todas as parcelas da mesma unidade no mesmo pensamento - a defesa nacional.

Tudo quanto não seja partir d'este principio e d'esta logica não conseguirá o fim que todos ambicionam.

O Sr. Ministro da Marinha, com quem tenho a honra de manter as melhores relações, possue um alto criterio e um acendrado patriotismo, e tem a comprehensão nitida da necessidade que ha de se conseguir um tal plano, para cuja realização devem convergir as attenções de todos os poderes do Estado.

Aproveito o ensejo para recordar e louvar o patriotismo, valor militar e tacto diplomatico a que o actual Ministro da Marinha recorreu em 1896, sendo capitão de mar e guerra, para o desempenho de uma delicada e perigosa missão ao sul de Angola, que por mim lhe foi commettida, quando tive a honra de gerir a pasta da Marinha.

Mas nem todos dispõem de um tal criterio para obedecerem a esse plano.

Não digo isto para fazer censuras a ninguem; mas é facto que nem todos teem a noção precisa e clara, que constitue o ponto de vista scientifico tão necessario para conseguir um bom plano de defesa nacional, harmonizando para esse plano as forças de terra e mar.

Chamo a attenção do Governo para trabalhos verdadeiramente notaveis que existem e que fazem parte de conferencias pronunciadas por distinctissimos officiaes da nossa marinha na Liga Naval Portuguesa.

Taes trabalhos ou conferencias que tratam do grave problema da defesa naval, teem um alto valor.

E, a proposito das considerações que estou fazendo, chamo a attenção do Sr. Augusto Castilho para um projecto que mandei para a mesa, relativo á autonomia dos serviços industriaes a cargo do Estado.

Nesses serviços está comprehendida a organização do Arsenal de Marinha, que tambem é victima do centralismo feroz a que estão sujeitos todos os serviços do Estado.

Não são porventura para ponderar os bons resultados colhidos da descentralização dos caminhos de ferro do Estado?

Porque não se faz o mesmo com os outros ramos do serviço publico?

Se assim se procedesse, prestava-se á nação um grande bem, porquanto todos sabem a influencia que o partidarismo exerce para a existencia de um numeroso pessoal, em detrimento d'aquelles que teem mais valor e competencia technica.

Se os serviços do Estado fossem au-

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tonomos, não padecia tanto o país da influencia do partidarismo.

O Sr. Augusto de Castilho, na resposta que deu ao Digno Par Sr. Baracho, alludiu tambem ao que se está passando no sul de Angola.

Comprehendo bem os melindres que ha em tratar de um tal assunto, pelo que não quero de forma alguma lançar uma nota de irritação no debate, que de sua natureza é delicado e perigoso, visto que a questão do sul de Angola reveste um caracter de summa gravidade; mas, pedindo ao Sr. Presidente que insista pela secretaria d'esta camara para que lhe seja enviada uma nota que pedi sobre a missão para ali enviada, peço tambem aos Srs. Ministros da Marinha e Estrangeiros toda a sua attenção para as pretensões dos boers, que revestem caracter grave, porquanto sei, de boa fonte, que os boers teem pretensões ousadas, verdadeiramente extraordinarias de atrevimento, a respeito do sul de Angola ou planalto da Huilla.

Tambem o Sr. Ministro da Marinha fez referencia ao valor dos militares que ultimamente se distinguiram nas campanhas africanas.

Associo-me ás palavras com que o illustre membro do Governo saudou esses brilhantes ornamentos do exercito português. Associo me a essas palavras, repito, associo-me a esse tributo de louvor e de justiça prestado a quem tão galhardamente se esforçou em manter integro o brio nacional.

Estou absolutamente convencido de que todos os officiaes do nosso exercito, collocados em circunstancias identicas, se portariam com o mesmo denodo; mas isso não obsta a que se endereçam louvores merecidos a todos aquelles que defenderam a integridade do territorio nacional, e o brilho da nossa bandeira.

Desejava ser um pouco mais minucioso nas minhas referencias á questão do sul de Angola, e muito folgaria que nellas não entrasse a mais pequena censura; mas, por agora, sentindo-me fatigado, limito me a indicar a conveniencia de se aproveitarem quaesquer monções favoraveis, porque assim se conseguirá, com relativa facilidade, aquillo que mais tarde só se poderá alcançar á custa de muitas canseiras, e não pequenos dispendios.

Quedo-me nesta simples advertencia, já porque, como disse ha pouco, sinto-me fatigado, já tambem porque não é meu intuito pôr qualquer nota irritante neste debate.

Não quero concluir, porem, sem chamar a attenção do Sr. Ministro da Marinha, para ideias, a que não chamarei minhas, porque a outros, porventura, terão occorrido, mas ideias que vem sustentando ha cinco annos, guiado unicamente pelo meu criterio, e na mais absoluta independencia de quaesquer preoccupações partidarias.

Desde 1902 que venho advogando as vantagens de uma racional e intelligente descentralização colonial, ou de uma descentralização governativa a respeito de cada provincia ultramarina.

É preciso attender á situação especial de cada uma d'essas provincias, e transformar profundamente o seu modo de ser economico, e financeiro, tranformação que se não adquire com medidas de occasião, com providencias de momento, ou com medidas determinadas por circunstancias occasionaes.

O problema tem de ser encarado de face, para que se possa transformar completamente o modo de ser economico, financeiro e administrativo d'aquellas provincias.

Tenho tambem sustentado a necessidade de se apurar o que nos tem custado o nosso dominio de alem-mar, nos ultimos vinte e cinco annos, e converter essa somma em titulos de divida externa, passando a cargo de cada provincia aquillo que ella realmente tenha custado á metropole.

(Interrupção do Digno Par Costa Lobo que se não ouviu).

Admittindo mesmo que ficassemos sem colonias, ficariamos igualmente sem as dividas que a ellas pertencessem. O preciso e indispensavel é que saibamos administrá-las, e collocá-las em condições de corresponderem ás imperiosas exigencias da civilização.

Para isto requer-se capacidade governativa.

Este assunto tem diversos pontos de vista por onde possa ser encarado; mas em todo o caso convem que se não inverta ou desfigure o que está dizendo.

Parto do principio de que nós temos capacidade para administrar as nossas colonias, e, por consequencia, temos assim garantida a nossa propriedade, de que ninguem nos pode esbulhar.

Não quero dar por terminadas as minhas considerações sem alludir a um outro assunto, que se prende directa e intimamente com a governação publica.

O momento actual é singularmente grave, para que possamos continuar no regime de mystificações, de convencionalismos, de ficções, em que por largo espaço de tempo temos andado.

A continuação de um tal estado de cousas aproxima-nos cada vez mais de abysmos, em que nem quero pensar.

As responsabilidades da conjuntura presente pertencem ao Governo, e aos dois partidos politicos que o apoiam. (Apoiados).

Não enfileire ao lado dos que defendem essas organizações politicas; mas tambem não me incluo no numero dos que contra ellas assestam as suas melhores baterias.

Encontrando-me em uma situação completamente á parte, varro a minha testada, e digo aos que governam, que teem obrigação de ouvir tudo o que se tem dito, e o que se tem de dizer nas duas casas do Parlamento sobre os importantes problemas da administração do Estado.

Pela parte que me respeita, continuarei expondo o que penso acêrca d'esses problemas, segundo o que o meu criterio e a minha consciencia me ditam, e com a seriedade de caracter, que ninguem pode pôr em duvida.

D'esta vez, dou por concluidas as minhas considerações. (Vozes: - Muito bem)

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Dias Costa: - Sr. Presidente: uso da palavra, unicamente por homenagem e grata homenagem ao Digno Par o Sr. Jacinto Candido, de quem sou amigo ha muitos annos e cujas qualidades intellectuaes e de caracter eu admiro e respeito.

Não defendo o projecto, porque S. Exa. não o impugnou.

O Digno par sustentou e defendeu o principio de que organização do exercito e a organização da armada devem ser solidarias com relação ao plano da defesa nacional.

Sobre tal assunto já o Sr. Ministro da Guerra, em uma das passadas sessões, declarou, que no campo doutrinario concorda com a ideia de S. Exa., mas difficil se torna transferi-la para o campo pratico, visto ser necessario attender, primeiro que tudo, ao estado do Thesouro publico. Nenhuma nação pode deixar de olhar para este factor importante, quando trate da organização da sua defeza.

Como todos os Dignos Pares comprehendem, a defesa nacional pode estabelecer-se por varios planos, mas em nenhum d'elles é dispensavel obedecer-se essencialmente ao ponto capital, que é a situação financeira do Estado.

O Sr. Jacinto Candido chamou a attenção do Sr. Ministro da Marinha, para o que de bom se poderia aproveitar das conferencias que teem sido feitas na Liga Naval por distinctos officiaes da marinha.

Sobre isto direi que estou convencido que S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha, que é um dos officiaes mais briosos da armada, ha de ter em consideração os trabalhos realizados pelos seus camaradas.

Deve no entanto ponderar-se que quem elabora certos trabalhos technicos olha a todas as circunstancias theoricas e praticas, menos ás difficuldades que proveem para a sua execuçcão, pelas circunstancias do thesouro, que não

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são faceis de remediar de um momento para outro.

A essas difficuldades tem de attender o Governo.

Os Governos viram-se muitas vezes na necessidade de admittir operarios nas officinas do Estado, não por obediencia a quaesquer imposições politicas, como por vezes se pretende insinuar, mas para acudir a crises de trabalho, para não lançar dezenas de operarios na miseria.

Ora o Digno Par sabe muito bem que repugna sempre ao nosso espirito qualquer acto que tenha este resultado.

O Sr. Jacinto Candido: - Mas eu entendo que os direitos adquiridos pelos operarios devem ser respeitados. Está isso expresso num projecto que tive a honra de mandar para a mesa.

O Orador: - As ideias do Digno Par são muito boas em absoluto, mas de muito difficil execução, por isso que lutavamos com difficuldades se tratassemos de as pôr em pratica.

O que é fora de duvida é que por mais que se reformem os serviços de marinha é sempre difficil, de um dia para o outro, remediar males que já veem de muito longe.

O Digno Par chamou tambem a attenção do Sr. Ministro da Marinha para a questão da descentralização. Deseja S. Exa. a descentralização colonial. Eu tambem não deixo de concordar com S. Exa. sobre este ponto, mas entendo que os principios da descentralização não são aplicaveis a todos os ramos de administração publica.

Creia o Digno Par que, desde o momento em que os homens se convençam que devem olhar pela fazenda do Estado com igual ou ainda maior dedicação do que pela sua propria, desde esse dia deixa de ser necessaria a descentralização.

Não se pode entrar na descentralização de um momento para o outro. Precisamos caminhar com prudencia.

Referiu-se o Digno Par, em seguida á autonomia do Arsenal e de outros es tabelecimentos.

Pelo que diz respeito a esse assunto, eu entendo que devemos olhar primeiro ás circunstancias financeiras do Estado. Não nos devemos metter em empreendimentos que não possamos levar a cabo.

Tratou o Digno Par tambem das nossas colonias, e, referindo-se ao Sr. Ministro da Marinha, teceu-lhe os mais rasgados elogios, aliás merecidissimos pelos relevantes serviços que S. Exa. tem prestado ao seu país.

Associo-me a essa homenagem, prestada a um homem a quem me prendem laços de verdadeira estima, a um distincto official da nossa armada, que, no Rio de Janeiro, guiado unicamente por sentimentos altruistas, praticou um acto que muito nobilitou o seu nome e engrandeceu o país. (Apoiados).

Referiu-se depois o Digno Par á descentralização administrativa do ultramar, dizendo que é preciso transformar completamente o modo de ser, economico, financeiro e administrativo das provincias ultramarinas.

Francamente, não attingi muito bem qual o objectivo do Digno Par, mas afigura-se-me que S. Exa., a este respeito, é mais radical do que o proprio Digno Par o Sr. José de Alpoim.

O Sr. Jacinto Candido: - Eu lembro a V. Exa. que desde 1902 que sustento as ideias de descentralização.

Nesse tempo o Digno Par o Sr. José de Alpoim estava ligado com V. Exa. e defendia a politica progressista.

Estas ideias não foram iniciadas pelo Digno Par Sr. José de Alpoim.

O Orador: - Todavia, eu creio que V. Exa. terá muita honra em ter por discipulo o Digno Par o Sr. José de Alpoim.

S. Exa. quer uma divida especial para as colonias.

O Digno Par, em seguida disse que queria que as dividas das colonias fossem representadas por titulos externos, porque mais tarde, se perdessemos as colonias, não ficavamos com as dividas d'ellas.

Sr. Presidente: eu não pertenço ao numero d'aquelles que estão constantemente fazendo castellos no ar; não sigo neste ponto, como esses outros, o optimismo de Pangloss; mas a verdade é que Portugal, nos ultimos 30 annos, a despeito dos seus fracos recursos, tem envidado todos os seus esforços no sentido de desenvolver a situado das suas colonias, por maneira a causar a admiração de todos.

A verdade é que tem sido verdadeiramente assombroso esse esforço, e não é menos verdade que uma grande parte dos encargos que hoje pesam sobre a nação resultam exactamente do emprego dos meios a que se tem recorrido, para alcançar o desenvolvimento das colonias.

Se Portugal perdesse uma das provincias ultramarinas perderia uma parte do territorio nacional, e a divida continuava a mesma, e sempre a cargo da nação.

Não vale a pena insistir neste ponto, e haja para isto em vista o que succedeu em Espanha e no Brasil, quando elle se declarou independente.

O Digno Par, por fim, fez uma affirmação politica verdadeira, e disse que a responsabilidade do momento presente pertence ao Governo e aos partidos que o apoiam.

O Governo não foge a essa responsabilidade, e os partidos, pela voz dos seus leaders, mostram-se solidarios na acção do Governo; mas ha mais. A responsabilidade pela acção do Governo cabe tambem ao povo português, que dispensa o seu apoio ao actual Governo, porque entende que elle tem mantido as liberdades publicas, administrado com economia, que tem cumprido religiosamente o seu dever, e que procura resolver conscienciosamente as questões mais graves.

O Governo não podia cumprir a sua missão se não tivesse a seu lado a opinião publica.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Havendo dois Dignos Pares que manifestaram desejo de falar antes do encerramento da sessão, e não estando na minha mão prorogá-la, afigura-se-me conveniente dar a palavra a S. Exas.

(Pausa).

Como ninguem se oppõe a este meu alvitre, dou a palavra ao Digno Par Conde de Arnoso.

O Sr. Conde de Arnoso: - Sr. Presidente: agradeço a V. Exa. e á Camara o ser-me concedida a palavra nesta sessão, porque pode o meu estado de saude forçar me a não comparecer na proximo sessão.

O Sr. Presidente do Conselho, com o seu costumado ar de enfado e depois de dizer que transmittiria as minhas palavras ao seu collega das Obras Publicas, murmurou indistinctamente umas palavras, obrigando-me, como invariavelmente me succede sempre que S. Exa. me responde, a pedir-lhe o favor de as repetir. Foram ellas textualmente, como acabo de as pedir ás notas tachygraphicas, as seguintes:

«O Digno Par é o unico a pensar que o Sr. Juiz de Instrucção Criminal não cumpre o seu dever».

Sr. Presidente: a Camara e o país sabem o que penso do Sr. Juiz de Instrucção Criminal pelas referencias que tenho feito em successivos discursos que nesta Camara tenho tido a honra de pronunciar. Ora hoje nas considerações que fiz, só accidentalmente me referi ao já tão celebre inquerito.

O que as minhas palavras exprimiam não foi o que S. Exa. disse á Camara quando me respondeu, mas sim que o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino não cumpria o seu dever, o que é bem differente.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira

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SESSÃO N.° 29 DE 22 DE JULHO DE 1908 11

do Amaral): - Começo por declarar que o meu metal de voz não varia pelo tacto de ter de responder ao Digno Par. Fiz sempre a diligencia por ser ouvido, e não é, recorrendo a qualquer abaixamento de voz, que pretendo fugir á responsabilidade das palavras que pronuncio, e tanto é assim que, sempre que a isso me forçam, reproduzo, por maneira a não offerecer duvidas, quaesquer argumentos adduzidos.

O Digno Par entende que na questão do inquerito o Governo, e principalmente o Ministro do Reino, não tem cumprido o seu dever.

Suppuz que S. Exa. se havia referido ao procedimento do Sr. juiz de instrucção criminal. Se assim fosse, diria que, emquanto não exonerar esse funccionario da commissão que elle está exercendo, todos os actos que elle praticar são da responsabilidade do Governo.

Direi ao Digno Par a quem respondo que o Governo faz toda a diligencia para que o inquerito continue, e continuará até que se apure a verdade.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Sousa: - Pedi a palavra para fazer uma rectificação á parte final das explicações trocadas entre mim e o Sr. Ministro da Justiça na sessão anterior.

Mando por escrito essa rectificação para a mesa, e o Sr. Presidente dar-lhe ha o seguimento que entender.

A rectificação é do teor seguinte:

«Peço a rectificação do Summario da sessão de sabbado, na parte em que o Sr. Ministro da Justiça e Teixeira de Sousa pela ultima vez intervieram no debate, conformo o que a imprensa periodica registara, incluindo o Diario Popular, orgão do partido regenerador. = Teixeira de Sousa» 1.

O Sr. Presidente: - Dando para ordem do dia de sexta feira 24 a continuação da que vinha para hoje e mais os pareceres nos. 13, 14 e 15, levantou a sessão.

Eram 5 horas e 5 minutos.

Os Annaes nos. 28 da sessão de 18 de julho ficam redigidos em harmonia com a rectificação que foi explanada no final do Summario nos. 29.

Dignos Pares presentes na sessão de 22 de julho de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Eduardo de Serpa Pimentel; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Lagoaça, de Sabugosa; Viscondes: de Algés, de Asseca, de Athouguia, de Monte-São; Moraes de Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Eduardo Villaça, Costa e Silva, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Vasconcellos, Carlos Palmeirim, Eduardo José Coelho, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco de Serpa Machado, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Batispta de Andrade, Jacintho Candido, D. João de Alarcão, João Arrojo, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Luciano Monteiro Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,

FELIX ALVES PEREIRA.

Representação dos aspirantes da Repartição de Fazenda do concelho de Braga, enviada para a mesa pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido.

Dignos Pares do Reino da Nação Portuguesa. - Confiados no elevadissimo criterio de V. Exas., que por certo não deixarão de attender ás reclamações justissimas d'aquelles que, no meio de um laborrinsano, vêem tão mal remunerados os seus serviços, ousam os abaixo assinados, aspirantes da repartição de fazenda do concelho de Braga, representar perante V. Exas. para que se dignem levantar a sua voz autorizada em prol da nossa causa, que é santa, porque é a d'aquelles que lutam pela vida.

Dignos Pares do Reino: é a classe dos empregados de fazenda aquella que mais trabalha e que mais serviços presta ao país, e, comtudo, é tambem a mais mal remunerada, attentas as horas extraordinarias de trabalho que lhe são impostas, sem qualquer aumento no magro vencimento mensal que os seus membros percebem.

Não podem por forma alguma os referidos empregados, com o exiguo ordenado que recebem, prover á sua conveniente sustentação e de sua familia, nem tão pouco apresentarem-se em publico e no desempenho do seu cargo com aquella decencia exigida pela sua posição social.

Por todo o serviço ordinario durante as horas regulamentares e pelo extraordinario que é em quasi todos os dias e por longas horas, recebem os abaixo assinados, livres dos respectivos descontos, apenas 19$306 réis os l.os. aspirantes e 13$135 réis os 2.os aspirantes. E são estes os que mais valiosos serviços prestam ao país; são elles a quem mais sacrificios se exigem; aos seus trabalhos se deve a cobrança das contribuições geraes do Estado e a de todas as receitas eventuaes, e devendo ter um perfeito conhecimento da legislação respectiva são obrigados a um estudo aturado e continuo.

Não ignoram V. Exas. que os empregados da area da cidade do Porto teem um subsidio para renda de casas, estando portanto em condições mais favoraveis que os signatarios, cujo mal estar aumenta com a obrigação do pagamento da contribuição de renda de casa, obrigação esta que não affecta os empregados da fiscalização dos impostos.

A abolição do imposto de rendimento nada favoreceu a classe, portanto, que apenas dá um aumento mensal de 50 réis para os 2.os aspirantes e de 170 réis para os l.os aspirantes.

A nossa classe está tão esquecida que os empregados dos Ministerios das Obras Publicas e Guerra gozam da redacção de 50 por cento nos bilhetes de passagem dos caminhos de ferro e nós não desfrutamos semelhante beneficio, apesar de possuirmos, como elles, bilhetes de identidade.

Justo é portanto que gozemos tambem d'aquella reducção.

Dignos Pares do Reino: não vimos implorar aumento de ordenado, porque o Governo allegará que a nossa pretensão, posto que justa, não pode ser attendida, em virtude de não o permittir o cofre do Estado: mas o que pedimos e imploramos é que sejam asseguradas algumas garantias á nossa classe tão desprotegida.

Resumindo:

1 ° Isenção completa do pagamento de contribuição de renda de casas e bem assim dos impostos do municipio, de junta de parochia e quaesquer outros impostos annexos ou presumiveis.

2.° Reducção de 50 por cento nos bilhetes de passagem do caminho de ferro, em 2.ª classe, mediante a apresentação do respectivo bilhete de identidade, o qual já possuimos.

3.° Subsidio para o pagamento da renda de casas, identico aos collegas da area do Porto, podendo sair esta insignificante quota de uma pequena percentagem sobre a cobrança do Estado, sem que assim vá affectar o Thesouro.

Por tudo isto vêem V. Exas. que o nosso appello não é infundado, que a nossa causa é verdadeiramente justa e digna de ser apoiada e defendida por V. Exas.

Exposta assim, humilde e respeitosamente em resumo a nossa pretensão, esperamos que V. Exas. envidarão os seus esforços para que sejamos attendidos em tão justa causa.

Dignem-se, pois, V. Exas. apresentar na Camara esta representação, e insistir para que seja deferida no mais curto lapso de tempo. - E. R. M.

Braga, 8 de junho de 1908. = Manuel dos Santos Ennes Ramos, 1.° aspirante = Dommingos Miguel da Cunha Velho. 1.° aspirante = José Maria da Torre Lopes Vianna, 2.° aspirante = Sebastião José do Lumiar Ramos, 2 ° aspirante.

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