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legislador; e uma e outra Camara dentro da orbita do seu podér domestico.
O Sr. Ministro da Fazenda disse que o Acto addicional e a lei de 1849 tinham revogado a Carta (O Sr. Ministro da Fazenda—É o artigo 31.°). Permitta-me S. Ex.ª que eu lhe diga, como já disse sobre a interpretação doutrinal e authentica, que o seu argumento labora em alguma confusão sobre a palavra revogação tomada no sentido juridico ou legal. A regra, a respeito da accumulação dos empregos publicos, pelos membros das duas casas do Parlamento, durante as sessões legislativas, subsiste segundo a letra da Carta Constitucional, segundo o seu espirito, e segundo a sua philosophia politica; e já eu apresentei as razões com que se justifica a mesma regra, as quaes se fundam sobre a incompatibilidade reconhecida assim na mesma Carta, entre o serviço parlamentar e o funccionalismo exterior.
Que fez a Lei de 1849 e o Acto addicional? Modificou sómente essa prohibição, e modificar é muito differente de revogar (apoiados). Por tanto a carta subsiste, e para se lhe fazer alteração neste ponto, restricta aos empregados na capital, ficou sendo preciso o concurso de tres vontades: no governo, na Camara, e nos empregados.
Nesta modificação precede a vontade do governo, vindo á Camara pedir a licença; é o juiz da utilidade que della póde virão serviço publico, no que tambem deve ser zelador das conveniencias do serviço parlamentar, para que os corpos legislativos funccionem como devem, com perseverança e assiduidade.
Segue-se no concurso uma segunda vontade, dependente da annuencia da respectiva Camara, porque se o governo é o juiz da necessidade do serviço publico, e zelador da conveniencia de exercicio parlamentar; a respectiva Camara é juiz especialissimo das suas proprias necessidades, e cada uma dellas tem por tanto o direito de conceder ou de recusar ao governo em globo taes licenças, ou parcialmente a respeito deste ou daquelle de seus membros cuja falta entender póde mais ou menos prejudicar aos trabalhos.
É precisa ainda no concurso a vontade individual do empregado que o governo requisita, por que este e tambem juiz das suas forças, e ninguem melhor que elle póde consultar a sua consciencia, para se decidir a accumular o serviço.
O Acto addicional não revogou neste ponto a Lei de 1849; porque a sua disposição é toda permissiva e não obrigatoria; e assim depois de admittida pela Camara a requisição do governo, ainda resta a liberdade do empregado publico para adherir ou não ao pedido de governo.
O Sr. Ministro da Fazenda, e o Sr. Ministro das Obras Publicas quizeram continuar a tirar argumentos do silencio de treze annos a respeito desta questão.
É um argumento a que já se tem respondido, e não esperava ouvil-o repetir, e até com alguma graça, que muitas vezes acompanha o Sr. Ministro das Obras Publicas.
Não é a mim que toca responder a S. Ex.ª mas ao Sr. Visconde de Algés a quem se referiu, mas não posso dispensar-me de dizer, que o Sr. Ministro teve muito pouca razão em quanto pareceu assim dar menos força á Lei de 18 de Agosto de 1769, por ser do seculo passado.
Sr. Presidente, aquella Lei contém o desenvolvimento de principios doutrinaes, que o volver dos seculos não ha de prejudicar, e as Leis, ainda que sejam do seculo passado, ou tenham tres e mais seculos, são Leis do paiz em quanto não forem revogadas. (O Sr. Visconde de Algés— Apoiado.)
Esta Lei tem sido justamente considerada como luminosa, e muito conveniente sempre na sua applicação; e na sua conformidade não ha nenhum abuso, nenhuma pratica em contrario, que possa derogar uma Lei em quanto não fôr revogada por outra Lei. Alli se declara, que nem a tolerancia nem o silencio do legislador póde ser considerado como meio de revogação ou derogação.
Se estes principios eram os verdadeiros, os legislados, sob o regimen absoluto, serão elles sem força sob o regimen constitucional?
Disse-se mais, e com a mesma graça: que esta discussão é notavel, por que não precedeu á votação, mas veio depois della. É verdade que não houve discussão sobre o parecer da commissão de legislação, porque a Camara entendeu, que este negocio era simples e não carecia de discussão (apoiados).
Foi um Digno Par, que trouxe este objecto á discussão? Tambem digo que não. S. Ex.ª reduziu-se a fazer uma pergunta ao Governo, em fórma de interpellação, desejando uma explicação sobre o motivo porque não funccionavam os Conselheiros de Estado que eram membros desta Camara. Foi, pois, o Sr. Ministro da Fazenda, que saíndo dos termos da interpellaçao trouxe para o campo da discussão o que se tinha passado em uma conferencia particular, e viemos assim todos forçados para esta discussão. Eu vim com grande repugnancia, mas era necessario dar a palavra a quem se via aggredido, e sempre ha fundamento justo para defender o amor proprio, que é offendido pela contestação, quando não se apresentam razões mais fortes em contrario (apoiados).
O outro argumento produzido pelo Sr. Ministro das Obras Publicas sobre a transcendencia da resolução da Camara, em quanto produz o effeito de obrigar o Governo a fazer o que não tem feito nunca, não tem a menor importancia.
Eu já disse que a commissão não teve a menor intenção de pôr pêas ao Governo, e que pelo contrario nada mais quizemos que facilitar ao Governo o exercicio dos deveres que lhe são impostos pela Carta; e se isto é uma obrigação vem da Lei, e a sua applicação vem forçada pela conveniencia do serviço publico, que impõe ao Governo todas as obrigações que forem necessarias. Diz-se mais: mas até aqui os Conselheiros de Estado iam aos tribunaes administrativos de seu motu proprio, sem licença da Camara, e agora depois desta resolução entendem que não podem ou que não devem ir em quanto não forem pedidos pelo Governo.
Mas que temos nós com o facto em vista da disposição da lei? Digo que não póde continuar essa pratica, porque o Parlamento deve zelar as suas prerogativas, e tem o direito de não consentir na licença, e de insistir mesmo em que os membros desta Casa não faltem por qualquer motivo ás suas sessões.
Neste sentido esta Camara deu um documento de sabedoria e constitucionalidade no principio desta sessão annual, porque, concedendo a licença para accumular, o fez com a clausula de que a mesma licença se entenderia sem prejuizo do serviço da mesma Camara.
De maneira que eu no meu tribunal, e invoco o testimunho de V. Ex.ª, tracto muitas vezes de distribuir o meu trabalho em conformidade com esta resolução da Camara, procurando abrevial-o quanto é conveniente e compativel com a administração da justiça, para que pelo menos ás duas horas eu saia e possa vir aqui tomar assento; porque entendo que depois das duas horas a que de ordinario se reunem os Dignos Pares já não tenho jurisdicção, e é tambem certo que no principio das sessões os Dignos Pares que são Juizes, em quanto a Camara se não constitue, ou mesmo depois de constituida, em quanto não tem permissão, abstem-se de julgar, para não procederem com nullidade. É isto exacto Sr. Presidente?
O Sr. Presidente — Exactissimo.
O orador—Conseguintemente, Sr. Presidente, o serviço da Camara está primeiro do que qualquer outro, porque subsiste o preceito da Carta, e a sua razão. Se o preceito da Carta e a razão em que se funda subsistem com uma modificação clausulada, é necessario que as restricções dessa modificação se preencham; porque é tambem outro principio de direito não só que toda a excepção confirma a regra geral em contrario, mas que a excepção se tome nos seus precisos termos, sem se ampliar com offensa da mesma regra.
Eu, Sr. Presidente, não quero prolongar mais a discussão, e per consequencia limito-me a estas reflexões.
O Sr. Conde de Thomar—Vou usar ainda uma vez da palavra, não para illucidar a materia, que está devidamente esclarecida, mas com o simples intuito de responder a algumas considerações feitas pelo Sr. Ministro da Fazenda; de explicar alguns factos, que, na minha opinião, foram adduzidos com menos exactidão, e de responder finalmente a alguns argumentos velhos, os quaes, pela maneira porque foram apresentados, lêem a apparencia de novos. Farei toda a diligencia para resumir e meu discurso, muito embora seja longo o campo que tenho a percorrer. Antes de entrar em materia, julgo do meu dever declarar á Camara, e a cada um dos meus collegas em particular, que em tudo o que disse, ou possa ainda dizer nesta ou em outra questão, não póde haver intenção da minha parte, de offender alguem, ou faltar por qualquer fórma á consideração que todos me devem; uma tal intenção nem está de accôrdo com o respeito que a todos devo, nem com a minha educação. A Camara sabe que mesmo nessas discussões tormentosas de outros tempos, em que fui alvo das maiores injurias e personalidades, se alguma vez fui energico, foi sempre em defesa propria. Esta explicação, que dou hoje e para sempre, refere-se neste momento com mais especialidade ao Sr. Visconde de Balsemão, que na ultima sessão pareceu entender que eu lhe dirigira uma personalidade e offensa: o meu nobre amigo disse em um áparte «que rejeitava a insinuação por mim feita.» Enganou-se o Digno Par, porque não pertendi offender a S. Ex.ª, mas sómente mostrar a facilidade com que havia mudado de opinião, em uma questão, sobre a qual tinha havido uma resolução da Camara á unanimidade, contando-se o Digno Par no numero dos votantes. Parece-me isto tanto mais extraordinario, quanto havendo o meu nobre amigo considerado, e com rasão, os membros da commissão de legislação, como dos mais habeis jurisconsultos da nossa terra, inspirando-lhe por isso a maior confiança, e votando sem difficuldade pelo parecer da mesma commissão, depois viesse declarar que pela rapida leitura que fizera do Regulamento do Conselho de Estado, reconheceu que havia sido induzido em erro. Disse eu então que o Digno Par havia assim proferido com grande facilidade uma sentença contra a alta intelligencia desses jurisconsultos, e que se esta sentença não podia ser lisongeiro para os membros da commissão, nem por isso o Digno Par devia deixar de lisongear-se, por ter com a rapida leitura do Regulamento conseguido o que tão habeis jurisconsultos não tinham podido conseguir pelo maduro exame! (Riso.) Isto não póde por fórma alguma ser julgado offensivo ao Sr. Visconde de Balsemão. _ O Digno Par mostrou desejos de que alguem podesse mostrar-lhe, como, dizendo o Regulamento que as funcções de Conselheiro de Estado não são incompativeis com o exercicio de qualquer outro emprego publico, não podem taes funcções accumular-se com as legislativas, sem a permissão da respectiva Camara. Parece-me que o Digno Par se refere á disposição do artigo 7.° do Regulamento de 1850. Bastaria attender ás proprias palavras de S. Ex.ª e que são textualmente as que se contém no dicto artigo, para se vêr que ahi se não. contém a materia de que se tracta. As funcções legislativas não podem comprehender-se na denominação das funcções de qualquer outro emprego publico; esta materia tem uma legislação especial, e o Digno Par achará a sua resolução na Carta, e no Acto Addicional. Confundiu portanto o Digno Par a legislação que é applicavel á questão; não admira portanto que seja errada a consequencia que pertendeu tirar.
Aproveitarei a occasião para fazer breves considerações sobre o que disse o Sr. Ministro da Fazenda, queixando-se da grave injuria, que eu lhe irrogara, dizendo, que varias circumstancias mostravam que S. Ex.ª nesta questão obrava debaixo de uma certa pressão, não obrando pela sua cabeça e intelligencia, mas sendo infelizmente instrumento de alguem. Não tive seguramente a intenção de injuriar o Sr. Ministro, tive sómente a intenção de enunciar o sentimento, que me assistia, de que tal se asseverasse, sentimento que seria muito maior se os factos viessem confirmar o que a tal respeito se dizia. Eu não procedi por uma fórma differente daquella, que é muito frequente no Parlamento; quantas vezes não fui eu accusado por obrar em virtude de inspirações extranhas, o que era inteiramente inexacto? Quantas vezes não foi o proprio Sr. Ministro da Fazenda accusado de obrar pelas inspirações da agiotagem, o que tambem reputo inexacto? O que se torna necessario é que os factos não confirmem a accusação, e eu receio que muitos venham confirmar o meu sentimento. O Sr. Ministro mostrou agora mais que nunca grande calor para repellir a minha asserção, procedeu isso naturalmente do desejo de questionar comigo, porque eu não fiz mais que repetir o que geralmente se diz.
Fiquei na verdade maravilhado, quando o Sr. Ministro da Fazenda disse que eu devia mostrar-me mais agradecido pela defeza que S. Ex.ª tomára em favor do Ministerio de 18 de Junho, a que eu tive a honra de presidir. Permitta-me S. Ex.ª que eu lhe diga, nada dever-lhe pessoalmente, pois que se o nobre Ministro defendeu os actos desse Ministerio, nada mais fez que defender-se a si proprio; e note-se que S. Ex.ª se occupou especialmente da defeza da gerencia financeira, a cargo de S. Ex.ª nesse Ministerio, e em que sempre obrou desassombradamente, porque eu e todos os mais collegas lhe dêmos voto de confiança pleno. Eu fui muito atacado nessa occasião, não obstante estar ausente do reino, e não me consta que nesses ataques pessoaes o Sr. Ministro proferisse jamais uma palavra em meu abono. O que S. Ex.ª diz, fizeram os outros nossos collegas, que sempre declararam, que estavam promptos a responder pelos actos do Ministerio de 18 de Junho; e que outra cousa poderiam fazer, não respondiam todos pelos proprios actos? Depois destas breves observações permitta-me o Sr. Ministro dizer-lhe, que este objecto de agradecimentos não é para o Parlamento; se eu quizesse occupar-me deste objecto, poderia com mais fundamento fallar dos agradecimentos a que S. Ex.ª é obrigado, não temeria fazer a comparação, mas isto, como disse, é improprio da discussão (apoiados).
Não deixarei sem uma breve reflexão o dito muito notavel do Sr. Ministro da Fazenda, em quanto asseverou, que, não obstante alguem ter acreditado que a sua entrada no Ministerio de 18 de Junho tinha por fim dissolver a situação politica dessa época, elle fóra sempre um collega fiel! Não é seguramente este procedimento do Sr. Ministro um motivo para agradecimento, eu entendo que suppôr o contrario seria fazer-lhe grande injuria (apoiados). Era essa a sua obrigação e o seu dever, e máo é que houvesse alguem que suspeitasse o Sr. Ministro capaz de faltar á fidelidade a que era obrigado para com os seus collegas (apoiados). De passagem, porém, direi, que qualquer que seja a importancia, que o Sr. Ministro suppunha ter, enganava-se completamente, se imaginava que tinha a força para dissolver a situação politica de então; os homens que a dirigiam tinham resistido, e destruido forças muito maiores do que as que poderia empregar o Sr. Ministro. Era melhor, sem duvida, que S. Ex.ª não tivesse referido mais este titulo da sua gloria, porque o simples enunciado de que alguem suppoz que o Sr. Ministro era capaz de um tal procedimento, já não é muito lisonjeiro!...
O nobre Ministro declarou que não tem amigos politicos, e que só considera amigos os que quizerem acompanhar. Peço licença para dizer que este é um systema como qualquer outro, mas ha de permittir que aquelles que consideravam a S. Ex.ª como amigo politico, tenham o direito de investigar, se o devem seguir no escabroso caminho, em que marcha depois de certa época. O nobre Ministro não póde exigir que esses, que ainda ha pouco chamava amigos politicos, o sigam no caminho das contradicções em que actualmente vai marchando. Julgou o nobre Ministro, que havia lucrado muito com uma insinuação que me fez ad odium, pertendendo achar contradictorio o meu procedimento. É verdade que eu disse á mez e meio, que preferia este Ministerio a um Ministerio puro da regeneração. Ainda repito hoje a mesma declaração. Mas não pense S. Ex.ª que a minha posição, quanto ao Ministerio actual, é hoje a que era nessa época; depois que eu fiz essa declaração o Governo apresentou muitas propostas de lei na outra Camara, com as quaes me não conformo, e que hei de combater. Não fui eu portanto que mudei, foi o Ministerio, e principalmente o Sr. Ministro da Fazenda, que vai adoptando uma por uma as propostas do Ministerio da regeneração, que eu combati, e que continuarei a combater, se o systema de administração e fazenda fôr o mesmo. Se tudo isto é assim, já se vê que a mudança não foi da minha parte, foi do Ministerio, e que se existe contradicção é da sua parte e não da minha. Pensa o Sr. Ministro que elevando-se á montanha seria alli seguido por mim, e por outros amigos? (Apoiados).
Figurou o Sr. Ministro uma forte opposição da minha parte: não sei o que fundamentou esta asserção da parte de S. Ex.ª, sendo certo que até agora, como já disse em outra occasião, eu não me separei do Governo, senão na medida proposta para a Madeira, sustentando a doutrina de tres Srs. Ministros, antes de o serem, e na questão que se agita, toda domestica desta Casa; mas sou forçado hoje a essa opposição, por que não só o Governo procede de uma maneira differente daquella, por que procedia antes, mas por que o Sr. Ministro da Fazenda, irrogando-me a nota de falso amigo, me excluio do numero dos defensores do Ministerio (apoiados).
Ouvi dizer ao nobre Ministro das Obras Publicas que o actual ministerio não podia estar em opposição com a Camara dos Pares, porque era filho da attitude imponente, e constitucional, que em certa época tomára esta mesma Camara contra o gabinete precedente. Não sei se isto é muito exacto, attendendo ao modo, e principios seguidos na organisação do actual ministerio, mas, concedendo a que diz o Sr. Ministro das Obras Publicas, peço a S. Ex.ª que observe, que afim dessa attitude imponente e constitucional não foi contra homens foi contra os novos impostos, que vinham agravar extraordinariamente o povo, foi contra um systema de administração, que não foi julgado conveniente, mas sendo certo que o actual ministerio tem seguido o mesmo systema, e que nos ameaça de novos impostos, ainda em maior escalla, é claro que o Sr. Ministro das Obras Publicas ha de considerar que o ministerio de que faz parte é um filho ingrato (riso), e que bem longe de esperar avida, deve esperar a morte desta Camara (apoiados).
Pelo que respeita á questão, que se agita, receiu entrar no seu desenvolvimento, depois do que magistralmente expenderam os Srs..Visconde de Algés e Ferrão, assim como outros Dignos Pares, que me precederam. Tenho a convicção de que os argumentos oppostos em nada alteraram a convicção da Camara. O Sr. Ministro da Fazenda julgando-se forte com a analise que fez de differentes leis francezas, e com a opinião de escriptores que referiu, limitou-se a responder mais particularmente a algum pontos, que tratei ultimamente: devo agradecer a S. Ex.ª o ter-se unicamente occupado do meu discurso, não dizendo uma palavra da resposta nem ao Sr. Visconde de Algés, nem ao Sr. Ferrão, que trataram magistralmente a questão, seria porque não fez cabedal dos seus argumentos, ou porque não lhes encontrou resposta? Seja como fôr é para mim lisongeiro encontrar na minha frente um adversario tão forte como o Sr. Ministro. Seja-me contudo permittido dizer em abono do que expenderam aquelles dois Dignos Pares, que se eu não tivesse já uma convicção formada sobre a questão, não deixavam as suas razões de convencer-me, porque SS. Ex.ªs esclareceram perfeitamente a mesma questão.
Ainda o Sr. Ministro estabeleceu a proposição absoluta de que o Conselho de Estado, na secção do contencioso, é sempre consultivo. Não quiz S. Ex.ª attender a que, geralmente fallando, nos recursos interpostos para a secção do contencioso, havendo litigio, e um verdadeiro processo entre os agentes da Administração, representando ser interesses da sociedade, e o particular, defendendo o seu direito, que julga offendido, nada póde ser arbitrario, e que tudo, processo e decisão, deve estar definido de uma maneira certa, o que se não verificaria se o Governo se julgasse com o arbitrio de confirmar, e revogar em todo ou em parte as resoluções da secção do contencioso. Não quiz S. Ex.ª attender ao argumento, que deduzi do artigo 50.° do regimento, no qual expressamente se determina, que serão rejeitados, por accordão do Tribunal, os recursos que forem interpostos fóra do prazo legal, e bem assim aquelles em que se não observarem os requisitos essenciaes, que são prescriptos no artigo 47.°, e seus paragraphos. Não me parecia que este argumento devesse ficar sem resposta, pois que sendo consequencia necessaria da rejeição do recurso o ficar em vigor a decisão da auctoridade ou tribunal inferior, esta só póde ser executada em virtude dessa rejeição do recurso, que definitivamente vem pôr termo á questão, sem que o Governo possa julgar-se com direito de impedir a execução da decisão recorrida, e cujo recurso fóra assim rejeitado. O mesmo argumento poderia eu ainda deduzir do que dispõe o artigo 63.º e outros analogos.
O nobre Ministro, adstricto unicamente á lettra do artigo 172.º do regulamento, pertende que o Conselho de Estado, mesmo na secção do contencioso é sempre consultivo. Já demonstrei que no proprio regulamento se encontram casos, em que a secção do contencioso decide definitivamente, e independentemente do Governo; agora proponho-me demonstrar que, pela natureza das funcções, e pelos negocios que fazem objecto das deliberações da dita secção, não é possivel admittir a doutrina do Sr. Ministro, sem grande absurdo, e prejuizo das partes, a quem a Lei quiz dar uma garantia contra as arbitrariedades do Governo, e dos seus agentes. Na minha opinião não se póde decidir esta questão, tendo em vista um só artigo do regulamento para o entender litteralmente; é necessario considerar todos os outros artigos, e entrar no systema, e no espirito que presidiu á organisação do Conselho de Estado, como Tribunal administrativo.
Antes de passar adiante lembrarei que ficou sem resposta, e não devia ficar, o argumento produzido pelo meu amigo o Sr. Visconde de Algés, em vista da disposição do artigo 31.° n.º 5, segundo a qual se interpõe recurso do Tribunal de Contas para a secção do contencioso nos casos de incompetencia, transgressão de formulas, e violação de Lei, vindo assim a dita secção do contencioso a desempenhar as funcções do Tribunal de cassação ou de revista. Como admittir que nestes casos o Governo tenha o arbitrio de annullar a decisão da secção do contencioso? Note-se que o Tribunal de Contas julga as contas de todas as repartições do Estado, e podia dar-se o caso de um Ministro julgar, ou decidir em um processo em que elle e os seus collegas fossem interessados. Pelos principios geraes de jurisprudencia, e pela natureza do objecto do recurso interposto do Tribunal de Contas para a secção do contencioso, se vê já que esta exerce funcções, que pelo menos participam do judicial, e que seria absurdo querer que o executivo as possa exercer pelo arbitrio de cassar ou annullar as decisões da secção do contencioso (apoiados). Todos sabem, que similhantes recursos, sendo attendidos, é a sua decisão, ou novo julgamento commettido pela secção do contencioso a Conselheiros differentes dos que tomaram parte na decisão, que fez objecto do recurso. Se tudo isto é assim, julguei eu, que sem grande absurdo, e sem a inversão completa dos principios, não po-