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SESSÃO N.° 30 DE 26 DE FEVEREIRO DE 1907 297

Pois isto não é uma provocação? Podiam elles deixar de obedecer a essa provocação publicando esses documentos? Decerto que não podiam.

D'esta maneira, Sr. Presidente, pergunto eu: o Governo tem auctoridade para afastar da discussão jornalistica essa entidade superior que dirige o paiz, quando elle proprio pelos seus actos a tem chamado á discussão?

Quem levantou a questão dos adeantamentos? Não foi a declaração feita pelo nobre Presidente do Conselho, na outra casa do Parlamento, quando lhe perguntavam se eram applicaveis á regularização das contas com a Casa Real as disposições da lei da contabilidade publica?

A declaração do Sr. Presidente do Conselho, de que havia adeantamentos, mas que elles não tinham sido feitos por S. Exa., veio mais uma vez confirmar os seus processos de Governo. Sempre a mesma ideia, sempre o mesmo pensamento fixo: affirmar a sua austeridade á custa das administrações passadas, embora n'isso seja arrastada a Casa Real!

Sacrifique se tudo, mas salve-se a pretendida austeridade do Governo!

Como podia a imprensa deixar de discutir os adeantamentos, quando elles foram trazidos á discussão por uma declaração do Sr. Presidente do Conselho, que aliás ninguem lhe pedia?

Estes são realmente os factos.

V. Exa. comprehende que, se o Sr. Presidente do Conselho tivesse dito que havia uma liquidação pendente entre o Governo e a Casa Real, mas que esta liquidação não estava ainda rigorosamente apurada, por se não saber quem era o devedor nem o credor, decerto não se teria verificado a discussão que tem havido, nem se teria avolumado a lenda de descredito provocada pelo chefe do Governo contra a Casa Real.

E é assim que um homem de Estado deve proceder?

Não, Sr. Presidente. O primeiro dever de um Chefe de Governo, de um estadista, á altura da elevada responsabilidade que lhe cabe e que resulta naturalmente da natureza das funcções em que se acha investido, é defender a pessoa do Rei, é afastá-lo de todas as discussões, de todos os debates, e impedir que seja trazido á arena onde se digladiam ferozmente as paixões politicas, é erguer-se como um antemuro inexpugnavel entre essa entidade inviolavel e sagrada e os que a intentam ferir.

É esta a doutrina seguida em toda a parte, onde existe o verdadeiro regimen constitucional; é este o procedimento adoptado pelos homens que mais teem enobrecido a governação do Estado.

V. Exa. sabe muito bem, porque é muito illustrado, que quando em Inglaterra foi processado o Ministro Dalny por causa de uma carta, na qual se baseava o processo, appareceu no documento uma nota do proprio punho do Rei, auctorizando a publicação.

Era a pessoa do Rei a cobrir a responsabilidade do Ministro.

Era elle quem o pretendia escudar com a sua auctoridade soberana.

Pois o que fez o bom senso dos julgadores?

Considerou como não escripta tal auctorização e affirmou o principio de que o Rei não sabe escrever.

Pois não é á primeira vista absolutamente infundado e até repugnante á verdade dos factos o principio proclamado?

Pois não estava demonstrada a sua falsidade até pela simples inspecção do proprio documento?

E, comtudo, que principio haverá na boa doutrina constitucional mais defensavel do que este?

Authenticado estava o absurdo, porque ali estava a condemná-lo a letra do Monarcha.

E, todavia, os julgadores ingleses com o seu bom senso e com a sua grande educação politica fecharam os olhos á clareza dos factos e disseram, convencidos de que proclamavam uma verdade para o bem da monarchia, que o Rei não sabia escrever.

Todos conhecem a celebre maxima com que em Inglaterra se pretende encobrir ou justificar a inocolubilidade real: The King can do no wrhong.

«O Rei não pode fazer mal».

E não será perante a razão indefensavel semelhante principio?

Pois existe por acaso ser algum que não possa fazer mal?

E comtudo é com esta formula, incompativel com a propria natureza das cousas, que a Inglaterra tem conseguido manter o seu tradicional regimen monarchico e ver o seu soberano respeitado no meio da lucta muitas vezes acirrada dos partidos.

E a formula de Tiers, apresentada em 1830, de que o Rei reina, mas não governa?

O Rei não governa!

Ha principio mais erróneo do que este?

Pois não governa o Soberano mais cio que todos os outros poderes do Estado?

Quantas vezes, basta uma só palavra, ou um só gesto d'elle para determinar a acção dos seus Ministros em determinado sentido!

Pois, não obstante, a formula foi acceita e reconhecida, e de muito serviu para proteger a monarchia de Carlos X e de Luiz Filippe.

É d'este modo, Sr. Presidente, que pensam os verdadeiros homens de Estado, aquelles que, como o grande Thiers, representam o primado intellectual e conhecem quão melindrosa é a questão da irresponsabilidade real. Elles bem sabem no seu intimo que em face da razão todos estes lemas e dogmas não teem fundamentos seguros, mas pensam que são indispensaveis para manter a funcção vitalicia dos Reis, a irresponsabilidade, a inviolabilidade e a immunidade de uma pessoa cujo poder não deve, como qualquer outro, estar sujeito ás fluctuações rapidas da opinião publica. A discussão politica ou de qualquer ordem quebra-lhe a auctoridade, diminue lhe o prestigio, ataca na base a funcção hereditaria e nem o proprio septennado das republicas lhe pode resistir!

O homem de Estado que não conhecer esta doutrina não é digno de exercer a suprema magistratura da nação.

Quer a Camara ver como pensavam os homens que fundaram entre nós o systema constitucional?

Eu lhe mostro.

Na sessão de 26 de setembro de 1834, quando ainda estava quente o cadaver de D. Pedro IV, funccionava esta Camara, discutindo a maioridade da Rainha D. Maria II.

Era solemne a sessão pela natureza do assunto, solemne tambem pelo lucto que envolvia o paiz.

Pronunciou-se então pela primeira vez a palavra «Camarilha», durante a discussão. Foi o Conde da Taipa, cujas tradições parlamentares são bem conhecidas, quem lhe deu foros de tribuna.

Levantou-se logo, como era natural, um funccionario do Paço, não só para combater a expressão empregada, mas para provar que D. Maria II tinha todas as condições intellectuaes, e o bom senso precisos para a gerencia superior do reino. Foi esse Digno Par Mello Breyner que se expressou assim:

«Quando pedi a palavra foi para dizer que tinha a honra de servir a Rainha ha perto de um anno e estou ao alcance do seu desenvolvimento. Conheço em Sua Majestade um desenvolvimento extraordinario que nos deve dar as maiores esperanças...»

Mas logo interveio o Presidente da Camara, que proferiu estas palavras que são um tratado completo de direito constitucional:

«Não é muito parlamentar falar aqui nas pessoas reaes e suas qualidades.»

Note a Camara que estas palavras foram pronunciadas no inicio do nosso systema sobre os seus actos ou sobre a sua pessoa.