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déra admittir-se a opinião do Sr. Ministro da Fazenda.
Já mostrei em outra occasião qual era a organisação do nosso Conselho de Estado, como Tribunal administrativo, e tambem provei que não podem ser applicadas ao nosso Conselho de Estado as regras estabelecidas para o Conselho de Estado em França, porque se a este fomos buscar alguma cousa, nem por isso o seguimos em tudo, bastando attender ao pensamento, que presidio á organisação do nosso Conselho de Estado administrativo. Como todos sabem duas são as secções, em que se divide o Conselho de Estado —administrativa, e do contencioso administrativo—aquella é consultada, e delibera nnica e expressamente sobre os negocios de pura e simples administração. Vejam-se os artigos 32.° a 85.° do regulamento: esta (a do contencioso administrativo), pelo contrario decide, e resolve por via de recurso todos os negocios em materia contenciosa; conflictos de jurisdicção e competencia entre as auctoridades administrativas, e entre estas e as judiciarias; recursos por incompetencia, e excesso de podér de quaesquer auctoridades administrativas; negocios do contencioso administrativo em geral, e que por virtude de disposições legislativas, ou regulamentares, tiverem de ser-lhe directamente submettidos; e como ha pouco acabei de mostrar, conhece sobre os recursos do Tribunal de Contas, nos casos de incompetencia, transgressão de formulas, e violação de Leis.
Se em vista de tudo o que acabo de referir, a secção do contencioso administrativo não é um verdadeiro tribunal creado pela Lei para dar garantia nas questões, que possam existir entre a Administração, e os particulares: se ao Executivo compete em ultima instancia resolver negocios, que na sua origem são puramente judiciaes, é necessario convir em que se acham invertidos todos os principios. Leiam-se com alguma attenção os artigos 133.° e 137.º do regulamento, não se estabelece ahi, que as deliberações da secção do contencioso sobre os conflictos positivos confirmam, ou annullam os despachos, que os levantaram, e mais ainda que declararam a competencia da jurisdicção administrativa ou judicial"? Não se diz ahi, que as deliberações da secção do contencioso, que confirmarem os despachos, que levantaram os conflictos, invalidarão tambem todos os actos do processo judicial, e as sentenças nelle proferidas? Se isto não é uma attribuição privativa da secção do contencioso, mas do Governo, e necessario, que se reconheça, que esta póde ingerir-se por tal fórma nas attribuições do Poder judicial, o que aliás seria absurdo, e é necessario admittir tambem que desapparecia a garantia de haver um terceiro, que decida entre as auctoridades administrativas (que são o proprio Governo) e as judiciaes (poder independente.) É esta garantia a que se quiz dar pela creação do Conselho de Estado administrativo, marcando no regulamento as attribuições do contencioso.
Não me parece que se tenha respondido convenientemente ao argumento, que produzi sobre a attribuição dada á secção do contencioso para condemnar em custas áparte, que decaiu do recurso, sendo aquellas pedidas pela parte contraria, o que seguramente é uma attribuição exercida pela dita secção, independentemente do Governo, porque até essa condemnação se verifica depois do Governo reenviar á secção com a assignatura do Rei o Decreto, que acompanhou a consulta; e mais ainda se confirma o que acabo de expôr pela circumstancia de ter a certidão da condemnação das custas, passada pelo Secretario geral do Conselho de Estado, execução aparelhada, o que só é da natureza das decisões e julgados judiciaes.
Pela mesma fórma, ou ainda com mais sem cerimonia, se respondeu ao argumento que deduzi do artigo 84.º do Regulamento, aonde se diz, que os Ministros de Estado podem interpor recursos em materia contenciosa, como por incompetencia, ou excesso de podér das auctoridades administrativas, por meio de relatorios, dirigidos pelos mesmos Ministros de Estado ao Presidente da Secção do Contencioso. Notei que os Ministros são considerados, em tal caso, como outro qualquer recorrente, e por isso a lei diz que taes recursos serão processados pela mesma fórma, e ficarão sujeitos aos mesmos prasos. Notei que pela lei nestes recursos intervém, por parto do Governo, o respectivo ouvidor, como agente do Ministerio publico, deduzindo de todas estas disposições a conclusão de que, a admittir-se a doutrina do Sr. Ministro, viria o Governo nestes recursos a ser parte e juiz; o que é visivel absurdo. Não se respondeu, e o Sr. Ministro, d'accordo com um dos sofismas de Bentham, deu como claro, e como não carecendo de resposta, um argumento que seria difficil de destruir (apoiados).
Mas seja como fôr em qualquer dos casos, ou seja o Conselho de Estado administrativo sempre consultivo, ou seja deliberativo em tudo o que faz objecto de recursos processados na Secção do Contencioso, entendo, como entenderam os Dignos Pares, os Srs. Visconde d'Alges, e Ferrão, que as suas funcções não podem ser accumuladas com as legislativas sem o consentimento da respectiva Camara (apoiados). E sinto que o Governo desse tanto corpo a uma questão, que ficaria resolvida instantaneamente, ou conformando-se com a resolução desta Camara, e pedindo a devida auctorisação para a accumulação, ou no caso de duvida sobre a legalidade e acerto da resolução desta Camara, apresentar na outra o competente projecto para declarar a lei. — Não tendo procedido assim, o Governo creou voluntariamente uma posição, donde não podem deixar de seguir-se muitos inconvenientes, notando-se já entre elles esta prolongada discussão, na qual os Srs. Ministros, agora mais que nunca, mostram obrar mais pela pressão de alguem do que pela sua intelligencia.
O Sr. Ministro da Fazenda—Se a allusão é a mim, declaro que sei quem foi o auctor da invenção, mas que e uma completa calumnia.
O orador — O Sr. Ministro já declarou em outra occasião que me não considerava como o inventor de tal asserção, mas para S. Ex.ª se certificar mais do que ha a este respeito, convido o Sr. Ministro a conversar com algum dos seus collegas, que o poderá informar plenamente.
O Sr. Ministro das Obras Publicas no meio dos muito engraçados argumentos que adduziu a favor da opinião do Governo um foi, que o silencio entre nós significava consentimento, e que tendo havido silencio ha trese annos nesta questão, devia julgar-se resolvida. Em questões de Direito não podem empregar-se argumentos graciosos; não podia nem devia portanto o nobre Ministro, referindo-se ao argumento produzido pelo Sr. Visconde de Algés, deduzido da Lei de 18 de Agosto de 1769, que marca os casos em que o costume faz Lei; dizer que não era possivel esperar ainda cincoenta annos para que tal costume fosse Lei, na conformidade do que referiu o Sr. Visconde, que aliás era uma Lei velha. Legem habemus, direi eu ao Sr. Ministro, e não compete a ninguem, marear arbitrariamente os prasos dentro dos quaes o costume faz Lei. Se a de 18 de Agosto exige o praso de cem annos, é claro que o de trese em que se funda o Sr. Ministro não é attendivel. Esta materia deixo-a reservada para o Sr. Visconde do Algés, que ha de fazer sentir ao Sr. Ministro o pouco fundamento da sua argumentação.
Esta questão tem hoje perdido muito da sua importancia, especialmente para os que julgavam haver grave prejuizo em que o Conselho do Estado administrativo trabalhasse. O Governo tem asseverado que estão tomadas todas as medidas para que as duas secções funccionem. Por este lado portanto a questão perdeu todo o interesse.
Creio ter-se levado á evidencia que a accumulação das funcções não póde ter logar sem a permissão da Camara, e que em nada são offendidas as prerogativas do executivo. O que se exige do Governo quanto aos Conselheiros do Estado, funccionando no Conselho do Estado administrativo (N. B. não politico), é o que o Governo pratica a respeito de todos os outros empregados publicos; pois o Governo não póde exigir serviço do um Juiz, de um Governador civil, do um Administrador de concelho, de um Regedor de parochia, sendo Deputado, sem a permissão das Camaras, e ha de podér exigi-lo do Conselheiro de Estado, funccionando no Conselho de Estado administrativo? Ha de o Conselheiro do Estado, em tal qualidade, ter menores garantias que o mais ínfimo empregado da carreira administrativa? O Conselho de Estado politico tom funcções a exercer necessariamente durante a existencia das Côrtes: estas mesmas não podem ser dissolvidas, adiadas ou prorogadas, sem ser ouvido o Conselho de Estado politico, e outras muitas cousas, que já enumerei em outra occasião; mas o processar, e julgar recursos são funcções iguaes ás funcções de todos os outros empregados, e que não podem ser accumuladas com as legislativas, sem a permissão das Camaras (apoiados).
Concluo, portanto, que o procedimento do Governo em toda esta questão tem sido irregular, e que tudo continuará a marchar irregularmente, se o Governo presistir na sua opinião (apoiados).
O Sr. Presidente declara ter já dado a hora, e como se acham ainda inscriptos alguns Dignos Pares, fica fechada a presente sessão, devendo ter logar a proxima na segunda-feira (8), sendo a ordem do dia a continuação da materia que estava dada para esta.
Eram cinco horas da tarde.
Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 6 de Março de 1858. Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: do Ficalho, de Fronteira, de Loulé, de Niza, e de Vallada; Condes: da Azinhaga, do Bomfim, do Farrobo, de Fonte Nova, do Linhares, da Louzã, de Mello, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, da Taipa, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, do Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Ovar, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: de Ancede, de Chancelleiros, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Ferrão, Silva Carvalho, Aguiar, Larcher, Isidoro Guedes, Eugenio de Almeida, Silva Sanches, Brito do Rio, e Thomás d'Aquino.