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expor, e procurára que a reacção, se a ha, nas condições que dizem, não ultrapassasse aquillo que a igreja deve ao estado, invadindo as attribuições d'elle. E necessario que a igreja se conserve dentro da igreja, isto é, que todos os seus membros se conservem, por assim dizer, dentro da orbita que lhes é marcada.

Emquanto ao outro ponto é uma questão geral do governo: entrados hontem não podemos dizer desde já: vamos apresentar exactamente a mesma lei, como foi apresentada, sem modificação alguma, quando nós temos ainda que pensar maduramente se é mister uma ou outra modificação, e se as circumstancias da sociedade, no seu constante desenvolvimento, carecem que se attenda a ellas. Portanto o governo firme no seu posto, manterá igualmente todos os corpos e todas as instituições que compõem a sociedade.

O sr. Marquez de Vallada: — Principiou expondo que no seio das sociedades modernas que adoram, como a nossa, o progresso, porque entendem que só elle póde leva-las ao apogeu da gloria e da ventura, apparecem ás vezes certos pressentimentos sinistros, certos rumores vagos que pairam como nuvens negras sobre os horisontes do estado; os povos examinam os seus reductos, lançam um golpe de vista sobre os seus arsenaes, contemplam as suas frotas e equipagens, exultam ante os progressos das industrias, e, apezar de tudo, tremem, porque ha uma cousa mais forte que todos esses enthusiasmos nobres pelos progressos materiaes, porque ha uma cousa mais forte, mais superior a todos esses enthusiasmos, que é a força moral, e só ella póde dar a ventura e a gloria ás sociedades; só ella dá a vida a essas mesmas sociedades, vivificando a felicidade dos povos e segurando em suas mãos o sceptro da realeza do espirito, impedindo-a de caír debaixo do jugo da materia. É essa força moral que os governos precisam ter, quando constituidos, que deve presidir ao seu nascimento, e que os deve acompanhar no desenvolvimento da sua politica e em todos os seus pensamentos politicos. Acaso os actuaes ministros da corôa, que elle orador via sentados hoje na camara, possuem essa força moral que lhes é tão necessaria? Acompanha-os, por assim dizer, essa força da opinião não desvairada?

Passava a tomar nota de todas as palavras que os srs. ministros proferiram, ou para melhor dizer, das idéas que ss. ex.ªs enunciaram na camara dos senhores deputados, transcriptas no Diario de Lisboa, e pronunciadas em resposta ás preguntas que lhes foram dirigidas, taes como: d'onde vem os srs. ministros? Eis o que perguntava a anciedade publica. D'onde vem? Respondem todos elles: vimos do paço, das regias ante-camaras, da regia prerogativa! Mas quando se trocaram estas palavras, se por acaso elle orador tivesse a honra de se assentar n'essa casa como deputado da nação portugueza, diria: vieram do paço, todos elles são filhos da regia prerogativa; mas o sr. ministro da fazenda veiu tambem do paço? Não! Veiu do limbo politico. E n'isto não havia offensa, porque s. ex.ª sabia, que elle, orador, costuma tratar os homens com todo o cavalheirismo, principalmente a s. ex.ª a quem só deve boas palavras e obséquios. S. ex.ª veiu pois do limbo politico, por - que não estava filiado em partido algum, nem fazia parte de nenhum d'esses grupos politicos aonde se costumam ir buscar os homens para fazer parte dos ministerios.

Passava a occupar-se de outro ministro, porque o ministro politico é o sr. ministro do reino; porque em todas as administrações apparece sempre um ministro do reino como homem politico, como espirito conciliador, e como o homem militante do gabinete. Por consequencia considera o sr. marquez de Sabugosa como o espirito politico do ministerio. S. ex.ª de certo aceita este cumprimento, e aceita-o de certo, porque sabe que elle é uma persuasão politica fundada nos precedentes que fornecem as praxes parlamentares.

Vendo que s. ex.ª tomava nota d'esta asserção, pedia desde já ao ex.mo sr. presidente a palavra, para tratar deste assumpto, quando s. ex.ª lhe responder. Assim procedera sempre com os srs. Fontes, Rodrigo da Fonseca Magalhães e com outros illustres ministros; espera portanto do cavalheirismo do sr. marquez de Sabugosa, que o tratará como os seus predecessores.

Primeiro que tudo, tendo elle orador, a honra de pertencer ao partido conservador, que é liberal e progressista, como o são todos os partidos conservadores da 'Europa, precisava fazer uma profissão de fé.

Diz-se aqui: «vós vindes atacar a regia prerogativa». Eis o ponto da sua profissão de fé, para que esta seta do sr. ministro da fazenda não possa de maneira alguma ferir, a elle orador, no seu melindro e nas suas convicções, nem dar a entender que contraria os principios do seu credo, que ha constantemente seguido, e espera com o auxilio da providencia continuar a seguir invariavelmente.

Não sabe como se tenha dito que o presente ministerio fôra feito por um valido!... Em todos, os tempos, e nos tempos da velha monarchia houve validos e privados, porque havia differença entre a significação que se dava a um e outro termo. O conde D. Pedro, fallando de D. Rodrigo Forjaz, disse que os privados do rei, e ao mesmo tempo os validos lhe davam maus conselhos e o conduziam a maus passos, que o não acompanhavam com aquella sã palavra que tão propria deve ser dos homens que assistem aos principes. Que fez esse conde? Chamou os homens do seu tempo, convocou-os a conselho e disse: «vamos ao paço, e digamos' ao rei que lance fóra esses privados que não podem ser uteis, mas sim nefastos aos interesses publicos». Isto era no tempo do absolutismo, e ninguem se admirou! Certo é que nos tempos da monarchia absoluta costumavam os privados e as camarilhas rodear os monarchas e darem-lhes maus conselhos, e interpor entre os povos o seu monarcha para conseguirem seus damnados fins; emquanto aos privados encontram-se estes em todos os tempos, e o chronista Fernão Lopes aponta o facto, que o rei os convocava a conselho e os chamava em seu auxilio para lhes entregar os conhecimentos dos negocios do estado. Alem de validos e privados ainda ha outra cousa, são as camarilhas que é a peste mais damnada das sociedades modernas, e contra as quaes se subleva a boa fé, a rasão, o patriotismo e o sincero amor á liberdade de que o orador se acha possuido.

Disse-se «vós vindes combater a regia prerogativa». Ninguem mais que elle, orador, acata' a regia prerogativa. O rei exerce a prerogativa em toda a sua plenitude, e os pares exercem a sua, avaliando o modo porque o homem, encarregado pelo rei, póde constituir o gabinete, e como desempenhou essa missão.

O orador adduziu exemplo da Inglaterra, e da França sobre este assumpto, e passou a examinar qual a conducta do sr. duque de Loulé nas circumstancias em que esta e em que se achou; e longe d'elle, orador, injuriar nem levemente quem quer que seja; que lho prohibe não só a sua educação de cavalheiro, mas tambem a sua consciencia de christão.

Demittiu-se o ministerio passado. Parece um sonho! Até ha poucos dias era o sr. duque de Loulé o chefe do partido progressista, e elle, orador, não podia fallar contra s. ex.ª, sem que sete ou oito artigos de alguns jornaes o declarassem reaccionario, porque esta palavra é hoje da moda. Todos esses artigos então o declaravam imprudente porque atacava as primeiras virtudes do paiz, porque as virtudes tambem tem seu numero, atacava o chefe do partido progressista! Tambem o seu antigo amigo, que era, e não sabe se ainda hoje o é o sr. ministro da fazenda, Mathias de Carvalho, não quer hoje que se discuta o sr. duque de Loulé de maneira alguma. (O sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra.) Dizia isto, porque ouviu estas palavras de s. ex.ª: «Pois um homem com uma vida cheia de serviços; um homem honestissimo, um homem virtuoso, um homem de estado, como o sr. duque de Loulé, é esse homem victima de tantas injurias e censuras como aquellas que lhe têem sido dirigidas?!» Quanto ás injurias, concorda com s. ex.ª, mas quanto á apreciação severa, o sr. Mathias de Carvalho havia de lembrar-se, porque esteve no congresso de Grand, daí palavras que proferiu, e que estão impressas em varios jornaes, quando disse que era catholico, referindo-se ao congresso de Malines, e que seguia a igreja nas suas decisões, mas não nos seus desvarios. Talvez que não sejam estas as proprias palavras, que s. ex.ª pronunciou, e estima pois dar-lhe logar para nega-las e explicar o que julgava desvarios da igreja. Porque não querendo s. ex.ª acompanhar um poder tão augusto como é a igreja, queria que se acompanhasse o sr. duque de Loulé sem uma phrase severa, abafando-a no coração? O motivo é de certo porque os homens mudam conforme as circunstancias da vida, é porque o sr. ministro da fazenda não estava em partido algum politico, e ninguem calculava que havia ser chamado aos conselhos da corôa. Mas como succedeu esta metamorphose?! O chefe do partido progressista foi sentenciado de repente, o seu processo correu em poucos dias, e o sr. duque de Loulé é exauthorado de chefe daquelle partido, arrancam-se-lhe as dragonas, e tira-se-lhe o bastão, e s. ex.ª fica com os seus collegas! (Riso).

Recordou n'este ponto o orador que, quando teve logar a formação do ministerio do sr. duque de Loulé com o sr. conselheiro Joaquim Thomás Lobo d’Avila, dissera na camara dos dignos pares a s. ex.ª que esta mesma sorte o esperava! Não era necessario para isso ser propheta, bastava um pouco de senso commum para prognosticar ao sr. Lobo d'Avila o mesmo que aconteceu ao sr. conde d’Avila e aos seus collegas, os srs. Moraes Carvalho, conselheiro Carlos Bento, e outros cavalheiros. Isto é sabido. O que o surprehende agora é a surpreza dos partidarios do sr. Lobo d'Avila, que se espantam da politica do sr. duque de Loulé, que é sempre a mesma. Quem igualmente se deve, e muito, admirar é o sr. marquez de Sabugosa. Nunca elle, orador, ouviu a s. ex.ª na camara dos pares, senão uma vez para dar uma explicação; más parece-lhe, pela pratica parlamentar que tem, que o sr. marquez de Sabugosa fazia parte daquelles que apoiavam o ministerio presidido pelo sr. duque de Loulé.

O sr. Ministro do Reino: — Dei-lhe o meu voto.

O Orador: — Pediu n'este ponto a s. ex.ª que o corrigisse em caso de erro, porque o erro d'elle, orador, é sempre de entendimento e nunca de vontade.

Proseguiu dizendo que o sr. marquez de Sabugosa acompanhou o sr. duque de Loulé, foi nomeado governador civil de Lisboa, depois saíu, mas ninguem soube porque! E costume nas assembléas politicas que os homens publicos apresentem alguns actos da sua vida politica, porque nos governos constitucionaes não succede o mesmo que nos governos absolutos, em que havia alguns individuos que eram promovidos aos maiores postos militares sem nunca verem uma bala na sua vida. Mas a fórma do governo absoluto (que espera não torne a levantar-se) era differente da dos tempos actuaes, e por isso entende que esses homens politicos têem rigorosa obrigação de dar explicações do seu procedimento politico.

Já se vê que não se pedem explicações da sua vida particular. S. ex.ª disse uma cousa que não era necessaria, disse que era um homem honrado. Como tal elle, orador, tem sempre considerado a s. ex.ª, e nunca ouviu dizer cousa alguma contra o caracter moral do sr. marquez de Sabugosa; porém do que se trata n'esta occasião é sómente do homem politico. Não o ouviu dizer na camara, mas ouviu dizer geralmente que s. ex.ª pertencia ao partido progressista. Cousa notavel o que aconteceu' com o sr. marquez de Sabugosa! SI ex.ª saíu do governo civil de Lisboa na occasião em que havia uma syndicancia á camara municipal de Belem, e segredou-se que s. ex.ª não queria que se pozesse uma pedra em cima d'aquelle negocio:

Como o orador não tem a honra de entrar nas secretarias, nem nas repartições publicas, senão quando ahi o leva algum negocio a tratar, não sabia nada d'essa syndicancia. Desejava que o sr. marquez de Sabugosa tivesse a bondade de lhe dizer se realmente foi em consequencia d'essa syndicancia estar parada e s. ex.ª desejar que ella andasse, que saíu do governo civil? Parece que se houvesse qualquer impedimento a este respeito, não devia ser da parte do sr. presidente do conselho, porque se assim fosse s. ex.ª de certo não entrava no gabinete com o sr. duque de Loulé. Tem pena de affligir e apoquentar o nobre ministro do reino.

O sr. Ministro do Reino: — Não me apoquenta nada.

O Orador: — Parece-lhe pelo contrario que dá occasião a s. ex.ª para se explicar, e n'este caso não lhe pede o seu agradecimento, mas ao menos estima a benevolencia de s. ex.ª pelo pequeno serviço que n'esta conjunctura lhe presta.

Entrando para o ministerio o sr. Joaquim Thomás Lobo d’Avila, elle, orador, proferiu as palavras que havia pouco repetira, e o facto veiu depois confirmar o -que então tinha prognosticado. Depois teve logar na camara dos dignos pares uma interpellação feita pelo sr. Sebastião José de Carvalho ao sr. ministro da guerra José Gerardo Ferreira Passos, que hoje o orador não via presente na camara.

Esta interpellação seguiu o seu caminho; tambem elle, orador, tomou parte n'ella, a camara dos dignos pares nomeou uma commissão para dar o seu parecer sobre este objecto, e o sr. general Passos pediu -depois a sua demissão. Mas o que aconteceu com o sr. duque de Loulé é uma cousa curiosa.

Perguntando elle, orador, a s. ex.ª qual era a sua opinião sobre a permanencia do general Francisco de Paula Lobo d’Avila no commando geral de artilheria, sendo ao mesmo tempo deputado da nação portugueza, sem o governo pedir á respectiva camara a devida licença para poder accumular, querendo, aquelle serviço com as funcções de legislador; o sr. duque de Loulé levantou-se, e disse que havia opiniões differentes a esse respeito, referindo-se naturalmente a que aquelle general não estava accumulando n'esse momento; mas como s. ex.ª tomou parte nas reuniões da junta preparatoria, e é deputado, porque não deixou de sê-lo, e se porventura tivesse um processo qualquer havia de ser julgado pela respectiva camara, como é que o sr. presidente do conselho responde de uma maneira na camara dos dignos pares, e na camara dos senhores deputados dá uma resposta diametralmente opposta, como se vê do Diario de Lisboa?! Não póde comprehender como sobre uma mesma pergunta se responda de maneira differente, e inteiramente em opposição. É uma cousa notavel, porque não ha duas verdades oppostas sobre a mesma cousa, e as respostas de s. ex.ª estão neste caso.

Deseja tambem que os outros srs. ministros respondam sobre este assumpto, que é importante. Não sabe o orador qual a opinião do sr. marquez de Sabugosa a tal respeito, porque não podendo adivinhar as intenções do seu coração, e como s. ex.ª não tomou parte n'esta questão, não póde saber qual a sua opinião. Se s. ex.ª o quizer esclarecer, far-lhe-ha um grande obsequio; mas se não quizer tomar a palavra, elle orador não será tão excessivo, que peça a s. ex.ª e insista que se manifeste.

Continuava a seguir a historia passo a passo. Depois pediu o sr. general Passos a sua demissão; não se sabe porque, mas é natural que fosse em consequencia da votação que teve logar na camara dos dignos pares, isto é, quando se verificou a nomeação dos membros da commissão proposta pelo sr. conde d’Avila, nomeação que recaíu sobre cavalheiros completamente hostis ás idéas que tinha defendido, conforme poude, o sr. general Passos n'aquella camara, sem que os outros membros do governo se manifestassem senão no ponto que acabava de referir, porque tendo sido convidado o sr. duque de Loulé para dizer a sua opinião, s. ex.ª disso apenas que em tempo competente diria o que pensava, não chegando nunca a manifesta-la, nem a manifestará porque esse tempo competente nunca chegou, e o sr. Lobo d’Avila desappareceu, e com elle todo o ministerio..

Apenas o orador ouviu dizer que o ministerio tinha pedido todo a sua demissão, percebeu immediatamente, e não era preciso uma grande intelligencia para o perceber, que o sr. duque de Loulé demittido havia de tornar a entrar para o ministerio. Duas parcialidades se agitavam, a do sr. duque de Loulé e a do sr. Lobo d'Avila; a final venceu a do sr. duque de Loulé, muita gente não contava com isso, mas é certo que s. ex.ª se encarregou de tornar a formar uma nova administração, depois que o sr. marquez de Sá não poude levar a effeito a missão de que fôra encarregado, e que o sr. conde de Torres Novas não quiz tomar sobre seus hombros esse encargo, que presume era imposto com certas restricções. Ainda mais: o sr. duque de Loulé declarou muito solemnemente, em resposta ao digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, que de certo não iria compartilhar com a opposição a formação do ministerio, se por ventura elle se reorganisasse; e o que aconteceu depois d'isto? O sr. duque de Loulé foi ter com o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, que é um dos vultos mais conspicuos da opposição; mas não foi só ter com esse, procurou tambem o sr. visconde de Gouveia, membro fiel da opposição, e o sr. Carlos Bento da Silva, que militava nas fileiras do partido que combatia o governo.

Ora, depois de um procedimento d'esta ordem, de uma anomalia d'estas, que confiança se póde ter em toda e qualquer promessa que faça o governo? Os cavalheiros que hoje occupam as cadeiras ministeriaes têem todos a mesma responsabilidade do sr. duque de Loulé.