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N.º 30
SESSÃO DE 13 DE ABRIL DE 1896
Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa
Secretarios — os dignos pares
Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. — O digno par Sequeira Pinto manda para-a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes. Vae a imprimir. — O digno par conde de Thomar pergunta ao sr. ministro da justiça a rasão por que ainda lhe não enviou um documento que ha muito requisitou ao respectivo ministerio. Responde ao digno par o sr. ministro da justiça. — O digno par Jeronymo Pimentel requer que seja addicionado á ordem do dia o parecer n.° 32. Este requerimento é approvado. — O digno par conde de Lagoaça reclama a presença dos srs. ministros do reino e da marinha, e lastima que ainda lhe não tenham sido remettidos uns documentos que pediu em uma das sessões antecedentes. O sr. presidente certifica-lhe que já foi renovada a requisição d’esses documentos. O sr. ministro da justiça promette communicar aos seus collegas os desejos do digno par conde de Lagoaça.
Ordem do dia: são successivamente approvados, sem discussão, os pareceres n.º 29, 30 e 32. — É posto em discussão o parecer n.º 31. O digno par Jeronymo Pimentel, por parte da commissão, manda para a mesa uma proposta. É admittida, e fica em discussão conjunctamente com o parecer. Discursam sobre o assumpto em ordem do dia o digno par Telles de Vasconcellos e o sr. ministro da justiça, ao qual replica aquelle digno par. — Encerra-se a sessão, designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão ás duas horas e trinta e cinco minutos da tarde, estando presentes 21 dignos pares.
Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.
Não houve correspondencia.
(Assistiram ao começo da sessão os srs. ministros das obras publicas e da justiça, e entrou durante ella o sr. ministro da marinha.)
O sr. Sequeira Pinto: — Mando para a mesa, por parte da commissão de verificação de poderes, um parecer que conclue da seguinte maneira.
(Leu.)
Leu-se na mesa e foi a imprimir.
O sr. Conde de Thomar: — Pedi a palavra para perguntar a v. exa. se já vieram do ministerio da justiça uns documentos que requeri por aquella repartição.
Refiro-me a uma representação feita pelos habitantes de Thomar e seus arredores, pedindo uma syndicancia aos actos do juiz da comarca. Até hoje creio que esse pedido não foi satisfeito.
Como vejo presente o nobre ministro da justiça, desejava que s. exa. me dissesse se ha algum inconveniente em que seja fornecida á esta camara a representação a que alludo.
Não me parece que o facto de estar o processo affecto a um juiz syndicante seja motivo para que se não possa mandar á camara uma copia da representação; porque eu vi, não ha muito tempo, nos jornaes que na Boa Hora existe um processo muito importante, de que o governo pediu tambem copia, visto que precisava d’este documento.
Esse processo é ainda mais secreto e de maior importancia do que a representação a que me refiro. Por consequencia, supponho que não poderá haver duvida em satisfazer o meu requerimento.
O sr. Ministro da Justiça (Antonio d’Azevedo Castello Branco): — Do meu ministerio não foi possivel enviar a esta camara a copia da queixa ou representação que alguns moradores da comarca de Thomar fizeram contra o juiz de direito da mesma comarca, porque teve de ser mandada ao conselho de magistratura disciplinar, assim como lhe enviei uma contra representação feita em favor daquelle juiz.
Creio que tanto um como outro documento foram entregues ao juiz syndicante e, por conseguinte, estão servindo de base ao processo.
Salvo o que for de caracter secreto, não terei duvida nenhuma de remetter opportunamente a esta camara a nota das queixas feitas contra o juiz.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Jeronymo Pimentel: — Pedia a v. exa. se dignasse consultar a camara sobre se permitte que seja addicionado á ordem do dia de hoje o parecer n.° 32, que tem por objecto isentar da contribuição industrial os alambiques que só distillam borras de bagaço e vinho.
Consultada a camara, approvou Q requerimento do sr. Jeronymo Pimentel.
O sr. Conde de Lagoaça: — É para estranhar que não esteja presente nem o sr. ministro do reino nem o sr. ministro da marinha, cuja presença eu pedi na sessão anterior. Repito, por consequencia, o meu pedido.
Peço aos nobres ministros que estão presentes o favor de dizer ao sr. ministro do reino que desejo a sua presença n’esta casa para lhe perguntar porque não tem ainda nomeado para preencher a vaga de lente cathedratico da faculdade de direito o primeiro lente substituto da mesma faculdade, o sr. dr. Guilherme Alves Moreira; e ao sr. ministro da marinha, para tratar de casos graves que se dão na provincia de Angola.
Creio que têem por origem o que se está passando na occupação da Lunda.
Pedia a v. exa., sr. presidente, que insistisse de novo para que, pelo ministerio da marinha, me mandassem os relatorios do visconde de Villa Nova de Ourem, ex-governador da India. Não ha maneira de virem. Já os pedi ha um mez.
O sr. Presidente: — O requerimento foi expedido em tempo competente, e na sessão passada ordenou-se a renovação da requisição em conformidade com os desejos do digno par.
O sr. Conde de Lagoaça: — E não veiu nada. É cousa extraordinaria. Parece que receiam que examinemos aqui os documentos. Somos tão poucos os membros da opposição, e assim mesmo mettemos medo ao governo.
Eu insisto em que me sejam enviados os relatorios do sr. visconde de Villa Nova de Ourem, assim como os documentos relativos á compra de dois chavecos, ao que se diz, podres.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Justiça (Antonio d’Azevedo Castello Branco): —- Sr. presidente, pedi a palavra para dizer
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ao digno par sr. conde de Lagoaça, que communicarei aos meus collegas, os srs. ministro do reino e da marinha, o desejo que s. exa. tem de tratar com s. exas. alguns assumptos.
O sr. Presidente: — Como não ha mais nenhum digno par inscripto, vae passar-se á ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.° 29.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
PARECER N.° 29
Senhores. — O projecto sobre que vão dar parecer as vossas commissões reunidas de instrucção publica e de commercio e artes, foi apresentado na outra camara por alguns senhores deputados na sessão de 1894, e tendo n’esta sido renovada a sua iniciativa, foi ali ultimamente approvado.
Vamos resumidamente expor a legislação a que elle se refere, para assim mais facilmente se comprehender o seu fim.
A lei de 6 de março de 1884, tendo em vista a reorganisação do curso de commercio no instituto industrial e commercial de Lisboa, dividiu o ensino ali professado em dois cursos: curso elementar de commercio e curso superior de commercio.
Para este fixou a duração em quatro annos, comprehendendo as disciplinas distribuidas em oito cadeiras, que eram: contabilidade geral e operações commerciaes, operações financeiras, physica geral e suas applicações, chimica industrial, technologia rural, geographia commercial e historiado commercio, communicações terrestres e maritimas, colonias, etc., economia politica, direito commercial e maritimo, noções geraes de direito civil e administrativo, direito internacional e legislação consular.
Em 1886 deu-se um grande desenvolvimento ao ensino industrial, maior do que exigiam as circumstancias do paiz, e obedecendo a essa orientação, crearam-se muitas escolas industriaes e de desenho industrial, e deu-se nova organisação aos institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto, pelo decreto de 30 de dezembro d’esse anno.
Com respeito ao ensino commercial, organisado por aquelle decreto, ficou dividido em tres cursos: elementar, preparatorio e superior ou especial, sendo este destinado a habilitar aquelles que se dediquem ás carreiras de negociantes, banqueiros, guarda livros, empregados superiores de estabelecimentos commerciaes e industriaes, ou a logares da administração publica determinados nas leis.
Este ensino comprehendia uma parte theorica e outra pratica, sendo aquella ministrada em cursos elementar e preparatorio, nos institutos de Lisboa e Porto, e em um curso superior, e em cursos especiaes no instituto industrial e commercial de Lisboa.
O ensino commercial no instituto de Lisboa foi repartido por vinte e cinco cadeiras, alem de mais tres das linguas franceza, ingleza e allemã.
O curso superior do commercio durava cinco annos.
A estas organisações do ensino industrial e commercial succedeu a decretada em 8 de outubro de 1891, moldada em mais modestas proporções, subordinada principalmente ás condições financeiras do paiz e aos resultados da experiencia.
Logo no artigo 1.° d’esse decreto se manifestam os intuitos da reforma, e as suas limitadas aspirações.
Diz-se ahi que os institutos industriaes e commerciaes são estabelecimentos de ensino medio, e que a sua secção commercial tem por fim formar negociantes de pequeno ou de grosso trato, bem como guarda livros e empregados superiores de contabilidade.
O curso de commercio foi dividido em duas partes: curso co 1.° grau, e curso do 2.° grau ou superior. As disciplinas do ensino commercial foram distribuidas por tres annos.
Expostas assim as diversas organisações que têem sido dadas ao ensino commercial nos institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto, apreciemos o projecto submettido ao nosso exame.
Por elle se pretende que os cursos superiores de commercio, creados e organisados pela lei e decretos citados nos institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto, sejam considerados como cursos superiores, e equiparados para todos os effeitos aos demais cursos superiores das outras escolas do reino.
Parecerá á primeira vista que é uma inutilidade este projecto, principalmente na primeira parte; pois se os diversos diplomas legaes que regulam o assumpto designam como superiores aquelles cursos, para que é preciso que este projecto os venha considerar como taes?
A designação de superiores podia ser apenas uma denominação relativa; superiores com relação aos cursos preparatorios e elementares estabelecidos naquelles institutos, e não corresponder á idéa respectiva na organisação geral dos estudos, ou na classificação dada á instrucção publica do nosso paiz.
Tambem geralmente se designa como superior o curso dos estudos theologicos nos seminarios, em contraposição aos estudos secundarios que constituem o curso preparatorio para aquelle, e comtudo, a nossa organisação de instrucção publica não considera assim aquelle curso especial.
Mas a natureza das disciplinas que constituiam os cursos superiores dos mencionados institutos, organisados pela lei de 6 de março de 1884 e decreto de 30 de dezembro de 1886, o desenvolvimento com que eram professadas, e os logares e empregos para que aquelles cursos eram habilitação, justificam plenamente a denominação que lhes era dada pela lei, que correspondia á elevação, importancia e superioridade dos estudos que elles abrangiam.
Seria um contrasenso, como se diz no relatorio que precede o projecto de lei, que fosse considerado como superior o curso de pharmacia, que está em tão baixo nivel, que todos reclamam a sua reforma, e que fosse recusada aquella classificação aos cursos superiores de commercio nas condições em que são professados.
Queria de certo o nobre ministro, que referendou o decreto de 8 de outubro de 1891, que fosse ainda mais levantado o curso superior do commercio, quando diz no relatorio que o precede: «Excellente seria que possuissemos o alto ensino das sciencias economicas, como na universidade possuimos o alto ensino das sciencias juridicas;. mas não é talvez preciso mais do que temos para fazer a educação do pessoal dirigente da classe commercial, nem o curso superior do commercio que havia, a despeito dos seus cinco annos, alem do anno preparatorio, podia visar tão alto».
Sim; seria muito para desejar que a organisação dos nossos estudos commerciaes fosse ainda mais elevada,, correspondendo o seu desenvolvimento ás necessidades financeiras e economicas do paiz, e não sómente á satisfação de mero luxo de sciencia.
Mas aquelle estadista, ao promulgar o mencionado decreto, inspirava-se principalmente na urgencia de attender ás circumstancias apertadas da fazenda publica, que lhe impunham fatalmente as mais severas economias. Eram ellas de certo que o faziam olhar com um doloroso pessimismo para o ensino industrial e commercial, de que se estava então occupando, e que o levavam a dizer nesse mesmo documento: «Quanto ao curso superior do commercio, importa dissipar uma illusão a seu respeito. Elle é do mais elevado grau, sem duvida; mas no seu tanto. Não é propriamente um curso superior».
Não era como elle o desejava, mas era do mais elevado grau, como elle proprio confessa.
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Hão ha, pois, duvida que a lei expressamente designava como superior o ensino commercial preleccionado nos cursos estabelecidos nos nossos dois institutos. Justo é, pois, e que para todos os effeitos, assim seja considerado.
O § 3.° do artigo 6.° da organisação de 6 de março considerava o curso superior do commercio como habilitação bastante para o concurso dos logares de officiaes da secretaria dos negocios estrangeiros, de secretarios da legação e de cônsules de l.ª classe.
E bem entendido era isto, quando aquelle curso comprehendia, entre outros muitos estudos, o dos tratados de commercio, do regimen colonial, da economia politica, do direito commercial e maritimo, do direito internacional, da legislação consular, etc.
Aconteceu, porém, que sem embargo d’aquella disposição, que era uma merecida garantia para os diplomados com aquelle curso, o decreto de 12 de julho do anno preterito, regulando o processo do concurso para o provimento d’esses logares, exige no artigo 7.° que os concorrentes exhibam documento pelo qual provem ter concluido um curso, com frequencia obrigatoria de dois annos, quando menos, em universidade ou escola nacional ou estrangeira, legalmente qualificada de superior.
A organisação dada ao ensino commercial pelo decreto de 8 de outubro de 1891, que o classificou de ensino medio, dividindo-o em dois graus, e chamando ao mais elevado — curso de 2.° grau ou superior — fez nascer duvidas a tal respeito, e fechou as portas d’aquelle concurso aos que n’elle queriam entrar, em vista da sua habilitação com o curso superior do commercio garantida pela lei.
Para tirar essa duvida, e para não prejudicar os que, confiando na lei de 1884, foram buscar uma habilitação que lhes servisse para uma carreira publica, é a vossa commissão de parecer, de accordo com o governo, que approveis este projecto de lei.
Sala das sessões da commissão de instrucção publico e de commercio e artes 8 de abril de 1896.~A. de Serpa Pimentel = Frederico Arouca = José Antonio Gomes Lages = Conde da Azarujinha = Visconde de Athouguia = Francisco Simões Margiochi = A. A. de Moraes Carvalho = Arthur Hintze Ribeiro = Carlos Augusto Vellez Caldeira Castel-Branco = Conde de Carnide = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator = Tem voto do digno par: Conde de Restello.
Projecto de lei n.° 7
Artigo 1.° O antigo curso superior de commercio, creado por lei de 6 de março de 1884, o curso superior de commercio, decretado em 30 de dezembro de 1886, e o actual curso, completo do 2.° grau ou superior dos institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto, são considerados cursos superiores, e equiparados para todos os effeitos aos demais cursos superiores das outras escolas do reino.
§ unico. Estes cursos commerciaes ficam tambem comprehendidos entre aquelles a que se refere o artigo 7.° do regulamento approvado por decreto de 12 de julho de 1894, e constituem, portanto, habilitação para concorrer aos logares de segundos officiaes da secretaria dos negocios estrangeiros, de secretarios de legação de 2.ª classe e de cônsules de l.ª classe.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 12 de fevereiro de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, primeiro secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade e especialidade o parecer n.° 29.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi o respectivo projecto posto á votação e approvado.
O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do parecer n.º 30.
Vae ler-se.
Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:
PARECER N.° 30
Senhores. — O decreto de 15 de dezembro de 1894, que prohibiu a construcção de novas estradas, e até de novos lanços de estradas, foi imposto pelas circumstancias criticas em que se encontrava o thesouro.
O governo, vendo-se cercado de dificuldades de toda a ordem ao encetar um novo caminho de regeneração politica e financeira, julgou que a primeira necessidade a que tinha de attender, era evitar todas as despezas que não fossem de uma immediata urgencia.
O desejo de continuar no desenvolvimento da viação, quer ordinaria, quer accelerada, é natural em todos que reconhecem que ella é indispensavel para o progresso industrial, para o augmento da producção, para o fomento da riqueza publica. Não ha necessidade mais geral, nem mais reconhecida por toda a parte, que a de communicações faceis e baratas.
Circumstancias politicas, economicas e financeiras collocaram o nosso paiz muito atrás de todos os outros, mesmo dos que a nós se podiam igualar em população e territorio.
A lei de 19 de abril de 1845, que póde considerar-se como o inicio das primeiras tentativas a favor da nossa viação, foi um dos pretextos de que se serviu a paixão politica para levantar o paiz n’uma guerra civil.
Póde dizer-se que só em 1852, com a creação do ministerio das obras publicas e com a regeneração politica e economica que se operou então, é que principiámos no caminho dos melhoramentos publicos.
Emquanto os Estados Unidos, logo na infancia da sua autonomia, affirmavam no grande desenvolvimento dado aos melhoramentos publicos, a força da sua iniciativa individual e nacional; emquanto a Bélgica, mesmo no meio de circumstancias bem criticas, se arrojava corajosamente ao emprehendimento dos grandes progressos materiaes; emquanto a Suecia, sem maior população que a nossa, mas disseminada numa area mais larga, não descurava as suas estradas, os seus canaes e até os seus caminhos de ferro; emquanto todos os paizes da Europa, grandes e pequenos, caminhavam ovantes na estrada dos melhoramentos publicos, nós, n’este extremo occidental da Euro-ropa, viviamos como sequestrados ao convivio civilisador a que eram chamados todos os povos cultos.
No orçamento do estado para o anno de 1842-1843 a verba votada para obras publicas e conservação de monumentos estava calculada na exigua cifra de 120 contos de réis; quarenta annos depois, em 1882-1883, a despeza do ministerio das obras publicas era orçada em 5:081 contos de réis, que para o anno futuro se eleva a 5:317 contos de réis.
Até 1849 apenas se tinham construido 218 kilometros de estradas por conta da extincta inspecção de obras publicas e por empreza. Em 30 de junho de 1864 já era de 1:772 kilometros a extensão das estradas construidas, que em 31 de dezembro de 1867 se alargara a 2:548 kilometros e em 30 de junho de 1877 a 3:431, e em 1886 a 5:104, ou a 10:897, se n’ella incluirmos a rede da viação districtal e municipal.
Na mesma epocha estavam em construcçao 299 kilometros de estradas reates, ou de l.ª ordem, e 664 de districtaes, hoje chamadas de 2.ª ordem.
N’um relatorio do ministro das obras, publicas, apresentado ás côrtes em 1878, dizia-se que a rede das estradas reaes devia ser approximadamente de 5:593 kilometros.
Depois novas estradas foram incluidas no plano geral da viação, porque a sua conveniencia era aconselhada pela
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necessidade de ligar pontos importantes com as estações de novas linhas ferreas que se abriram á exploração.
O systema das empreitadas geraes concorreu por sua vez para augmentar o numero de kilometros construidos, trazendo assim para o thesouro um pesado encardo.
Em 1894 o governo via-se em grandes embaraços. Os lanços de estradas em construção extendiam-se a 1:680 kilometros, sendo 780 de estradas de l.ª ordem e o resto das de 2.ª Tinha a pesar sobre o ministerio das obras publicas uma divida a empreiteiros que excedia a 800 contos de réis, e para fazer face a este encargo e para construção de estradas o orçamento desse anno dava-lhe apenas 350 contos de réis.
Era mister fechar a porta a quaesquer exigencias de novas estradas, por mais justificadas que fossem. Antes de tudo convinha, concluir as que se achavam em construção, e não deixar arruinar as já construidas.
Para ultimar os lanços em construção era necessaria, segundo o calculo do relatorio que precedeu aquelle decreto, a quantia de 4:000 contos de réis, orçando o seu custo kilometrico em 2:õOO$000 réis. Deve-se, porém, notar que no triennio de 1856 a 1858, o custo kilometrico das nossas estradas reaes foi de 5:015$407 réis, no de 1859 a 1861 de 6:190$547 réis, no de 1862 a 1864 de 4:939$923 réis e no de 1865 a 1867 de 4:413$247 réis.
Em França calcula-se em media da despeza de construcção kilometrica em 3:600$000 réis, não entrando n’este computo as grandes obras de arte, porque a despeza com ellas, com os estudos e pessoal technico é contada á parte.
Mas, acceitando como approximada da verdade aquella cifra de 2:500$000 réis por kilometro, e acrescentando á despeza de construção a das grandes reparações, não nos parece exagerada a verba calculada de 6:000 contos de réis.
Ora, nas circumstancias apertadas do thesouro, que obrigavam o contribuinte a pesados sacrificios, não era licito emprehender a construção de novas estradas. Bom era que se concluissem as que estavam principiadas, e sobretudo que se não deixassem arruinar as já construidas.
Para este ponto não póde a vossa commissão deixar de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas. Os factos de que a vossa commissão tem conhecimento, e que infelizmente todos têem visto, impõem-nos aquelle dever.
E de esperar que no futuro anno economico, estando elevada no orçamento a verba para estradas, de 350 a 512 contos de réis, o governo attenderá a esta urgente necessidade.
Pelas rasões expostas, a vossa commissão, conformando-se completamente com o projecto já approvado na camara dos senhores deputados, é de parecer que tambem deve merecer a vossa approvação.
Sala das sessões da commissão de obras publicas, 7 de abril de 1896. = Frederico Arouca = A. A. de Moraes Carvalho = Marquez das Minas = Conde da Azarujinha = Arthur Hintze Ribeiro = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator = Conde de Carnide.
Projecto de lei n.° 34
Artigo 1.° A datar da publicação d’esta lei não poderá ser ordenada a construcção de qualquer nova estrada, ou de novo lanço de estrada, por conta do thesouro, sem que se achem ultimadas as estradas actualmente em construcção e feitas as grandes reparações reconhecidas como necessarias.
Art 2.° No principio de cada anno economico será publicado na folha official decreto ordenando a distribuição dos fundos consignados no orçamento do estaco para os serviços de construcção e reparação de estradas legalmente auctorisadas.
Feita esta distribuição a applicação dos fundos não poderá ser alterada senão nos termos do artigo seguinte.
3.° Quando circumstancias extraordinarias ou de manifesta utilidade publica determinarem a construcção de qualquer novo lanço de estrada fóra do disposto nos artigos antecedentes, só poderá ser ordenada essa construcção mediante parecer do conselho superior de obras publicas e minas, e decreto fundamentado, previamente publicado na folha official.
Art. 4.° A direcção geral de contabilidade publica não poderá expedir, nem o tribunal de contas visar, ordem alguma de pagamento relativa a quaesquer construcções de estradas, determinadas em contrario do preceituado n’esta lei.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario. = Visconde do Ervedal da Beira, presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado secretario = Abilio de Madureira Beca, deputado vice-secretario.
Como não houvesse quem pedisse a palavra, foi o projecto posto á votação e approvado, tanto na generalidade como na especialidade.
O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do parecer n.° 32.
Vae ler-se.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
PARECER N.° 32
Senhores. — Á vossa commissão de agricultura foi presente uma proposta apresentada pelo digno par o sr. conde de Bertiandos, quando se discutiu o projecto da contribuição industrial, e que a camara por indicação do sr. ministro da fazenda resolveu fosse enviada a esta commissão para a tomar na consideração que merecesse.
Essa proposta tinha por fim isentar da contribuição industrial os alambiques onde se distillem borras de vinho ou bagaço de uva, embora de producção alheia.
A tabella A, a que se referia a proposta de lei da contribuição industrial, impõe taxas fixas ao fabricante de aguardente que distille generos de producção alheia, alem do respectivo imposto de licença, qualquer que seja o numero de dias que trabalhe em cada mez, e qualquer que seja a substancia que se distille.
Acontece que em diversas provincias, e principalmente no norte do paiz, ha pequenos proprietarios que tem montado o seu alambique muito rudimentar e imperfeito, em que distillam quasi exclusivamente os bagaços e as borras do seu vinho e dos seus vizinhos, proprietarios ainda mais pequenos que elles. Não constitue aquelle fabrico propriamente uma industria; é um accessorio da sua pequena industria agricola. Na provincia do Minho é que mais se dá isso.
Ali o pequeno proprietario, tão pequeno quanto é extrema a divisão da propriedade, que colhe 2 ou 3 pipas de vinho, ou pouco mais do que isso, vae levar o bagaço a distillar, aproveitando o pouco alcool que d’ali lhe provém, dando de ordinario como paga ao dono do alambique apenas os residuos da distillação.
Este aproveita com esta simples remuneração do seu trabalho e dos dispendios da distillação, porque depois utilisa os bagaços como adubos, e adubos excellentes para a vinha pela quantidade de potassa que contém.
A aguardente produzida pela distillação dos bagaços é fraca e infectada de oleos essenciaes, devido isto á imperfeição do processo que se adopta.
Muitas vezes acontece esturrar-se a balsa e a aguardente sair com cheiro e gosto ao queimado.
Os lucros insignificantes, quasi nullos, que tira o fabricante, não lhe permittem adoptar o processo Villard com o seu apparelho distillatorio ambulante. O processo, como dissemos, empregado no nosso paiz, e principalmente no norte, é o mais rudimentar e imperfeito que póde ser.
Nem podia dar outro interesse roais que o aproveita-
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mento dos residuos da distillação, quando a producção alcoolica do bagaço é insignificantissima. E isso é facil de comprehender attendendo á pequena força alcoolica dos vinhos nas regiões onde principalmente se adopta aquelle systema de distillação dos bagaços. No Minho, e no districto de Braga a força alcoolica media dos vinhos e de 8, emquanto que a dos vinhos de Santarem é de 16. Ora se aquella é a força alcoolica dos vinhos, qual será a dos bagaços, muitas vezes ainda lavados para fazer o que chamam agua-pé!
Tudo isto vem para mostrar quanto são exiguos os interesses que tiram d’aquelle fabrico, quer o dono do alambique, quer o do bagaço, e que a collecta lançada aquelle era injusta, e vinha aniquilar por completo as pequenas vantagens que um e outro dali auferem, e causar mais um prejuizo á agricultura, e principalmente á vinicultura.
Na crise que ella está atravessando em lucta com mil dificuldades que a opprimem, devidas umas a causas naturaes e outras a causas commerciaes, tirar-lhe até os mais insignificantes recursos, é da maior inconveniencia.
As nossas vinhas apresentam-se n’um estado morbido, que todos conhecem, e sentem infelizmente. O empobrecimento do solo, a variação das condições climatericas, a degeneração e enfraquecimento da videira, e os variados parasitas vegetaes e animaes que a flagellam, tudo está collocando a nossa vinicultura n’uma situação difficil.
Para a amparar n’esta lucta é mister fazer sacrificios, que augmentam o custo da producção.
A replantação, o emprego de meios preventivos para a escudar contra os effeitos das doenças, e a subida dos salarios, teem elevado extraordinariamente as despezas du cultura. Depois, quando se devia esperar um preço remunerador para o genero produzido, vê-se o proprietario em difficuldades para conseguir a venda do seu vinho.
O que n’este momento se está passando em todo o paiz: é a demonstração evidente d’esta triste verdade.
Não é aqui logar para entrar em considerações, que naturalmente suggeria esta importante questão, que se impõe á consideração dos poderes publicos.
É mister que elles dispensem alguma protecção ao principal elemento da riqueza nacional.
Pequena é aquella que se pede com a approvação da; proposta do nosso digno collega; mas é justo que ella seja concedida, quando de mais a mais d’ella insignificante! prejuizo póde resultar para as receitas publicas.
É preciso, comtudo, que este favor concedido á vinicultura não redunde em prejuizo d’ella. Como a tabella A da contribuição industrial diz simplesmente — Fabricantes de aguardente, etc., distillando generos de producção, alheia — é conveniente que no projecto de lei se declare que não fica de modo algum alterado o § 3.° do artigo l.° do decreto de 23 de agosto de 1895, e que as borras e bagaço de uva só podem ser distillados por conta do productor. Póde talvez dizer-se que esta interpretação se não poderia dar, mas não ha inconveniente em se tornar bem clara a idéa da commissão.
Por estas rasões, e de accordo com o governo, temos a honra de submetter á vossa illustrada consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Fica exceptuado da taxa fixa mencionada na tabella A da contribuição industrial o fabricante de aguardente quando distillar borras de vinho ou bagaço de uva, embora de producção alheia, em alambiques ordinarios, sem rectificador, e sem prejuizo do disposto no § 3.° do artigo 1.° do decreto com força de lei de 23 de agosto de 1895.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de obras publicas, 27 de março de 1896. = Conde de Bertiandos = Frederico Arouca = Conde da Azarujinha = Conde de Carnide = Visconde de Athouguia = Francisco Simões Margiochi == Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.
Senhores. — A vossa commissão de fazenda, examinando o parecer da commissão de agricultura, que recaiu sobre uma proposta do digno par conde de Bertiandos, para serem isentos de contribuição industrial os alambiques ordinarios que distillarem borras de vinho ou bagaço de uva, é tambem de parecer que deve merecer a vossa approvação.
Sala das sessões da commissão de fazenda, 10 de abril de 1896. = A. de Serpa Pimentel = A. A. de Moraes Carvalho = Frederico Arouca = Conde da Azarujinha = Jeronymo da Cunha Pimentel.
Proponho que na tabella A se faça o additamento seguinte, em seguida ao que diz respeito á aguardente:
«Exceptuam-se os alambiques onde só se distillem borras de vinho e bagaço de uva.»
Sala das sessões, 13 de março de 1896. = O par do reino, Conde de Bertiandos.
O sr. Presidente:—Está em discussão na generalidade e na especialidade.
Como nenhum digno, par pedisse a palavra, foi o projecto posto á votação e approvado.
O sr. Presidente: — Vae agora ler-se,- para entrar em discussão, o parecer n.° 31.
Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:
PROJECTO DE LEI N.° 31
Senhores. — O projecto de lei, sobre que a vossa commissão de legislação é chamada a dar parecer, é apenas, ligeiramente modificado, o decreto de 22 de maio de 1895, devido á illustrada iniciativa do actual sr. ministro da justiça.
Aquelle decreto teve por motivo não só a promulgação de algumas novas providencias tendentes a melhorar em parte o processo criminal, mas ainda a modificação de algumas disposições do decreto de 15 de setembro de 1892, que a pratica tinha aconselhado como conveniente.
Algumas pequenas alterações que se fizeram na outra camara, aquelle decreto de 22 de maio, sem o modificarem na sua essencia, mais o aperfeiçoaram ainda.
O mencionado decreto de 15 de setembro de 1882 havia dispensado o summario, a que a nova reforma judiciaria mandava proceder em seguida ao auto de querella.
Esta innovação, sem prejudicar a regularidade do processo, nem diminuir os meios de verificar a existencia do crime e descobrir o criminoso, teve a vantagem da simplificação, prescindindo de uma formalidade que se podia bem dispensar.
Desde esse momento o corpo de delicto, que já era a base essencial de todo o procedimento criminal, e sem o qual era nullo o processo, não podendo ser supprido nem mesmo pela confissão da parte, mais importante se tornou ainda.
É por isso que este projecto no artigo 1.° exige que nos corpos de delicto que respeitem a crimes a que corres ponda processo de querella, não poderão ser inquiridas menos de oito nem mais de vinte testemunhas além das referidas.
Esta disposição era uma consequencia logica da suppressão do summario. Desde que o despacho de pronuncia é dado em seguida á querela, baseando-se portanto apenas nos factos e nas provas que no corpo de delicto se investigarem, é indispensavel que este seja o mais completo possivel, reunindo-se ali todos os elementos que sejam indicios sufficientes para a pronuncia.
Mas póde dar-se o caso que da inquirição das testemunhas, e das mais investigações a que se proceda no corpo de delicto, se evidenceie o facto criminoso, mas não se descubra logo o seu agente. Para isso providenceia o artigo 3.° do projecto, mandando que o ministerio dê que
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rela contra incertos, e por novas diligencias procure descobrir o criminoso.
A nossa legislação dá hoje aos juizes de paz, entre Outras funcções, a de poderem levantar autos de corpo de delicto, á similhança do que dispunha o codigo do processo criminal do Brazil.
Entre nós, extinctos os juizes ordinarios e os eleitos, á falta de outra magistratura intermediaria, confiou-se aos juizes de paz, que de antes tinham apenas funccões conciliatorias, aquella attribuição criminal.
Todos sabem como em geral é grande a deficiencia de habilitações n’esta magistratura improvisada, e não perde a vossa commissão este ensejo de chamar a illustrada solicitude do sr. ministro da justiça para este assumpto, que demanda uma salutar providencia.
Sendo hoje os corpos de delicto de maior importancia ainda do que eram de antes, quando havia o summario, bem entendida é a precaução que estabelece o artigo 4.°, quando determina que aos juizes de direito compete julgar subsistentes os corpos de delicto levantados pelos juizes de paz, e mandar proceder a outras diligencias que considerem indispensaveis para esclarecimento dos factos.
Póde acontecer que num mesmo crime se achem comprehendidos réus sujeitos a penalidades diversas, a que correspondam tambem fórmas differentes do processo.
As provas, porém, estão de ordinario tão estreitamente ligadas, que a separação dos processos podia muitas vezes prejudicar o resultado do julgamento. Prescreve o artigo 5.° que sejam todos julgados n’um só processo, e que este seja o determinado pela pena mais grave em que estiver incurso algum dos agentes. As responsabilidades de cada um serão n’elle discriminadas, e a pena imposta será a que lhes corresponder.
Uma modificação ao artigo 21.° do decreto de 15 de setembro de 1892 se estabelece no artigo 6.° d’este projecto.
O crime de offensas corporaes de que não resultar doença ou impossibilidade de trabalho, deformidade physica, ou doença mental, foi, pelo decreto de 15 de setembro de 1892, considerado crime particular, e portanto o ministerio publico só promovia a instauração do processo quando houvesse participação, denuncia, queixa ou accusação do offendido.
Embora o facto fosse bem publico e causasse um certo escandalo social, não podia a justiça promover sem que o offendido se viesse queixar. Podia este não se sentir aggravado com a offensa recebida, tanto mais que a offensa é uma cousa relativa; um acto póde ser ou não offensivo; ser mais ou menos, consoante as circumstancias e o caracter de cada um. A sociedade, porém, é que, embora o facto material do crime seja em si apparentemente de pequena gravidade, póde sentir-se offendida nos seus interesses de ordem moral, porque a impunidade de hoje n’um pequeno crime será ámanhã incentivo para um crime maior.
É por isso que o projecto considera como crime publico o previsto no artigo 359.° do codigo penal.
A novissima reforma, no artigo 919.°, só permittia nas ferias a formação dos corpos de delicto; parecendo por isso que todos os mais actos do processo criminal, e mormente o julgamento, não podia effectuar-se n’esse periodo. O decreto de 1892 não admitte ferias para o julgamento em processo correccional, nem para os processos preparatorio e accusatorio, é nem mesmo para o julgamento, qualquer que seja o delicto, quando o réu estiver preso. Não incluiu portanto o julgamento dos crimes de policia correccional. Attendeu a elles o projecto no artigo 7.°, permittindo o seu julgamento durante as ferias.
Para dar mais garantias aos réus incursos em processo de policia correccional, e ás testemunhas em processos criminaes; para evitar abusos que se davam nas citações e intimações, manda o projecto applicar a estes actos o que se acha prescripto no codigo do processo civil, quando não seja permittida aos officiaes de justiça a entrada na casa do que tiver de ser citado ou intimado, ou quando este não appareça para receber a citação ou intimação.
Pareceu á vossa commissão que era bem entendida a solidariedade no pagamento das custas e sellos do processo imposta a todos os réus condemnados no mesmo processo, salvo o direito regressivo do que pagar contra os remissos n’aquella obrigação.
Todos elles deram causa ao processo, todos elles foram interessados no crime, e pouco mais trabalho haveria sendo um ou mais os condemnados
Mas quando algum d’elles requeira ou promova quaesquer incidentes no processo, justo é então que sómente sobre este venham recaír as custas acrescidas.
A responsabilidade pelas custas do processo, imposta pelo decreto de 1892, aos fiadores ou abonadores do réu, tinha dado na pratica maus resultados.
A lei, que quiz alargar as fianças, para furtar á prisão muitos accusados, ficou em parte inutilisada com aquella disposição.
Difficilmente um réu encontrava fiador que se quizesse prestar á contingencia de ter que pagar as custas dado o caso da condemnação.
O projecto que estamos apreciando eximiu-os d’essa responsabilidade. Só a ella ficam sujeitos, quando sejam fiadores ás custas depois da condemnação, cujo pagamento poderá agora effectuar-se em tres prestações fixadas pelos juizes.
Não as pagam os condemnados cuja pobreza se comprovar com os attestados dos parochos e regedores das freguezias do seu domicilio, mas pagam-nas da cadeia os que, não estando n’aquellas circumstancias, se recusarem a fazel-o.
A prisão por custas poderá parecer menos justa aos que, em nome dos immortaes principios, pretendem ver nella uma offensa injustificavel á liberdade individual.
Não pensa assim a vossa commissão.
Para não admittir a prisão por aquelle motivo era mister primeiramente revogar o n.° 4.° do artigo 75.° do nosso codigo penal, que diz expressamente que o réu definitivamente condemnado, qualquer que seja a pena, incorre na obrigação de pagar as custas do processo e as despezas de expiação.
Mas quando elle não quer cumprir essa obrigação, que é um percalço do crime que praticou, e procura illudir a lei?
As custas são um accessorio da pena; se o condemnado não paga é porque não quer; não cumpre essa obrigação por capricho, por má vontade, ou porque deseja evitar esse despendio, vem a prisão coagil-o a isso.
Não é a prisão uma substituição das custas, como é de pena pecuniaria, quando esta é; imposta tambem. E apenas um meio de coacção, como evidentemente se vê da limitação do tempo da prisão, fixado no § unico do artigo 13.° Não é como satisfação á recusa do pagamento de uma divida pecuniaria, que se exige a prisão. A prisão por dividas ha muito foi expungida da nossa legislação, e não viria agora restabelecel-a o projecto que discutimos.
É simplesmente uma providencia coerciva, com caracter puramente penal; é o meio unico para obrigar ao cumprimonto da lei os que a ella se querem subtrahir.
O distincto criminalista Silva Ferrão considerava-a diversamente quando dizia no seu commentario ao codigo penal: «o pagamento das custas é uma rigorosa pena pecuniaria, accessoria a toda a penalidade».
O codigo penal de Hespanha, no artigo 50.°, tambem obriga a prisão por custas, e já o anterior codigo no artigo 24.°, é o de 1822 no artigo 28.°, continham a mesma disposição. Aquelle artigo do codigo computa em 5 pesetas cada dia de prisão.
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Na França, onde a lei de 22 de julho de 1867 tinha acabado com a prisão por custas, foi restabelecida em 1871; e apesar de estar ali dominando um regimen democratico, nem sequer se faz excepção, como entre nós, para os insolventes por indigencia.
O projecto não veiu introduzir uma disposição inteiramente nova na nossa legislação. Da legislação antiga basta citar o alvará de 20 de julho de 1760, que dizia que um dos modos de evitar os delidos consiste nas custas dos processos.
Da legislação já promulgada no periodo constitucional, alem do artigo 615.° da novissima reforma judiciaria, que o projecto manda applicar, temos o artigo 458.° do decreto de 13 de janeiro de 1837, que como aquelle manda que o condemnado, que não tiver bens, seja preso até pagar as custas á rasão de 1$000 réis por dia.
Podiamos citar muitos casos em que se impõe a prisão, não como substituição da pena pecuniaria, mas como meio coercivo. Entre outros lembra-nos o artigo 26.° do decreto de 7 de abril de 1863, que impondo a multa até 20$000 réis ao que ententa saír do reino sem passaporte, obriga até a um mez de prisão o que a não pague.
Até á promulgação do decreto de 30 de julho de 1830 a nossa legislação sobre o pagamento de custas chegava a ser draconiana. Não só ficava sujeito a ella o réu condemnado, mas ainda quando era absolvido, e na sentença da absolvição, acrescentava-se pague as custas, ex-causa. Isto era o cumulo da injustiça, a que só poz termo definitivamente a lei de 18 de julho de 1850 no artigo 18.°, porque nem aquelle decreto de 1830, nem o codigo penal de 1852 no artigo 118.°, haviam tirado todas as duvidas que a este respeito tinham alguns juizes.
Feitas assim estas leves apreciações favoraveis ao projecto, é a vossa commissão de parecer que deve ser approvado, para poder subir á sancção regia.
Sala das sessões da commissão de legislação, 7 de abril de 1896.= D. A. Sequeira Pinto = A. A. de Moraes Carvalho = Augusto Ferreira Novaes = Carlos Augusto Vellez Caldeira Castello Branco = Frederico Arouca = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.
Projecto de lei n. 31
Artigo 1.° Nos corpos de delicto, para verificação de crimes a que corresponda processo de querela, não poderão ser inquiridas menos de oito nem mais de vinte testemunhas, alem das já referidas.
Art. 2.° Quando, pelas testemunhas inquiridas e pelos outros elementos do corpo de delicto, em caso de crimes a que corresponda processo de querela, se não verificar a existencia do crime, julgar-se-hão insubsistentes as diligencias judiciaes empregadas; e o processo será archivado.
Art. 3.°Se, conjunctamente com a verificação do crime, se descobrir quaes foram os seus agentes, o ministerio publico contra estes dará logo a sua querela, se já estiver prehenchido o numero minimo de testemunhas. Se, porem, ida inquirição de testemunhas, até ao numero maximo, e dos mais elementos do corpo de delicto, resultar a verificação do crime, mas não a descoberta dos criminosos, deverá n’este caso ser julgado subsistente o corpo de delicto sobre a criminalidade do facto, e o ministerio publico dará logo a sua querela contra incertos, podendo offerecer testemunhas até ao numero de vinte, alem das referidas, e requerer tudo o mais que for necessario para descobrir os criminosos.
Art. 4.° Aos juizes de direito compete julgar subsistentes os corpos de delicto levantados pelos juizes de paz, e poderão ordenar as diligencias que reputem necessarias para esclarecimento dos factos, proceder a inquirição de novas testemunhas até ao limite de vinte, afora as referidas, e reperguntar quaesquer que já depozessem perante os juizes de paz.
Art. 5.° Os agentes de um mesmo crime, seja qual for a penalidade em que se achem incursos, serão todos processados e julgados pela forma do processo determinado pela pena mais grave.
Art. 6.° O crime de offensas corporaes, previsto e punivel pelo artigo 359.° do codigo penal, é considerado crime publico.
Art. 7.° Podem julgar-se em ferias os crimes de policia correccional.
Art. 8.° Á citação dos réus incursos em processos de policia correccional, e á intimação das testemunhas em processos criminaes, serão applicaveis as disposições dos artigos 189.° e 190.° do codigo do processo civil.
Art. 9.° Os réus que forem condemnados pelo mesmo crime serão solidariamente responsaveis pelas custas e sellos do processo, salvo o direito regressivo do que pagar contra os outros condemnados, e não será exigida aquella responsabilidade a outras pessoas, excepto no caso da fiança, a que se refere o artigo seguinte.
§ unico. Exceptuam-se da responsabilidade solidaria estatuida neste artigo, as custas e sellos relativos a repetição de actos a que algum dos réus der causa, bem como as provenientes de actos requeridos para defeza especial de algum d’elles.
Artigo 10.° O pagamento das. custas e sellos dos processos crimes poderá ser feito em tres prestações fixadas pelos juizes, se os réus assim o requererem, e prestarem fiança idónea por termo, nos autos, que será gratuito e sem sello.
Art. 11.° Serão isentos do referido pagamento os réus que provarem a sua pobreza por attestados dos parochos e regedores das freguezias do seu domicilio, jurados e devidamente reconhecidos.
§ unico. A prova da pobreza poderá ser feita no acto do julgamento, ou até terminar o decendio posterior á citação na respectiva execução, que n’este caso se julgará extincta.
Art. 12.° Os signatarios dos attestados em que se falte á verdade, e os que d’elle fizerem uso, incorrerão na respectiva responsabilidade criminal.
Art. 13.° Aos réus condemnados em custas, que não tenham demonstrado a sua pobreza, na conformidade do artigo 11.° ou do seu § unico, não lhes sendo .achados bens sufficientes para o seu pagamento, será applicavel a disposição do artigo 615.° da novissima reforma judiciaria, dividindo-se para este effeito as custas quando haja mais de um condemnado.
§ unico. A prisão por custas não poderá exceder trinta dias em processo de policia correccional, sessenta em processo correccional e noventa em processo ordinario.
Art. 14.° Ficam revogadas as disposições contrarias a esta lei.
Palacio das côrtes, em 23 de março de 1896. = Visconde do Ervedal da Beira, vice-presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado, secretario = Abilio de Madureira Beça, deputado, vice-secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade o parecer n.° 31.
O sr. Jeronymo Pimentel (relator): — Mando para a mesa, por parte da commissão de legislação, uma proposta a fim de serem eliminados do artigo 1.° do projecto as palavras: «nem mais de vinte testemunhas, alem das já referidas».
Sr. presidente, a commissão entendeu que devia fazer esta proposta, principalmente depois que foi publicada a lei que regula os serviços policiaes, lei em que se dá ao juiz de instrucção a faculdade de inquirir as testemunhas que quizer, e não parecer bem que ao juiz de instrucção se dessem mais faculdades do que ao juiz de direito.
Se durante a discussão algumas duvidas se apresentarem, não só em relação ao projecto, mas á proposta que
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vou mandar para a mesa, eu darei então mais largas explicações.
(S. exa. não reviu estas notas.)
O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta que o digno par sr. Jeronymo Pimentel acaba de mandar para a mesa.
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
Por parte da commissão de legislação proponho que ao projecto de lei n.° 31 se façam as seguintes alterações:
No artigo 1.° a eliminação das palavras «nem mais de vinte alem dos referidos», ficando assim o
Artigo 1.° Nos corpos de delicto, para verificação de crimes a que corresponda processo de querela, não poderão ser inquiridas menos de oito testemunhas.
No artigo 3.° a eliminação das palavras «se já estiver preenchido o numero minimo de testemunhas», e das palavras até ao numero «maximo», ficando assim o
Artigo 3.° Se conjunctamente com a verificação do crime, se descobrir quaes foram, os seus agentes, o ministerio publico contra estes dará logo a sua querela. Se, porém, da inquirição das testemunhas e dos mais elementos do corpo de delicto, resultar, a verificação do crime, mas não a descoberta dos criminosos, deverá n’esse caso ser julgado subsistente o corpo de delicto sobre a criminalidade do facto, e o ministerio publico dará logo a sua querela contra incertos, podendo offerecer testemunhas até o numero de vinte, alem das referidas, e requerer tudo o mais que for necessario para descobrir os criminosos.
No artigo 4.° a eliminação das palavras «até o limite de vinte, afóra as referidas», ficando assim o
Artigo 4.° Aos juizes de direito compete julgar subsistentes os corpos de delicto levantados pelos juizes de paz; e poderão ordenar as diligencias que reputem necessarias para esclarecimento dos factos, proceder a inquirição de novas testemunhas e reperguntar quaesquer que já depozessem perante os juizes de paz.
Sala das sessões da camara dos pares, 13 de abril de 1896. = Jeronymo da Cunha Pimentel.
O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão a proposta que acaba de ser lida, tenham a bondade de se levantar.
Depois de verificar a votação.
O sr. Presidente: — Está admittida, e entra em discussão conjunctamente com o projecto.
O sr. Conde de Lagoaça: — Ninguem votou a admissão da proposta; ninguem se levantou.
O sr. Presidente: — Desde o momento em que ha reclamação contra a votação, o meu dever é tirar a contraprova.
Tendo-se repetido a votação, verificou-se ter sido admittida a proposta, que ficou em discussão conjunctamente com o projecto.
O sr. Telles de Vasconcellos: — Disse que, bem contra sua vontade, e mesmo em mau estado de sua saude, viera á camara, porque entendêra que era do seu dever estar no seu logar, quando se tratava de revogar disposições de decretos, que elle promulgára, que tiveram o assentimento publico, que foram consideradas como de verdadeiro interesse geral, e ha tres annos e meio, ou perto de quatro annos, tinham sido executadas pelos tribunaes sem attritos nem difficuldades e, pelo que lhe tem constado, com grande vantagem para a boa administração da justiça.
Que não era uma questão de vaidade o que imperava no seu espirito, para vir combater o projecto do governo e o parecer da commissão, pois que se não fôra a convicção intima de que, sacrificando-se o bem geral ao interesse particular, ou de uma classe, com as providencias propostas, que se tivera o convencimento de que as providencias por elle tomadas, quando teve a honra de estar nos conselhos da corôa, tinham sido infelizes na pratica, seria elle, orador, o primeiro a concordar na sua modificação, o que por nenhuma fórma lhe ficava mal.
Que muitas vezes as melhores theorias levadas á pratica não davam o que se esperava, e a modificação era uma consequencia necessaria e impreterivel.
Que não se tratava de uma questão politica, mas sim de uma questão de processo criminal.
Que os seus decretos de 15 de setembro de 1892 obedeceram á questão economica, ao abreviamento dos processos, para que a acção da justiça viesse rapida pôr termo ao alarme produzido pelo crime, evitando ao mesmo tempo que os delinquentes andassem largo tempo pelas cadeias e enxovias insalubres, sustentados á custa do thesouro.
Que lhe parecia a elle, orador, digno de reparo, que o sr. ministro no seu relatorio, e a commissão no seu parecer, viessem dizer a esta camara e ao paiz, que o decreto dietatorial do sr. ministro, e que veiu agora á discussão, se elaborára para melhorar disposições dos decretos de 15 de setembro de 1892.
Nada, na opinião, havia mais incorrecto, e menos verdadeiro, e, para isto se affirmar, bastava ler com attenção o decreto de 15 de setembro de 1892, e as disposições contidas no decreto do governo que, ou estão nas nossas leis, e no proprio decreto de 15 de setembro, ou revogavam dois artigos d’este decreto, em obediencia ás imposições de uma classe que, com o preceituado n’esses mesmos artigos se julgou desde logo prejudicada, obedecendo assim o governo ao interesse particular, sacrificando a este o interesse geral, e a boa e rapida administração da justiça.
Que o proprio sr. presidente da camara podia dar seguro testemunho do quanto tinham sido pensadas e reflectidas as disposições do decreto de 15 de setembro, e do quanto animára, a elle, orador, o intento de attender o que parecêra de rigorosa necessidade para a boa e liberal administração da justiça. Ainda hoje se applaudia por ter publicado os decretos de 15 de setembro, que louvados foram por tudo e por todos, quando viram a luz da publicidade, para serem calumniadas mais tarde algumas das suas disposições, e quando a acção da politica apaixonada, e menos cuidadosa em averiguar a verdade, entendeu dever menosprezar o que só era recto e justo.
Que elle, orador, aproveitava o ensejo de ver com grande prazer liquidada toda essa questão pelo sr. ministro da justiça, que no seu decreto da rehabilitação dos condemnados manda applicar a proveniencia do artigo 20.° do decreto de 15 de setembro.
Com vehemencia, exclamou, que era grande e boa a Providencia na designação dos seus altos decretos, pois que não tendo sido permittido a elle, orador, liquidar aquella questão quando ainda no governo era accusado pelos irreflectidos e apaixonados, é o actual sr. ministro o proprio que veiu liquidal-a, mandando observar a disposição calumniada.
O sr. Ministro da Justiça (Azevedo Castello Branco): — Apoiado.
O Orador: — Não quer vangloriar-se com o que lhe não pertence. Aquella disposição é oriunda dos decretos de 29 de março de 1890, e o orador apenas a tornou extensiva a todo o paiz, mas a calumnia ignorante veiu dar ao publico a referida disposição como nova e creada ad hoc para ser applicada a facto repellente affecto aos tribunaes do Porto, quando para Porto e Lisboa legislaram os decretos de 1890, e elle, orador, tornara extensiva a todo o paiz, providencia que lhe pareceu de proveito, e que o sr. ministro e o parlamento acabam de determinar seja applicada ao processo da rehabilitação; que a Providencia é sempre justa, e a verdade apparece mais tarde ou mais cedo, para vergonha dos irreflectidos e apaixonados, satisfação dos que imprudentemente e aleivosamente foram calumniados. Que uma vez que se tinha referido ao principio da re-
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habilitação dos condemnados, pedia licença ao sr. ministro para lhe lembrar que nada era necessario legislar sobre tal assumpto, e apenas se tornava necessario o formulario para levar á execução o que existia nas nossas leis, na reforma para os casos em que as sentenças condemnatorias se não podiam combinar, e d’ellas resultava a innocencia de um ou mais dos condemnados, e para este caso estava o processo regulado no codigo penal de 1886, artigo 126.° §§ 1.°, 3.° e 4.°; para todos os outros casos e para estes é que só era necessario o formulario.
Que voltando á questão de que se tinha desviado, com magua via elle, orador, que os melhoramentos que se queriam introduzir no decreto de 15 de setembro eram o restabelecimento dos summarios, mas isto depois da proposta mandada para a mesa pelo sr. relator, pois que pelo que está no projecto era muito peior; tornar o juiz subsistentes os corpos de delicto, obrigar todos os réus no mesmo processo solidarios no pagamento das custas. Serem decididos em ferias os processos de policia correccional.
Quando os réus fossem implicados em crimes, que demandassem processos differentes, ser um só o processo attendendo-se ao que corresponde á pena mais grave; reduzir a crimes publicos todos aquelles a que correspondem as penas do artigo 359.° do codigo penal, desobrigar os fiadores do pagamento das custas. Restabelecer a prisão por custas. Permittira o pagamento d’estas em prestações logo que requerido ao juiz e por este marcados os prasos de pagamento. Isenção das custas para os indigentes, sendo provada a indigencia por um attestado do parocho e do regedor, ficando estes sujeitos ás penas correspondentes aos crimes commettidos pelos réus.
Que elle, orador, se propunha demonstrar que o fim do projecto foi só um e unico, servir os empregados na Boa Hora, que se queixavam de ser prejudicados com a obrigação dos fiadores pagarem as custas, e com a extincção da prisão pelas custas.
Que a novidade do projecto é desobrigar os fiadores do pagamento e estabelecer a prisão pelas custas; a solidariedade dos réus no pagamento das mesmas custas, e a reducção dos crimes particulares a crimes publicos; que, quanto ao mais, está tudo, na reforma judiciaria, ou nos decretos de 1890, ou no proprio decreto de 15 de setembro de 1892.
Que elle, orador, vendo que nos paizes estrangeiros o processo crime se achava organisado por fórma que, commettido o delicto, o processo era rapido, e o julgamento immediato, o que era de uma grande vantagem para a sociedade e para os proprios réus, e comparando o que se passava no nosso paiz, pois que commettido o crime, os réus de crimes graves eram encerrados nas enxovias insalubres á espera da organisação demorada do processo, occasionada pelos summarios e peias differentes, que embaraçam os funccionarios no cumprimento dos seus deveres, e que os réus passados annos, eram julgados quando já na opinião publica o réu não era um criminoso, mas simplesmente um desgraçado, elle, orador, se impozera o preceito de extinguir os summarios, deixando na lei garantias sufficientes não só quanto a ser constatado o crime, mas a descobrir-se quem tinha sido o criminoso; que o projecto do governo, apesar da emenda proposta no começo da discussão, era voltar ao antigo, á complicação do processo, para se presenciar o triste espectaculo de ver nas cadeias os réus amarelecidos pelo mau ar que respiravam, e o estado sobrecarregado com a sustentação d’elles, para serem muitas vezes absolvidos, unicamente porque a opinião publica d’elles se compadecera, e se lhes tornara protectora, e o que ainda é muito peior, o ter-se absolvido passados annos um innocente, sem ter quem lhe reparasse os prejuizos recebidos por elle e pela familia, que fôra obrigado a abandonar, nem quem lhe restituisse a saude para sempre perdida, e compensasse os trabalhos e miserias soffridas pela familia abandonada do seu chefe.
Que o projecto como viera da commissão era peior do que o processo marcado na reforma judiciaria; que a proposta mandada para a mesa pelo sr. relator restabelecia o processo da reforma, a qual não limitava numero de testemunhas no corpo de delicto de crimes graves, e mais curial e mais lógico e simples era dizer que ficava em vigor a reforma judiciaria emquanto a corpos de delicto e summarios.
Mas que, apesar da emenda, ainda a doutrina estabelecida podia trazer duvidas pela confusão que em muitos tribunaes se faz de querela com queixa, pois que a reforma apenas estabeleceu o processo ordinario e o processo de excepção ou correcional, que o decreto de 10 de setembro de 1853 creou, outro processo para os crimes a que correspondessem penas até dois annos de prisão, perda de direitos politicos até dois annos, multa até 500$000 réis, que mais tarde foi elevada a 1:000$000 réis, suspensão de emprego até dois annos, e o processo consistia para estes crimes, no corpo de delicto eram apontadas tres testemunhas pelo ministerio publico e tres pelo queixoso, e procedia-se ao julgamento, sem embargo do recurso de injusta pronuncia, processo que foi extincto pela lei de 18 de agosto de 1855, para ser restabelecido pelo decreto de 29 de março de 1890 com as modificações da lei de 7 de agosto do mesmo anno, e é caso para se perguntar se esta fórma de processo tambem fica alterada, e para os crimes a que tal processo corresponde é applicavel a nova doutrina.
Que na opinião d’elle, orador, a providencia do governo com a modificação agora feita em nada melhora e, pelo contrario, destroe o que de bom existia.
Que parecia a elle, orador, notavel o artigo do projecto em que se diz que ao juiz de direito pertence tornar subsistente o corpo de delicto, mas que até hoje ainda ninguem entendeu o contrario e nem se podia entender porque isto estava preceituado no proprio decreto de 15 setembro e no artigo da reforma judiciaria que o decreto não revogára.
Que elle, orador, não sabia o que devia ajuizar quando via que o governo e as commissões estabeleciam nos projectos as providencias que existem nas nossas leis, pois que, a não haver ferias para os processos correccionaes, está explicita e claramente no decreto de 15 de setembro que, para os crimes, não ha senão processo correccional e ordinario, que o correccional é que póde ser mais ou menos abreviado, mas não deixa por isso de ser processo correccional, e se o decreto estabelece que não ha ferias para o processo correccional, como é que podia haver duvida se para o processo de policia correccional ha ou não ferias dispõe no decreto de 15 de setembro que determinou não as haver?
Estranha comprehensão do sr. ministro e da commissão que por certo não viu nem attendeu ao que vem escripto no projecto que acceitou.
Elle, orador, sabia tambem, que a reunião em um só processo dos crimes, que demandassem pela sua natureza processos diversos é disposição que já se encontra na legislação do paiz, é o decreto de 29 de março de 1890 creio que condição 6.ª e 7.ª ou 7.ª e 8.ª
Que aquillo que no projecto ha como novidade é obrigar os differentes réus no mesmo processo a serem solidarios nas custas, quer dizer que são co-réus no mesmo crime quatro individuos, um tem bens os outros tres não podem pagar, o que tem bens que póde ser o menos culpado, cumpre a pena que lhe é imposta, e paga não só as custas que lhe pertencem, mas as dos outros tres que nada têem; que tal disposição chega a ser iniqua, mas o projecto do governo, obedecendo em tudo ás disposições á origem que teve, isto é, a beneficiar uma classe. Oriunda da Boa Hora, só contém o que a esta aprouve estabelecer,
Que, elle, notava com muito pezar, que se queira voltar
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ao tempo das celebres agencias que prestavam as fianças aos réus, foco de immoralidade, com que acabou a providencia contida no decreto de 15 de setembro, e que se vae revogar, mas que aquillo que mais o impressionava era o estabelecer-se a prisão por custas, em um paiz em que se tinha expungido da legislação a prisão por dividas, e que as custas não eram outra cousa mais do que uma remuneração dada aos empregados nos paizes em que a justiça não podia ser gratuita, e não sendo pagas constituam uma divida para com os empregados de justiça, de forma que o projecto estabelecia uma excepção em favor da Boa Hora, isto é, em relação a esta era permittido ordenar-se a prisão por dividas.
Que na opinião delle, orador, era não só repellente, mas immoral uma tal disposição. Prender e conservar nas enxovias um individuo porque este, não tem meios de pagar, sobrecarregar o estado com a sustentação d’elle, e manter o desgraçado em casa insalubre, e no meio de criminosos, prevertendo-o em logar de o regenerar, só por que é necessario garantir as custas aos empregados, excede toda a apreciação seria, nem a providencia estabelecida considerando isentos da prisão os indigentes póde aproveitar cousa alguma desde que, ao par d’ella, se estabelece que a prova da indigencia será feita pelos attestados dos parochos e regedores, os quaes ficam sujeitos ás penas impostas aos réus, se se provar que os attestados são falsos.
Que, na opinião d’elle, orador, era melhor que tudo isto se não estabelecesse porque vae ser letra morta, pois que bem sabe o sr. ministro que não sendo deferido na lei qual é o indigente, nenhum parocho nem regedor será tão tolo, que passe o attestado de pobreza. É indigente o que não tem bens em que possa fazer-se penhora? Ou é indigente o que roto e esfarrapado anda esmolando de casa em casa, ou de rua em rua? Não o diz o projecto, e ninguem sabe, porém, o que na opinião d’elle é claro, é que todos os que não poderem pagar as custas são presos, e mettidos no Limoeiro, isto é, vão para a escola do crime mandados pela Boa Hora e sustentados pelo estado.
Que o considerar crimes publicos aquelles a que correspondem as penas do artigo 359.° do codigo penal, obedeceu ao mesmo fim que o projecto teve em vista, fazer com que todos podessem ser perseguidos pelo ministerio publico para que não escapasse ao pagamento de custas algum homem rico, que commettesse algum crime particular e o offendido se não fosse queixar ás justiças.
Que achava notavel a rasão dada, tanto no relatorio do projecto, como no parecer da commissão, e de tal valia e quilate é ella, que o orador se abstinha de a commentar.
Lêra em um jornal, que o sr. ministro na outra casa do parlamento, para defender a prisão por custas, fôra buscar argumento de auctoridade á lei franceza de 19 de dezembro de 1871, que estabeleceu o contraint par corps, que tinha sido extincto pela lei de 1367, mas pedia licença ao sr. ministro para lhe dizer que os argumentos de auctoridade são sempre pouco de considerar quando se trata de providenciar ou de legislar, porque as leis não podem, nem devem ser, senão a traducção dos costumes de um povo, que não são os mesmos em todos os paizes, nem iguaes as circumstancias de cada um. Quando se legisla para um paiz, é necessario attender a muitas e diversas circumstancias, e o que se estabeleceu em um paiz, não serve para o outro, que está em condições diversas, e onde se não dão as mesmas circumstancias. Nós, que desde muito estamos costumados ao exercicio da liberdade, não podemos acceitar bem os meios de repressão desnecessarios, inconvenientes e estabelecidos, como privilegio de uns individuos, ou de uma classe. Não póde ser, e na opinião do orador é tarde para tão audaciosa empreza.
Não queria malsinar as intenções do sr. ministro; o que porem, sentia é que a orientação de s. exa. não fosse boa, pois que melhor seria deixar estar o que estava, resistir ás pressões dos interessados, e, em logar de metter na cadeia os pobres, por não poderem pagar as custas, preferivel era estabelecer a justiça gratuita para os pobres, e isto não é novidade, porque existe já com vantagem em alguns paizes, como é na nossa vizinha Hespanha.
Cuidar de regenerar os criminosos, em logar de os entregar á escola da immoralidade, favorecer os pobres contra a prepotencia dos poderosos, seria, na opinião d’elle, orador, da maior utilidade para o paiz e mau e inconveniente entreter-se o sr. ministro em corresponder aos interesses particulares de uma classe contra o interesse geral.
Quando teve a honra de estar nos conselhos da coroa, dirigiram-lhe pedidos no sentido de alterar o decreto de l5 de setembro; porém, soube resistir, e o sr. ministro da justiça tinha mais rasão para resistir, pois que se os empregados da Boa Hora se julgavam prejudicados com o disposto nos decretos de 15 de setembro, o sr. ministro já largamente os tinha indemnisado com a tabella que publicou e onde se revogou o artigo do mesmo decreto que supprimiu os revedores nas relações, por inuteis, passando as suas funcções para os contadores; aquelle artigo foi revogado no ultimo artigo da tabeliã, e subrepticiamente, e nem podia deixar de ser, pois segundo consta, o revedor na relação do Porto que se lastimava junto d’elle, orador, allegando o ter sido prejudicado pela extincção da chancellaria, foi investido no cargo de fazer a tal tabella com outros cavalheiros empregados de justiça, e assim conseguiu não só restabeleceres logares, que por economia publica tinham sido supprimidos por desnecessarios, mas dotal-os a seu alvedrio, e em verdade, o sr. ministro instado para restabelecer os revedores, o melhor que tinha a fazer, para se livrar de cuidados, era chamar o interessado e deixal-o talhar como lhe conviesse. Não foi só o revedor que estabeleceu o que lhe convinha, foram outros, que procederam do mesmo modo, e o sr. ministro acceitou o trabalho em que todos os interessados ficaram satisfeitos, e o proprio sr. ministro tambem, por se livrar de impertinencias, mas quem não ficou contente foi o paiz, mas entre os interesses do paiz e os amigos do governo não havia hesitação possivel.
Que importa que o paiz soffra, se os amigos andam contentes. Os ministros tomaram os sellos do estado, para se reunirem com os amigos, e pagar-lhes os serviços da sua amisade, não foi para cuidarem do paiz, e parece que com tal systema têem conseguido a sua conservação no governo.
Que no meio de tudo isto o que era triste, era que os governos n’este paiz não soubessem ou não podessem resistir ás pressões dos potentados politicos, arvorados em mentores das situações, porém, póde affiançar ao illustre ministro, que se occupasse o logar de s. exa., não havia força de qualidade alguma que o obrigasse a collocar o seu nome por baixo do projecto que se discute, nem a ligar-lhe a sua responsabilidade.
Na sua opinião, os homens publicos devem ter como principal obrigação ver em primeiro que todo o paiz, em que vivem, conhecerem das suas necessidades e procurarem os meios de as remover, pela fórma mais consentanea ao bem estar geral do mesmo paiz; e repellir todos os que não queiram seguir no mesmo caminho. Os partidos, que acredita não existirem neste paiz, mas essas pequenas confrarias e os homens d’ellas, devem ser vistos sempre depois do paiz, mas o que nos tem prejudicado sempre, é termos politiquice de mais e administração de menos. As cousas vão cada vez peior, os males estão aggravados, e elle, orador, cré, que todas as forças reunidas são poucas para modificar as difficuldades que nos rodeiam.
Na sua opinião, não ha considerações de qualquer ordem que possam determinar o espirito dos bons portuguezes a deixarem de cooperar por todos os meios ao seu alcance, para que o paiz se levante do abatimento a que
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o levaram as vaidades, os interesses, os caprichos, as ambições desmedidas e os odiosinhos dos apaixonados.
Disse que alguns annos vão passados, já depois das apprehensões que lhe causaram as dificuldades governativas, motivo por que n’esse tempo conversando com alguns amigos lhes chamou a sua attenção para as nuvens que se divisavam no horisonte, e lhes disse ser sua opinião, a necessidade de reunir todas as forças e leval-as a concordar sob o imperio das circumstancias n’uma orientação livre de toda a politiquice, baseada na economia, na moralidade e no aproveitamento de algumas forças vivas, pois que só assim se poderia preparar a resistencia á tempestade que lhe parecia devia vir em futuro proximo, porém, todos os esforços delle, orador, foram mallogrados; não se enganára, porém, nas suas previsões, e mais de uma vez tem ouvido já confessar que elle, orador, tinha rasão, quando pedia se prevenissem contra a tempestade que nos ameaçava e, se essa vier, como tudo annuncia, crê que o paiz está pouco preparado para a resistencia, pois de tudo se tem cuidado menos do que ao mesmo paiz mais interessa.
Que no meio das desventuras, veiu fazer esquecer por algum tempo o nosso estado de prostração esse feito heroico, que excedeu a expectativa dos paizes estrangeiros. Não se acreditara na Inglaterra na prisão do Gungunhana.
Esse feito de armas foi tão extraordinario que nos transportou a outros tempos; e um punhado de valentes fez ver ao mundo inteiro que o exercito portuguez sabia prezar o nome que herdara e corresponder á elevada missão que lhe cumpriu desempenhar; e esse grande feito, que nos elevou aos olhos do mundo inteiro, não soube aproveitar-se, nem d’elle pôde tirar o governo do paiz, o que de grande nelle se continha; e a nossa grande gloria foi amesquinhada no paiz, que tem na sua frente um governo que a não comprehendeu, nem soube respeitar.
Que elle, orador, pedia desculpa á camara da digressão que tinha feito, quando havia promettido restringir-se ao projecto em discussão; que com respeito a este havia feito as considerações que entendêra e eram do seu dever; deixava, porém, a responsabilidade do projecto ao sr. ministro da justiça e á commissão que o assignou, e á camara que o ia votar.
Deixava ao sr. ministro e á commissão a gloria de eternisarem os processos, voltando ao systema antigo; a gloria de obrigar um co-réu no mesmo crime a ser solidario no pagamento das custas, o que equivale a ter uma pena maior que os outros aquelle que pagar; a gloria de considerar crimes publicos aquelles a que correspondem as penas do artigo 359.° do codigo penal; a gloria de estabelecerem de novo as agencias das fianças como foco de grandes immoralidades; e a grande gloria de metter no Limoeiro o desgraçado, porque é pobre e não tem meios de pagar.
Não inveja elle, orador, ao sr. ministro todas essas glorias, que se não são de molde a eleval-o ao Capitolio, seriam motivo para o despenharem da rocha Tarpeia, se a epocha não fosse para o paiz de pobreza, de indifferentismo e de grandes difficuldades.
(O orador fez largas considerações, sendo ouvido pela camara com toda a attenção, e o seu discurso será publicado na integra quando for restituido pelo digno par.)
O sr. Presidente: — Vae ler-se uma mensagem que veiu da camara dos senhores deputados.
Foi lida a mensagem que acompanha a proposição de lei, que tem por fim conceder ao recolhimento e asylo da infancia desvalida do Menino Deus, em Barcellos, o edificio, igreja, cerca e dependencias onde se acha installado.
O sr. Ministro da Justiça (Azevedo Castello Branco): — Não se propõe responder a todas as considerações apresentadas pelo digno par Telles de Vasconcellos; mas desde que s. exa. se mostrou preoccupado com o estado da cadeia do Limoeiro, dirá que esse edificio está hoje consideravelmente melhorado, graças ás reparações ali introduzidas.
Não é partidario da promiscuidade nas prisões, e, muito ao contrario, se inclina ao regimen da separação; mas nem o estado do thesouro permitte a construcçao de cadeias cellulares em todo o paiz, nem essas construcções se podiam effectuar rapidamente.
Citára s. exa. o facto de, na occasião em que visitou aquella cadeia, acudir com dinheiro seu aos desgraçados que nella se encontravam; mas deve dizer que, se então já vigorassem as disposições contidas no projecto que se discute, não teria s. exa. occasião de praticar esse acto philanthropico.
O orador diz que obedece tambem ao desejo de bem servir o seu paiz, e discursa no sentido de mostrar que a simplificação dos processos não está prejudicada pelo projecto em ordem do dia; que teve em vista aperfeiçoar os corpos de delicto, que já hoje aguarda o julgamento fora das prisões maior numero de accusados que em 1892, e que as custas são uma divida sui generis, de cujo pagamento, aliás, são excluidos os indigentes; mas que se torna effectivo e sujeito a prisão em caso de falta para os que teem dinheiro, isto como elemento de regeneração do criminoso, e como meio de defeza social.
(O discurso, a que este extracto se refere, será publicado na integra quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)
O sr. Telles de Vasconcellos: — Ouvira com pasmo e admiração as rasões dadas pelo sr. ministro na defeza do seu projecto.
Argumentar que o terem alguns tribunaes praticado pela forma estabelecida no projecto, e este vem legalisar a pratica abusiva de uns e tirar escrupulos a outros que não acceitavam o abuso de contrariar as leis, é phenomenal tal rasão.
Que parecia a elle, orador, curial que o sr. ministro reprimisse o abuso e afoutasse com essa justa repressão os escrupulosos, para que uns e outros entrassem no dominio da lei e d’ella não saíssem, mas trazer um projecto para sanccionar abusos, e descansar as consciencias dos que se não atreveram a commettel-os, é facto para registar-se, e está fóra de tudo quanto se podia esperar e prever.
Que o sr. ministro dissesse que entendia que os réus que tinham bens fossem obrigados a pagar pelos pobres, embora isto não seja justo, comprehendia-se, era a sua convicção, mas vir argumentar com os abusos dos tribunaes e dar como rasão a necessidade de os sanccionar para tirar escrupulos aos que não abusaram, acha elle, orador, cousa tão extraordinaria que se não atreve a commental-a.
Que o sr. ministro entendêra, segundo declarou, que a prova da indigencia se podia fazer pelos attestados do parocho e do regedor, pois que n’esta qualidade de prova se admittia no administrativo, mas do que o sr. ministro não se lembrara é de que no administrativo não ha penas impostas como as que marca o projecto para os parochos e regedores, e mesmo não se dá a difficuldade de não poderem o parocho nem o regedor saber qual é o pobre ou considerado indigente pelos tribunaes, e assim nenhum se arriscará a passar o attestado; portanto, a providencia do sr. ministro, em relação aos pobres, é letra morta; portanto o que succede é que o homem que é pobre se lhe não valerem as agencias para as fianças que se hão de organisar de novo, vae para o Limoeiro.
Que emquanto ao disposto no codigo penal, a que o sr. ministro se soccorreu com argumento para a prisão por custas, não póde tomar-se em consideração, pois que a disposição do codigo nem estabelece a prisão por custas, e a obrigação de serem pagas é claro que é só para os que tenham meios, e que não pagando podem ser executados.
Não apresentou na opinião d’elle, orador, o sr. ministro
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argumento de valia que o podesse fazer mudar de opinião, e o sr. ministro não os podia apresentar porque os não ha.
(Fez o orador muitas mais considerações, e o seu discurso será publicado quando for restituido.)
O sr. Presidente: — Pergunto ao digno par se deseja concluir o seu discurso ou ficar com a palavra reservada, porque a hora está a dar?
O Orador: — Ficar com a palavra reservada, não quer, mas tambem não quer abusar da paciencia da camara desde que deu a hora, e por isso limita as suas considerações, dizendo o seguinte:
Que a camara vae votar o restabelecimento dos summarios, a prisão por custas, o pagamento pelo réu que tiver bens das custas que pertencerem aos co-réus que são pobres, vae votar a reducção de crimes particulares a crimes publicos, e vae desobrigar os fiadores do pagamento das custas, para de novo se estabelecerem as agencias que o decreto de 15 de setembro extinguiu; tudo o mais a camara vota o que existe nas nossas leis. Elle, orador? cumpriu o seu dever, a camara cumpra o seu como entender e quizer.
O sr. Presidente: — Como já deu a hora não posso dar a palavra ao sr. ministro da marinha.
Vae ler-se, para ser enviada á commissão de fazenda, uma proposição de lei que veiu da outra casa do parlamento, e que trata do imposto sobre os oleos e vélas.
Leu-se na mesa.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje e mais os pareceres n.ºs 33 e 34.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.
Dignos pares presentes á sessão de 13 de abril de 1896
Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Cromes da Costa; Marquez das Minas; Condes, de Bertiandos, do Bomfim, de Carnide, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, do Restello, de Thomar; Visconde de Athouguia, de Chancelleiros, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Serpa Pimentel, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Palmeirim, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Fernando Larcher, Costa e Silva, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, Pessoa de Amorim, Thomás Ribeiro.
O redactor = João Saraiva.