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CAMARA DOS DIGNOS PARES

EXTRACTO DA SESSÃO DE 6 DE MARÇO DE 1858.

Presidencia do ex.mo Sr. Visconde de Laborim,

vice-presidente.

Secretários os srs. Conde de Mello,

Visconde de Balsemão.

(Presentes ao começar a sessão, os Srs. Ministros, da Marinha, Fazenda, e Obras Publicas.)

Pelas duas horas e tres quartos da tarde, se verificou pela chamada estarem presentes 31 Dignos Pares.

O Sr. Presidente declara aberta a sessão por haver numero legal, e que a acta que se ia lêr era a de uma precedente sessão, que se reformara, convindo que os Dignos Pares déssem attenção á sua leitura para se conhecer se estava em termos.

O Sr. Secretario Visconde de Balsemão procedeu á sua leitura.

O Sr. Presidente observa á Camara, que visto não haver alguma reflexão sobre ella, na conformidade do Regimento, estava approvada: e que se passava a lêr a acta da sessão antecedente.

Foi lida e approvada sem observação em contrario.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministro dos Negócios Ecclesiasticos e de Justiça em que, satisfazendo ao «officio que lhe havia sido dirigido por esta Camara a 27 de Fevereiro proximo passado, remette uma nota dos logares vagos na Cathedral «do Funchal, nas épocas de que tracta o requerimento do Digno Par Visconde d'Athoguia, a «que allude o mesmo officio.»

O Sr. Presidente declara que se passa á primeira parte da ordem do dia, estando inscriptos os seguintes oradores, os Srs. Ministro da Fazenda, Visconde de Balsemão, e Ministro das Obras Publicas. Nestes termos tinha a palavra em primeiro logar o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ferrão—Eu peço a palavra sobre a materia.

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, eu tenho muito poucas cousas que dizer á Camara, e teria mesmo cedido da palavra se o Digno Par que fallou hontem em ultimo logar não tivesse continuado a insistir nas allusões que me dirigiu, e a que já tinha respondido: mas S. Ex.ª repetiu-as hontem de uma maneira mais pungente, e que me obriga a dar hoje algumas explicações á Camara a respeito dellas.

Eu sinto estar agora um pouco incommodado, e não podér levantar mais a voz; e por isso rojo á Camara queira honrar-me com a sua benevo-

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lencia; porque não me e possivel fallar de outro modo.

O Digno Par começou por declarar, que eu lhe respondêra com muito desabrimento; mas entendo que foi o contrario, porque S. Ex.ª me tinha feito a maior injuria que se póde fazer a um homem publico, e eu respondi com toda a moderação a essa injuria. Peço ao Digno Par, que já tem occupado altos cargos neste paiz, e occupa ainda, que veja senão é injuria dizer-se a um Ministro — que elle n'um acontecimento notavel não obrou segundo a sua consciencia, mas foi arrastado ao acto que praticou por uma pressão qualquer. — -Eu pergunto a S. Ex.ª se esta accusação, que me foi dirigida por S. Ex.ª, não era a mais grave que podia ser feita a um Ministro?

O Digno Par não devia pois estranhar que eu respondesse a esta accusação, mas o que noto 6 que S. Ex.ª a viesse repetir depois da minha resposta, e ainda com circumstancias mais aggravantes, e desse ao seu pensamento o desenvolvimento que não tinha dado a primeira vez que fallou sobre este assumpto.

Quando esta accusação me foi feita, eu respondi, que em quaesquer circumstancias, ou como homem publico, ou como particular, em que me achasse, eu não obrava nunca senão segundo os impulsos da minha consciencia; que me podia enganar, e me linha enganado muitas vezes; mas insisti então, e repito hoje, que eu era o homem menos proprio para soffrer pressões, e que S. Ex.ª de quem eu já tive a honra de ser collega duas vezes no Ministerio, seria o homem, para cujo testimunho appellaria a este respeito. Accrescentei, que talvez não faltasse (eu não) quem explicasse a opposição, que se me fazia, pela convicção em que se estava de que eu não era capaz de ceder a pressões: masque eu continuaria a obrar sempre do mesmo modo: que quando saisse do Ministerio podia ter perdido alguns amigos, que isso não me magoava, porque aquelles que perdia eram falsos amigos, e teria ganhado outros novos, que me compensavam da sua perda. Pergunto á Camara, e a todos os homens imparciaes que me ouvem, se respondendo assim, eu não usei do direito que tinha para me defender de uma accusação immerecida, e que me foi dirigida por quem não tinha direito de a fazer? E se respondendo assim, eu linha dito que voltei as costas aos meus antigos amigos?

Disse, e repeti, que eram falsos amigos aquelles que me queriam obrigar a obrar contra os dictames da minha consciencia, e repito ainda mais; mas não fiz allusão senão a quem estava nestas circumstancias. — O Digno Par cabe que eu não volto nunca as costas aos amigos, principalmente nas circumstancias difficeis: entretanto quando os meus amigos não querem o que eu quero, vão para onde eu não quero ir, são elles os que de mim se separam, e me obrigam a continuar o meu caminho sem a sua companhia. Por muito que eu respeite os homens, respeito ainda mais os principios. Posso comtudo asseverar ao Digno Par, e faça-o com prazer, que a maior parte dos meus antigos amigos, quasi todos, estão aonde eu estou. Faço votos para que venham associar-se comnosco os que ainda se adiam separados de nós, mas isso depende delles, e não de mim.

A Administração actual e uma administração conciliadora: a Administração actual é uma administração tolerante; a Administração actual e uma administração que em todos os seus actos não pergunta a ninguem donde vem, mas para onde vai, e tem chamado todos os homem de boa vontade, sem querer saber qual e a sua côr politica, e tracta de os collocar nos logares que podem exercer pelo seu merito. Por consequencia associando-me aos cavalheiros que compõem esta Administração, não fiz mais do que seguir o pensamento, que tem sido o movel de todas as minhas acções desde que entrei na vida politica. — O Digno Par sabe, que quando fiz parte do ultimo Ministerio, a que S. Ex.ª presidiu, foram estes sempre os principios que segui, e lembro-me agora, entre outros, a nomeação que fiz para um cargo de fazenda, de um homem que tinha estado em 1847 ás ordens do Sr. Conde de Mello, nomeação pela qual fui muito censurado, mas que eu mantive, porque o nomeado era digno della. Portanto não e de hoje que sigo este principio.

Entrei bem moço na vida publica, e nessa época era o thema favorito de certa gente fazer a guerra aos homens que tinham sustentado o partido caído. Cumpri religiosamente, como magistrado, a amnistia generosa que lhes tinha sido dada pelo Imperador, de saudosa memoria. Pouco depois fui nomeado Governador civil d'Evora, e todos sabem como me comportei alli. Aquelles que nessa occasião me censuravam pelo meu comportamento, e que queriam medidas de exterminio, foram depois associar-se com os homens desse partido para me combaterem. Hoje ousam ainda chamar-me contradictorio, quando eu obro hoje como obrava então, e elles sustentam hoje as doutrinas que proclamam, com a mesma violencia com que as combateram n'outra época.

Chamando honestos aos homens que compõem esta Administração, e aos homens que a sustentam, quiz recordar, segundo o Digno Par, a denominação de corruptos, dada aos homens que fizeram parte do ultimo Ministerio, que S. Ex.ª presidiu, e aquelles que sustentavam esse Ministerio. É na verdade uma accusação que eu não merecia a S. Ex.ª, porque o Digno Par sabe que eu fiquei em Portugal em 1851, e que tive a coragem de levantar sempre a minha voz em favor de S. Ex.ª, quando os seus actuaes amigos entravam no numero dos seus mais encarniçados perseguidores, e o Digno Par sabe a que perigos eu me expuz nessa occasião para o defender. — Portanto, S. Ex.ª devia ser um pouco mais agradecido para com um homem que levou a religião da lealdade ao ponto de estar sempre prompto a sacrificar-se por S. Ex.ª

Quando eu entrei nesse Ministerio fui cortejado por certos homens, que julgavam que eu era capaz de me aproveitar dessa posição para provocar a queda politica de S. Ex.ª: quando se desenganaram de que eu não praticaria esse acto, voltaram-me as costas. Hoje estão unidos a S. Ex.ª contra mim. Mas S. Ex.ª ha de permittir-me que eu me comporte hoje, a respeito dos homens com quem estou unido, com á mesma lealdade com que me comportei a respeito de S. Ex.ª

Tanto eu nunca volto as costas aos meus amigos que as minhas amisades nunca são alteradas pela politica. Conheço homens, que só são amigos de quem está com elles no mesmo campo politico: detesto este systema. Os meus amigos particulares podem combater-me politicamente, sem que por isso eu rompa com elles, continuo a fazer justiça do mesmo modo ao seu merecimento, e concedo-lhes a mesma liberdade, que quero para mim. Em prova disto podia citar muitos nomes, mas citarei só o de um homem de quem sou amigo ha muitos annos, é o Sr. Visconde de Athoguia: quantas vezes nos não temos encontrado em campos diversos sem que por isso tenham sido nunca alteradas as relações de affecto e de mutua consideração que existem entre nós! Podia dizer o mesmo a respeito de outros cavalheiros, que me ouvem, mas cujo testemunho não posso invocar agora, porque não tem voz nesta Camara.

Parece-me, Sr. Presidente, que expliquei bem o sentido em que fallei nesta casa, e que destrui a interpretação que o Digno Par deu ás minhas expressões entretanto a pezar do desejo, que tenho de deixar este assumpto não posso deixar de responder ainda a outra accusação, que me foi feita por S. Ex.ª a de que eu estava no cume da montanha. — Esta acusação não a esperava eu do nobre Conde. Eu no cume da montanha! Quando me encontrou S. Ex.ª lá? Ha allusões, que nunca deveriam ser feitas por certos homens, porque podem provocar tristes represalias. Quaes são os actos que tenho praticado, não agora, mas quando havia montanha nesta terra, que justifiquem esta accusação? Ha de ser difficil a S. Ex.ª appresentar esses actos. Eu estou no cume da montanha estou lá soninho, porque hoje não ha montanha em Portugal. Mas, torno a perguntar, pratiquei eu, praticou este ministerio um só acto, que provocasse esta accusação? Mereceu-a sobre tudo depois da crize ministerial, que teve logar em Janeiro ultimo?

Quando nessa occasião o Sr. Presidente do Conselho veiu declarar, que Sua Magestade não tinha aceitado as demissões, que haviamos dado, o Digno Par disso que nos agradecia o sacrificio, de continuar no ministerio, e que esse acto nas circumstancias actuaes era um acto de abnegação que por muitos defeitos que tivessemos, eramos melhores do que aquelles que se dizia, que nos pertendiam substituir. (O Sr. Conde de Thomar— Não foi isso.) Disse-se aqui, que o Ministerio linha dado a sua dimissão, e alludiu-se nos termos, em que me exprimi, ao cavalheiro, que fóra encarregado de formar outra administração, e ás pessoas, que se dizia, que a compunhão. (O Sr. Conde de Thomar—Peço a palavra.) Parece-me que os cecos desta casa podiam ainda repetir que o Digno Par veiu agradecer aos homens, que formam a administração actual, por terem continuado á frente dos negocios publicos, embaraçando a entrada daquelles cavalheiros. Hoje não sei que motivo levou S. Ex.ª a mudar de opinião, e a ligar-se tão intimamente com o Digno Par, contra quem se exprimiu de uma maneira tão cathegorica, para nos fazer a guerra violenta, que a Camara está vendo, e por isso empraso ao nobre Conde para que diga qual é o facto praticado por esta administração d'aquella época até agora, isto é, ha mez e meio a esta parte, que podesse levar S. Ex.ª a mudar de opinião a nosso respeito, e a renovar as suas relações, que então ficaram votas, com o mesmo Digno Par, que parecia ter sido chamado a substituir-nos, e que tanto se empenha em derrubar cote ministerio. Não digo, que commette com isso um crime, mas ha sempre neste facto alguma cousa de incoherente, que merece ser explicado á Camara. Peço á Camara um milhão de desculpas por ter vindo a este campo, mas fui forçado a entrar nelle, o carecia de me explicar, depois das accusações violentas, que me foram feitas.

Agora, Sr. Presidente, em relação á materia muito menos tenho a dizer, porque a materia está esgotada; mas observarei que, tendo o Digno Par o Sr. Conde da Taipa convidado o Ministerio a pôr termo a esta questão, apresentando na outra Camara um projecto de lei, notei que esta proposição do Digno Par foi acolhida com geraes apoiados na Camara; e notei mais que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar disse, que o Sr. Conde da Taipa déra nisto uma prova do seu Ministerialismo, porque viera offerecer a esta administração o unico meio de se salvar. O Digno Par, esqueceu-se então de que antes havia declarado, que ainda mesmo que na outra Casa do Parlamento fosse apresentado um projecto de lei a este respeito, a Camara dos Dignos Pares não suspendia a sua resolução (O Sr. Conde de Thomar. — Não me esqueceu). Perguntarei então ao Digno Par, o que ia fazer o projecto á outra Camara?

Ou esse projecto dá á Carta a interpretação, que lhe dá a Governo, ou lhe dá a interpretação, que lhe dá a Camara dos Dignos Pares; no primeiro caso não póde o Governo ter grande difficuldade em apresental-o; mas se esta Camara mantem a sua resolução, mesmo quando a outra Casa do Parlamento se tenha pronunciado n'um sentido opposto, é claro que chegando esse projecto a esta Casa, a Camara dos Dignos Pares rejeita-o. O que é então que se ganha com isto? Não fica, pelo menos, a resolução d'esta questão addiada por muito tempo?

Eu entendia que a opinião do Sr. Conde da Taipa era outra. Disso S. Ex.ª «ó preciso lei, e sendo preciso lei, deve o Governo propol-a na Camara dos Srs. Deputados.» D'aqui inferi, e infiro ainda, que S. Ex.ª entende, que visto que é necessario lei, a Camara dos Dignos Pares tomou uma resolução, que não podia tomar, e que por consequencia uma vez apresentada a respectiva Proposta na outra Camara, ficava suspenso o effeito da decisão d'esta Camara, até que os tres ramos do podér legislativo interpretassem authenticamente o artigo 31 da Carta. Entendida assim, como eu a entendo, a opinião do Sr. Conde da Taipa, não tenho duvida em declarar, que me conformo com ella.

Não percam de vista os Dignos Pares, que a resolução tomada por esta Camara tem todos os caracteres de uma lei, que obriga não só esta Camara e o Governo, mas obriga tambem a outra Casa do Parlamento. No parecer da Commissão de Legislação não se trata de resolver a questão unicamente em relação aos Conselheiros de Estado que são Pares do Reino, decide-se, note-se bem, decide-se, palavras formaes, que os Conselheiros de Estado, membros das suas Camaras, não podem accumular as suas funcções legislativas com os cargos que exercem de Conselheiros de Estado, sem licença da respectiva Camara. É pois uma resolução tomada para os dous ramos do podér legislativo, sem questão nenhuma. Ora, nisto é que está a duvida do Governo, duvida a que os Dignos Pares que tenho fallado na que estão fugiram sempre de responder; porque S. Ex.ªs do que trataram foi de provar, que os Conselheiros de Estado no exercicio das funcções administrativas deviam estar na regra geral dos outros empregados, e o Governo não trata d'essa questão; e que o Governo pergunta é— póde a Camara dos Dignos Pares por uma resolução sua interpretar um artigo da Carta? A esta questão é que eu desejava que se viesse. O governo não tracta do merito da doutrina, que póde ser muito boa, trata do meio porque os Dignos Pares a querem levar a effeito.

E permitta-me V. Ex.ª que eu agora diga que houve um grande equivoco, quando se imputou ao Governo a intenção de vir propôr a esta Camara que reconsiderasse a sua decisão. O Governo nem tal propunha, nem precisava disso, o que disse foi — mantenha a Camara a sua resolução, mas mande-a como proposta de lei para a outra Camara. Em que está aqui a reconsideração? Não a vejo.

O Governo não póde dizer á Camara senão aquillo do que elle está convencido; o Governo intende, que esta questão só póde ser resolvida por uma lei, e n'esta conformidade, diz á Camara dos Dignos Pares—pois que esta resolução se não póde tomar sem o concurso dos tres ramos do podér legislativo dê a Camara dos Dignos Pares á sua resolução a fórma de projecto de lei, e mande-o para a Camara dos Srs. Deputados.

Não venham portanto os Dignos Pares dizer que o governo quer fazer passar a Camara por baixo das forcas caudinas, são os Dignos Pares, que querem obrigar o governo a isso; que querem por força que o Governo reconheça como lei a resolução que a Camara tomou, e que a Camara dos Srs. Deputados e a Corôa reconheçam tambem como Lei essa decisão, abdicando as prerogativas, que lhes dá a Carta para a formação das leis.

Dizem os Dignos Pares, que eu fallei de conflicto com a outra Camara quando tal conflicto não existe.

Eu fallei da possibilidade desse conflicto, não disse que elle existia, porque ainda não o ha, mas é possivel que o haja. Pois se a Camara dos Srs. Deputados insistir tambem em dar ao artigo da Carta a interpretação que até aqui lhe tem dado, pergunto, não ha conflicto entre as duas Camaras? Mas, dizem os Dignos Pares: que tem uma cousa com outra? Pois porque eu sou Conselheiro de Estado, e membro da Camara dos Srs. Deputados, hei de ser obrigado a accumular as funcções de Conselheiro do Estado com as funcções legislativas, e um Digno Par que é Conselheiro de Estado, esse tem a liberdade de dizer que não quer accumular? Não póde ser; o artigo da Carta não póde ter duas interpretações, uma para a Camara dos Srs. Deputados, e outra para a dos Dignos Pares. Isto não é possivel sustentar-se.

Eu disse que o artigo 31.° da Carta foi sempre interpretado em sentido opposto áquelle que se lhe dá agora, e posso tambem asseverar aos Dignos Pares, que tenho ouvido muitos homens competentes, muitos Jurisconsultos dos mais babeis deste paiz, e todos me disseram, que a este respeito não podem haver duas opiniões, e que estão de accôrdo com a opinião, que eu tenho sustentado nesta Camara. Sirva isto de governo aos Dignos Pares que são Jurisconsultos: não julguem que a opinião de todos os Jurisconsultos é a sua: não é.

Sustentou-se tambem, que essa interpretação dada á Carta durante treze annos tinha sido uma interpretação errada, e que esta questão nunca tinha sido tractada no Parlamento. Permitta-me pois a Camara, que diga duas palavras para combater esta opinião.

É inutil lêr os artigos da Carta, que os Dignos Pares conhecem melhor do que eu. O artigo 31.° da Carta prohibe expressamente a accumulação das funcções legislativas com as de qualquer emprego publico; ceio artigo, por consequencia, prohibe em todo o caso, em toda a hypothese, a accumulação das funcções legislativas com as de qualquer emprego, menos as de Conselheiro de Estado, e de Ministro do Estado. O artigo 32.°, conforme com esta disposição, prohibe ao Governo não só o dar a um membro da Camara dos Srs. Deputados uma commissão qualquer, no intervallo das sessões, mas ainda o mandar-lhe exercer o seu emprego, se por ventura essa circumstancia o inhibir de vir funccionar na Camara dos Srs. Deputados durante a sessão ordinaria, ou extraordinaria; e o artigo 33.° offerece uma excepção, não ao artigo 31.°, mas ao artigo 32.°, determinando, que se por algum caso imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do Estado, fôr indispensavel, que algum Deputado saia para outra commissão, a respectiva Camara o poderia ordenar. Aqui tem V. Ex.ª os principios, que se acham terminantemente estabelecidos nestes artigos da Carta. — Primeiro principio — nenhum Par ou Deputado póde accumular quaesquer funcções com as legislativas, excepto as de Conselheiro de Estado, e de Ministro de Estado. Segundo principio— no intervallo das sessões, o Deputado não póde ir para commissão nenhuma, nem emprego, que o inhiba de se reunir no tempo da convocação das Côrtes geraes, ou extraordinarias. O Par fica já fora de combate. Esta disposição só comprehende os Deputados. Terceiro principio—se pôr algum caso imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do Estado, fôr indispensavel, que um Deputado saia para outra commissão, a Camara dos Srs. Deputados póde dar licença para que os seus membros sáiam do seu seio. Veio depois a Lei de 13 de Julho de 1849, referendada pelo Sr. Conde de Thomar, em que se lê o seguinte:

«Artigo 1.º Os Pares do Reino e Deputados ás Côrtes, que forem empregados publicos em Lisboa, poderão accumular, querendo, as funcções do Pares e Deputados ás do emprego que exercerem, quando forem requisitados á respectiva Camara em proposta do Governo por motivo determinado de utilidade publica.

«Art. 2.° As disposições do artigo 33.º da Carta Constitucional são applicaveis aos Pares do Reino.»-

O artigo 1.° desta Lei revogou pois a regra geral estabelecida no artigo 31.º da Carta, que prohibe a accumulação das funcções legislativas com as de qualquer emprego publico, e conservando a excepção estabelecida no mesmo artigo ampliou-o a todos os empregos publicos, permittindo a accumulação das suas funcções com as legislativas, dando-se previamente, para este caso, a licença da respectiva Camara. A experiencia tinha demonstrado, que a regra geral estabelecida no artigo 31.° da Carta punha graves embaraços, que era preciso remover, á administração publica. O artigo 2.° da mesma Lei determina, que as disposições do artigo 33.° da Carta são applicaveis ao Par do Reino; quer dizer — que nos casos imprevistos, de que dependa a segurança publica e o bem do Estado, não é só o Deputado que póde saír da sua Camara, mas tambem o Par do Reino. O Acto Addicional sanccionou esta mesma doutrina.

A convicção que resulta, pelo menos para mim, da comparação destas diversas disposições legislativas, é que tendo a experiencia demonstrado, como disse, que os artigos 31.°, 32.° e 33.° punham graves embaraços á administração publica, tractaram, tanto a Lei de 13 de Julho de 1849, como o Acto Addicional, de remover esses embaraços, de sorte que o parecer da illustre commissão de legislação é ainda anachronico, porque vem em 1858 pôr pêas á acção do Governo, péas que do 1849 até esta parte só se tem tractado do remover.

E agora não posso deixar de responder a uma pergunta feita pelo Digno Par o Sr. Visconde de Algés. Perguntou S. Ex.ª, que tinha a resolução tomada por esta Camara como Governo? Respondo a S. Ex.ª que tem, por quanto até agora o Governo tinha o direito de obrigar os Conselheiros de Estado, que são membros das Camaras, a accumularem as funcções daquelle Cargo ás funcções legislativas, e agora pertendem os Dignos Pares que o Governo seja obrigado a vir pedir ás Camaras licença para que estes funccionarios possam accumular estas funcções; resultando ainda daqui que não só as Camaras podem recusar essa licença, porem até os proprios Conselheiros de Estado se podem recusar a essa accumulação; o que póde dar logar á suspensão das funcções das secções administrativa, e do contencioso administrativo, estando de facto quasi todos os Conselheiros de Estado em ambas as Camaras; inconveniente que só se poderia atalhar com a creação de um numero indeterminado de Conselheiros de Estado, e augmento desta verba de despeza. Em vista disto perguntarei eu tambem agora — nada tem com o Governo a decisão tomada pela Camara?

Disse-se tambem, que esta questão nunca foi tractada no Parlamento. Nego isso. Esta questão não só foi tractada em 189, mas foi-o tambem no Acto Addicional em 1852. Tanto n'uma como n'outra época já funccionavam as duas secções, administrativa, e do contencioso administrativo do Conselho de Estado, e se apesar disso se não determinou nessas Leis, que para funccionarem naquellas secções careciam os Conselheiros de Estado, que fossem Pares ou Deputados, de licença da respectiva Camara, é porque se entendeu, que mesmo naquelle caso estavam comprehendidos na excepção do artigo 31.° da Carta. Cáe assim por terra tambem o argumento empregado no parecer, de que a Carta não podia ter em vista as secções do Conselho de Estado, que não existiam ainda; porque essas secções já funccionavam, havia sete annos, quando foi promulgado o Acto Addicional, e nem por isso depois deste diploma foi dada á Carta Constitucional interpretação diversa da que se lhe déra até alli.

Nem esqueça que o Acto Addicional foi proposto á Camara dos Senhores Deputados por um Ministerio em que havia dois Conselheiros de Estado. É tambem sabido que nessa redacção cooperou um dos mais conspicuos membros desta Camara, que era Conselheiro de Estado, e que infelizmente já não vemos aqui, o Sr. Manoel Duarte Leitão: á penetração do S. Ex.ª e dos Ministros dessa época não podia de certo escapar esta hypothese, e far-se-lhes-ia grave injuria suppondo-se que ella lhes não occorreu.

Se pois nem em 1849, nem em 1852 se fez a excepção que se pertende agora, e se antes e depois dessas épocas foi sempre interpretada a Carta Constitucional, como eu a interpreto, e unanimemente, quer pelo Corpo legislativo, quer pelo Governo, quer por todos os homens publicos, durante o já longo espaço de tres annos, sustento que não é possivel que esta interpretação unanime possa ser alterada senão por uma lei.

Imagine V. Ex.ª ainda, como já ponderei, que um grande numero do Pares do Reino eram Conselheiros de Estado, e que na occasião em que o ' Governo viesse pedir licença para elles poderem

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accumular, a Camara dizia: não damos essa licença; ou mesmo dando-a, dizia cada um dos Conselheiros de Estado individualmente; não vou exercer as funcções de Conselheiro de Estado, o que já hontem aqui se disse, e é exacto, que nessa hypothese o Conselheiro de Estado tem liberdade para podér declarar, e se recusar a esse serviço. Qual era, Sr. Presidente, a consequencia deste facto? A consequencia seria, que tendo a lei creado doze Conselheiros de Estado effectivos, e até doze extraordinarios, na hypothese de que poderiam accumular estas funcções com as funcções legislativas, porque essa era a interpretação dada á Carta então; o Governo se veria na necessidade de se apresentar ao Corpo legislativo a pedir creação de um maior numero de Conselheiros de Estado, a fim de podér prover aquella hypothese, que não fóra prevista, e habilitar o Conselho de Estado a funccionar, a fim de não padecer o serviço publico. E ainda não é tudo, Sr. Presidente, porque os Conselheiros de Estado teem vencimento; e agora pergunto eu: o Conselheiro de Estado effectivo que não quizesse funccionar reconhece no Governo o direito de suspender o seu ordenado? Não ha de querer. Logo era tambem o Governo obrigado a pedir auctorisação para essa maior despeza, dada esta hypothese. E a Camara dos Srs. Deputados não tinha o direito de perguntar ao Governo qual era o motivo desta novidade? E a Camara dos Pares do Reino, que não tem a iniciativa sobre impostos, julga ter direito a augmentar por um acto exclusivamente seu a despeza publica, e obrigar a Camara electiva a propôr impostos para fazer frente a esse augmento de despeza? Ninguem poderá sustentar, que uma resolução que nos levaria a estas consequencias, póde ser adoptada por uma só Camara sem o concurso dos outros dois ramos do podér legislativo.

Insistiu-se tambem em que o Conselho de Estado quando funcciona como secção do contencioso administrativo, funcciona como tribunal independente, e não como corpo consultivo; e eu senti que o Digno Par, que mais tractou desta questão, se não lembrasse de que era S. Ex.ª que tinha obrigação de sustentar uma opinião inteiramente contraria, porque foi S. Ex.ª quem referendou a Lei de 3 de Maio de 1845, que determina no artigo 15.° que de qualquer modo que o Conselho de Estado funccione a sua resolução ha de ser convertida em consulta, a qual só obrigará depois de resolvida pelo Governo. Isto creio eu que é lingoagem portugueza e muito clara, e se assim é, não sei como é que o Digno Par dá a estas palavras um sentido contrario daquillo que ellas significam.

Poder-me-ia demorar sobre este ponto, adduzindo muitos e incontestaveis argumentos, para provar que effectivamente o Conselho de Estado é sempre consultivo, mas quando ha uma lei que diz terminantemente que o é, não sei que mais seja necessario accrescentar para demonstrar esta proposição.

Se apenas nos referíssemos á Lei de 1845, ainda se poderia dizer que nessa época não estava bem reconhecida entre nós a organisação do Conselho de Estado, nem bem definidas as suas attribuições, desconhecendo-se por conseguinte a área que ellas abrangiam; mas em 1850, no Decreto publicado pelo Ministerio a que S. Ex.ª presidia, e do qual eu fiz parte, diz-se precisamente o mesmo que se dizia na Lei de 1845.

Em 1845 S. Ex.ª entendia pois o que entendeu em 1850, mas hoje entende o contrario! Não me pertence a mim apresentar os motivos que levaram o Digno Par a esta mudança de opinião.

Sr. Presidente, o Governo não trouxe esta interpretação á Camara; o Governo não veio pedir á Camara que reconsiderasse a sua resolução; não o pede agora mesmo, e empregará dentro dos limites das suas attribuições, os meios que julgar convenientes para que o serviço publico não soffra com a suspensão dos trabalhos na secção administrativa, e na do contencioso administrativo do Conselho de Estado.

Mas permitta-se-me que eu ainda diga mais algumas palavras em resposta a uma insinuação que o Digno Par me dirigiu. Disse S. Ex.ª que eu obrava debaixo de certa pressão, porque havia a intenção de desacreditar esta Camara, e de nella fazer introduzir sangue novo. A isto responderei que a nomeação de Pares é attribuição do Poder Moderador, tendo ouvido primeiramente o Conselho de Estado, que esta nomeação não pertence pois ao Poder Executivo.

No entanto, se o Digno Par quer ouvir a minha opinião a respeito de fornada de Pares, dila-hei, porque era a fornadas que S. Ex.ª se referia, e não á prerogativa que o Soberano algumas vezes exerce, galardoando a intelligencia e o merito, e elevando qualquer homem eminente á dignidade de Par. Mas com relação ás fornadas a que ás vezes se recorre para se satisfazer a uma necessidade politica, nomeando-se em larga escalla membros para esta casa, para por este modo se modificar a maioria da Camara, a minha opinião é que por este meio nunca se resolve nenhuma difficuldade (apoiados). Eu tenho assistido a essas nomeações, e ainda não vi que o Ministerio que as fizesse, se tornasse mais forte (apoiados). Não direi mais nada a este respeito.

Agora tambem devo desafrontar um jornal a que o Digno Par alludiu, assegurando, que esse jornal era pago pelo Governo. Posso asseverar á Camara que o Digno Par se enganou completamente a este respeito, e que esse jornal nada recebe do Governo. Tenho concluido.

(Durante o discurso do precedente orador, entrou o Sr. Ministro da Justiça.)

O Sr. Ferrão (sobre a ordem) — O principal argumento do Sr. Ministro da Fazenda, versou sobre os termos em que havia sido concebido o parecer da commissão, que esta Camara adoptara, pretendendo assim fazer vêr que esta Camara usurpara assim attribuições que pertenciam á outra Camara, porque não era sómente a nós, a quem competia interpretar as Leis, como se interpretação doutrinal fosse o mesmo que interpretação authentica, e como se fosse moralmente possivel que esta Camara quizesse de modo algum offender as attribuições da outra casa do Parlamento, quando não fez mais do que tomar uma resolução que não podia deixar de ter uma applicação restricta a esta mesma Camara (apoiados). É isto o que já aqui se tem dito e demonstrado, e não foi outra a minha intenção quando assignei o parecer, e posso affoutamente affirmar que foi a de todos os membros da commissão de legislação, assim como de toda a Camara, quando approvou o mesmo parecer (apoiados). Escusado me parecia insistir nesta explicação, mas como o Sr. Ministro da Fazenda reproduz o seu argumento, eu vou dar uma prova ao Ministerio e á Camara, da boa fé das minhas convicções fazendo a seguinte proposta:

(Leu-a, e mandou-a para a Meza, concebida nos seguintes termos:)

«Proponho que a Camara declare, que mantendo a sua resolução, esta não tem, nem póde ter, applicação senão aos Conselheiros de Estado, que são membros da mesma Camara. =Ferrão.»

O Sr. Presidente expõe que o regimento determina sempre que se apresente qualquer proposta, quando não declarada a sua urgencia, que fique para segunda leitura; porém julga que o Digno Par pedirá a urgencia.

O Sr. Ferrão — Sim, senhor, peço a urgencia.

O Sr. Visconde de Algés pergunta se já foi admittida a proposta do Digno Par? Elle orador julga que será necessario consultar a Camara sobre a sua admissão.

O Sr. Presidente declara que passa a consultar a Camara sobre a sua admissão.

Foi admittida.

O Sr. Visconde de Balsemão—Sr. Presidente, muito pouco tempo tomarei eu á Camara, porque não pertendo entrar na discussão da materia, que em verdade já tem sido largamente debatida; no entanto a Camara devia de certo prever que eu não poderia deixar de pedir a palavra, depois das allusões que hontem um Digno Par fizera á minha pessoa, e assim estou no direito de me justificar das falsas allusões que se me fizeram, algumas até injuriosas, mas que eu soube logo repellir com aquella dignidade propria do meu caracter. No entanto depois da explicação que o mesmo Digno Par me déra, de que não havia sido sua intenção dirigir-me a menor allusão injuriosa, eu não podia deixar de me dar por satisfeito.

Mas S. Ex.ª disse que se admirava de que tendo eu votado de confiança o parecer da commissão de legislação, viesse depois declarar que já estava de opinião contraria a esse mesmo parecer que primeiramente havia votado.

Ora, eu creio que o Digno Par me havia ter ouvido dizer que, com quanto este parecer tivesse aqui sido apresentado e approvado com precipitação, eu respeitando muito os membros da respectiva commissão, porque os tenho por uns eminentes jurisconsultos, nenhuma duvida tive em logo dar o meu voto de approvação ao mesmo parecer. Tendo depois lido a legislação relativa ao Conselho de Estado, e tendo combinado a Lei e Regulamento respectivo com os artigos da Carta que tractam do mesmo Conselho de Estado, e na presença das reflexões aqui expendidas por alguns Dignos Pares, eu convenci-me de que a doutrina do parecer não era verdadeira, e que por isso deveria modificar a minha opinião, não me parecendo, como ainda me não parece, que seja motivo de censura o mudar de parecer, e sobre tudo uma pessoa que não podia estar tão ao facto da materia de que se tractava como os proprios membros da commissão de legislação. Vendo eu portanto que o Regulamento, que tractava da organisação do Conselho de Estado, só tractava dos Conselheiros de que falla a Carta Constitucional, intendi que devia retirar o voto que já havia dado sobre o parecer concebido em sentido diverso.

Mas estranho a admiração do Sr. Conde de Thomar, porque S. Ex.ª hontem mesmo disse que no tempo em que fóra collega do Sr. Ministro da Fazenda, nunca tomára parte no que S. Ex.ª fazia sobre finanças, e então S. Ex.ª admira-se que eu désse o meu voto de confiança á commissão de legislação, e que depois julgasse que podia haver acima da commissão uma intelligencia superior, que era para mim a Lei? Porque, a discussão me tinha posto em duvida se eu estaria em erro ou SS. Ex.ªs; porque, tambem consultei sabios jurisconsultos que me disseram que o parecer da commissão não estava na lettra nem no espirito da Lei regulamentar; eu exitei por qual dos lados me havia de resolver; e neste modo de pensar que adoptei em nada me desdisse, em nada mudei de opinião, porque eu não tinha votado o parecer com conhecimento de causa, tinha votado, como acontece aqui muitas vezes, dando voto de confiança á commissão que elaborou o parecer, porque nem ao menos tive tempo para o lêr, porque o parecer apresentou-se no fim da sessão, leu-se e votou-se.

Não pertendo, Sr. Presidente, que a minha opinião seja a verdadeira, não entro nessa questão; o que digo é que não entra em duvida o espirito e lettra da Carta, combinado com o regulamento do Conselho de Estado; se estava em erro, votando pelo parecer da commissão, segue-se que a verdade está na Carta, e no regulamento. Diz o regulamento: «As funcções de Conselheiros de Estado não são incompativeis com cargo algum;» mas pela resolução adoptada pela Camara tornam-se incompativeis com as legislativas, e eu desejo que expliquem o que quer dizer a Carta e o regulamento, e o que quer dizer o parecer da commissão, porque a minha intelligencia me não deixa comprehender isto, e talvez que, depois da explicação, mude de opinião, mas por ora não vejo motivos para isso. Disse estas poucas palavras para responder ás allusões que me fizeram hontem, e para mostrar que não fico desairado por ter mudado de opinião ácerca do parecer da commissão de legislação.

O Sr. Ministro das Obras Publicas—Pedi a palavra na occasião em que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar declarou que o Governo desejava, tinha a intenção, manifestava a vontade, de que esta Camara alterasse a resolução que linha tomado a respeito do parecer da illustre commissão de legislação.

Sr. Presidente, não podia deixar de pedir a palavra para dizer o mesmo, que muito terminantemente disse o Sr. Ministro da Fazenda; não foi, não é das intenções do Governo pedir a esta Camara que reconsidere uma votação que teve logar. Estamos intimamente persuadidos que as reconsiderações as mais das vezes tiram tanta força a quem as pratica, como a quem as exige; não temos a pretenção de suppôr que esta Camara era capaz de modificar uma opinião que tinha adoptado, por vêr uma ou outra attitude do Governo; porém o Governo está tambem no seu direito querendo conservar intacto no seu podér o principio seguido pelos Ministerios antecedentes, e por isso o Governo póde empregar os meios que julgar convenientes para esse fim.

Tambem é verdade, como declarou o meu collega o Sr. Ministro da Fazenda, que nós não trouxemos esta questão á Camara; esta questão veio aqui por causa de uma interpellação que foi dirigida ao Governo, e não a trazendo nós, como tinhamos a intenção de fazer modificar a resolução da Camara?

Agora, senos, como Governo, procurámos entender-nos com a Camara, isto não importa a menor idéa de lhe querermos impôr a nossa vontade, pelo contrario, importa o desejo de querermos viver na melhor harmonia com os corpos legislativos; e nós, a Administração actual, não temos motivos nenhuns para ter a menor indisposição com a Camara dos Dignos Pares, porque, se attendermos á historia, esta Administração não chegaria mesmo a existir se não fosse a attitude tomada pela Camara dos Dignos Pares em certa época; e, portanto, já se vê que não era natural que tivessemos a menor indisposição para coma Camara dos Dignos Pares. Agora a manifestação de que o Governo diverge pela sua parte a respeito da intelligencia da obrigação que a decisão desta Camara lhe póde impôr, parece-me que é com razão; porque, se não fossemos exigentes nos nossos direitos, seria um erro que commetteriamos, mas isto não concorre de modo algum para haver indisposição com a Camara dos Dignos Pares.

O Digno Par o Sr. Marquez de Ficalho, que me citou os jurisconsultos que abonam a resolução desta Camara, ha de permittir-me que lhe diga, que ha muitos jurisconsultos, tambem distinctos, que teem uma opinião contraria, e a força de auctoridades competentes não falta a nenhum dos campos, porque ha jurisconsultos habilissimos que teem uma opinião diversa; nunca houve unanimidade em todos os pontos.

Mas este não é o caso, Sr. Presidente; poderemos nós o Governo ter duvida; e permita-me o meu amigo que lhe diga neste ponto, que o modo politico de dizer que está persuadido de uma opinião contraria, é dizer que tem duvida sobre a opinião opposta, este é o modo politico de apresentar duvidas. Mas, Sr. Presidente, o Governo manifestará uma grande teima em não querer sacrificar o uso e prerogativas que entende que lhe competem? Todos sabem que os Governos anteriores exerceram essas prerogativas, e não se diga que em outro tempo não se tractou deste assumpto; eu pergunto se durante treze annos os Dignos Pares que eram Conselheiros de Estado não iam funccionar no Conselho de Estado administrativo, achando-se o Parlamento aberto? E indo não davam uma prova de que podiam accumular estes dois logares? Então não sei como possa haver agora logar para duvidas n'uma questão desta ordem. Pois se o Conselho de Estado póde funccionar durante treze annos, se sempre entendeu esta questão da mesma fórma, se não se interrompiam as suas sessões na occasião de se abrir o Parlamento, não sei qual o motivo para se estar a suscitar todas estas duvidas!

O que eu tambem sinto é que a minha intelligencia não me deixe chegar ao ponto de comprehender a Lei de 18 de Agosto de 1769, citada pelo Digno Par o Sr. Visconde Algés: é preciso que um precedente tenha um seculo de duração, disse S. Ex.ª, para fazer Lei; mas eu entendo que isso não significa nada para fixar no systema representativo a intelligencia de uma Lei politica. Ora, Sr. Presidente, eu peço licença á Camara para dizer, que não posso deixar de manifestar....

Disse S. Ex.ª, que é necessario que o precedente tenha um seculo de duração para constituir um aresto em jurisprudencia, por consequencia que segundo a Lei de 1769 de nada servem os treze annos, seria necessario que fossem cem. Eu peço licença para dizer, que não posso dar a minha acquiescencia a este argumento, não sei se está presente o Digno Par que o apresentou, o Sr. Visconde de Algés (O Sr. Visconde de Algés—Estou attendendo muito a V. Ex.ª). Parece-me que adoptada a idéa de S. Ex.ª nós que já temos systema representativo ha perto de quarenta annos, precisâmos mais sessenta annos para termos uma jurisprudencia parlamentar (O Sr. Visconde de Algés—Peço a palavra). Eu julgava que o conselho desta Camara era tão respeitavel, que a fórma como ella o seguisse n'um ponto dado com a mesma uniformidade durante treze annos era bastante para nos dispensar agora de irmos á Lei de 1769 (O Sr. Visconde de Algés— Eu responderei). Eu sei que S. Ex.ª me responde, e eu para não protrahir o debate não hei de fallar novamente nisto, pois estamos n'um debate um pouco singular, e até original, porque estamos discutindo depois de ter votado Iriso).

O Governo tem uma opinião pela qual se póde obviar aos inconvenientes que resultariam da adopção da proposta ou parecer da commissão; mas o Governo não pede que se reconsidere cousa alguma. Assim o negocio está nestes termos: a Camara dos Dignos Pares insiste, nós nada propomos, entretanto discutimos longamente.

O Sr. Ferrão propõe agora que a Camara mantenha a sua resolução, votando o que já votou; eu não sei para que isto seja, é uma outra edição da mesma votação (O Sr. Ferrão—É que V. Ex.ª não ouviu ter bem a proposta, é uma explicação da votação para se não continuar a dizer que a resolução abrange a outra Camara).

Effectivamente eu comprehendi logo o pensamento do Digno Par, que é conforme com esta sua explicação, S. Ex.ª quer que fique claro que a resolução é sómente pelo que diz respeito á Camara dos Dignos Pares. É verdade que S. Ex.ª lá diz—mantendo a sua resolução.

Ora, a respeito de manter a resolução não sei que seja necessario realmente declarar-se, porque nisso todos estamos de accôrdo, ninguem pede a reconsideração; os Ministros não pedem isso á Camara; mas o que lhes cumpre notar agora, depois da explicação do Digno Par, é que a resolução applicada tambem assim restrictamente á Camara dos Pares não póde ser, é necessario que haja então uma Lei que dê a isto o caracter de uma decisão uniforme igual para uma e outra Camara, n'um ou n'outro sentido.

Eu confesso que cada palavra que profiro faz-me ter escrupulos, porque trazida a questão a estes termos não comprehendo mesmo porque é que se está discutindo, e o que é que se tem discutido; nem sei a razão porque eu mesmo estou agora discutindo, pois o resultado creio que todos conhecem que se cré esteril; entretanto seja-me ainda permittido dizer duas palavras.

Quando o governo duvidou pela sua parte acceitar esta resolução, isto é, na parte em que limitava as suas attribuições, teve fortes motivos para assim proceder, porque se não trata só da resolução da Camara para que possa funccionar o Conselho d'Estado administrativo com os membros desta Camara que lhe pertençam, se esta der licença para a accumulação, trata-se da faculdade que então fica a cada um dos dignos Pares de quererem ou não quererem accumular taes funcções, e eu que ouvi com toda a attenção o digno Par o Sr. Visconde de Algés fallando do difficil trabalhoso e improbo das funcções do Conselho d'Estado nas duas secções, eu que ouvi o que disse um cavalheiro de tanta intelligencia como S. Ex.ª, que tem tanta facilidade de podér logo comprehender os negocios, e negocios tão importantes como os da Conselho d'Estado, não pude deixar de dizer: pois se um individuo em taes circumstancias suppõe que não póde desempenhar, o que será a respeito de muitos outros; de maneira que até por modestia veremos Conselheiros d'Estado declarar que não podem accumular as funcções legislativas com as do Conselho d'Estado; o governo meditando, requereu a reunião afim dever se se conciliavam as duas opiniões; não foi possivel, que se seguiu? O combate, o duello como disse engenhosa e espirituosamente um digno Par; mas este duello, Sr. Presidente, não póde deixar de ser como muitos que vem a acabar em cumprimento festivo; aqui não se póde tratar de fazer correr o sangue, mas sim de fazer correr o expediente dos trabalhos do Conselho d'Estado administrativo; para isso já temos tomado e havemos de tomar as medidas necessarias.

Chegadas pois assim as cousas a estes termos o que é preciso é que se entenda bem que o governo não propõe, não pede de maneira nenhuma a esta Camara que modifique a sua resolução, e desde que o não pede entendo que tudo isto é uma discussão escusada, perdoem-me os dignos Pares, mas é como eu ha pouco disse uma discussão depois da votação, discussão que não altera em nada o que está votado.

O Sr. Ferrão: — Eu tinha muito que dizer em contestação aos Srs. Ministros que tomaram parte na discussão de hoje, com quanto se occupassem bem pouco, ou quasi nada, dos meus argumentos, todavia tendo pedido a palavra, não ficarei silencioso.

É sem a menor força nem importancia o argumento derivado dos termos da resolução que tomou esta Camara; pois que, repito, esta resolução não teve nem podia ter outra significação mais do que aquella que eu indico na minha proposta declarativa; assim cahe completamente este argumento do Sr. Ministro da Fazenda.

Se a Camara dos Srs. Deputados entender em sua sabedoria que a Carta Constitucional da Monarchia dispensa o governo de pedir á respectiva Camara licença para accumulação das funcções legislativas com as de membro do Conselho de Estado administrativo, está no seu direito, nada tem esta Camara com isso, porque assim como mantem a sua independencia, sabe respeitar a da outra casa do Parlamento nos objectos privativos a cada uma das mesmas Camaras.

Se porém, ali considerando-se o negocio duvidoso, se votar um projecto de lei declaratório em sentido contrario á opinião manifestada por esta Camara, póde ser approvado ou regeitado conforme as razões que se produzirem na discussão, que façam vêr que esta Camara errou, tanto no modo porque resolveu a questão pela sua interpretação doutrinal, como por considerar a mesma questão como simples e clara, e exclusiva por tanto da necessidade de uma interpretação authentica.

Se a Camara dos Srs. Deputados, conformando-se com a opinião desta Camara, tiver com tudo como conveniente um lei declaratoria, não teria eu a menor duvida em lhe dar o meu voto de approvação.

Eu tambem sou dos que pensam que não é precisa similhante lei, mas visto que se entra em duvida, eu votaria—faça-se a lei; porque não ha repugnancia alguma em converter em novo preceito legislativo qualquer disposição de lei em vigor, posto que não careça, para mim, de interpretação authentica. É uma superfluidade, mas o que abunda não prejudica.

Em quanto porém, esta lei se não fizer, esta Camara está no seu direito para interpretar a lei doutrinalmente, e a Camara dos Srs. Deputados de a entender tambem como em sua sabedoria julgar mais conforme ás palavras e ao espirito do

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legislador; e uma e outra Camara dentro da orbita do seu podér domestico.

O Sr. Ministro da Fazenda disse que o Acto addicional e a lei de 1849 tinham revogado a Carta (O Sr. Ministro da Fazenda—É o artigo 31.°). Permitta-me S. Ex.ª que eu lhe diga, como já disse sobre a interpretação doutrinal e authentica, que o seu argumento labora em alguma confusão sobre a palavra revogação tomada no sentido juridico ou legal. A regra, a respeito da accumulação dos empregos publicos, pelos membros das duas casas do Parlamento, durante as sessões legislativas, subsiste segundo a letra da Carta Constitucional, segundo o seu espirito, e segundo a sua philosophia politica; e já eu apresentei as razões com que se justifica a mesma regra, as quaes se fundam sobre a incompatibilidade reconhecida assim na mesma Carta, entre o serviço parlamentar e o funccionalismo exterior.

Que fez a Lei de 1849 e o Acto addicional? Modificou sómente essa prohibição, e modificar é muito differente de revogar (apoiados). Por tanto a carta subsiste, e para se lhe fazer alteração neste ponto, restricta aos empregados na capital, ficou sendo preciso o concurso de tres vontades: no governo, na Camara, e nos empregados.

Nesta modificação precede a vontade do governo, vindo á Camara pedir a licença; é o juiz da utilidade que della póde virão serviço publico, no que tambem deve ser zelador das conveniencias do serviço parlamentar, para que os corpos legislativos funccionem como devem, com perseverança e assiduidade.

Segue-se no concurso uma segunda vontade, dependente da annuencia da respectiva Camara, porque se o governo é o juiz da necessidade do serviço publico, e zelador da conveniencia de exercicio parlamentar; a respectiva Camara é juiz especialissimo das suas proprias necessidades, e cada uma dellas tem por tanto o direito de conceder ou de recusar ao governo em globo taes licenças, ou parcialmente a respeito deste ou daquelle de seus membros cuja falta entender póde mais ou menos prejudicar aos trabalhos.

É precisa ainda no concurso a vontade individual do empregado que o governo requisita, por que este e tambem juiz das suas forças, e ninguem melhor que elle póde consultar a sua consciencia, para se decidir a accumular o serviço.

O Acto addicional não revogou neste ponto a Lei de 1849; porque a sua disposição é toda permissiva e não obrigatoria; e assim depois de admittida pela Camara a requisição do governo, ainda resta a liberdade do empregado publico para adherir ou não ao pedido de governo.

O Sr. Ministro da Fazenda, e o Sr. Ministro das Obras Publicas quizeram continuar a tirar argumentos do silencio de treze annos a respeito desta questão.

É um argumento a que já se tem respondido, e não esperava ouvil-o repetir, e até com alguma graça, que muitas vezes acompanha o Sr. Ministro das Obras Publicas.

Não é a mim que toca responder a S. Ex.ª mas ao Sr. Visconde de Algés a quem se referiu, mas não posso dispensar-me de dizer, que o Sr. Ministro teve muito pouca razão em quanto pareceu assim dar menos força á Lei de 18 de Agosto de 1769, por ser do seculo passado.

Sr. Presidente, aquella Lei contém o desenvolvimento de principios doutrinaes, que o volver dos seculos não ha de prejudicar, e as Leis, ainda que sejam do seculo passado, ou tenham tres e mais seculos, são Leis do paiz em quanto não forem revogadas. (O Sr. Visconde de Algés— Apoiado.)

Esta Lei tem sido justamente considerada como luminosa, e muito conveniente sempre na sua applicação; e na sua conformidade não ha nenhum abuso, nenhuma pratica em contrario, que possa derogar uma Lei em quanto não fôr revogada por outra Lei. Alli se declara, que nem a tolerancia nem o silencio do legislador póde ser considerado como meio de revogação ou derogação.

Se estes principios eram os verdadeiros, os legislados, sob o regimen absoluto, serão elles sem força sob o regimen constitucional?

Disse-se mais, e com a mesma graça: que esta discussão é notavel, por que não precedeu á votação, mas veio depois della. É verdade que não houve discussão sobre o parecer da commissão de legislação, porque a Camara entendeu, que este negocio era simples e não carecia de discussão (apoiados).

Foi um Digno Par, que trouxe este objecto á discussão? Tambem digo que não. S. Ex.ª reduziu-se a fazer uma pergunta ao Governo, em fórma de interpellação, desejando uma explicação sobre o motivo porque não funccionavam os Conselheiros de Estado que eram membros desta Camara. Foi, pois, o Sr. Ministro da Fazenda, que saíndo dos termos da interpellaçao trouxe para o campo da discussão o que se tinha passado em uma conferencia particular, e viemos assim todos forçados para esta discussão. Eu vim com grande repugnancia, mas era necessario dar a palavra a quem se via aggredido, e sempre ha fundamento justo para defender o amor proprio, que é offendido pela contestação, quando não se apresentam razões mais fortes em contrario (apoiados).

O outro argumento produzido pelo Sr. Ministro das Obras Publicas sobre a transcendencia da resolução da Camara, em quanto produz o effeito de obrigar o Governo a fazer o que não tem feito nunca, não tem a menor importancia.

Eu já disse que a commissão não teve a menor intenção de pôr pêas ao Governo, e que pelo contrario nada mais quizemos que facilitar ao Governo o exercicio dos deveres que lhe são impostos pela Carta; e se isto é uma obrigação vem da Lei, e a sua applicação vem forçada pela conveniencia do serviço publico, que impõe ao Governo todas as obrigações que forem necessarias. Diz-se mais: mas até aqui os Conselheiros de Estado iam aos tribunaes administrativos de seu motu proprio, sem licença da Camara, e agora depois desta resolução entendem que não podem ou que não devem ir em quanto não forem pedidos pelo Governo.

Mas que temos nós com o facto em vista da disposição da lei? Digo que não póde continuar essa pratica, porque o Parlamento deve zelar as suas prerogativas, e tem o direito de não consentir na licença, e de insistir mesmo em que os membros desta Casa não faltem por qualquer motivo ás suas sessões.

Neste sentido esta Camara deu um documento de sabedoria e constitucionalidade no principio desta sessão annual, porque, concedendo a licença para accumular, o fez com a clausula de que a mesma licença se entenderia sem prejuizo do serviço da mesma Camara.

De maneira que eu no meu tribunal, e invoco o testimunho de V. Ex.ª, tracto muitas vezes de distribuir o meu trabalho em conformidade com esta resolução da Camara, procurando abrevial-o quanto é conveniente e compativel com a administração da justiça, para que pelo menos ás duas horas eu saia e possa vir aqui tomar assento; porque entendo que depois das duas horas a que de ordinario se reunem os Dignos Pares já não tenho jurisdicção, e é tambem certo que no principio das sessões os Dignos Pares que são Juizes, em quanto a Camara se não constitue, ou mesmo depois de constituida, em quanto não tem permissão, abstem-se de julgar, para não procederem com nullidade. É isto exacto Sr. Presidente?

O Sr. Presidente — Exactissimo.

O orador—Conseguintemente, Sr. Presidente, o serviço da Camara está primeiro do que qualquer outro, porque subsiste o preceito da Carta, e a sua razão. Se o preceito da Carta e a razão em que se funda subsistem com uma modificação clausulada, é necessario que as restricções dessa modificação se preencham; porque é tambem outro principio de direito não só que toda a excepção confirma a regra geral em contrario, mas que a excepção se tome nos seus precisos termos, sem se ampliar com offensa da mesma regra.

Eu, Sr. Presidente, não quero prolongar mais a discussão, e per consequencia limito-me a estas reflexões.

O Sr. Conde de Thomar—Vou usar ainda uma vez da palavra, não para illucidar a materia, que está devidamente esclarecida, mas com o simples intuito de responder a algumas considerações feitas pelo Sr. Ministro da Fazenda; de explicar alguns factos, que, na minha opinião, foram adduzidos com menos exactidão, e de responder finalmente a alguns argumentos velhos, os quaes, pela maneira porque foram apresentados, lêem a apparencia de novos. Farei toda a diligencia para resumir e meu discurso, muito embora seja longo o campo que tenho a percorrer. Antes de entrar em materia, julgo do meu dever declarar á Camara, e a cada um dos meus collegas em particular, que em tudo o que disse, ou possa ainda dizer nesta ou em outra questão, não póde haver intenção da minha parte, de offender alguem, ou faltar por qualquer fórma á consideração que todos me devem; uma tal intenção nem está de accôrdo com o respeito que a todos devo, nem com a minha educação. A Camara sabe que mesmo nessas discussões tormentosas de outros tempos, em que fui alvo das maiores injurias e personalidades, se alguma vez fui energico, foi sempre em defesa propria. Esta explicação, que dou hoje e para sempre, refere-se neste momento com mais especialidade ao Sr. Visconde de Balsemão, que na ultima sessão pareceu entender que eu lhe dirigira uma personalidade e offensa: o meu nobre amigo disse em um áparte «que rejeitava a insinuação por mim feita.» Enganou-se o Digno Par, porque não pertendi offender a S. Ex.ª, mas sómente mostrar a facilidade com que havia mudado de opinião, em uma questão, sobre a qual tinha havido uma resolução da Camara á unanimidade, contando-se o Digno Par no numero dos votantes. Parece-me isto tanto mais extraordinario, quanto havendo o meu nobre amigo considerado, e com rasão, os membros da commissão de legislação, como dos mais habeis jurisconsultos da nossa terra, inspirando-lhe por isso a maior confiança, e votando sem difficuldade pelo parecer da mesma commissão, depois viesse declarar que pela rapida leitura que fizera do Regulamento do Conselho de Estado, reconheceu que havia sido induzido em erro. Disse eu então que o Digno Par havia assim proferido com grande facilidade uma sentença contra a alta intelligencia desses jurisconsultos, e que se esta sentença não podia ser lisongeiro para os membros da commissão, nem por isso o Digno Par devia deixar de lisongear-se, por ter com a rapida leitura do Regulamento conseguido o que tão habeis jurisconsultos não tinham podido conseguir pelo maduro exame! (Riso.) Isto não póde por fórma alguma ser julgado offensivo ao Sr. Visconde de Balsemão. _ O Digno Par mostrou desejos de que alguem podesse mostrar-lhe, como, dizendo o Regulamento que as funcções de Conselheiro de Estado não são incompativeis com o exercicio de qualquer outro emprego publico, não podem taes funcções accumular-se com as legislativas, sem a permissão da respectiva Camara. Parece-me que o Digno Par se refere á disposição do artigo 7.° do Regulamento de 1850. Bastaria attender ás proprias palavras de S. Ex.ª e que são textualmente as que se contém no dicto artigo, para se vêr que ahi se não. contém a materia de que se tracta. As funcções legislativas não podem comprehender-se na denominação das funcções de qualquer outro emprego publico; esta materia tem uma legislação especial, e o Digno Par achará a sua resolução na Carta, e no Acto Addicional. Confundiu portanto o Digno Par a legislação que é applicavel á questão; não admira portanto que seja errada a consequencia que pertendeu tirar.

Aproveitarei a occasião para fazer breves considerações sobre o que disse o Sr. Ministro da Fazenda, queixando-se da grave injuria, que eu lhe irrogara, dizendo, que varias circumstancias mostravam que S. Ex.ª nesta questão obrava debaixo de uma certa pressão, não obrando pela sua cabeça e intelligencia, mas sendo infelizmente instrumento de alguem. Não tive seguramente a intenção de injuriar o Sr. Ministro, tive sómente a intenção de enunciar o sentimento, que me assistia, de que tal se asseverasse, sentimento que seria muito maior se os factos viessem confirmar o que a tal respeito se dizia. Eu não procedi por uma fórma differente daquella, que é muito frequente no Parlamento; quantas vezes não fui eu accusado por obrar em virtude de inspirações extranhas, o que era inteiramente inexacto? Quantas vezes não foi o proprio Sr. Ministro da Fazenda accusado de obrar pelas inspirações da agiotagem, o que tambem reputo inexacto? O que se torna necessario é que os factos não confirmem a accusação, e eu receio que muitos venham confirmar o meu sentimento. O Sr. Ministro mostrou agora mais que nunca grande calor para repellir a minha asserção, procedeu isso naturalmente do desejo de questionar comigo, porque eu não fiz mais que repetir o que geralmente se diz.

Fiquei na verdade maravilhado, quando o Sr. Ministro da Fazenda disse que eu devia mostrar-me mais agradecido pela defeza que S. Ex.ª tomára em favor do Ministerio de 18 de Junho, a que eu tive a honra de presidir. Permitta-me S. Ex.ª que eu lhe diga, nada dever-lhe pessoalmente, pois que se o nobre Ministro defendeu os actos desse Ministerio, nada mais fez que defender-se a si proprio; e note-se que S. Ex.ª se occupou especialmente da defeza da gerencia financeira, a cargo de S. Ex.ª nesse Ministerio, e em que sempre obrou desassombradamente, porque eu e todos os mais collegas lhe dêmos voto de confiança pleno. Eu fui muito atacado nessa occasião, não obstante estar ausente do reino, e não me consta que nesses ataques pessoaes o Sr. Ministro proferisse jamais uma palavra em meu abono. O que S. Ex.ª diz, fizeram os outros nossos collegas, que sempre declararam, que estavam promptos a responder pelos actos do Ministerio de 18 de Junho; e que outra cousa poderiam fazer, não respondiam todos pelos proprios actos? Depois destas breves observações permitta-me o Sr. Ministro dizer-lhe, que este objecto de agradecimentos não é para o Parlamento; se eu quizesse occupar-me deste objecto, poderia com mais fundamento fallar dos agradecimentos a que S. Ex.ª é obrigado, não temeria fazer a comparação, mas isto, como disse, é improprio da discussão (apoiados).

Não deixarei sem uma breve reflexão o dito muito notavel do Sr. Ministro da Fazenda, em quanto asseverou, que, não obstante alguem ter acreditado que a sua entrada no Ministerio de 18 de Junho tinha por fim dissolver a situação politica dessa época, elle fóra sempre um collega fiel! Não é seguramente este procedimento do Sr. Ministro um motivo para agradecimento, eu entendo que suppôr o contrario seria fazer-lhe grande injuria (apoiados). Era essa a sua obrigação e o seu dever, e máo é que houvesse alguem que suspeitasse o Sr. Ministro capaz de faltar á fidelidade a que era obrigado para com os seus collegas (apoiados). De passagem, porém, direi, que qualquer que seja a importancia, que o Sr. Ministro suppunha ter, enganava-se completamente, se imaginava que tinha a força para dissolver a situação politica de então; os homens que a dirigiam tinham resistido, e destruido forças muito maiores do que as que poderia empregar o Sr. Ministro. Era melhor, sem duvida, que S. Ex.ª não tivesse referido mais este titulo da sua gloria, porque o simples enunciado de que alguem suppoz que o Sr. Ministro era capaz de um tal procedimento, já não é muito lisonjeiro!...

O nobre Ministro declarou que não tem amigos politicos, e que só considera amigos os que quizerem acompanhar. Peço licença para dizer que este é um systema como qualquer outro, mas ha de permittir que aquelles que consideravam a S. Ex.ª como amigo politico, tenham o direito de investigar, se o devem seguir no escabroso caminho, em que marcha depois de certa época. O nobre Ministro não póde exigir que esses, que ainda ha pouco chamava amigos politicos, o sigam no caminho das contradicções em que actualmente vai marchando. Julgou o nobre Ministro, que havia lucrado muito com uma insinuação que me fez ad odium, pertendendo achar contradictorio o meu procedimento. É verdade que eu disse á mez e meio, que preferia este Ministerio a um Ministerio puro da regeneração. Ainda repito hoje a mesma declaração. Mas não pense S. Ex.ª que a minha posição, quanto ao Ministerio actual, é hoje a que era nessa época; depois que eu fiz essa declaração o Governo apresentou muitas propostas de lei na outra Camara, com as quaes me não conformo, e que hei de combater. Não fui eu portanto que mudei, foi o Ministerio, e principalmente o Sr. Ministro da Fazenda, que vai adoptando uma por uma as propostas do Ministerio da regeneração, que eu combati, e que continuarei a combater, se o systema de administração e fazenda fôr o mesmo. Se tudo isto é assim, já se vê que a mudança não foi da minha parte, foi do Ministerio, e que se existe contradicção é da sua parte e não da minha. Pensa o Sr. Ministro que elevando-se á montanha seria alli seguido por mim, e por outros amigos? (Apoiados).

Figurou o Sr. Ministro uma forte opposição da minha parte: não sei o que fundamentou esta asserção da parte de S. Ex.ª, sendo certo que até agora, como já disse em outra occasião, eu não me separei do Governo, senão na medida proposta para a Madeira, sustentando a doutrina de tres Srs. Ministros, antes de o serem, e na questão que se agita, toda domestica desta Casa; mas sou forçado hoje a essa opposição, por que não só o Governo procede de uma maneira differente daquella, por que procedia antes, mas por que o Sr. Ministro da Fazenda, irrogando-me a nota de falso amigo, me excluio do numero dos defensores do Ministerio (apoiados).

Ouvi dizer ao nobre Ministro das Obras Publicas que o actual ministerio não podia estar em opposição com a Camara dos Pares, porque era filho da attitude imponente, e constitucional, que em certa época tomára esta mesma Camara contra o gabinete precedente. Não sei se isto é muito exacto, attendendo ao modo, e principios seguidos na organisação do actual ministerio, mas, concedendo a que diz o Sr. Ministro das Obras Publicas, peço a S. Ex.ª que observe, que afim dessa attitude imponente e constitucional não foi contra homens foi contra os novos impostos, que vinham agravar extraordinariamente o povo, foi contra um systema de administração, que não foi julgado conveniente, mas sendo certo que o actual ministerio tem seguido o mesmo systema, e que nos ameaça de novos impostos, ainda em maior escalla, é claro que o Sr. Ministro das Obras Publicas ha de considerar que o ministerio de que faz parte é um filho ingrato (riso), e que bem longe de esperar avida, deve esperar a morte desta Camara (apoiados).

Pelo que respeita á questão, que se agita, receiu entrar no seu desenvolvimento, depois do que magistralmente expenderam os Srs..Visconde de Algés e Ferrão, assim como outros Dignos Pares, que me precederam. Tenho a convicção de que os argumentos oppostos em nada alteraram a convicção da Camara. O Sr. Ministro da Fazenda julgando-se forte com a analise que fez de differentes leis francezas, e com a opinião de escriptores que referiu, limitou-se a responder mais particularmente a algum pontos, que tratei ultimamente: devo agradecer a S. Ex.ª o ter-se unicamente occupado do meu discurso, não dizendo uma palavra da resposta nem ao Sr. Visconde de Algés, nem ao Sr. Ferrão, que trataram magistralmente a questão, seria porque não fez cabedal dos seus argumentos, ou porque não lhes encontrou resposta? Seja como fôr é para mim lisongeiro encontrar na minha frente um adversario tão forte como o Sr. Ministro. Seja-me contudo permittido dizer em abono do que expenderam aquelles dois Dignos Pares, que se eu não tivesse já uma convicção formada sobre a questão, não deixavam as suas razões de convencer-me, porque SS. Ex.ªs esclareceram perfeitamente a mesma questão.

Ainda o Sr. Ministro estabeleceu a proposição absoluta de que o Conselho de Estado, na secção do contencioso, é sempre consultivo. Não quiz S. Ex.ª attender a que, geralmente fallando, nos recursos interpostos para a secção do contencioso, havendo litigio, e um verdadeiro processo entre os agentes da Administração, representando ser interesses da sociedade, e o particular, defendendo o seu direito, que julga offendido, nada póde ser arbitrario, e que tudo, processo e decisão, deve estar definido de uma maneira certa, o que se não verificaria se o Governo se julgasse com o arbitrio de confirmar, e revogar em todo ou em parte as resoluções da secção do contencioso. Não quiz S. Ex.ª attender ao argumento, que deduzi do artigo 50.° do regimento, no qual expressamente se determina, que serão rejeitados, por accordão do Tribunal, os recursos que forem interpostos fóra do prazo legal, e bem assim aquelles em que se não observarem os requisitos essenciaes, que são prescriptos no artigo 47.°, e seus paragraphos. Não me parecia que este argumento devesse ficar sem resposta, pois que sendo consequencia necessaria da rejeição do recurso o ficar em vigor a decisão da auctoridade ou tribunal inferior, esta só póde ser executada em virtude dessa rejeição do recurso, que definitivamente vem pôr termo á questão, sem que o Governo possa julgar-se com direito de impedir a execução da decisão recorrida, e cujo recurso fóra assim rejeitado. O mesmo argumento poderia eu ainda deduzir do que dispõe o artigo 63.º e outros analogos.

O nobre Ministro, adstricto unicamente á lettra do artigo 172.º do regulamento, pertende que o Conselho de Estado, mesmo na secção do contencioso é sempre consultivo. Já demonstrei que no proprio regulamento se encontram casos, em que a secção do contencioso decide definitivamente, e independentemente do Governo; agora proponho-me demonstrar que, pela natureza das funcções, e pelos negocios que fazem objecto das deliberações da dita secção, não é possivel admittir a doutrina do Sr. Ministro, sem grande absurdo, e prejuizo das partes, a quem a Lei quiz dar uma garantia contra as arbitrariedades do Governo, e dos seus agentes. Na minha opinião não se póde decidir esta questão, tendo em vista um só artigo do regulamento para o entender litteralmente; é necessario considerar todos os outros artigos, e entrar no systema, e no espirito que presidiu á organisação do Conselho de Estado, como Tribunal administrativo.

Antes de passar adiante lembrarei que ficou sem resposta, e não devia ficar, o argumento produzido pelo meu amigo o Sr. Visconde de Algés, em vista da disposição do artigo 31.° n.º 5, segundo a qual se interpõe recurso do Tribunal de Contas para a secção do contencioso nos casos de incompetencia, transgressão de formulas, e violação de Lei, vindo assim a dita secção do contencioso a desempenhar as funcções do Tribunal de cassação ou de revista. Como admittir que nestes casos o Governo tenha o arbitrio de annullar a decisão da secção do contencioso? Note-se que o Tribunal de Contas julga as contas de todas as repartições do Estado, e podia dar-se o caso de um Ministro julgar, ou decidir em um processo em que elle e os seus collegas fossem interessados. Pelos principios geraes de jurisprudencia, e pela natureza do objecto do recurso interposto do Tribunal de Contas para a secção do contencioso, se vê já que esta exerce funcções, que pelo menos participam do judicial, e que seria absurdo querer que o executivo as possa exercer pelo arbitrio de cassar ou annullar as decisões da secção do contencioso (apoiados). Todos sabem, que similhantes recursos, sendo attendidos, é a sua decisão, ou novo julgamento commettido pela secção do contencioso a Conselheiros differentes dos que tomaram parte na decisão, que fez objecto do recurso. Se tudo isto é assim, julguei eu, que sem grande absurdo, e sem a inversão completa dos principios, não po-

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déra admittir-se a opinião do Sr. Ministro da Fazenda.

Já mostrei em outra occasião qual era a organisação do nosso Conselho de Estado, como Tribunal administrativo, e tambem provei que não podem ser applicadas ao nosso Conselho de Estado as regras estabelecidas para o Conselho de Estado em França, porque se a este fomos buscar alguma cousa, nem por isso o seguimos em tudo, bastando attender ao pensamento, que presidio á organisação do nosso Conselho de Estado administrativo. Como todos sabem duas são as secções, em que se divide o Conselho de Estado —administrativa, e do contencioso administrativo—aquella é consultada, e delibera nnica e expressamente sobre os negocios de pura e simples administração. Vejam-se os artigos 32.° a 85.° do regulamento: esta (a do contencioso administrativo), pelo contrario decide, e resolve por via de recurso todos os negocios em materia contenciosa; conflictos de jurisdicção e competencia entre as auctoridades administrativas, e entre estas e as judiciarias; recursos por incompetencia, e excesso de podér de quaesquer auctoridades administrativas; negocios do contencioso administrativo em geral, e que por virtude de disposições legislativas, ou regulamentares, tiverem de ser-lhe directamente submettidos; e como ha pouco acabei de mostrar, conhece sobre os recursos do Tribunal de Contas, nos casos de incompetencia, transgressão de formulas, e violação de Leis.

Se em vista de tudo o que acabo de referir, a secção do contencioso administrativo não é um verdadeiro tribunal creado pela Lei para dar garantia nas questões, que possam existir entre a Administração, e os particulares: se ao Executivo compete em ultima instancia resolver negocios, que na sua origem são puramente judiciaes, é necessario convir em que se acham invertidos todos os principios. Leiam-se com alguma attenção os artigos 133.° e 137.º do regulamento, não se estabelece ahi, que as deliberações da secção do contencioso sobre os conflictos positivos confirmam, ou annullam os despachos, que os levantaram, e mais ainda que declararam a competencia da jurisdicção administrativa ou judicial"? Não se diz ahi, que as deliberações da secção do contencioso, que confirmarem os despachos, que levantaram os conflictos, invalidarão tambem todos os actos do processo judicial, e as sentenças nelle proferidas? Se isto não é uma attribuição privativa da secção do contencioso, mas do Governo, e necessario, que se reconheça, que esta póde ingerir-se por tal fórma nas attribuições do Poder judicial, o que aliás seria absurdo, e é necessario admittir tambem que desapparecia a garantia de haver um terceiro, que decida entre as auctoridades administrativas (que são o proprio Governo) e as judiciaes (poder independente.) É esta garantia a que se quiz dar pela creação do Conselho de Estado administrativo, marcando no regulamento as attribuições do contencioso.

Não me parece que se tenha respondido convenientemente ao argumento, que produzi sobre a attribuição dada á secção do contencioso para condemnar em custas áparte, que decaiu do recurso, sendo aquellas pedidas pela parte contraria, o que seguramente é uma attribuição exercida pela dita secção, independentemente do Governo, porque até essa condemnação se verifica depois do Governo reenviar á secção com a assignatura do Rei o Decreto, que acompanhou a consulta; e mais ainda se confirma o que acabo de expôr pela circumstancia de ter a certidão da condemnação das custas, passada pelo Secretario geral do Conselho de Estado, execução aparelhada, o que só é da natureza das decisões e julgados judiciaes.

Pela mesma fórma, ou ainda com mais sem cerimonia, se respondeu ao argumento que deduzi do artigo 84.º do Regulamento, aonde se diz, que os Ministros de Estado podem interpor recursos em materia contenciosa, como por incompetencia, ou excesso de podér das auctoridades administrativas, por meio de relatorios, dirigidos pelos mesmos Ministros de Estado ao Presidente da Secção do Contencioso. Notei que os Ministros são considerados, em tal caso, como outro qualquer recorrente, e por isso a lei diz que taes recursos serão processados pela mesma fórma, e ficarão sujeitos aos mesmos prasos. Notei que pela lei nestes recursos intervém, por parto do Governo, o respectivo ouvidor, como agente do Ministerio publico, deduzindo de todas estas disposições a conclusão de que, a admittir-se a doutrina do Sr. Ministro, viria o Governo nestes recursos a ser parte e juiz; o que é visivel absurdo. Não se respondeu, e o Sr. Ministro, d'accordo com um dos sofismas de Bentham, deu como claro, e como não carecendo de resposta, um argumento que seria difficil de destruir (apoiados).

Mas seja como fôr em qualquer dos casos, ou seja o Conselho de Estado administrativo sempre consultivo, ou seja deliberativo em tudo o que faz objecto de recursos processados na Secção do Contencioso, entendo, como entenderam os Dignos Pares, os Srs. Visconde d'Alges, e Ferrão, que as suas funcções não podem ser accumuladas com as legislativas sem o consentimento da respectiva Camara (apoiados). E sinto que o Governo desse tanto corpo a uma questão, que ficaria resolvida instantaneamente, ou conformando-se com a resolução desta Camara, e pedindo a devida auctorisação para a accumulação, ou no caso de duvida sobre a legalidade e acerto da resolução desta Camara, apresentar na outra o competente projecto para declarar a lei. — Não tendo procedido assim, o Governo creou voluntariamente uma posição, donde não podem deixar de seguir-se muitos inconvenientes, notando-se já entre elles esta prolongada discussão, na qual os Srs. Ministros, agora mais que nunca, mostram obrar mais pela pressão de alguem do que pela sua intelligencia.

O Sr. Ministro da Fazenda—Se a allusão é a mim, declaro que sei quem foi o auctor da invenção, mas que e uma completa calumnia.

O orador — O Sr. Ministro já declarou em outra occasião que me não considerava como o inventor de tal asserção, mas para S. Ex.ª se certificar mais do que ha a este respeito, convido o Sr. Ministro a conversar com algum dos seus collegas, que o poderá informar plenamente.

O Sr. Ministro das Obras Publicas no meio dos muito engraçados argumentos que adduziu a favor da opinião do Governo um foi, que o silencio entre nós significava consentimento, e que tendo havido silencio ha trese annos nesta questão, devia julgar-se resolvida. Em questões de Direito não podem empregar-se argumentos graciosos; não podia nem devia portanto o nobre Ministro, referindo-se ao argumento produzido pelo Sr. Visconde de Algés, deduzido da Lei de 18 de Agosto de 1769, que marca os casos em que o costume faz Lei; dizer que não era possivel esperar ainda cincoenta annos para que tal costume fosse Lei, na conformidade do que referiu o Sr. Visconde, que aliás era uma Lei velha. Legem habemus, direi eu ao Sr. Ministro, e não compete a ninguem, marear arbitrariamente os prasos dentro dos quaes o costume faz Lei. Se a de 18 de Agosto exige o praso de cem annos, é claro que o de trese em que se funda o Sr. Ministro não é attendivel. Esta materia deixo-a reservada para o Sr. Visconde do Algés, que ha de fazer sentir ao Sr. Ministro o pouco fundamento da sua argumentação.

Esta questão tem hoje perdido muito da sua importancia, especialmente para os que julgavam haver grave prejuizo em que o Conselho do Estado administrativo trabalhasse. O Governo tem asseverado que estão tomadas todas as medidas para que as duas secções funccionem. Por este lado portanto a questão perdeu todo o interesse.

Creio ter-se levado á evidencia que a accumulação das funcções não póde ter logar sem a permissão da Camara, e que em nada são offendidas as prerogativas do executivo. O que se exige do Governo quanto aos Conselheiros do Estado, funccionando no Conselho do Estado administrativo (N. B. não politico), é o que o Governo pratica a respeito de todos os outros empregados publicos; pois o Governo não póde exigir serviço do um Juiz, de um Governador civil, do um Administrador de concelho, de um Regedor de parochia, sendo Deputado, sem a permissão das Camaras, e ha de podér exigi-lo do Conselheiro de Estado, funccionando no Conselho de Estado administrativo? Ha de o Conselheiro do Estado, em tal qualidade, ter menores garantias que o mais ínfimo empregado da carreira administrativa? O Conselho de Estado politico tom funcções a exercer necessariamente durante a existencia das Côrtes: estas mesmas não podem ser dissolvidas, adiadas ou prorogadas, sem ser ouvido o Conselho de Estado politico, e outras muitas cousas, que já enumerei em outra occasião; mas o processar, e julgar recursos são funcções iguaes ás funcções de todos os outros empregados, e que não podem ser accumuladas com as legislativas, sem a permissão das Camaras (apoiados).

Concluo, portanto, que o procedimento do Governo em toda esta questão tem sido irregular, e que tudo continuará a marchar irregularmente, se o Governo presistir na sua opinião (apoiados).

O Sr. Presidente declara ter já dado a hora, e como se acham ainda inscriptos alguns Dignos Pares, fica fechada a presente sessão, devendo ter logar a proxima na segunda-feira (8), sendo a ordem do dia a continuação da materia que estava dada para esta.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 6 de Março de 1858. Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: do Ficalho, de Fronteira, de Loulé, de Niza, e de Vallada; Condes: da Azinhaga, do Bomfim, do Farrobo, de Fonte Nova, do Linhares, da Louzã, de Mello, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, da Taipa, e de Thomar; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, do Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Ovar, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: de Ancede, de Chancelleiros, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Ferrão, Silva Carvalho, Aguiar, Larcher, Isidoro Guedes, Eugenio de Almeida, Silva Sanches, Brito do Rio, e Thomás d'Aquino.

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