360 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
ao tempo das celebres agencias que prestavam as fianças aos réus, foco de immoralidade, com que acabou a providencia contida no decreto de 15 de setembro, e que se vae revogar, mas que aquillo que mais o impressionava era o estabelecer-se a prisão por custas, em um paiz em que se tinha expungido da legislação a prisão por dividas, e que as custas não eram outra cousa mais do que uma remuneração dada aos empregados nos paizes em que a justiça não podia ser gratuita, e não sendo pagas constituam uma divida para com os empregados de justiça, de forma que o projecto estabelecia uma excepção em favor da Boa Hora, isto é, em relação a esta era permittido ordenar-se a prisão por dividas.
Que na opinião delle, orador, era não só repellente, mas immoral uma tal disposição. Prender e conservar nas enxovias um individuo porque este, não tem meios de pagar, sobrecarregar o estado com a sustentação d’elle, e manter o desgraçado em casa insalubre, e no meio de criminosos, prevertendo-o em logar de o regenerar, só por que é necessario garantir as custas aos empregados, excede toda a apreciação seria, nem a providencia estabelecida considerando isentos da prisão os indigentes póde aproveitar cousa alguma desde que, ao par d’ella, se estabelece que a prova da indigencia será feita pelos attestados dos parochos e regedores, os quaes ficam sujeitos ás penas impostas aos réus, se se provar que os attestados são falsos.
Que, na opinião d’elle, orador, era melhor que tudo isto se não estabelecesse porque vae ser letra morta, pois que bem sabe o sr. ministro que não sendo deferido na lei qual é o indigente, nenhum parocho nem regedor será tão tolo, que passe o attestado de pobreza. É indigente o que não tem bens em que possa fazer-se penhora? Ou é indigente o que roto e esfarrapado anda esmolando de casa em casa, ou de rua em rua? Não o diz o projecto, e ninguem sabe, porém, o que na opinião d’elle é claro, é que todos os que não poderem pagar as custas são presos, e mettidos no Limoeiro, isto é, vão para a escola do crime mandados pela Boa Hora e sustentados pelo estado.
Que o considerar crimes publicos aquelles a que correspondem as penas do artigo 359.° do codigo penal, obedeceu ao mesmo fim que o projecto teve em vista, fazer com que todos podessem ser perseguidos pelo ministerio publico para que não escapasse ao pagamento de custas algum homem rico, que commettesse algum crime particular e o offendido se não fosse queixar ás justiças.
Que achava notavel a rasão dada, tanto no relatorio do projecto, como no parecer da commissão, e de tal valia e quilate é ella, que o orador se abstinha de a commentar.
Lêra em um jornal, que o sr. ministro na outra casa do parlamento, para defender a prisão por custas, fôra buscar argumento de auctoridade á lei franceza de 19 de dezembro de 1871, que estabeleceu o contraint par corps, que tinha sido extincto pela lei de 1367, mas pedia licença ao sr. ministro para lhe dizer que os argumentos de auctoridade são sempre pouco de considerar quando se trata de providenciar ou de legislar, porque as leis não podem, nem devem ser, senão a traducção dos costumes de um povo, que não são os mesmos em todos os paizes, nem iguaes as circumstancias de cada um. Quando se legisla para um paiz, é necessario attender a muitas e diversas circumstancias, e o que se estabeleceu em um paiz, não serve para o outro, que está em condições diversas, e onde se não dão as mesmas circumstancias. Nós, que desde muito estamos costumados ao exercicio da liberdade, não podemos acceitar bem os meios de repressão desnecessarios, inconvenientes e estabelecidos, como privilegio de uns individuos, ou de uma classe. Não póde ser, e na opinião do orador é tarde para tão audaciosa empreza.
Não queria malsinar as intenções do sr. ministro; o que porem, sentia é que a orientação de s. exa. não fosse boa, pois que melhor seria deixar estar o que estava, resistir ás pressões dos interessados, e, em logar de metter na cadeia os pobres, por não poderem pagar as custas, preferivel era estabelecer a justiça gratuita para os pobres, e isto não é novidade, porque existe já com vantagem em alguns paizes, como é na nossa vizinha Hespanha.
Cuidar de regenerar os criminosos, em logar de os entregar á escola da immoralidade, favorecer os pobres contra a prepotencia dos poderosos, seria, na opinião d’elle, orador, da maior utilidade para o paiz e mau e inconveniente entreter-se o sr. ministro em corresponder aos interesses particulares de uma classe contra o interesse geral.
Quando teve a honra de estar nos conselhos da coroa, dirigiram-lhe pedidos no sentido de alterar o decreto de l5 de setembro; porém, soube resistir, e o sr. ministro da justiça tinha mais rasão para resistir, pois que se os empregados da Boa Hora se julgavam prejudicados com o disposto nos decretos de 15 de setembro, o sr. ministro já largamente os tinha indemnisado com a tabella que publicou e onde se revogou o artigo do mesmo decreto que supprimiu os revedores nas relações, por inuteis, passando as suas funcções para os contadores; aquelle artigo foi revogado no ultimo artigo da tabeliã, e subrepticiamente, e nem podia deixar de ser, pois segundo consta, o revedor na relação do Porto que se lastimava junto d’elle, orador, allegando o ter sido prejudicado pela extincção da chancellaria, foi investido no cargo de fazer a tal tabella com outros cavalheiros empregados de justiça, e assim conseguiu não só restabeleceres logares, que por economia publica tinham sido supprimidos por desnecessarios, mas dotal-os a seu alvedrio, e em verdade, o sr. ministro instado para restabelecer os revedores, o melhor que tinha a fazer, para se livrar de cuidados, era chamar o interessado e deixal-o talhar como lhe conviesse. Não foi só o revedor que estabeleceu o que lhe convinha, foram outros, que procederam do mesmo modo, e o sr. ministro acceitou o trabalho em que todos os interessados ficaram satisfeitos, e o proprio sr. ministro tambem, por se livrar de impertinencias, mas quem não ficou contente foi o paiz, mas entre os interesses do paiz e os amigos do governo não havia hesitação possivel.
Que importa que o paiz soffra, se os amigos andam contentes. Os ministros tomaram os sellos do estado, para se reunirem com os amigos, e pagar-lhes os serviços da sua amisade, não foi para cuidarem do paiz, e parece que com tal systema têem conseguido a sua conservação no governo.
Que no meio de tudo isto o que era triste, era que os governos n’este paiz não soubessem ou não podessem resistir ás pressões dos potentados politicos, arvorados em mentores das situações, porém, póde affiançar ao illustre ministro, que se occupasse o logar de s. exa., não havia força de qualidade alguma que o obrigasse a collocar o seu nome por baixo do projecto que se discute, nem a ligar-lhe a sua responsabilidade.
Na sua opinião, os homens publicos devem ter como principal obrigação ver em primeiro que todo o paiz, em que vivem, conhecerem das suas necessidades e procurarem os meios de as remover, pela fórma mais consentanea ao bem estar geral do mesmo paiz; e repellir todos os que não queiram seguir no mesmo caminho. Os partidos, que acredita não existirem neste paiz, mas essas pequenas confrarias e os homens d’ellas, devem ser vistos sempre depois do paiz, mas o que nos tem prejudicado sempre, é termos politiquice de mais e administração de menos. As cousas vão cada vez peior, os males estão aggravados, e elle, orador, cré, que todas as forças reunidas são poucas para modificar as difficuldades que nos rodeiam.
Na sua opinião, não ha considerações de qualquer ordem que possam determinar o espirito dos bons portuguezes a deixarem de cooperar por todos os meios ao seu alcance, para que o paiz se levante do abatimento a que