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CAMARA DOS DIGNOS PARES
SESSÃO DE 11 DE MARÇO DE 1867
PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO
Secretarios os dignos pares
Marquez de Vallada
Conde d’Alva
As duas hora e meia da tarde, sendo presentes 33 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.
Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamações em contrario.
Leu-se na mesa um officio do digno par Rebello da Silva, communicando que não comparecia á sessão por doente.
O sr. Presidente: — Peço um momento de attenção.
O sr. Augusto Cesar Xavier da Silva acaba de dirigir um requerimento, o qual entendo que deve ser lido na mesa, para se tomar conta d'elle conforme a camara resolver. Em consequencia vae fazer-se a leitura.
O sr. Secretario Marquez de Vallada leu o requerimento alludido.
O sr. Presidente: — Parece-me que sobre este requerimento poderá a camara tomar immediatamente uma resolução.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — V. ex.ª submette á decisão da. camara, se o negocio ou requerimento que se apresenta ha de ter prompta resolução?
O sr. Presidente: — Assim me parecia porque a ordem do dia em que vamos entrar é a continuação da discussão do respectivo parecer sobre a pretensão apresentada a esta camara pelo mesmo sr. Xavier da Silva.
O sr. Silva Cabral (sobre a ordem): — Peço a V. ex.ª se digne dizer-me se porventura já declarou em discussão a ordem do dia conforme estava annunciado, isto é, a continuação do debate sobre o parecer da commissão que interpoz o seu voto sobre esse mesmo negocio (apoiados).
O sr. Presidente: — Pareceu-me que antes de se entrar na ordem do dia devia dar conhecimento á camara do requerimento que n'este mesmo momento acabava de receber, e que presumo de natureza que justifica o meu procedimento.
O sr. Silva Cabral: — Peço licença para dizer que me parece que só quando a discussão continuar é que tem logar o ajuizar-se do requerimento.
O sr. Presidente: — Como a camara quizer.
Tem a palavra o sr. Conde d'Avila, que a pediu logo no principio da sessão, para apresentar um parecer.
O sr. Conde d'Avila: — E um parecer da commissão de fazenda que falta apenas ser assignado pelos dignos pares o sr. Margiochi e o sr. Braamcamp; mas se ss. ex.as comparecerem no decurso da sessão poderão assignar, quando não póde-se declarar que o mesmo parecer tem os votos das pessoas a que me refiro.
O sr. Presidente: — Este parecer ha de ser impresso, tendo-se primeiro em vista o que expoz o digno par.
Passâmos á ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer relativo á pretensão do successor do fallecido digno par o sr. Augusto Xavier da Silva.
ORDEM DO DIA
DISCUSSÃO DO PARECER DA COMMISSÃO, RESPECTIVAMENTE AO REQUERIMENTO DO SR. AUGUSTO CESAR XAVIER DA SILVA
O sr. Conde d'Avila (sobre a ordem): — Sr. presidente, pareceu-me que o documento que ha pouco se tinha lido na mesa, tinha por objecto offerecer á camara novas informações por parte do interessado, para o que pedia elle, que se sobreestivesse na resolução do seu requerimento, até que apresentasse essas informações. Se isto é assim, como creio que é (pelo menos foi esta a impressão que me fez a leitura que acaba de ter logar na mesa, e que por isso ouvi com satisfação) o que ha a fazer, é deferir esse requerimento, com o que acaba a questão por agora, até que cheguem os documentos e provas a que se refere o novo requerimento. Toda a discussão agora sobre o parecer da commissão é pois extemporanea, e eu esperava que a illustre commissão seria a primeira a desejar que o negocio tomasse esta direcção.
A illustre commissão, sr. presidente, deveria ser a primeira, no meu entender, que desejasse este resultado; pois o facto é que a illustre commissão, depois de ter convidado o pretendente a apresentar certos documentos, não lhe deu comtudo o tempo necessario para assim o fazer (O sr. Visconde de Chancelleiros: — Não é exacto). Não é exacto? Pois eu expunha-me a asseverar uma proposição que não fosse exacta? Certamente que não; se o affirmo, é porque tenho documento para o provar; e portanto não consinto que se me diga que não é exacto aquillo que eu assevero (O sr. Visconde de Chancelleiros: — Peço a palavra para responder).
O sr. Presidente: — Eu inscrevo o digno par, mas noto a s. ex.ª, e noto em geral, que os ápartes são inconvenientes.
O Orador: — Eu não me offendo, nem com a phrase, nem com o áparte.
O sr. Marquez de Niza: — Deu as precisas explicações.
O sr. Conde d'Avila: — Eu espero que o digno par o sr. marquez de Niza me fará a justiça de acreditar que quando eu estava seguindo com outro papel a leitura que s. ex.ª fazia, era simplesmente para verificar se a copia que eu tinha estava exacta, pois que o documento que s. ex.ª lia era official, e o que eu tinha não se podia considerar authentico; foi pois tão sómente para verificar se a copia estava exacta. (O sr. Marquez de Niza: — Mas está?) Sim, senhor; a copia está exacta. Mas o que tudo isto esta demonstrando é que era conveniente que a camara sem longo debate procedesse desde já a resolver sobre o requerimento que foi lido na mesa, pois não me parece que este possa ser desattendido, sem que a camara falte á sua propria dignidade e á imparcialidade que deve caracterisar todas as suas resoluções.
De quem é este requerimento? É do representante e successor de um collega nosso, que vendo que se oppõem duvidas ao deferimento do seu anterior requerimento para se lhe dar entrada n'esta casa, pede que antes de se tomar uma decisão a este respeito se lhe dê tempo para provar mais amplamente que tem todas as condições necessarias para tomar aqui assento. Póde-se acaso negar o deferimento a este requerimento? Eu entendo em consciencia que não.
Direi ainda ao digno par o sr. marquez de Niza e ao sr. visconde de Chancelleiros, que fui exacto quando asseverei que a commissão não deu ao requerente o tempo necessario para que este lhe fornecesse os documentos, que ella mesmo lhe havia pedido, e não comprehendo como ss. ex.as se admiraram quando eu tal asseverei.
A carta ou officio da commissão é de 22 de fevereiro; se fosso recebida n'esse dia á noite, como me consta, que foi, póde-se rasoavelmente contar esse dia? O dia 22 de fevereiro foi uma sexta feira, o sabbado seguinte foi pois o primeiro dia util concedido ao requerente: seguiu-se o domingo que se não póde contar para preparação de documentos. A segunda feira foi o segundo dia util. Na terça feira, isto é, no dia 26 deu a commissão parecer contrario sem esperar a resposta do requerente. Não houve pois oito dias de espera, como se affirmou, e permitta-me a commissão que lhe diga que comquanto andasse n'este negocio com as melhores intenções, como sou o primeiro a crer com toda a sinceridade, com tudo não reparou que se lhe podia com rasão imputar, que tinha andado com pressa de mais em resolver este negocio, segundo os termos em que ella mesma o havia collocado. Que faz pois agora o interessado? Vem requerer á camara que lhe dê o tempo sufficiente para satisfazer a exigencia da commissão. Ha cousa mais justa e rasoavel? Isto é para mim tão claro que me parece desnecessario dizer mais alguma cousa a este respeito.
O sr. Presidente: — Estão inscriptos os dignos pares Silva Ferrão e visconde de Chancelleiros, que é relator da commissão.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — A preferencia na minha qualidade de relator poderia servir talvez para regularidade do debate, significando bem o pensamento da commissão, mas fallarei no meu logar segundo a ordem da inscripção.
O sr. Ferrão: — Sustentou o adiamento pelas rasões juridicas que adduziu.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Na qualidade de relator da commissão explicou os fundamentos em que se baseara o parecer em discussão.
O sr. Conde d'Avila: — Sr. presidente, eu quero satisfazer a vontade do digno par, fazendo minha a proposta de adiamento.
Eu senti ouvir dizer ao digno par que esta questão era uma questão pessoal; se o é para a commissão, não o é para mim.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — E pessoal, porque se refere a uma pessoa.
O Orador: — Para mim não é questão pessoal, é questão de principios; e confesso que é uma cousa que não posso ver a sangue frio, que uma commissão venha pedir a esta camara que vote n'um dia o contrario do que votou na vespera. Uma commissão póde ter uma opinião contraria ás disposições de uma lei, não póde comtudo vir propor á camara que resolva contra o que se acha prescripto n'essa lei; póde ter uma opinião contraria á que a camara adoptou n'uma dada hypothese, não póde comtudo vir dizer á camara que vote de uma maneira diversa, dada a mesma hypothese...
O sr. Visconde de Chancelleiros e algumas vozes: — Aonde está isso?
O Orador: — Eu já o mostro; eu já disse que nunca avanço uma proposição sem poder logo demonstra-la.
Sr. presidente, no dia 25 de fevereiro discutiu esta camara um parecer de commissão sobre o requerimento do filho de um saudoso collega nosso, o sr. visconde da Luz; este cavalheiro provava que perfazia o rendimento marcado pela lei com o seu ordenado de amanuense da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros. O sr. visconde de Fonte Arcada levantou-se e combateu este rendimento; o sr. Silva Cabral levantou-se, e combateu igualmente este rendimento; e a camara não aceitou estas doutrinas dos dignos pares, e votou a favor do parecer da commissão. No dia seguinte, no dia 26 de fevereiro, veiu outra commissão combater essa decisão, sustentando que esse rendimento, ou o rendimento proveniente de um logar de amanuense do thesouro, não devia admittir-se para dar entrada na camara ao successor de outro par do reino. Pergunto: vinha ou não a commissão aconselhar á camara que resolvesse n'um dia precisamente o contrario do que resolvêra na vespera? Pareceme, sr. presidente, ter com estas explicações satisfeito o digno par.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Não estou satisfeito.
O Orador: — Eu tambem no seu logar não o estaria. Era um caso já julgado pela camara...
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Não ha casos julgados.
O Orador: — Não ha casos julgados? Que hermeneutica é esta, sr. presidente? Pois a camara, que aceitou sempre um certo rendimento, como habilitação ao pariato, póde n'um certo dia não o aceitar com relação a uma certa pessoa, e aceita-lo de novo no dia seguinte, com relação a outra? Póde a camara hoje achar que este rendimento é sufficiente, não digo para o sr. visconde de Chancelleiros que não allegou tê-lo, mas para qualquer outro successor de par, e ámanhã não o julgar do mesmo modo? Pois póde julgar-se sufficiente hoje para Pedro, o que ámanhã se não julga sufficiente para João?
Em vista d'isto, sr. presidente, bem fez a commissão em declarar este objecto uma questão pessoal; para mim porém não o é, é sim meramente uma questão de principios (apoiados).
Eu confesso, sr. presidente, que me magoou o ver esta subversão de idéas. Hoje vota-se a favor de um rendimento, ámanhã esse mesmo rendimento não serve, e depois de ámanhã ha de a camara ainda achar bom o mesmo rendimento. Ora aqui esta o que nos diz, o que nos propõe o parecer da commissão.
Sr. presidente, o parecer da commissão estabelece principios taes, que ámanhã a camara, a não mostrar parcialidade, ha de ser obrigada a perguntar a todos aquelles que n'ella pretenderem tomar assento por direito hereditario, d'onde lhes proveiu o rendimento que allegam ter, ou de que maneira o obtiveram. É esta necessariamente a consequencia dos principios estabelecidos no parecer.
Quando se leu o requerimento de que se trata, que eu não ouvi bem, mas para o qual chamou a minha attenção o discurso do sr. visconde de Chancelleiros, eu pensei que a camara o approvaria sem hesitar, e que estimaria mesmo este meio que se lhe offerecia, não só para poder apreciar melhor a questão, mas tambem para não approvar o parecer da commissão, que mais tarde nos virá collocar em difficuldades. Não succedeu porém assim. E que differença, sr. presidente, entre este parecer e os pareceres anteriores, que se costumavam apresentar n'esta camara! N'esses apenas a commissão dizia: «O requerente reune todos os quesitos exigidos pela lei de 11 de abril de 1845, e esta portanto nas circumstancias de tomar assento n'esta camara.»
O sr. Presidente: — Peço licença para observar ao digno par, que não esta na ordem, mas sim entrando na discussão do parecer da commissão.
O Orador: — O meu fim, sr. presidente, é justificar o adiamento que propuz, e para isso não podia deixar de apresentar as considerações que acabo de fazer.
Sr. presidente, já um digno par disse, que proporia que este negocio fosse tratado em sessão secreta. Isto não póde ser; deve continuar a discutir-se em sessão publica (apoiados). Nem póde deixar de ser assim. Pois haviamos ir agora tratar este negocio em sessão secreta? Para que? Para se julgar que se iam apresentar horrores?
Uma voz: — E talvez.
O Orador: — Não se diga isso, porque os não ha.
Eu, sr. presidente, peço á camara que approve o adiamento da questão, até para evitar a irritação que temo muito que esta discussão produza.
Eu fui convidado pelo illustre relator da commissão para fazer meu o adiamento d'este parecer. Satisfaço aos desejos "do digno par declarando que adopto esse adiamento. Não tenho agora presentes as disposições regimentaes que se deverão seguir a este respeito, mas repito que proponho o adiamento d'este parecer, e muito desejaria que a camara o approvasse.
O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão o adiamento do digno par o sr. conde d'Avila, tenham a bondade de o manifestar.
Foi admittido.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Adduziu nova argumentação em reforço á opinião precedentemente emittida; e deu logar á seguinte interrupção.
O sr. Conde d'Avila: — Eu só disse que d'aqui em diante se deve fazer aos outros o que se quer fazer a este.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Continuou o seu discurso, desenvolvendo as proposições precedentemente assentadas.
O sr. Silva Ferrão: — Desenvolveu a materia juridica em que se baseava no seu discurso respectivo a esta discussão.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Explicou, igualmente, o pensamento que anteriormente havia emittido.
O sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao sr. Ferrão, mas peço licença para observar á camara que me parece ter-se esquecido o que estava em discussão.
O sr. conde d'Avila pediu a palavra sobre a ordem e propoz que antes de se entrar na ordem do dia se tomasse uma resolução sobre o requerimento do sr. Xavier da Silva.
E verdade que s. ex.ª sustentando a sua proposta entrou na materia, e por isso deixei ao digno par o sr. visconde de Chancelleiros, nem podia deixar de ser assim, deixei, disse, o digno par responder ao que tinha dito o sr. conde d'Avila.
Agora dou a palavra ao sr. Ferrão, mas peço a s. ex.ª que se cinja ao que esta em discussão. (O sr. Ferrão: — Apoiado.)
O sr. Ferrão: — Tratando do assumpto em discussão demonstrou o fundamento em que se baseara para a opinião emittida.
O sr. Conde d'Avila: — Sr. presidente, depois do discurso do digno par o sr. Ferrão, eu podia desistir da palavra, mas peço licença para dizer ainda duas cousas com referencia a um facto que apresentou o sr. relator da commissão, de cujo discurso só deve a camara concluir a necessidade de approvar o adiamento. O digno par disse que a commissão abriu o caminho do adiamento, propondo ao requerente que enviasse certos esclarecimentos para ella então dar o seu parecer, sobre a sua pretensão, e que elle os não apresentou. A isto respondi: «Não os apresentou porque lhe não déram tempo.» Replica do illustre relator da commissão: «Pois não