O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1497

Camara dos pares, 26 de junho de 1868. — Visconde de Fonte Arcada.

Sr. presidente, mando o projecto para a mesa, e pedia a V. ex.ª se dignasse de o mandar imprimir no Diario de Lisboa.

O sr. Presidente: — A camara dispensa de certo a segunda leitura na mesa (apoiados). Mando-o portanto á commissão de administração publica, o depois de dar a commissão q seu parecer é que se manda publicar.

O sr. Conde de Cabral (sobre a ordem): — Sr. presidente, foi ante-hontem mandado á commissão de fazenda um projecto que contém materia urgentissima; é o projecto que veiu da camara dos senhores deputados, com o n.° 5, que tende nem mais nem menos do que a evitar que cheguemos no fim do anno economico, e que o governo se veja impossibilitado de cobrar e receber os impostos publicos, se porventura se não providenciar desde já sobre o objecto.

Logo que aquelle projecto foi aqui apresentado, convoquei a commissão de fazenda para dar o seu parecer, o que effectivamente teve logar; mas quando chegou á mesa, já V. ex.ª não pôde manda-lo ter, pois que acabava do levantar a sessão; então, e em consequencia d'isto, pedi, vista a urgencia, que V. ex.ª o mandasse imprimir, para se distribuir desde logo, com tenção de propor hoje a sua discussão, porque, uma vez que se não publique a lei antes do dia 30, nós teremos as alfandegas impossibilitadas de receberem os direitos, e, como as alfandegas, as differentes repartições publicas (apoiados). Isto traria comsigo um grave prejuizo para a fazenda e sobretudo fraccionaria a marcha regular da administração geral. N'este sentido peço a V. ex.ª que se trate desde já de decidir a urgencia do negocio, mesmo porque esta especie existe prevista no sentido e letra do nosso regimento.

Peço portanto desde já a V. ex.ª que in continenti a camara se occupe d'esta materia.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, este projecto apenas foi distribuido hontem, e eu só o recebi ás onze horas da noite. Não tive tempo de o meditar.

Sr. presidente, no projecto não se trata só da lei de meios, trata-se de um imposto que importa em 600:000$000 a 700:000$000 réis. Eu nunca vi em Portugal uma idéa tão generalisada, como hoje, a das economias, que se infiltrou em todas as camadas sociaes, desde as mais elevadas até ás mais baixas. O brado de economias é geral em todos os angulos do paiz. Importa pois attender a esta exigencia da opinião publica; muito mais sendo, como é, justa esta pretensão, porque muitas economias se podem fazer sem prejuizo do serviço publico. Custa-me pois a votar este imposto, sem se terem ainda feito nenhumas economias. E não votarei mais nenhuns tributos sem ellas. Eu levanto-me ainda, e hei de continuar a levantar-me, contra este systema dos projectos do governo se demorarem na outra casa todo o tempo que se quer, para' virem depois aqui, sempre á pressa e á ultima hora. Isto não pôde ser. É necessario que a camara possa examinar os projectos segundo os tramites do regimento; que as commissões os discutam e ouçam o governo; que os projectos se imprimam, se distribuam, e que se dê tempo para se poderem estudar. Parece-me que não podemos estar aptos para isto no momento actual.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Conde d'Avila): — O que o digno par acaba de dizer desejava eu que se fizesse; mas não é culpa do governo se estamos no dia 26 de junho e esta auctorisação ainda não está votada. O governo apresentou este projecto á camara dos senhores deputados, mais cedo do que foi apresentada geralmente uma proposta identica n'outros annos; mas o digno par, que muito tempo foi membro d'aquella casa, sabe que não está da parte do governo marcar o prazo de tempo necessario para que os projectos cheguem aqui. Para o que eu chamo a attenção da camara, e para o que a chamou o digno par o sr. conde de Cabral, é para a circumstancia que se dá de que é preciso que a proposta seja discutida n'esta casa, sanccionada pelo poder moderador, depois de ouvir o conselho d'estado, e publicada a lei respectiva na folha official ainda n'este mez, e não temos senão dois dias uteis, alem do de hoje. (O sr. Ferrer: — Peço a palavra.), Esta circumstancia parece-me que se não pôde negar, isto é positivo, e a camara deve comprehender bem qual é a difficuldade que resulta, ou pôde resultar, de se não attender á situação em que nos achamos. Isto não é questão de ministerio, é questão da governação do paiz, e mesmo quando a camara annua a discutir-se este projecto já, e termine hoje a sua discussão n'esta casa, ainda assim tem outros tramites a correr, como já ponderei. É pois urgente que se entre já n'esta discussão, a não se querer que no fim d'este mez se fechem os cofres publicos para a cobrança das receitas e para o pagamento das despezas. Seria realmente a primeira vez que tal acontecesse, nem se comprehende que n'esta casa possa haver quem o deseje (apoiados). O digno par veiu fazer observações que só poderiam ter cabimento se fosse esta a primeira vez que uma tal auctorisação fosse pedida tão tarde, quando a verdade é que esta auctorisação foi apresentada ao parlamento muito mais cedo do que em outras occasiões o tem sido. Se vem aqui á ultima hora, não é culpa do governo, e quantas vezes não tem acontecido que o proprio orçamento chega aqui no ultimo dia, da sessão, vae logo á commissão, dá esta o seu parecer, discute-se e approva-se n'esse mesmo dia! Isto acontece pela natureza das cousas, e provém de circumstancias que se não preparam de proposito, e cuja responsabilidade não toca portanto a ninguem. São, por assim dizer, casos de força maior, e é n'esse sentido que o governo pede que a camara faça hoje o que tem feito sempre em circumstancias identicas.

Mas as economias, onde estão as economias, pergunta o sr. Ferrer? Pois esta arma de guerra vem agora a proposito, e deveria ser empregada pelo digno, par no momento em que tratamos de um projecto de lei d'esta importancia, e d'esta urgencia, para bem da governação ordinaria e regular d'este paiz? (Apoiados.) E porventura, sr. presidente, póde acaso alguem com a mão na sua consciencia dizer que nós não fazemos todas as economias que podemos dentro dos limites das nossas attribuições? Pois não vêem todos que nós supprimimos todos os logares que podemos, á medida que vão vagando, acarretando sobre nós a indisposição de todos aquelles que pretendem esses logares? Dir-se-ha que isto é pouco. Convenho, mas entretanto é o principio, e nós todos os dias fazemos applicação d'elle, e por esse motivo ganhamos todos os dias novos inimigos. E não temos nós tambem feito economias de centenares de contos? Nas operações de thesouraria, por exemplo, em que se pagava muitas vezes 12 por cento de juro annual e mais, não temos nós levantado dinheiro a 6 e a 7 por cento? Não será isto já tambem uma "grande economia?

Se ha algum governo que mereça que os membros do parlamento e as pessoas importantes de fóra do parlamento o ajudem a levar a pesadíssima cruz que tem sobre os hombros, é seguramente o governo actual; mas entretanto fazem-se-nos accusações como se fossemos um governo esbanjador da fortuna publica, um governo oppressor, um governo que põe em perigo as liberdades' estabelecidas na carta. É ha algum facto que justifique similhante procedimento? '

Sr. presidente, o governo o que pede é o que se tem sempre pedido quasi todos os annos, e a camara não pôde querer que cessem as operações de cobrança e o pagamento das despezas publicas pelo facto de se fazer questão de vir aqui uma contribuição, que não é nova, que é aquillo mesmo que ainda no anno passado foi votado? Quem ouvisse o digno par haveria de julgar que é algum imposto novo que trazemos aqui!

Parece-me, sr. presidente, que tenho dito bastante para fazer comprehender á camara que isto é propriamente um caso de força maior, e que não está na mão dos governos evitar que as cousas cheguem a este estado. Se os dignos pares votarem contra este projecto, em 1 do mez de julho fecham-se os cofres publicos; querem os dignos pares esta responsabilidade? Não querem de certo.

O sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, eu quero a votação d'esta lei, mas peço licença á camara para fazer rapidas observações. Ainda que sou n'esta occasião de voto que se trate d'este assumpto com urgencia, tenho de declarar á camara que nunca mais hei de votar a continuação d'este systema, porque entendo que não deve admittir-se.

Sr. presidente, eu sei muito bem que o praso da' auctorisação que o governo tem para cobrar os impostos cessa no dia 30 d'este mez, e se elle não for auctorisado a tempo cessa todo o andamento do serviço publico, o que seria de gravissimas consequencias.

Portanto não é minha idéa negar esta auctorisação ao governo, sem ignorar todavia que n'ella se incluem pontos de gravissima importancia em todos os tempos, mas principalmente nas circumstancias actuaes.

Sr. presidente, a camara dos pares não é chancellaria (apoiados). Nós não podemos em epocha alguma, e sobretudo na actual, deixar de prestar aos assumptos de fazenda um maduro exame. E preciso que de hoje em diante as discussões parlamentares se rejam de modo que haja o praso de tempo necessario para estudar os assumptos que devem tratar-se. Eu pela minha parte declaro que hei de prestar á discussão do orçamento, se cá vier, uma séria attenção e estudo, e hei de pedir, como se praticou já na outra camara, que sejam chamados representantes dos differentes serviços publicos para assistirem a esse debate.

Com relação aos outros projectos, eu não os posso nem devo votar sem estar sufficientemente habilitado com o estudo que a minha consciencia e o meu dever me impõem, e sem que a camara o esteja tambem (apoiados). Por consequencia entendo que a discussão d'este projecto não serve de aresto para se discutirem outros antes de ter passado o praso marcado pelo regimento, como aconselha a prudencia de todas as assembléas, para a discussão d'estes assumptos. Quando se entrar na discussão do projecto, eu hei de fazer sobre elle algumas ponderações ao governo, e permitta-me a camara que lhe diga que eu não posso aceitar como precedente o ter-se praticado isto mesmo n'esta ou n'aquella epocha.

Q sr. Ferrer: — Sr. presidente, eu tambem entendo, e tambem sei, que este projecto deve ser convertido em lei até ao dia 30. Não é novidade alguma que me desse o sr. presidente do conselho; porém nós temos ainda quatro dias para o projecto ser approvado e sanccionado pelo poder moderador. Sr. presidente, nas sessões passadas tenho emittido uma opinião identica a esta, quando têem vindo a esta casa nos ultimos dias da sessão annual projectos importantes, que em algumas horas recebem os pareceres das commissões, e são aqui apresentados á discussão; n'essas occasiões tenho levantado a minha voz contra este methodo de discutir os projectos n'esta casa. Sr. presidente, quando não estudo, nem medito, nem comprehendo um projecto, não sei votar; ás escuras não sei andar. Esta é a disposição de meu espirito, e quando elle está n'este estado de duvida a minha vontade não delibera nada.

Sr. presidente, é urgente a discussão do projecto, concordo, mas quem teve a culpa d'elle se apresentar sómente agora? Somos nós? Não. E a camara dos senhores deputados? Não. E o governo (apoiados), que tem a culpa, porque, em logar de apresentar os seus projectos mais cedo na outra casa do parlamento, deixou de o apresentar. E quer V. ex.ª saber a rasão que se deu? É porque não estava approvado o bill de indemnidade, como se sem aquelle bill ficasse o governo inhibido de usar da sua iniciativa que está consignada na carta constitucional.

Sr. presidente, no mesmo dia em que, o sr. ministro da fazenda usou d'este pretexto para não apresentar os seus projectos, reclamados dentro e fóra das camaras, fazia o sr. ministro uma grande proposta, a maxima das propostas, na camara dos srs. deputados, e era a apresentação do orçamento.

Sr. presidente, convocou-se mais cedo, do que o dia marcado, doze dias o parlamento, porque o governo tinha pressa de apresentar os seus projectos, e depois com tão frívolo pretexto deixa de os apresentar! E digo frívolo, porque pergunto se apparecesse antes do bill uma revolução em qualquer das provincias e fosse, necessario suspender as garantias, e o governo trazer uma proposta á camara, usando da sua iniciativa, não havia de traze-la? Havia de deixar correr á rédea solta a revolução? *

Repito pois, sr. presidente, que isto não foi um argumento, foi um pretexto de que o governo se serviu. Portanto este projecto vem a esta camara ao atar das feridas, como se diz; os outros hão de vir do mesmo modo, nos ultimos dias da sessão. E eu declaro que a culpa não é d'esta camara que deve manter a sua dignidade.

Sr. presidente, o que eu não quero é que continue este systema de se demorarem os projectos, e trazerem-se depois á ultima hora, para obrigar esta camara a passar por baixo das forcas caudinas, approvando projectos que não teve tempo de examinar.

Modifico as minhas idéas por esta vez, visto o grande prejuizo que teria a fazenda publica, se não fosse convertido em lei este projecto até ao fim do mez, como ponderou o sr. Rebello da Silva.

Para o futuro peço a V. ex.ª, sr. presidente, que mantenha as prescripções do regimento, como é do seu dever.

O sr. Presidente: — Peço licença para dizer ao digno par que eu não faltei a nenhuma prescripção do regimento (apoiados).

Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: — As reflexões que acaba de fazer o digno par o sr. Ferrer são na verdade de grande peso, e não sei como á vista de tão sensatas e judiciosas considerações se possa discutir este projecto, sendo apresentado á ultima hora, contra as, prescripções do regimento, e não se dando tempo algum aos dignos pares para o meditarem e estudarem em todas as suas disposições maduramente.

Sr. presidente, um projecto tão complicado como este é, em que se citam leis importantes, não é possivel que os dignos pares, que só hoje o poderam ter, tenham tempo de procurar n'esse mare magnum da nossa legislação todas as leis em vigor para ver quaes as que se comprehendem n'este projecto e aquellas a que elle se refere. Isso era inteiramente impossivel. Se se tratasse só da lei de 26 de junho de 1867, ainda assim essa, impossibilidade podia ser contestada, mas não, trata-se de todas as disposições legislativas em vigor, e que dizem respeito ao assumpto em questão, e tambem da carta de lei de 16 de abril de 1867, que é um imposto de 700:000$000 réis, desigualissimo e questionado se elle deverá ser annual. Como querem pois os srs. ministros que a camara sem estar habilitada apresente conscienciosamente a sua opinião?! Acham ss. ex.ªs digno e regular levar uma questão d'estas tão momentosa de assalto?

A culpa d'estas cousas correrem mal não é de certo da camara dos dignos pares, mas do governo, porque, tendo uma maioria immensa na outra casa do parlamento, deve tratar do modo de regular os trabalhos e devia promover o andamento d'este projecto, para que viesse para esta camara a tempo de ser convenientemente discutido. Querer obter o voto de uma camara quando ella não está habilitada para resolver questão tão importante não me parece rasoavel; e nem avisado o procedimento, insistindo para que o projecto entre hoje em discussão.

Notem V. ex.ª e a camara que é preciso para proceder d'esta fórma dispensar um artigo do regimento que manda que só depois de tres dias de distribuido é que se deve discutir qualquer projecto.

Entretanto não me opporia á dispensa do regimento se o projecto não fosse tão importante e não estivesse tão confuso e embrulhado.

Faço estas observações á camara para que ella veja o modo como procede n'esta questão, recusando o meu voto a um projecto que não comprehendo nem sei o que elle contém, nem a camara tão pouco o pôde conhecer pela fórma por que está redigido.

Quaes são essas disposições em vigor a que se refere? Por este modo o governo vem pedir a auctorisação mais extensa e illimitada de que ha exemplo!

O sr. Conde de Cabral: — Sr. presidente, o digno 'par que acaba de fallar disse que = não approvava este projecto porque não tinha confiança no governo —, e este modo de proceder não offerece equivocos e é franco.

O sr. Vaz Preto: — Eu não disse isso.

O Orador: -Não o disse, é verdade, por estas palavras; mas é o que não deixou de proclamar e fazer sentir sempre que nas sessões anteriores tem entrado nas discussões, e o que logicamente se deduz do que acaba de proferir quanto ao assumpto que se ventila.

O digno par, a quem não deixo de reconhecer talento e merecimento, tem uma tendencia pronunciada para o sophisma que os politicos qualificam de opposição quand même, procurando de preferencia á materia occupar-se das pessoas, o que, alem de outros vicios, tem o caracter irritante.

O facto actual, sr. presidente, não estabelece precedente nem o pôde estabelecer para nos sujeitar a elle em regra; mas ha de repetir-se todas as vezes que se der a urgencia das circumstancias, como offerece a presente conjunctura;