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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 28 DE MARÇO DE 1864

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

As tres horas da tarde, sendo presentes 32 dignos pare?, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente sessão, que foi approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do presidente da associação commercial do

Porto, enviando, para se distribuírem pelos dignos pares, exemplares do relatorio dos trabalhos da mesma associação no anno de 1863.

Tiveram o competente destino.

O sr. Presidente: — Passámos á

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA INTERPELLAÇÃO DO DIGNO PAR, O SR. MARQUEZ DE VALLADA, SOBRE A NOMEAÇÃO DO ESCRIVÃO DA CAMARA ECCLESIASTICA DE COIMBRA

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par, o sr. Osorio de Castro.

O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, tendo ficado com a palavra reservada na sessão passada, eu não poderia deixar, para coordenar as minhas idéas, de apresentar um pequeno resumo da maneira por que encetei este debate. Desejo porém antes de mais nada fazer uma rectificação que me foi sugerida pelo digno par, o sr. marquez de Vallada. S. ex.ª, com a sua benevolencia e boas relações de amisade com que costuma honrar-me, advertiu-me de uma palavra que talvez me tivesse escapado no meu discurso e com que o seu melindre se offendeu; mas revendo as notas tachygraphicas não vi no sentido das minhas palavras cousa alguma que podesse nem de longe offender o melindre do digno par. Aquellas a que o digno par Be referiu foi quando eu disae, que quem primeiro tinha encetado este debate com mais seriedade fóra o em.mo cardeal patriarcha. As rasões em que me fundei e que apresentei a camara tiravam a estas palavras toda a asserção aggravosa que porventura podiam ter sendo mal interpretadas; não deixarei porém de rectificar e declarar que o sentido em que as empreguei era, que tinha feito s. em." uma argumentação, mais seria, mais precisa, mais forte, e que restringia mais a materia.

Eu tinha dito antecipadamente, que o digno par, o sr. marquez de Vallada, tinha apresentado a sua interpellação de fórma tal, que facilmente se escaparia o sr. ministro della Bem mesmo se lhe poder pedir responsabilidade; envolveu-a n'uma multidão de asserções que não diziam respeito ao caso, accusando-se até o governo do que não devia ser accusado, porque se accusou de um negocio com o núncio de Sua Santidade sendo ministro o sr. conde d'Avila, que se terminou muito bem, e que em todo o caso era uma questão finda que já tinha completamente terminado. Apraz-me fazer esta rectificação, porque desejo sempre que a camara se convença que na continuação da discussão não é facil estar em procura de termos mais apropriados, e quando elles me escapem não tenho em vista offender a qualquer digno par (apoiados), e ainda muito menos ficar com a reserva mental, o que seria impropria do meu caracter. Prezo muito os meus collegas para se quer ter intenção de offende-los por qualquer palavra.

Sr. presidente, peço á camara que attenda mais aos argumentos que a qualquer expressão que me possa escapar n'este debate. Quando tratei esta questão no fim da sessão passada, comecei por fazer plena justiça aos sentimentos de delicadeza, de nobreza e ás virtudes do ex.mo prelado a que no decurso do debate me referi, e posto que seja desnecessario repetir agora o que eu disse, é-me tão grato dar este testemunho de consideração e apreço que não posso deixar de aproveitar esta occasião para o prestar de novo; depois, sr. presidente, procurarei apresentar a questão segundo eu imaginava que ella devia ser collocada. Quem tinha a verdadeira responsabilidade d'este conflicto? Eu sirvo-me da expressão do meu collega o sr. bispo de Vizeu, que disse que havia um abysmo e que caminhavam para elle contra sua vontade o ministro e o prelado. Se o abysmo estava aberto, estava aberto pela lei, e eu tratarei este ponto mais detidamente; se estava aberto, ambos caminhavam para elle, procurando fugir d'elle.

Já se vê, se a responsabilidade a esse conflicto existe não pertence só ao sr. ministro, mas se nós averiguarmos bem os primeiros passos dados n'esta questão, havemos de ver, que o passo com que se encetou este caminho perigoso partiu do bispo e partiu talvez... talvez não, com certeza do zêlo do ex.mo prelado pelo serviço publico e pelo da igreja. S. ex.ª lembrando se que aquelle logar é de grande responsabilidade, e devia ser exercido por uma pessoa capaz e idonea, não só para o bem exercer, mas de cujo caracter fosse particularmente conhecedor, no acto em que participava a vacatura do logar propunha immediatamente o individuo. Sr. presidente, eu peço a attenção da camara para este ponto. Lê-se no officio de s. ex.ª o seguinte (leu).

Ha por consequencia aqui tres fundamentos, e tres fundamentos dos quaes nenhum é aceitavel pelo sr. ministro da justiça. Primeiro a circumstancia de não ser ecclesiastico como já tive occasião de dizer que, não só não é essencial que este logar, seja dado a ecclesiastico mas até talvez conveniente que elle seja dado a secular, e a prova está. que estes logares têem sido providos em seculares, e n'outras dioceses ainda o occupam estes, era por consequencia um principio que o sr. ministro não podia admittir (leu).

Aqui. expõe o ex.mo prelado a duvida da pessoa a quem pertence a nomeação, duvida que não existe; este principio era tambem inadmissivel porque havia a, lei de 5 de agosto de 1833, que o ex.mo prelado, pessoa que conheço que tem feito grandes serviços á igreja, ha. muitos annos, e. tendo-a governado perfeitamente, conhecia; pois s. ex.ª não, sabe que, todos os provimentos eram feitos pelo respectivo ministro? Esta duvida indicava que se queria tratar de uma questão fóra dos principios, da legislação admittida, de uma questão já nascida n'outras epochas. Mas, sr. presidente (leu).

Aqui já se diz que ao governo só pertence a confirmação do logar.

Se elle merecia a regia confirmação já a nomeação aqui parece não dever pertencer, ao prelado. Aqui está o princi-

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pio representado na sua essencia. Não entrarei na apreciação dos outros argumentos, mas bastará só dizer que o artigo 145.° da carta, artigo que tem não só a importancia que todos nós lhe prestamos de lei fundamental do estado, mas porque é um principio eminentemente liberal, é um dos grandes principios proclamados em 1789, é um dos principios que formam a verdadeira escola liberal e de que nenhuma constituição póde prescindir hoje. Aquelle principio é que não póde ninguem ser admittido a empregos publicos senão pelo seu merecimento e habilitações. Era por consequencia inadmissivel dizer—vamos a prover este individuo só com o fim de afastar todos os concorrentes. Devia ser o contrario, uma vez que aspiravam muitos ao logar devia propor-se a abertura do concurso, porque todos tinham direito incontestavel de aspirar ao logar uma vez que se julgassem habilitados para isso.

Quanto á segunda parte, o ministro não podia ir contra as disposições do decreto de 5 de agosto de 1833, que é a lei que regula taes provimentos, e que emquanto não for revogada ao ministro caberia grande responsabilidade senão se fizesse cargo d'ella. Pôde muito bem ser que o ministro fosse excessivo zelador d'esta faculdade do poder civil, originando-se d'ahi as difficuldades que se apresentam; póde muito bem ser que o sr. ministro tivesse zêlo excessivo em querer salvaguardar as prerogativas da corôa e os direitos incontestaveis da nação, mas sr. presidente, não é este o motivo para nós tratarmos aqui de uma censura. Se a questão tivesse marchado de outra fórma, se o sr. ministro em logar de executar a lei a tivesse esquecido, então é que poderia haver base para uma censura, e não era de estranhar que se pedisse ao governo a responsabilidade de um esquecimento dos principios consignados na carta e regulados pela lei de 5 de agosto de 1833.

Foram pouco mais ou menos estas as considerações que eu fiz na ultima sessão, mas não posso porém deixar de dizer que todas estas considerações nunca me levaram a presumir que o ex.mo prelado tivesse em vista atacar as prerogativas da corôa no fundo da sua consciencia. O prelado compulsando a legislação antiga e vendo a deficiencia da lei moderna, achando mesmo uma tal ou qual duvida para saír da difficuldade de poder trabalhar com um homem que o governo nomeasse, mas que elle não queria aceitar, procurou um meio indirecto de saír d'esta difficuldade; mas, sr. presidente, esse meio foi o primeiro passo dado para o abysmo. Eu entendo que estes logares devem ser providos de maneira que não se alterem as boas relações entre o estado o a igreja, afastando-se toda a apparencia de se querer impor o individuo para o logar porque não se podia impor nem o sr. ministro teve o animo de desconsiderar o prelado.

Sr. presidente, esta questão tem sido apresentada n'esta camara ou antes considerada por tres faces differentes, tem sido apresentada a questão do direito, a questão de fórma e a questão da deficiencia da lei. A questão de direito como claramente a sustentou o em.mo sr. cardeal patriarcha, e tratou s. ex.ª amplamente este ponto dizendo — este cargo é de pura e absoluta confiança doa bispos, não póde por consequencia ser nomeado pelo governo. Ha aqui uma grande confusão. O cargo é de responsabilidade para o individuo, tem actos puramente seus, tem processos, passam-lhe pela mão despachos dos prelados; mas não constitue isto um cargo do confiança do bispo. Que se diria se nós quizessemos considerar os chefes das repartições como cargos de confiança dos ministros?

O que é certo é que os prelados tiveram sempre secretários particulares, e que hoje ou por falta de meios ou por outro qualquer motivo, tem accumulado este serviço ao cargo de escrivão da camara ecclesiastica; é esta a separação que os prelados podem e devem fazer; e não duvidar como o em.mo prelado, se isto (são as suas textuaes palavras) é emprego ou não.

E emprego, e emprego de grande responsabilidade. Sr. presidente, nas primeiras manifestações do prelado de Coimbra, como se vê dos documentos publicados, já estavam em ambrião estas theorias funestas aqui apresentadas pelo sr. cardeal patriarcha.

Sr. presidente, vi sustentar o principio do que a nomeação dos funccionarios ecclesiasticos deve ser feita sob a iniciativa immediata dos prelados, sem dependencia alguma do governo. Seria isto uma questão para se discutir in jure constituindo. Mas não é d'este ponto que se trata, trata-se de jure constituto pois é o que pertence saber ao executivo, o que mandam as leis, é por consequencia o que elle deve fazer.

O sr. ministro da justiça, em 13 de fevereiro do 1864, tendo avocado a si todos os papeis concernentes a este objecto, e tendo seguido os tramites usados em taes circumstancias, tendo quasi procedido a um concurso, porque não era concurso publico, por isso que só eram concorrentes aquelles que se tinham apresentado sem ter havido avisos para provimento do logar, o sr. ministro, repito, tratou do provimento, por isso que não havia lei que obstasse a que elle assim fizesse, antes pelo contrario a carta o auctorisava a fazer a nomeação sem previa consulta do prelado. É tambem n'este ponto que se acha a questão de fórma, porque se diz -foi feito o despacho sem previa consulta do prelado diocesano.

Não trato, sr. presidente, de mostrar o que faria se por ventura me achasse na situação do sr. ministro, nem isso me importa n'esta occasião para nada; o que desejo é fazer ver que pela declaração do sr. ministro se conhece, que o sr. ministro concluiu-o negocio sem offensa da lei, e procurando manter illesas as prerogativas da corôa, attendendo a quem se apresentava para occupar o logar com os direitos que a lei fundamental dá ao mérito pessoal, e que s. ex.ª não teve em vista outra cousa mais do que isto. Pois dizia-se que era preciso fugir a muitos pretendentes. Que havia de fazer o ministro em taes circumstancias? Avocar a si o negocio e nomear de todos os concorrentes o que elle visse que tinha mais habilitações. Diz-se — mas a lei não marcava um tal concurso.

Se a lei não marcava um tal concurso tambem a lei o não prohibia; e o que a lei impunha era ao ministro a responsabilidade da nomeação d'aquelle e dos mais empregados. E para evitar o conflicto é que devia com prudencia procurar que o bispo não fosse forçado a emittir a sua opinião, pois que elle já a tinha dado antecipadamente, avisando de que muitos pretendentes queriam o logar, o que não convinham, porque o queriam só por ambição (leu). Como conciliar de outra fórma os interesses da igreja com a responsabilidade do ministro e com a opinião antecipada do bispo senão provendo sem o consultar? Porque depois de consultado é que haveria desconsideração em não seguir a sua opinião.

Sr. presidente, o sr. bispo de Coimbra é o primeiro a declarar que no animo do sr. ministro não havia intenção de o offender. Pois se s. ex.ª não tinha intenção deo offender, porque não o aconselhou? Porque lhe não disse que não era conveniente fazer a nomeação por aquelle modo? Porque não o advertiu dos defeitos do empregado nomeado? Porque não avisou o sr. ministro de que aquelle homem não podia exercer tal emprego por estas ou aquellas rasões? O illustre prelado, num mesmo documento, depois de apresentar ao governo as rasões por que entendia não dever dar posse ao nomeado, disse que recorria á corôa, e pediu licença para a sua renuncia, dando assim logar a que se não chegasse a uma conciliação, e estabelecendo por consequencia o conflicto. S. ex.ª pareceu querer, com este procedimento, estabelecer o estado no estado. S. ex.ª chamou com o seu procedimento a attenção do publico sobre este ponto, e disse: eu não po3so na minha consciencia dar ao governo um poder que lhe não pertence; largo a mitra, porque sendo bispo não posso esquecer que sou portuguez, outro braço mais forte virá que possa manter com mais dignidade os deveres do episcopado.

Sr. presidente, não sei se este procedimento do sr. bispo está em harmonia com os deveres impostos pelo cargo episcopal, mas o que posso affirmar é que, tanto s. em.ª como o reverendo bispo de Vizeu, reconheceram que não valia a pena renunciar a mitra por uma cousa tão insignificante. Eu não saia d'esse logar, disseram os reverendos prelados, havia de manter a minha dignidade como podesse. E estas é que são as verdadeiras doutrinas. Eu tenho lido as cartas de Santo Ambrozio, cartas que deviam andar naa mãos de todo o christão e de todo o philosopho, e vejo que, quando aquelle canto era affligido com as perseguições que a igreja soffria n'aquella epocha, dizia á imperatriz Justiça, mãe do imperador Valencianno, que lhe fazia advertencias sobre a maneira por que se havia de comportar, mandando-o mesmo desamparar a sua igreja, e persegui-lo: «vós, senhora, podeis tirar-me a vida, podeis fazer-me retirar d'este logar, mas emquanto eu o occupar, hei de mante-lo como devo, para que os lobos não venham ás minhas ovelhas».

Sr. presidente, eu respeito os motivos que o sr. bispo conde teve para se não lembrar d'este sagrado dever, talvez a sua falta de forças contribuisse para isso; mas para que haviam de vir todos esses argumentos e a renuncia do logar? Porque não fez s. ex.ª a representação ao governo antes de enviar a offerta de abandonar o logar?

Sr. presidente, o sr. ministro acha-se agora lutando com grandes difficuldades. S. ex.ª não pensou talvez que este conflicto iria ter ás portas de Roma, como disse o digno par, o sr. Rebello da Silva; s. ex.ª não julgou talvez que aquelles documentos não deviam ir a Roma. Mas, sr. presidente, não será desconsideração dizer-se por outro lado — tu não tens direito de fazer esta nomeação, nem tens motivo para recusar a que for feita; o vir depois o prelado fazer a recusa da posse, porque a respeito d'ella não foi ouvido?, Isto não parece querer se estabelecer o estado no estado? O sr. ministro da justiça julgou que dava uma prova de consideração e respeito para com o reverendo bispo deixando-o dirigir-se a Roma; pois eu no caso de s. ex.ª não deixava ir tão longe este conflicto.

A luta, sr. presidente, continua e ella agora apparece moralmente estabelecida.

A supplica dirigida ao Santo Padre pelo sr. bispo de Coimbra, referindo-se a um sem numero de desgraças que a igreja catholica está soffrendo, contém um complexo de principios cuja conclusão é —que se não póde ser bispo em Portugal com o actual governo e com as leis com que o paiz se governa. Mas se ao governo assistia o direito e a obrigação de executar a lei, trata-se agora de uma questão de fórma, e naturalmente desde o momento em que a questão de principios, apresentada pêlos srs. bidpo de Vizeu e cardeal patriarcha não podia ser partilhada por nenhum dos individuos tão competentes n'esta materia, era necessario apresentar a questão de fórma.

Aqui temos agora que o prelado não foi attendido porque lhe faltaram á consideração devida; e d'aqui nasceu uma proposta de censura ao governo, apresentada pelo sr. conde de Thomar, dizendo que a camara tendo ouvido as explicações do sr. ministro da justiça ácerca da nomeação do escrivão da camara ecclesiastica, manifesta o seu profundo respeito pelas prerogativas da corôa, lamenta-o procedimento do governo, sente que elle desse occasião a este conflicto e passa á ordem do dia

Aqui está por consequencia a questão estabelecida na fórma.

Uma voz: — Essa proposta já está retirada.

O Orador: — Bem o sei; mas é-me necessaria para a minha argumentação, e pára mostrar á camara qual o caminho que tenho em vista, quaes as idéas que estão no animo de todos nós, e qual o meu voto, que tambem tenho tenção de consignar n'uma moção que hei de mandar para a mesa. E esta a rasão por que me occupo de uma proposta que já foi retirada, não porque se considerasse prejudicada, mas porque se apresentou outra que nos levava mais alem (apoiados).

Mas, sr. presidente, facilmente se vê que hoje já nos não podemos por fórma alguma occupar da questão de fórma, sem a questão de principio, pois tem corrido as cousas de» maneira que têem assumido o verdadeiro caracter de conflicto. Disse o sr. bispo de Vizeu que não desejava que o sr. ministro saísse por causa da nomeação do escrivão da camara ecclesiastica. Também acho que não deve saír; mas antes saia, porque com isso não periga a patria, que sejam calcados os principios constitucionaes (apoiados). Se assim acontecesse, todos os dias haviam de estar a nascer conflictos. (O sr. Soure: — Apoiadissimo.)

Peço perdão á camara de tomar ás vezes tanto calor na discussão na presença de pessoa que tanto respeito, mas difficil mente na força da argumentação se consegue conservar a serenidade. Eu peço ao sr. bispo de Vizeu que considere esta argumentação como motivada por differença, não de principios, mas de apreciação, porque eu sei que s. ex.ª é excessivamente liberal, e muito honrado me considero em marchar a seu lado no campo dos principios liberaes. E quem, sr. presidente, não será liberal n'esta casa? E necessario deixar por uma vez de assistirmos calados ás asserções de que as nossas opiniões não são as mais liberaes. Quem entra d'estas portas para dentro não póde deixar de ser liberal, porque jura a carta constitucional, e quem a jura, jura os principios liberaes. É preciso fazermos justiça a todos, fazermo-la tambem a esse nobre partido que se acha afastado da nossa politica, e por isso não tem entrado n'esta casa; e se tem assento na camara dos senhores deputados é porque viu que podia manter ali as suas opiniões sem sacrificio dos seus principios. Ainda mais, sr. presidente, não se póde duvidar dos homens liberaes que auxiliaram a igreja e o estado nas suas primeiras crises. Quem póde duvidar dos seus principios em presença dos altos serviços que no tempo de maiores difficuidades estes homens que aqui estão prestaram á liberdade? Ninguém por certo; ninguem póde duvidar que os homens que estão nesta casa deixem de ser liberaes.

Eu já toquei nos pontos pelos quaes me parece que a questão de fórma tinha envolvida a questão politica, e pelas explicações do sr. ministro, e pelos considerandos em que se baseavam os documentos que se acham publicados, se vê que não é hoje possivel resolver a questão de fórma sem resolver a questão de principios. Cria este estado de cousas difficuldades palpáveis, mas parece-me que podemos saír dellas sem offender os principios.

Sr. presidente, que resultado, que inconveniente vinha para a igreja em dar posse ao individuo nomeado para escrivão da camara ecclesiastica? Se nós tratassemos de uma questão ordinaria, de uma questão de foro, podiamos dizer que ninguem dá uma arma ao seu contrario; mas aqui, sr. presidente, entre o estado e a igreja não ha senão o desejo de acertar, e esse desejo existe necessariamente no sr. bispo, o digo necessariamente, porque conheço o caracter virtuoso de s. ex.ª, e não posso duvidar um momento que os seus passos tivessem outro intuito que não fosse cumprir os seus deveres ecclesiasticos e civis. Por isso eu digo que difficuldade podia haver em dar posse ao individuo nomeado? Não é um emprego de instituição canonica, não é um emprego de confiança, mas se o é, se o escrivão da camara ecclesiastica tem em seu poder os segredos de muitas familias, se possue processos importantes, se tem grande responsabilidade, se é o chefe do cartorio de que tem uma chave, o prelado outra, e o cabido outra, se tem de se envolver em negocios publicos, é mais uma rasão para essa nomeação ser feita e fiscalisada pelo governo. Com isto não quero dizer que não entenda que o prelado não deva intervir tambem no provimento do logar de escrivão da camara ecclesiastica, julgo que o bispo deve fazer a apresentação, e o governo nomear, mas isso é quando haja lei que o permitta, e desde já declaro que hei de votar pelo projecto do meu illustrado amigo o sr. Rebello da Silva, que julgo que cortará estas difficuldades se for convertido em lei.

Mas, sr. presidente, dizia eu que inconveniente havia em dar posse ao nomeado? Pois não assistia ao bispo o direito de suspender quando entendesse que o devia fazer? Se o governo, no exercicio das suas funcções, póde fazer isso em relação aos seus empregados mesmo de confiança, muito mais o póde fazer o prelado. Era muito mais admissivel isto, do que dizer não posso em minha consciencia. Mas supponhamos que este homem tinha precedentes reprehensiveis; a regeneração do homem não é já cousa que se possa admittir? Não podia esse homem mudar de sentimentos e tornar-se um empregado honesto? Não se póde antecipadamente dizer: separemo-nos d'este homem, não há nada d'elle a esperar.

Não, havia o inconveniente gravissimo do sr. ministro não ter ouvido O prelado na nomeação d'este individuo, o por um capricho de querer ser ouvido, estabelecia-se um conflicto. Não era uma arma que Sé dava ao ministro era uma prova de muito desejo que tinha de acertar, era uma prova de consideração entre a igreja e o estado. O sr. bispo de Coimbra não só não obrou d'esta fórma, mas immediatamente declarou que quaesquer que fossem os fundamentos e motivos, elle da sua parte havia de recusar-se a dar posse áquelle individuo e perante elle já não havia absolutamente rehabilitação possivel.

Eu não quero por certo incorrer na censura que pára mim seria bem cabida e merecida se entrasse na questão canonica para saber quaes são ou não os homens que se

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podem chamar apóstatas. Se esta questão devesse ser aqui tratada, não seria de certo por mim, porque, apesar de eu ter o direito n'esta casa de apresentar as minhas idéas, e mesmo manifestar os erros que existem no meu animo, ha um dever acima de todos os direitos, que é cada um conhecer a sua capacidade para não promover questões dessa natureza.

Mas, sr. presidente, o que não posso deixar de estimar é que uma pessoa tão auctorisada como é o sr. Moraes Carvalho, tratando d'esta questão, não para nos illustrar a nós, porque cada um de nós podia procurar nos livros a significação desta palavra, mas para illustrar o publico que não tem conhecimento d'ella, porque sempre ha apprehensões muito fortes quando se diz a palavra apóstata; mas hoje que temos explicado o sentido d'esta palavra, pelos srs. Moraes Carvalho e bispo de Vizeu, já se vê que não é esta palavra tão injuriosa applicada ao individuo que suspendeu a sua ordenação, do que no sentido lato e geral em que o publico a costuma entender. Ainda bem que duas pessoas auctorisadas se levantaram para explicar o sentido desta palavra, para que ninguem pense que o governo attendeu a um individuo apóstata para o collocar n'aquelle logar.

Sr. presidente, já sabemos que esta apostasia não é tão forte, porque os mesmos moralistas canonistas não estão de accordo, e dizem que é perigoso chamar a este estado um estado de apostasia. ', Sr. presidente, houve um tempo calamitoso na igreja e no estado, um tempo desgraçado das nossas lutas civis, em que poucos foram os ecclesiasticos que se apresentavam a resistir e a reagir contra a onda desmoralisadora; houve um tempo era que a desgraça da igreja fez chegar este paiz ao ponto em que alguns homens que se destinavam para o estado ecclesiastico, e se estavam preparando n'esse momento para tomar ordens, tiveram de abandonar aquelle estado pelas circumstancias em que se achavam.

O sr. Antonio Maria Montenegro tambem se destinava para o estado ecclesiastico, se até certo ponto seguiu uma bandeira politica que não attrahia a attenção dos homens que estavam no poder, via de mais a igreja flagellada e opprimida por esses homens de más idéas e de maus principios, que se tornavam notaveis nas lutas civis; então, sr. presidente, suspendeu a conclusão da sua carreira, e não tomou as ordens. Depois vieram as necessidades de todos os dias, porque o homem que suspende uma carreira, necessariamente ha de destinar-se a outra, se não tem os meios de subsistencia. Depois veiu a idade, de certo que se não vae apresentar para os encargos pesados da igreja um homem avançado em annos, mas creio que como individuo, e como cidadão, é um homem de bem; creio mesmo que em relação á sua moral e decencia, todas as pessoas que o conhecem, e que com elle têem vivido, não têem receio em abonar a sua probidade e boa conducta.

Eu não entraria nesta questão, se acaso não visse por tantas vezes, o desejo de a discutir, nos documentos e no parlamento, o se não fosse para agradecer ao sr. Moraes Carvalho em nome d'este mesmo individuo, com quem tenho poucas relações, o fazer retirar de sobre elle essas expressões que por mal explicadas lhe tinham lançado uma especie de anathema.

Sr. presidente, apresenta se a terceira face da questão, a terceira face que vem como meio conciliatario das outras, e é proveniente da proposta do sr. bispo de Vizeu. S. ex.ª conhecendo que a nós não nos convinha de fórma alguma fazer retirar o ministro, quando ao Summo Pontífice tambem não convinha fazer retirar o bispo, foi nesta occasião que s. ex.ª levantando-se contra a lei, entendeu que se de via tratar de a refomar. Aqui é que eu disse e repito, sr. presidente, que acho menos perigoso prestar preito e homenagem ao bispo, e preito e homenagem ao melindre do Santo Padre em fazer retirar o bispo, e abandornarmos o sr.ministro deixando-o embora retirar n'esta questão, antes do que reformarmos a legislação tão inopportunamente, legislação que até agora tem sido a salva guarda das boas relações, entre o estado e o clero, que foi um poderoso auxiliar para a manutenção da liberdade publica.

Antes de mais nada, sr. presidente, direi que não trato de apresentar nesta camara uma materia nova e melindrosa; de que trato é de pronunciar as minhas opiniões nas materias que aqui se apresentam, e a rasão por que faço isto é porque desejo quanto possivel definir a situação em que me acho collocado. Aqui fallou-se na igreja livre n'um estado livre; a igreja livre no estado livre, V. ex.ª e a camara sabem quem foi o protagonista deste glande theorema. Sr. presidente, era um homem do partido liberal conservador, e se não é o conde de Cavour, como elle muitas vezes d'isse que era, não deixava de ser um homem do partido liberal, foi o conde de Montalembert, tantas vezes citado por o sr. marquez de Vallada, e ainda bem que vejo que nós nos achámos ao menos n'este ponto em plena harmonia de opiniões, porque eu tambem respeito e estimo muito, pelos seus escriptos, o sr. conde de Montalembert.

Não me importando com a proveniencia da idéa, direi sempre, se como o illustre conde de Montalembert affirma, foi elle que a formulou, não deixa a propriedade politica e social da mesma de pertencer ao conde de Cavour que, apropriando-se d'ella em criticas circumstancias, a desenvolveu e apresentou á consideração da Europa catholica.

Sr. presidente, esta questão da igreja livre no estado livre, poderia ser o estado preso na igreja livre. O sr. bispo de Vizeu trazendo aqui esta questão, parece-me que, confundiu a sua applicação, e peço perdão a s. ex.ª de procurar restabelecer a questão como o partido liberal sempre a tem entendido; para que se não torne estado preso na igreja livre.

Sr. presidente, para evitar as lutas e os riscos em que a igreja e o estado se podem encontrar, é que os verdadeiros liberaes e os verdadeiros catholicos desejam que, seja considerada a religião como uma associação, gosando no civil todas as vantagens do pleno e absoluto direito da associação, sem que tenha nada a esperar, nem a soffrer do poder civil. Por outras palavras, o estado não tem religião e só se ingere nas acções puramente civis, vigiando que quaesquer individuos á sombra da religião não venham perturbar a paz e ordem publica.

Sr. presidente, ainda que nós politicamente estivéssemos habilitados para abraçar esta nobre aspiração do partido liberal (e digo politicamente, porque o artigo 6.° da carta constitucional nos declara que a religião do estado é a catholica e apostolica romana), parece me que o não podiamos fazer sem que a igreja se pozesse á frente d'esta grande conquista liberal.

Nós, sr. presidente, somos catholicos, não porque a carta o determina, mas a carta determino-o porque nós o somos (apoiados). O illustre dador da carta conheceu tanto isto, que para que o seu codigo politico fosse bem recebido no paiz, para que elle podesse ser aceitavel pelos povos a quem queria libertar e felicitar; disse-lhes no artigo 6.°: «Vós, nação catholica ficae, certos de que não vos quero separar da igreja catholica, apesar das idéas liberaes que vou plantar».

Sr. presidente, continuando a igreja a ser a unica associação religiosa permittida e estipendiada pelo estado, a terem os seus membros, alem de todas as garantias sociaes e politicas, a de serem representados n'esta casa como altos dignitários do estado; para onde caminhavam as nossas liberdades, para aonde caminhava o paiz senão para uma terrivel theocracia; criaríamos um estado no estado, tão forte, que em breve veríamos o contheúdo substituindo completamente o continente.

Sr. presidente, disse o sr. bispo de Vizeu = que no paiz havia poucos philosophos e muitos catholicos =; pois eu direi a s. ex.ª: = é quando todos os catholicos forem philosophos que a igreja ha de reconhecer que para a conservação das suas doutrinas não é precisa a ligação com o estado, e que ella póde viver como simples associação mais triumphantemente do que jungida ao poder civil. Nem o catholicismo se oppõe á philosophia, porque a religião não é mais que uma philosophia pratica, que faz ao homem ignorante seguir os caminhos da virtude, independente do conhecimento nacional dos principios em que ella se baseia. Insisto em dizer, sr. presidente, que se este melhoramento social da igreja livre no estado livre, póde ser em paizes protestantes decretado pelo poder civil, não póde ser nos paizes catholicos sem primeiro ser definido e admittido pelo chefe da igreja, e para nos convencermos desta verdade basta mencionar o seguinte facto:

Ha pouco tempo, no congresso catholico de Malines, o illustre conde de Montanlembert sustentou e defendeu esta these durante dois dias em brilhantes discursos, que depois foram publicados. Logo que estas doutrinas foram ao conhecimento do Santo Padre, elle apressou-se em declarar que. as doutrinas eram perigosas e censuraveis, e que n'esta censura não seria envolvido o auctor, porque os seus sentimentos piedosos e a sua sujeição a Roma eram muito conhecidos.

(Interrupção do sr. marquez de Vallada.)

O Oraãor: — O digno par póde duvidar do facto a que eu alludo, eu porém é que tenho direito de o apresentar, visto que elle foi annunciado por varios jornaes, e que ainda se não acha desmentido, salvo tambem o direito ao digno par de duvidar e de o rectificar. Seria portanto imprudente que nós catholicos fossemos os primeiros a abraçar uma theoria que, oppondo-se á nossa lei politica, é ainda duvidosamente recebida na igreja. E depois, sr. presidente, tambem a eloquente voz do sr. Rebello da Silva aqui se levantou com a costumada cortezania e erudição, para que sustentássemos os fóros da igrejas lusitana, fortificando o episcopado contra os excessos da cúria romana.

Sr. presidente, quando se começam a separar igreja gallicana e igreja lusitana receio muito das invasões do protestantismo. A igreja é uma e indivisível, e se o direito ecclesiastico marcou tramites entre a igreja e o estado, não foi para separar as igrejas, mas para mais as unificar; inclino-me por isso mais aos que querem ligar o poder civil com o poder ecclesiastico, vendo-se ambos na necessidade de estarem de accordo e sempre na dependencia de boas relações com Roma, do que aos que pertendendo fortificar o poder episcopal querem considerar como separação da igreja o que o direito ecclesiastico não admitte senão como fortificação á unidade da igreja.

Houve tempo em que o poder civil tratava de fortificar o poder episcopal contra as demasias de Roma; mas, sr. presidente, n'esse tempo não só a acção politica e civil de Roma era muito forte, mas tambem a acção politica e civil dos bispos era muito fraca. Que lhe importava o poder civil fortificar o poder episcopal se elle tinha os bispos, como todos os cidadãos, na sua absoluta dependencia; se uma simples ordem do rei os fazia lançar no desterro ou gemer opprimidos de ferros; felizmente hoje não é assim, e um bispo, alem de todas as garantias de cidadão e as liberdades de todo o funccionario, tem as inherentes ao logar que occupa n'esta casa. É por isso mais prejudicial alargar-lhe a sua esphera ecclesiastica do que collocar-mo-nos na dependencia de Roma.

Disseram, sr. presidente, os ex.mos prelados que fallaram n'esta questão uma cousa que muito me admirou, que o decreto de 5 de agosto de 1833 fóra uma lei de occasião. E admirou-me porque me parece ser desconhecido n'esta materia o direito ecclesiastico. A lei de 1833, sr. presidente, não fez mais do que resumir no estado os direitos que andavam em varios individuos, assim como tambem andavam jurisdicções civis, senhorios, etc... No governo do estado,

sr. presidente, estavam então canonistas e theologos que seguramente não se lançariam n'um caminho contrario ás disposições dos cânones. Mas quem nos diz isto, sr. presidente? São os srs. bispos, que quasi todos, ou pela maior parte, naquelles tempos calamitosos em que nós nos vimos separados das relações com a santa sé, elles se offereceram cheios de patriotismo e amor pela religião, se offereceram, digo, para servirem a igreja e o estado, o que fizeram dignamente. Pois nestes tempos em que elles eram o unico poder, em que não podiamos recorrer a Roma, e em que o governo necessariamente ou se havia de lançar no caminho do protestantismo, ou havia de sujeitar-se á auctoridade dos bispos, o decreto era então bom e justo e conforme com o direito canónico, e os ex.mo" prelados que actualmente o são, não se recusaram a servir com elle; e hoje n'uma questão insignificante, e tão insignificante que o ex.mo bispo de Vizeu a reputa muito abaixo dos objectos de que nós nos deviamos occupar; hoje é que lembra que a legislação de 1833 é inadmissivel, é contraria aos cânones e se oppõe á liberdade da igreja.

Sr. pressidente, mesmo n'esses tempos calamitosos nunca deixámos de ser catholicos, posto que politicamente separados de Roma, e termos por prelados os excellentes sacerdotes que felizmente vejo hoje em nossa companhia, que se queriam desembaraçar do poder civil das difficuldades em que elles se achavam, não se sujeitavam por certo a aceitar decretos anti-canonicos. Por isso a lei, sr. presidente, não era uma lei de occasião, e o risco da separação da igreja do estado, é que é todas as occasiões, não consta que o Santo Padre queira a applicação de um tal principio, e tanto basta para que os catholicos estejam no mesmo accordo. Porque nós todos formámos uma unica associação, a associação catholica e apostolica romana.

A igreja livre no estado livre é uma das aspirações mais sublimes do partido liberal, ha de ser o alvo a que se dirijam os homens liberaes e os catholicos verdadeiros, mas ha de ser a igreja que ha de adoptar esse principio, porque sem este facho luminoso, nós não podemos lá ir!

Sr. presidente, ainda um argumento para provar que a legislação de 1833 não é anti canonica. Quando se estabeleceram as relações com Roma, não sei se alguma cousa se estipulou a tal respeito; mas quer estipulasse quer não, o que é certo é que a legislação ficou subsistindo, o que de certo não teria logar se oppondo-se ás leia da igreja o Santo Padre visse n'ella um obstaculo ao poder episcopal. Foi por tanto esta legislação recebida pela corte de Roma, quer tacita quer explicitamente, e tem hoje todos os caracteres de uma concordata. Se lhe fizéssemos alguma alteração necessariamente entravamos em uma nova concordata. E será occasião opportuna para se entrar em tal especie de negociações? Não por certo.

O sr. bispo de Vizeu disse, e com rasão, que era para admirar que quando a Europa se achava agitada por questões importantes, a carta geographica era risco de ser sensivelmente alterada, nós nos estivéssemos aqui occupando da nomeação de um escrivão da camara ecclesiastica. Esqueceu lhe a s. ex.ª mencionar uma das calamidades por que a Europa está passando. O governo pontifício acha-se em circumstancias graves, a igreja reputa-se magoada e afflicta, os bons catholicos desejam e esperam vê-la saír triumphante das difficuldades que se lhe apresentam. Mas este desejo dos catholicos tem-se traduzido era toda a parte n'uma organisação partidaria de que as escolas politicas tem lançado mão, e que os liberaes têem chamado reacção. Não é a reacção opposta á acção, é a reacção organisada como partido, é a reacção procurando fazer com que as verdadeiras conquistas da liberdade sejam confundidas e abaladas, ameaçando-nos em breve com a anarchia.

Sr. presidente, sejamos francos e leaes, ainda mesmo com os nossos adversarios; entre nós a reacção organisada não existe, e por mais exforços com que um ou outro partido o tenha querido conseguir, o que é certo é que ainda não póde tal effectuar se. A reacção entre nós tem servido mais como uma injuria lançada de um partido ao outro, e de que todos se têem querido eximir. Mas, sr. presidente, tão depressa nós declaremos que a lei de 1833 deve ser reformada, o partido reaccionário, vigilante na Europa, estabelece-se aqui immediatamente e tem por cooperadores esta camara, que tendo dado a sua opinião sobre a necessidade de reformar aquellas leis, tem de instar pela execução do seu conselho dado ao governo, a corte de Roma, que escudada na opinião desta camara ha de instar para que a reforma se effectue, os srs. bispos, que esperando uma esphera mais lata no seu poder hão de instar pela reforma e multiplicar os conflictos para a tornarem necessaria, conflictos auctorisados porque esta camara os attendeu. Sendo isto assim, para que havemos de approvar a moção do sr. bispo de Vizeu, em que recommenda ao governo que reforme aquella legislação. Nós camara dos pares a recommendarmos ao governo que venha fazer aquillo para o que nós temos direito de iniciativa; que venha propor ao corpo legislativo a reforma da legislação. Seria até esquecer-mo-nos de manter illesos os nossos direitos (apoiados do sr. Soure). Pois se é certo que o estado da Europa é como eu descrevi e todos realmente sabem que é, para que vamos levantar agora estas questões? (apoiados). Venham essas reclamações ao governo de qualquer outra parte, mas não desta camara, cujo papel é sempre moderador e não investigador; e em todo o caso não venham as reclamações agora, venham de Roma por parte do pontifico, seja como quer que for, mas a camara dos pares deve preferir dizer que saia o ministro, que se retire, que deixe a pasta dos negocios ecclesiasticos (apoiados). É antes preferivel de certo do que estabelecer outra sorte de crise; não vamos assim entrar no maré magnum das calamidades e vicissitudes que por nenhuma outra fórma poderiam vir.

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Sr. presidente, as questões não só têem força em si, mas muitas vezes ainda têem mais força pela fórma e pela occasião em que são apresentadas; e por consequencia, á vista do estado melindroso em que se acha a Europa, entendo que se não deve alterar a nossa legislação em materia que nunca suscitou duvidas senão agora, e n'um objecto tão insignifiante, que até os proprios prelados que usaram da palavra, como tal o classificaram.

Do mais, nós temos na mão o meio de evitar estas duvidas futuras, que é seguir o exemplo que nos deu o digno par e meu illustre amigo, o sr. Rebello da Silva. Não apresentou s. ex.ª um projecto de lei para ficar determinado o modo do provimento dos logares do escrivães das camaras ecclesiasticas? Apresentou; pois então porque não se hão de fazer outros projectos de lei, que regulem os outros pontos sobre que possam suscitar-se duvidas ou embaraços? A propria proposta do illustre prelado de Vizeu, apresentada como um projecto de lei, póde ir a uma commissão; mas apresentada por incidente contra uma lei com que se tem trabalhado até hoje, sem que nunca se tenha apresentado caso algum que possa faze-la considerar como prejudicial, isso não póde ser, e parece-me que a camara não póde de fórma alguma quere-lo; eu, pela rainha parte, não posso quere-lo, e parece-me que a camara tambem o não póde querer, salvo se na sua alta sabedoria resolver o contrario.

Eu, sr. presidente, quero que os prelados tenham toda a consideração, e que estas questões se tratem em tempo opportuno, mas nunca aqui, como uma recriminação ao governo; e eu, se estivesse no caso do sr. ministro, antes quereria caír, do que approvar uma tal proposta, que só póde ser approvada depois que uma commissão a converta n'um projecto de lei, porque da fórma que está é quasi uma censura, não pó a este governo, mas a todos que têem feito obra pelo decreto de 5 de agosto de 1833.

Sr. presidente, eu estou cansado, e a camara está já bem conhecedora da questão que tem sido tratada por muitos dos ornamentos d'esta casa; mas, antes de concluir, não posso deixar de tocar de passagem em um ponto a que se alludiu, e que sinto muito ter de fallar n'elle. Disse se aqui mais de uma vez (e se outros não tivessem faltado n'esta questão, não fazia estas observações), que o governo tinha ouvido os seus amigos, que tinha estado sujeito á pressão d'elles, que se tinha aconselhado com a camara municipal, com o administrador do concelho, e que só por esquecimento não se aconselhou com o governador militar.

O sr. Conde da Taipa: — Apoiado.

O Orador: — Ora, eu direi que o sr. ministro da guerra, se estivesse presente, é que poderia dizer se houve tal informação; mas o governo o que não podia fazer era recusar um attestado gracioso do bom comportamento do individuo requerente, passado pela camara municipal e pelo administrador do concelho de Coimbra, sendo tudo pessoas de confiança do governo, porque até a camara municipal não era a eleita pelo povo, mas uma commissão nomeada pelo governo. Porém, d'aqui a dizer-se que o governo foi consultar a camara municipal, vae muita differença. O governo avocou a si todos os requerimentos dos pretendentes, viu quaes as suas habilitações, e vendo que este, que foi despachado, era formado em duas faculdades e que tinha boas informações, entendeu, e entendeu muito bem, que era competente para desempenhar aquelle logar.

Agora, sr. presidente, como todos os homens que fallam a favor do governo em qualquer questão se baptisam logo com o nome de amigos do governo, e como talvez algum dos meus amigos, e muito especialmente o sr. Sebastião José de Carvalho, póde applicar me esse titulo, e dizer-me: tu que defendes o governo, que andas atrelado a elle; aqui cumpre-me dizer que umas vezes fallo a favor do governo o outras contra, segundo a minha consciencia me dieta; mas emfim, como quer que seja, vejo-me na necessidade de dizer perante esta camara e o paiz, que eu não fallei ao sr. ministro da justiça sobre o individuo em questão, e que hão procurei influir de modo algum sobre o animo de s. ex.ª Sinto, comtudo, que se viesse trazer ao parlamento esta questão particular, mas fique isso a cargo da consciencia de quem a trouxe.

Sr. presidente, o sr. ministro da justiça disse, e disse muito bem, que o governo tinha ouvido muitos individuos, todos capazes e seus amigos politicos; e por certo que assim devia proceder, porque o governo quando quer quaesquer informações não vae procurar os seus inimigos para se instruir com elles; todavia, se o fizesse entre os membros d'esta camara, havia de achar quem o aconselhasse bem, quando elles por escrupulo não se abstivessem de o fazer.

Mas como tenho defendido o governo n'esta questão, não posso deixar de emprasar o sr. ministro da justiça para que declare se elle me chamou, ou eu lhe fallei, ou eu influi directa ou indirectamente para este despacho.

O sr. Ministro da Justiça (Gaspar Pereira): — Não, senhor.

O Orador: — Sinto tambem, sr. presidente, que não esteja presente o digno par, o sr. conde de Thomar, porque s. ex.ª contando aqui uma anedocta que lhe aconteceu quando era ministro com um individuo que requeria um logar, disse que elle pelos seus precedentes era menos apto para o emprego que requeria, apesar de ter tido um protector que se interessava por elle; se s. ex.ª trouxe esta anedocta como parallelo elle não cabe de maneira alguma ao individuo de que se trate; e sinto que s. ex.ª não esteja presente, porque de certo tiraria da mente da camara a idéa de parallelo.

Também disse, sr. presidente, que existe um requerimento em que este individuo despachado pede a sua exoneração, e que o sr. ministro da justiça disse que nada consta do livro da porta. Eu não sei se estes requerimentos vão ao livro da porta, mas o que sei é que não se póde nem deve dizer que existe um requerimento d'estes no bolso do individuo. Oh! sr. presidente! já se vae ao bolso dos individuos para se ver o que lá está?! Se se quizessem fazer apreciações iguaes a estas a favor do individuo despachado, e contra o proceder dos seus inimigos e as influencias que actuam na opposição que se faz ao governo n'esta questão, poder-se ía fazer se houvesse n'este lado da camara quem se encarregasse d'isso; mas creio que aqui ninguem quer argumentar para tirar deducções d'essa natureza.

Agora, sr. presidente, como se ha de resolver a questão? E pelo bom senso, a questão ha de resolver-se pelo bom senso do ministro que quiz sustentar as prerogativas da corôa, e estou certo de que o bom senso do illustre prelado ha de fazer com que esta questão se resolva como convem. Pois, sr. presidente, se nós todos os dias nos estamos a encontrar no caminho da vida com varias crises, não vem em nosso auxilio o bom senso, que devemos abraçar todas as vezes que não ha offensa, como se póde imaginar que o sr. ministro não ha de resolver esta questão de uma maneira conveniente vindo aqui dizer: «Que cumpriu a lei, e julgou o individuo habilitado pelos documentos que tinha visto, e que não queria offender o sr. bispo?» Portanto hoje que a questão está n'esta tela parlamentar que duvida ha em que nós entremos no bom caminho para resolver esta questão? Não sei, mas a questão ha de resolver se como convem para o estado; mas quem ha de resolver a questão? Nós não, é ao poder executivo que cumpre resolve-la, e não devemos prejudicar esta questão. Basta dizer este aphorismo para não poder julgar o sr. ministro. Jure suo qui utitur, nemini injuriam facit.

Quando alguem usa do seu direito, ninguem lhe póde fazer injuria. Pois póde julgar-se que o sr. ministro andou mal n'este negocio quando diz: «Que tinha uma lei escripta e que a quiz executar?» Eu não tenho muitas relações com o sr. ministro da justiça, mas pelo pouco trato que tenho tido com elle, considero-o como um cavalheiro que não tem o animo de insultar ninguem, e muito menos aquelle prelado para procurar uma difficuldade d'esta natureza, e como estou certo de que s. ex.ª não teve o animo de offender o illustre prelado, parece-me que esta questão se termina facilmente com a seguinte moção de ordem que vou mandar para a mesa.

Eu podia ter respondido aqui ao sr. Sebastião José de Carvalho, que tem o costume de se me dirigir com toda a cortezia e amisade, sobre a amável expressão que b. ex.ª me dirigiu, e da qual se podia deprehender que eu era até solidario na falta do sr. ministro do reino. Isto era allusivo a eu prestar sempre muita consideração e o partido liberal, ao nobre duque. Ora a opposição costuma chamar facção a esta porção de individuos que apoia o governo, cá tambem se costuma dizer o mesmo, eu é que não costumo chamar faccioso a ninguem; roas os homens que apoiam o governo tambem chamam facção á opposição, e quanto aos homens que apoiam o sr. duque de Loulé, os homens de quem elle é patriarcha, e os homens de quem s. ex.ª é chefe da igreja politica, não 8e envergonham de lhe prestar apoio; e se s. ex.ª não tem estado presente a esta questão, a rasão é facil, é porque aqui está o sr. ministro da justiça que é o responsavel pelos factos. S. ex.ª com a dignidade e decoro que todos lhe reconhecem, porque não precisa do meu apoio a este respeito, disse com a maior franqueza: «Esta questão é minha, se foi mal tratada até este ponto, eu a apresentarei depois ao governo, elle me rejeitará do seu seio, ou tomará a responsabilidade do meu acto, e tomará uma resolução sobre este objecto». Mas como o digno par e meu amigo gosta de conversar comigo, eu direi que o sr. duque de Loulé não está cá, e que o sr. ministro da justiça lhe responda.

Sr. presidente, proponho a seguinte moção de ordem:

«A camara tendo ouvido as explicações dadas pelo sr. ministro da justiça, mantendo, como lhe cumpre, as prerogativas da corôa, e esperando que o governo resolverá este negocio em harmonia com os justos interesses da igreja e do estado, passa á ordem do dia.»

O governo é quem ha de decidir este negocio como for mais conveniente para a igreja e para o estado, e depois veremos então se o governo cumpriu com os deveres que lhe impõe não só as leis mas o estado para alliar a igreja com o estado, se respeitou as prerogativas da corôa, se cumpriu o decreto de 5 de agosto de 1833, e se cumpriu a carta constitucional.

Leu-se na mesa a moção do digno par.

O sr. Presidente: — Tem o digno par o sr. marquez de Vallada a palavra.

O sr. Vellez Caldeira (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer de commissão.

O sr. Presidente: — Manda-se imprimir.

O sr. Marquez de Vallada: — Expoz que pedíra a palavra, não para renovar questões findas ou repetir os argumentos já produzidos, e sim para dirigir algumas mui ligeiras observações em resposta ao que disseram os srs. Alberto Antonio de Moraes Carvalho, Osorio Cabral, assim como em referencia ao digno prelado de Vizeu, com o qual se conformava em geral, dissentindo apenas em alguns pontos.

Em primeiro logar não póde, elle orador, dar-se por suspeito n'este assumpto, como pareceu faze-lo o meritissimo bispo de Vizeu; nem em tal materia se podem dar por suspeitos os prelados, porque necessariamente são estes os mais competentes para entrar n'este debate; e para taes questões, como todas as mais que se agitam na camara, têem reservado o seu logar no parlamento pela lei fundamental. Este era portanto um dos pontos em que discordava de s. ex.ª, pedindo-lhe a devida vénia para fazer esta observação, por certo ser que quando a igreja se vê atacada, aos prelados compete correrem em sua defeza, não devendo por isso caber-lhes notas de suspeição, porque estão no exercicio de um dever.

Reportando-se ao discurso do sr. Osorio Cabral, notara este digno par que, elle orador, tratára de tantas e tão variadas questões, que facilmente o sr. ministro podia escapar-se á responsabilidade que lhe queria impor. Se, elle orador, tratou de tantas questões, permitta-lhe o digno par a observação que aquelle censurado empenho foi imitado pelo mesmo sr. Osorio Cabral que tambem de muitas e variadas questões se occupou, na verdade que com a proficiencia que todos lhe reconhecem, e com que sempre illustra muito a camara. S. ex.ª tratou de questões philosophicas, fez a applicação dos principios de philosophia geral, soccorrendo-se á historia do mundo antigo e moderno, e cansado de divagar pelo passado, analysou o presente, e chegou até mesmo ao ponto de fazer profecias! Assim, elle orador, se felicita pelas divagações que fez para dar logar ás do sr. Osorio Cabral, e do ver seguido o seu exemplo por tão illustre membro d'esta camara.

O digno par disse que não fizéssemos reclamações, porque isso só competia á cúria romana. Elle, orador, declara a s. ex.ª que esta questão está tão ligada com interesses sociaes, que por sua parte não está resolvido a deixa-la tratar sómente pelo cardeal Antonelli, ou pelo collegio cardinalício; não está disposto a abdicar das prerogativas que a carta constitucional lhe confere de poder advogar uma causa cuja defeza é do interesse de todos. O digno par sabe perfeitamente que em todos os paizes catholicos, e mesmo na Inglaterra, estas questões não costumam ter tratadas 60 pelos prelados, mas por todo o parlamento.

Igualmente disse o digno par (e esta foi a sua prophecia), que a igreja podia ser livre no estado livre, uma vez que todos os8 homens fossem philosophos. Não sabe elle, orador, quando chegará essa epocha, que mui bem póde ser que venha, mas que de certo nem elle, orador, nem o digno par a que se reportava chegariam a ve la. Não sabe mesmo se se póde ser philosopho no sentido que vulgarmente se costuma dar a esta palavra, mas o que é certo é que s. ex.ª declarou qu9 a verdadeira philosophia não podia deixar de trazer comsigo similhante resultado; e n'este ponto pareceu lhe que se referiu a Montalembert e a Cavour. Quando Montalembert viu que Cavour repetia o que elle tinha escripto, se bem que adulterando-lhe a idéa, reclamou devidamente, como lhe cumpria.

A igreja livre no estado livre só se comprehende deixando os governos a verdadeira liberdade á igreja, com tanto que ella respeite o estado, o não deixando maltratar 03 ecclesiasticos nem os encerrando nas masmorras. E preciso que a igreja respeite o estado e que o estado respeite a igreja, a fim de que se dê a Cesar o que e de Cesar e a Deus o que é de Deus.

Todos devem concordar em que é preciso respeitar as leis e os principios de direito natural, que são a base d'estas leis. O digno par o sr. Moraes de Carvalho, que defendeu com tanto zêlo e ardor a manutenção das leis, e que foi um grande reforço para o sr. ministro da justiça, lançou um olhar retrospectivo sobre o passado, e pareceu que respeitava sómente umas certas leis e não todas. O sr. ministro da justiça do mesmo modo só pareceu respeitar as que lhe convinham, deixando de parte as outras. A respeito do cumprimento de umas leis, e não cumprimento de todas, recorda-se ter lido que em Inglaterra foi um dia interpellado lord Wellington, então presidente do conselho de ministros, por um deputado, sobre os motivos porque não cumpria algumas leis do tempo de Izabel, as leis chamadas da reforma, leia de sangue, leis de morte. O duque de Wellington não respondeu; deixou se ficar sentado, sorriu-se, e a interpellação caiu no ridiculo. Eram leis que se reputavam abolidas, que se reputavam obsoletas, e já ninguem levantava cadafalsos para exterminar n'elles os catholicos romanos. Não teve portanto logar aquella interpellação no parlamento inglez; porém no caso de que a camara se está occupando deseja elle, orador, saber quaes são as leis caídas em desuso; e de certo esta discussão illustrará muito, porque se ficará sabendo qual a legislação existente e a que já não existe. Ha muitas leis de cuja existencia elle, orador, tem duvida; por exemplo, uma lei que existia prohibindo as sociedades secretas. Geralmente ahi consta e se sabe o que ultimamente nellas tem occorrido; mas o sr. ministro da justiça parece ignorado, porque não applica as leis a tal respeito.

E indubitavel que o principio da associação não tem liberdade entre nós, senão com relação ás associações secretas. As sociedades maçónicas têem sido formadas muitas vezes para satisfazer interesses pessoaes, ou para interesse do partido revolucionario, e os governos quando chegam ao poder acham-se embaraçados com pedidos e pretendentes aos empregos publicos. Este é que é o grande mal das sociedades secretas, que poderiam ser admittidas no tempo do absolutismo, quando não havia liberdade de imprensa nem de tribuna, mas que hoje são intoleráveis, e embaraçam a marcha de qualquer governo. Também é certo que muitas d'estas sociedades são inoffensivas, mas nem por isso deixa de ser exacto que uma grande parte dellas têem grandes inconvenientes, como por exemplo, uma que haverá dois annos se fundou para empolgar uma grande herança, mas justiça se faça aos juizes n'este assumpto, porque souberam resistir a todas as sugestões, e decidiram a causa como o direito o pedia. Deve confessar-se que a nossa magistratura tem dado sempre, e continua a dar brilhantes exemplos de justiça, e mostrando que ainda não se acabaram os igregios varões que tanto a honraram nos tempos passados.

Depois do que acabava de expor, admirava-se elle ora-

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dor, d'este desejo tardio de se verem cumpridas as leis, e adduzindo varias reflexões em relação ás referencias do digno par o sr. Osorio, reportando-se á reacção, terminou expondo que, pelos desejos que muitos oradores ainda tinham de fallar sobre o assumpto, a camara não dava ainda por terminada esta discussão.

O sr. Marquez de Niza: — Peço a palavra para um requerimento, e vem a ser para que V. ex.ª consulte n camara sobre se dá por discutida a presente questão.

O sr. Presidente: — Cumpre-me pôr á votação o requerimento do digno par.

Consultada a camara decidiu por 35 votos contra 31, que não estava discutida sufficientemente.

O sr. Presidente: — Continua a discussão, e tem a palavra sobre a ordem o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho.

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

A moção do digno par enviada para a mesa foi do teor seguinte:

«A camara dos dignos pares, tendo ouvido as explicações dadas pelo governo ácerca das occorrencias que tiveram logar por occasião da nomeação do escrivão da camara ecclesiastica do bispado de Coimbra, e confiando em que os poderes publicos accordarão na adopção das medidas que ponham termo a occorrencias similhantes, passa á ordem do dia. = Sebastião José de Carvalho.

O sr. Presidente: — Vae nomear-se a deputação que ha de levar differentes decretos das côrtes á sancção real. Era composta dos seguintes dignos pares:

Ex.mos srs. Presidente

Conde de Mello

Conde das Alcaçovas

Conde de Alva

Conde de Azinhaga

Conde de Campanhã

Conde de Fonte Nova.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã 29 do corrente, é na 1.ª parte a discussão dos pareceres n.ºs 346 e 342; e na 2.º parte a continuação do debate sobre a interpellação do digno par o sr. marquez de Vallada. Está levantada a sessão. Eram mais de cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 28 de março de 1864

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Cardeal Patriarcha; Duque de Palmella (Antonio); Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, do Pombal, de Vallada, de Sabugosa, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alva, d'Avila, de Avilez, de Azinhaga, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, do Rio Maior, do Sobral, da Taipa; Bispos, de Lamego, de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Ovar, da Vargem da Ordem, Soares Franco; Barões de S. Pedro, de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Pereira Coutinho, Teixeira de Queiroz, Caula Lei, Custodio Rebello de Carvalho, Margiochi, João da Costa Carvalho, João da Silva Carvalho, Aguiar, Soure, Pestana, Braamcamp, Silva Cabral, Pinto Basto, Passos, Reis e Vasconcellos, Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Vellez Caldeira, Pessanha, Miguel Osorio, Miguel do Canto, Menezes Pita, Sebastião José de Carvalho e Ferrer.

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