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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão de 26 de junho de 1868

presidencia do ex.mo sr. conde de castro

Vice-presidente

Secretarios os dignos pares Marquez de Sabugosa.

Visconde de Soares Franco.

(Assistem os srs. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Fazenda.)

Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 23 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Marquez de Sabugosa): — Mencionou a seguinte

Correspondencia,

Um officio do ministerio da marinha, remettendo, para serem distribuidos pelos dignos pares, 90 exemplares da conta da gerencia do anno economico de 1866-1867, e do exercicio de 1865-1866.

Mandaram-se distribuir.

Outro do digno par do reino conde de Azinhaga, participando que por falta de saude não póde comparecer na camara.

Inteirada.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Pedi a palavra para apresentar um projecto de lei, mas devo dizer que o seu relatorio é um tanto extenso, e assim desejo que V. ex.ª me diga se o posso apresentar e ler agora.

O sr. Presidente: — V. ex.ª pôde ler o seu projecto de lei e manda-lo para a mesa.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Leu o seguinte:

Projecto de lei

Dignos pares do reino. — O direito de caça, que pertence naturalmente a todos, tem, desde os tempos mais antigos, sido restringido pelo direito civil de todas as nações.

Podia citar aqui essas prohibições no tempo dos gregos, no dos romanos e na idade media em quasi todas as nações; não o faço porém porque a vossa illustração não ignora de certo o que consta de numerosas obras publicadas sobre a materia por diversos auctores, taes como Petit, Loiseau et Verger, Duvergier, Berriat-Saint-Prix e muitos outros.

A nossa antiga legislação já providenciava sobre esta materia. Assim, na collecção de Duarte Nunes de Leão, parte 4.ª, titulo 14.°, sob o titulo — Das caças e pescarias defezas — achamos o alvará de 21 de julho de 1562 e uma ordenação do 1.° de julho de 1565, em que se davam importantes providencias, estabelecendo-se certos mezes, conforme as localidades ahi indicadas, nos quaes era defeza a caça de diversos animaes, ficando os transgressores incursos nas penas ahi comminadas.

Essas leis ampliaram a disposição da ordenação manuelina, no livro 5.°, titulo 84.°, e umas e outras foram a fonte da ordenação, livro 5.°, titulo 88.°

Os abusos praticados por parte de individuos, que, a titulo de caçadores, entravam pelas propriedades alheias, abusando dos fructos que n'ellas achavam, pizando sementeiras, resistindo armados aos caseiros e feitores, e commettendo violencias contra os mesmos, deram logar depois ao alvará de 1 de julho de 1776, em que muito previdentemente se procurou obviar a taes abusos, como consta do preambulo d'esse alvará e das suas diversas providencias. Comtudo estas limitaram-se a penas» severas contra esses invasores em propriedades muradas ou valladas, e á restricção a certas classes no direito de caçar no termo de Lisboa e provincia da Extremadura.

Outras providencias de menor importancia se publicaram que podem ver-se em qualquer tratado de direito civil, como Lobão ou Coelho da Rocha, ou ainda nos reportorios de Fernandes Thomás, Andrade e Silva, ou Freire Castello Branco, que não referirei por serem em parte alheias ao fim de que me occupo, bastando-me sómente dizer que o codigo penal, nos artigos 254.° e 255.°, substituindo a penalidade d'aquella ordenação, livro 5.°, titulo 88.°, determinou quaes as penas em que incorrem os que caçarem nos mezes, em que, pelas posturas municipaes ou pelos regulamentos de administração publica, for prohibido o exercicio da caça, ou os que, nos mezes em que não for defezo caçar, o fizerem por modo prohibido n'essas posturas ou regulamentos, ou pescarem contra as disposições do artigo 255.° do mesmo codigo.

Finalmente o codigo civil nos artigos 384.° e seguintes regulou o exercicio do direito da caça, unicamente com respeito ás propriedades em que esse direito poderá exercitar-se, mas deixando ás auctoridades administrativas e ás camaras o fixar o modo e o tempo da caça.

Cumpre aqui dizer que as disposições da ordenação citada em relação aos mezes em que são prohibidas algumas qualidades de caça em certas localidades ficaram subsistindo, não curando as camaras, salva alguma excepção, que ignoro, de estabelecer nova doutrina; e tanto que ainda ha pouco o sr. governador civil de Lisboa, em edital de 28 de abril do corrente anno, suscitando a observancia de disposições antigas que não cita, restringiu o direito de caçar coelhos e perdizes a certos mezes do anno e nas terras muradas, alterando em parte a ordenação citada. Ignoramos a que disposições o edital se refere, mas parece-nos que não será a postura alguma da camara municipal de Lisboa, que aliás não encontrámos sobre esta materia, comquanto encontrássemos o edital de 4 de fevereiro de 1796, regulando as licenças para caçar.

Uma cousa porém, senhores, me surprehende, e é que, vendo por tantos modos regulado o exercicio da caça, não encontro em nenhuma lei a prohibição da venda da caça, quando uma prohibição encontra na outra o seu natural complemento.

E com effeito, de que serve prohibir o caçar quando se não pune a venda da caça? Não é, ao contrario, evidente que não se prohibindo a venda d'ella se favorece e incita a transgressão da lei, o que é facillimo em meio de campos, e bosques onde se não encontra ás vezes um só individuo, quanto mais dois agentes da auctoridade ou dois individuos que queiram ser denunciantes, que tantos são necessarios para prova d'aquelle crime?

A rasão está pois a mostrar que, se se quer obstar á caça em certo tempo, e de certos animaes, ha um meio mais simples e seguro, que é prohibindo a venda da caça defeza. Assim os negociantes d'este genero deixarão de comprar ao caçador pelo receio da pena, e aquelle deixará de caçar porque, não podendo vender, só lhe serviria tal caça para o proprio consumo, o que diminuiria muito o numero dos factos criminosos, e contra os factos isolados que ainda podessem ter logar estaria a disposição geral que actualmente existe e que pune esses factos.

E não se pense que é exclusivamente idéa minha a que acabo de formular. O que a rasão nos dizia que faltava na nossa legislação encontramo-lo nas legislações das nações as mais adiantadas na civilisação. Assim é que em França a lei de 3 de maio de 1844 sobre a policia do direito de caçar diz no artigo 4.° que: «É prohibido em cada departamento o expor á venda, vender, comprar, transportar e conduzir caça durante o tempo em que não é permittido caçar. Em caso de infracção a esta disposição a caça será apprehendida e entregue immediatamente ao estabelecimento de benificencia mais proximo... Não poderá fazer-se buscas de caça nos domicilios, excepto nos de donos de hospedarias, vendedores de comestiveis ou nos logares abertos ao publico». Punidas as contravenções com a multa de 50 a 200 francos.

Na Belgica a lei de 26 de fevereiro de 1846 no artigo 5.º estabelece a disposição da lei franceza, estendendo alem d'isso a prohibição aos tres dias seguintes ao encerramento da epocha de caça, e reduzindo a multa de 16 a 100 francos.

Finalmente, em Inglaterra é prohibido vender caça sem licença, e ainda assim só em certos mezes, conforme-as especies de caça; alem d'isso é prohibida a venda quinze dias antes de findar o praso em que é permittido caçar, e quarenta dias depois d'aquelle em que é prohibido caçar, isto alem de uma infinidade de restricções relativas ao direito de caçar, que vem dispersas em diversos estatutos.

Assim, sem citar mais exemplos, parece-me que é mister regular o importante exercicio d'este direito, completando a deficiencia da actual legislação, e para esse fim tenho a honra de submetter á apreciação d'esta camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Todas as camaras do reino, ilhas adjacentes e possessões ultramarinas deverão no praso de seis mezes, a contar da publicação d'esta lei, fazer subir á approvação das auctoridades competentes posturas em que se especifiquem os mezes em que fica prohibida nos concelhos respectivos a caça de certos e determinados animaes, assim como o modo como nos outros mezes, ou n'esses com respeito á caça não defeza, poderá ter logar o exercicio da caça.

§ 1.° Quando a caça de pello for permittida dentro do tempo em que a das aves for defeza, só se poderá caçar com furão, rede sem cães, nem espingarda.

§ 2.° No tempo em que qualquer qualidade de caça for defeza será permittido, sem que considere infracção do artigo 384.° do codigo civil, matar quaesquer animaes malfazejos, comtanto que previamente pelas posturas das camaras se defina a sua especie.

Art. 2.° Durante o praso fixado para a prohibição de caçar em cada concelho e nos tres dias immediatos ao seu termo, é prohibido o expor á venda, vender, comprar, conduzir ou transportar caça pertencente a especies incluidas na prohibição. Em caso de contravenção a caça apprehendida será entregue ao hospital ou estabelecimento de beneficencia mais proximo pela auctoridade que houver feito a apprehensão.

§ unico. No tempo em que qualquer qualidade de caça for defeza e não poder ser vendida ou transportada, segundo o que fica estabelecido n'este artigo, as casas de pasto, hospedarias e estalagens poderão ser examinadas pelas auctoridades respectivas, e toda a caça que for achada, preparada ou não, será apprehendida e entregue ao estabelecimento de caridade mais proximo.

Art. 3.° Qualquer infracção das disposições do artigo 2.° d'este projecto será punida com as penas estabelecidas no artigo 255.° do codigo penal.

Art. 4.° As disposições d'este projecto em nada alteram os direitos estabelecidos nos artigos 384.° e seguintes do codigo civil.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.