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lencia; porque não me e possivel fallar de outro modo.
O Digno Par começou por declarar, que eu lhe respondêra com muito desabrimento; mas entendo que foi o contrario, porque S. Ex.ª me tinha feito a maior injuria que se póde fazer a um homem publico, e eu respondi com toda a moderação a essa injuria. Peço ao Digno Par, que já tem occupado altos cargos neste paiz, e occupa ainda, que veja senão é injuria dizer-se a um Ministro — que elle n'um acontecimento notavel não obrou segundo a sua consciencia, mas foi arrastado ao acto que praticou por uma pressão qualquer. — -Eu pergunto a S. Ex.ª se esta accusação, que me foi dirigida por S. Ex.ª, não era a mais grave que podia ser feita a um Ministro?
O Digno Par não devia pois estranhar que eu respondesse a esta accusação, mas o que noto 6 que S. Ex.ª a viesse repetir depois da minha resposta, e ainda com circumstancias mais aggravantes, e desse ao seu pensamento o desenvolvimento que não tinha dado a primeira vez que fallou sobre este assumpto.
Quando esta accusação me foi feita, eu respondi, que em quaesquer circumstancias, ou como homem publico, ou como particular, em que me achasse, eu não obrava nunca senão segundo os impulsos da minha consciencia; que me podia enganar, e me linha enganado muitas vezes; mas insisti então, e repito hoje, que eu era o homem menos proprio para soffrer pressões, e que S. Ex.ª de quem eu já tive a honra de ser collega duas vezes no Ministerio, seria o homem, para cujo testimunho appellaria a este respeito. Accrescentei, que talvez não faltasse (eu não) quem explicasse a opposição, que se me fazia, pela convicção em que se estava de que eu não era capaz de ceder a pressões: masque eu continuaria a obrar sempre do mesmo modo: que quando saisse do Ministerio podia ter perdido alguns amigos, que isso não me magoava, porque aquelles que perdia eram falsos amigos, e teria ganhado outros novos, que me compensavam da sua perda. Pergunto á Camara, e a todos os homens imparciaes que me ouvem, se respondendo assim, eu não usei do direito que tinha para me defender de uma accusação immerecida, e que me foi dirigida por quem não tinha direito de a fazer? E se respondendo assim, eu linha dito que voltei as costas aos meus antigos amigos?
Disse, e repeti, que eram falsos amigos aquelles que me queriam obrigar a obrar contra os dictames da minha consciencia, e repito ainda mais; mas não fiz allusão senão a quem estava nestas circumstancias. — O Digno Par cabe que eu não volto nunca as costas aos amigos, principalmente nas circumstancias difficeis: entretanto quando os meus amigos não querem o que eu quero, vão para onde eu não quero ir, são elles os que de mim se separam, e me obrigam a continuar o meu caminho sem a sua companhia. Por muito que eu respeite os homens, respeito ainda mais os principios. Posso comtudo asseverar ao Digno Par, e faça-o com prazer, que a maior parte dos meus antigos amigos, quasi todos, estão aonde eu estou. Faço votos para que venham associar-se comnosco os que ainda se adiam separados de nós, mas isso depende delles, e não de mim.
A Administração actual e uma administração conciliadora: a Administração actual é uma administração tolerante; a Administração actual e uma administração que em todos os seus actos não pergunta a ninguem donde vem, mas para onde vai, e tem chamado todos os homem de boa vontade, sem querer saber qual e a sua côr politica, e tracta de os collocar nos logares que podem exercer pelo seu merito. Por consequencia associando-me aos cavalheiros que compõem esta Administração, não fiz mais do que seguir o pensamento, que tem sido o movel de todas as minhas acções desde que entrei na vida politica. — O Digno Par sabe, que quando fiz parte do ultimo Ministerio, a que S. Ex.ª presidiu, foram estes sempre os principios que segui, e lembro-me agora, entre outros, a nomeação que fiz para um cargo de fazenda, de um homem que tinha estado em 1847 ás ordens do Sr. Conde de Mello, nomeação pela qual fui muito censurado, mas que eu mantive, porque o nomeado era digno della. Portanto não e de hoje que sigo este principio.
Entrei bem moço na vida publica, e nessa época era o thema favorito de certa gente fazer a guerra aos homens que tinham sustentado o partido caído. Cumpri religiosamente, como magistrado, a amnistia generosa que lhes tinha sido dada pelo Imperador, de saudosa memoria. Pouco depois fui nomeado Governador civil d'Evora, e todos sabem como me comportei alli. Aquelles que nessa occasião me censuravam pelo meu comportamento, e que queriam medidas de exterminio, foram depois associar-se com os homens desse partido para me combaterem. Hoje ousam ainda chamar-me contradictorio, quando eu obro hoje como obrava então, e elles sustentam hoje as doutrinas que proclamam, com a mesma violencia com que as combateram n'outra época.
Chamando honestos aos homens que compõem esta Administração, e aos homens que a sustentam, quiz recordar, segundo o Digno Par, a denominação de corruptos, dada aos homens que fizeram parte do ultimo Ministerio, que S. Ex.ª presidiu, e aquelles que sustentavam esse Ministerio. É na verdade uma accusação que eu não merecia a S. Ex.ª, porque o Digno Par sabe que eu fiquei em Portugal em 1851, e que tive a coragem de levantar sempre a minha voz em favor de S. Ex.ª, quando os seus actuaes amigos entravam no numero dos seus mais encarniçados perseguidores, e o Digno Par sabe a que perigos eu me expuz nessa occasião para o defender. — Portanto, S. Ex.ª devia ser um pouco mais agradecido para com um homem que levou a religião da lealdade ao ponto de estar sempre prompto a sacrificar-se por S. Ex.ª
Quando eu entrei nesse Ministerio fui cortejado por certos homens, que julgavam que eu era capaz de me aproveitar dessa posição para provocar a queda politica de S. Ex.ª: quando se desenganaram de que eu não praticaria esse acto, voltaram-me as costas. Hoje estão unidos a S. Ex.ª contra mim. Mas S. Ex.ª ha de permittir-me que eu me comporte hoje, a respeito dos homens com quem estou unido, com á mesma lealdade com que me comportei a respeito de S. Ex.ª
Tanto eu nunca volto as costas aos meus amigos que as minhas amisades nunca são alteradas pela politica. Conheço homens, que só são amigos de quem está com elles no mesmo campo politico: detesto este systema. Os meus amigos particulares podem combater-me politicamente, sem que por isso eu rompa com elles, continuo a fazer justiça do mesmo modo ao seu merecimento, e concedo-lhes a mesma liberdade, que quero para mim. Em prova disto podia citar muitos nomes, mas citarei só o de um homem de quem sou amigo ha muitos annos, é o Sr. Visconde de Athoguia: quantas vezes nos não temos encontrado em campos diversos sem que por isso tenham sido nunca alteradas as relações de affecto e de mutua consideração que existem entre nós! Podia dizer o mesmo a respeito de outros cavalheiros, que me ouvem, mas cujo testemunho não posso invocar agora, porque não tem voz nesta Camara.
Parece-me, Sr. Presidente, que expliquei bem o sentido em que fallei nesta casa, e que destrui a interpretação que o Digno Par deu ás minhas expressões entretanto a pezar do desejo, que tenho de deixar este assumpto não posso deixar de responder ainda a outra accusação, que me foi feita por S. Ex.ª a de que eu estava no cume da montanha. — Esta acusação não a esperava eu do nobre Conde. Eu no cume da montanha! Quando me encontrou S. Ex.ª lá? Ha allusões, que nunca deveriam ser feitas por certos homens, porque podem provocar tristes represalias. Quaes são os actos que tenho praticado, não agora, mas quando havia montanha nesta terra, que justifiquem esta accusação? Ha de ser difficil a S. Ex.ª appresentar esses actos. Eu estou no cume da montanha estou lá soninho, porque hoje não ha montanha em Portugal. Mas, torno a perguntar, pratiquei eu, praticou este ministerio um só acto, que provocasse esta accusação? Mereceu-a sobre tudo depois da crize ministerial, que teve logar em Janeiro ultimo?
Quando nessa occasião o Sr. Presidente do Conselho veiu declarar, que Sua Magestade não tinha aceitado as demissões, que haviamos dado, o Digno Par disso que nos agradecia o sacrificio, de continuar no ministerio, e que esse acto nas circumstancias actuaes era um acto de abnegação que por muitos defeitos que tivessemos, eramos melhores do que aquelles que se dizia, que nos pertendiam substituir. (O Sr. Conde de Thomar— Não foi isso.) Disse-se aqui, que o Ministerio linha dado a sua dimissão, e alludiu-se nos termos, em que me exprimi, ao cavalheiro, que fóra encarregado de formar outra administração, e ás pessoas, que se dizia, que a compunhão. (O Sr. Conde de Thomar—Peço a palavra.) Parece-me que os cecos desta casa podiam ainda repetir que o Digno Par veiu agradecer aos homens, que formam a administração actual, por terem continuado á frente dos negocios publicos, embaraçando a entrada daquelles cavalheiros. Hoje não sei que motivo levou S. Ex.ª a mudar de opinião, e a ligar-se tão intimamente com o Digno Par, contra quem se exprimiu de uma maneira tão cathegorica, para nos fazer a guerra violenta, que a Camara está vendo, e por isso empraso ao nobre Conde para que diga qual é o facto praticado por esta administração d'aquella época até agora, isto é, ha mez e meio a esta parte, que podesse levar S. Ex.ª a mudar de opinião a nosso respeito, e a renovar as suas relações, que então ficaram votas, com o mesmo Digno Par, que parecia ter sido chamado a substituir-nos, e que tanto se empenha em derrubar cote ministerio. Não digo, que commette com isso um crime, mas ha sempre neste facto alguma cousa de incoherente, que merece ser explicado á Camara. Peço á Camara um milhão de desculpas por ter vindo a este campo, mas fui forçado a entrar nelle, o carecia de me explicar, depois das accusações violentas, que me foram feitas.
Agora, Sr. Presidente, em relação á materia muito menos tenho a dizer, porque a materia está esgotada; mas observarei que, tendo o Digno Par o Sr. Conde da Taipa convidado o Ministerio a pôr termo a esta questão, apresentando na outra Camara um projecto de lei, notei que esta proposição do Digno Par foi acolhida com geraes apoiados na Camara; e notei mais que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar disse, que o Sr. Conde da Taipa déra nisto uma prova do seu Ministerialismo, porque viera offerecer a esta administração o unico meio de se salvar. O Digno Par, esqueceu-se então de que antes havia declarado, que ainda mesmo que na outra Casa do Parlamento fosse apresentado um projecto de lei a este respeito, a Camara dos Dignos Pares não suspendia a sua resolução (O Sr. Conde de Thomar. — Não me esqueceu). Perguntarei então ao Digno Par, o que ia fazer o projecto á outra Camara?
Ou esse projecto dá á Carta a interpretação, que lhe dá a Governo, ou lhe dá a interpretação, que lhe dá a Camara dos Dignos Pares; no primeiro caso não póde o Governo ter grande difficuldade em apresental-o; mas se esta Camara mantem a sua resolução, mesmo quando a outra Casa do Parlamento se tenha pronunciado n'um sentido opposto, é claro que chegando esse projecto a esta Casa, a Camara dos Dignos Pares rejeita-o. O que é então que se ganha com isto? Não fica, pelo menos, a resolução d'esta questão addiada por muito tempo?
Eu entendia que a opinião do Sr. Conde da Taipa era outra. Disso S. Ex.ª «ó preciso lei, e sendo preciso lei, deve o Governo propol-a na Camara dos Srs. Deputados.» D'aqui inferi, e infiro ainda, que S. Ex.ª entende, que visto que é necessario lei, a Camara dos Dignos Pares tomou uma resolução, que não podia tomar, e que por consequencia uma vez apresentada a respectiva Proposta na outra Camara, ficava suspenso o effeito da decisão d'esta Camara, até que os tres ramos do podér legislativo interpretassem authenticamente o artigo 31 da Carta. Entendida assim, como eu a entendo, a opinião do Sr. Conde da Taipa, não tenho duvida em declarar, que me conformo com ella.
Não percam de vista os Dignos Pares, que a resolução tomada por esta Camara tem todos os caracteres de uma lei, que obriga não só esta Camara e o Governo, mas obriga tambem a outra Casa do Parlamento. No parecer da Commissão de Legislação não se trata de resolver a questão unicamente em relação aos Conselheiros de Estado que são Pares do Reino, decide-se, note-se bem, decide-se, palavras formaes, que os Conselheiros de Estado, membros das suas Camaras, não podem accumular as suas funcções legislativas com os cargos que exercem de Conselheiros de Estado, sem licença da respectiva Camara. É pois uma resolução tomada para os dous ramos do podér legislativo, sem questão nenhuma. Ora, nisto é que está a duvida do Governo, duvida a que os Dignos Pares que tenho fallado na que estão fugiram sempre de responder; porque S. Ex.ªs do que trataram foi de provar, que os Conselheiros de Estado no exercicio das funcções administrativas deviam estar na regra geral dos outros empregados, e o Governo não trata d'essa questão; e que o Governo pergunta é— póde a Camara dos Dignos Pares por uma resolução sua interpretar um artigo da Carta? A esta questão é que eu desejava que se viesse. O governo não tracta do merito da doutrina, que póde ser muito boa, trata do meio porque os Dignos Pares a querem levar a effeito.
E permitta-me V. Ex.ª que eu agora diga que houve um grande equivoco, quando se imputou ao Governo a intenção de vir propôr a esta Camara que reconsiderasse a sua decisão. O Governo nem tal propunha, nem precisava disso, o que disse foi — mantenha a Camara a sua resolução, mas mande-a como proposta de lei para a outra Camara. Em que está aqui a reconsideração? Não a vejo.
O Governo não póde dizer á Camara senão aquillo do que elle está convencido; o Governo intende, que esta questão só póde ser resolvida por uma lei, e n'esta conformidade, diz á Camara dos Dignos Pares—pois que esta resolução se não póde tomar sem o concurso dos tres ramos do podér legislativo dê a Camara dos Dignos Pares á sua resolução a fórma de projecto de lei, e mande-o para a Camara dos Srs. Deputados.
Não venham portanto os Dignos Pares dizer que o governo quer fazer passar a Camara por baixo das forcas caudinas, são os Dignos Pares, que querem obrigar o governo a isso; que querem por força que o Governo reconheça como lei a resolução que a Camara tomou, e que a Camara dos Srs. Deputados e a Corôa reconheçam tambem como Lei essa decisão, abdicando as prerogativas, que lhes dá a Carta para a formação das leis.
Dizem os Dignos Pares, que eu fallei de conflicto com a outra Camara quando tal conflicto não existe.
Eu fallei da possibilidade desse conflicto, não disse que elle existia, porque ainda não o ha, mas é possivel que o haja. Pois se a Camara dos Srs. Deputados insistir tambem em dar ao artigo da Carta a interpretação que até aqui lhe tem dado, pergunto, não ha conflicto entre as duas Camaras? Mas, dizem os Dignos Pares: que tem uma cousa com outra? Pois porque eu sou Conselheiro de Estado, e membro da Camara dos Srs. Deputados, hei de ser obrigado a accumular as funcções de Conselheiro do Estado com as funcções legislativas, e um Digno Par que é Conselheiro de Estado, esse tem a liberdade de dizer que não quer accumular? Não póde ser; o artigo da Carta não póde ter duas interpretações, uma para a Camara dos Srs. Deputados, e outra para a dos Dignos Pares. Isto não é possivel sustentar-se.
Eu disse que o artigo 31.° da Carta foi sempre interpretado em sentido opposto áquelle que se lhe dá agora, e posso tambem asseverar aos Dignos Pares, que tenho ouvido muitos homens competentes, muitos Jurisconsultos dos mais babeis deste paiz, e todos me disseram, que a este respeito não podem haver duas opiniões, e que estão de accôrdo com a opinião, que eu tenho sustentado nesta Camara. Sirva isto de governo aos Dignos Pares que são Jurisconsultos: não julguem que a opinião de todos os Jurisconsultos é a sua: não é.
Sustentou-se tambem, que essa interpretação dada á Carta durante treze annos tinha sido uma interpretação errada, e que esta questão nunca tinha sido tractada no Parlamento. Permitta-me pois a Camara, que diga duas palavras para combater esta opinião.
É inutil lêr os artigos da Carta, que os Dignos Pares conhecem melhor do que eu. O artigo 31.° da Carta prohibe expressamente a accumulação das funcções legislativas com as de qualquer emprego publico; ceio artigo, por consequencia, prohibe em todo o caso, em toda a hypothese, a accumulação das funcções legislativas com as de qualquer emprego, menos as de Conselheiro de Estado, e de Ministro do Estado. O artigo 32.°, conforme com esta disposição, prohibe ao Governo não só o dar a um membro da Camara dos Srs. Deputados uma commissão qualquer, no intervallo das sessões, mas ainda o mandar-lhe exercer o seu emprego, se por ventura essa circumstancia o inhibir de vir funccionar na Camara dos Srs. Deputados durante a sessão ordinaria, ou extraordinaria; e o artigo 33.° offerece uma excepção, não ao artigo 31.°, mas ao artigo 32.°, determinando, que se por algum caso imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do Estado, fôr indispensavel, que algum Deputado saia para outra commissão, a respectiva Camara o poderia ordenar. Aqui tem V. Ex.ª os principios, que se acham terminantemente estabelecidos nestes artigos da Carta. — Primeiro principio — nenhum Par ou Deputado póde accumular quaesquer funcções com as legislativas, excepto as de Conselheiro de Estado, e de Ministro de Estado. Segundo principio— no intervallo das sessões, o Deputado não póde ir para commissão nenhuma, nem emprego, que o inhiba de se reunir no tempo da convocação das Côrtes geraes, ou extraordinarias. O Par fica já fora de combate. Esta disposição só comprehende os Deputados. Terceiro principio—se pôr algum caso imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do Estado, fôr indispensavel, que um Deputado saia para outra commissão, a Camara dos Srs. Deputados póde dar licença para que os seus membros sáiam do seu seio. Veio depois a Lei de 13 de Julho de 1849, referendada pelo Sr. Conde de Thomar, em que se lê o seguinte:
«Artigo 1.º Os Pares do Reino e Deputados ás Côrtes, que forem empregados publicos em Lisboa, poderão accumular, querendo, as funcções do Pares e Deputados ás do emprego que exercerem, quando forem requisitados á respectiva Camara em proposta do Governo por motivo determinado de utilidade publica.
«Art. 2.° As disposições do artigo 33.º da Carta Constitucional são applicaveis aos Pares do Reino.»-
O artigo 1.° desta Lei revogou pois a regra geral estabelecida no artigo 31.º da Carta, que prohibe a accumulação das funcções legislativas com as de qualquer emprego publico, e conservando a excepção estabelecida no mesmo artigo ampliou-o a todos os empregos publicos, permittindo a accumulação das suas funcções com as legislativas, dando-se previamente, para este caso, a licença da respectiva Camara. A experiencia tinha demonstrado, que a regra geral estabelecida no artigo 31.° da Carta punha graves embaraços, que era preciso remover, á administração publica. O artigo 2.° da mesma Lei determina, que as disposições do artigo 33.° da Carta são applicaveis ao Par do Reino; quer dizer — que nos casos imprevistos, de que dependa a segurança publica e o bem do Estado, não é só o Deputado que póde saír da sua Camara, mas tambem o Par do Reino. O Acto Addicional sanccionou esta mesma doutrina.
A convicção que resulta, pelo menos para mim, da comparação destas diversas disposições legislativas, é que tendo a experiencia demonstrado, como disse, que os artigos 31.°, 32.° e 33.° punham graves embaraços á administração publica, tractaram, tanto a Lei de 13 de Julho de 1849, como o Acto Addicional, de remover esses embaraços, de sorte que o parecer da illustre commissão de legislação é ainda anachronico, porque vem em 1858 pôr pêas á acção do Governo, péas que do 1849 até esta parte só se tem tractado do remover.
E agora não posso deixar de responder a uma pergunta feita pelo Digno Par o Sr. Visconde de Algés. Perguntou S. Ex.ª, que tinha a resolução tomada por esta Camara como Governo? Respondo a S. Ex.ª que tem, por quanto até agora o Governo tinha o direito de obrigar os Conselheiros de Estado, que são membros das Camaras, a accumularem as funcções daquelle Cargo ás funcções legislativas, e agora pertendem os Dignos Pares que o Governo seja obrigado a vir pedir ás Camaras licença para que estes funccionarios possam accumular estas funcções; resultando ainda daqui que não só as Camaras podem recusar essa licença, porem até os proprios Conselheiros de Estado se podem recusar a essa accumulação; o que póde dar logar á suspensão das funcções das secções administrativa, e do contencioso administrativo, estando de facto quasi todos os Conselheiros de Estado em ambas as Camaras; inconveniente que só se poderia atalhar com a creação de um numero indeterminado de Conselheiros de Estado, e augmento desta verba de despeza. Em vista disto perguntarei eu tambem agora — nada tem com o Governo a decisão tomada pela Camara?
Disse-se tambem, que esta questão nunca foi tractada no Parlamento. Nego isso. Esta questão não só foi tractada em 189, mas foi-o tambem no Acto Addicional em 1852. Tanto n'uma como n'outra época já funccionavam as duas secções, administrativa, e do contencioso administrativo do Conselho de Estado, e se apesar disso se não determinou nessas Leis, que para funccionarem naquellas secções careciam os Conselheiros de Estado, que fossem Pares ou Deputados, de licença da respectiva Camara, é porque se entendeu, que mesmo naquelle caso estavam comprehendidos na excepção do artigo 31.° da Carta. Cáe assim por terra tambem o argumento empregado no parecer, de que a Carta não podia ter em vista as secções do Conselho de Estado, que não existiam ainda; porque essas secções já funccionavam, havia sete annos, quando foi promulgado o Acto Addicional, e nem por isso depois deste diploma foi dada á Carta Constitucional interpretação diversa da que se lhe déra até alli.
Nem esqueça que o Acto Addicional foi proposto á Camara dos Senhores Deputados por um Ministerio em que havia dois Conselheiros de Estado. É tambem sabido que nessa redacção cooperou um dos mais conspicuos membros desta Camara, que era Conselheiro de Estado, e que infelizmente já não vemos aqui, o Sr. Manoel Duarte Leitão: á penetração do S. Ex.ª e dos Ministros dessa época não podia de certo escapar esta hypothese, e far-se-lhes-ia grave injuria suppondo-se que ella lhes não occorreu.
Se pois nem em 1849, nem em 1852 se fez a excepção que se pertende agora, e se antes e depois dessas épocas foi sempre interpretada a Carta Constitucional, como eu a interpreto, e unanimemente, quer pelo Corpo legislativo, quer pelo Governo, quer por todos os homens publicos, durante o já longo espaço de tres annos, sustento que não é possivel que esta interpretação unanime possa ser alterada senão por uma lei.
Imagine V. Ex.ª ainda, como já ponderei, que um grande numero do Pares do Reino eram Conselheiros de Estado, e que na occasião em que o ' Governo viesse pedir licença para elles poderem