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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 30

EM 24 DE JULHO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José da Silveira Vianna

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente - Tiveram segunda leitura, foram admittidos á discussão, e enviados ás commissões competentes, os projectos de lei apresentados na sessão anterior pelo Digno Par Jacinto Candido. O Digno Par Francisco José Machado envia para a mesa requerimentos pedindo esclarecimentos pelos Ministerios da Guerra e da Fazenda. Tendo recebido uma representação dos officiaes menores da Relação do Porto, em que pedem que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos amanuenses, e uma carta de um professor de instrucção primaria de Santa Catarina do Valle, em que pede que o seu vencimento e os dos seus collegas sejam pagos com pontualidade, chama para estes documentos a attenção do Governo. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra. O Digno Par Conde de Bomfim pergunta em que altura se encontra o projecto de lei que diz respeito á cunhagem da moeda commemorativa do centenario da guerra peninsular, e mostra a necessidade do Parlamento se occupar quanto antes d'esse assunto. O Sr. Presidente assegura ao Digno Par que toma sempre a peito o mais rapido andamento dos projectos, e o Sr. Ministro da Guerra garante que se empenha na breve approvação d'aquelle a que se referiu o Digno Par Conde de Bomfim. O Digno Par João Arroyo pede que sejam presentes á Camara os resultados a que chegaram os trabalhos de uma commissão, nomeada em 1890, sobre assuntos alfandegarios. Roga a qualquer dos membros do Governo que estão na Camara o favor de informarem o Sr. Ministro da Fazenda de que deseja interrogar S. Exa. quanto aos duodecimos que a Companhia dos Tabacos é obrigada a pagar ao Estado. Responde ao Digno Par o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. - O Digno Par D. João de Alarcão manda para n mesa um parecer que incidiu na proposição de lei n.° 2 . Foi a imprimir. - O Digno Par Sebastião Baracho, vendo entrar na sala o Sr. Ministro da Fazenda, occupa-se de negocios entre o Governo e a Companhia dos Tabacos, declara que não o satisfizeram as respostas do Sr. Ministro da Marinha na sessão anterior, quanto ao hiate Amelia, e por ultimo insto pela remessa de documentos referentes aos adeantamentos á Casa Real. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda. - O Sr. D. João de Alarcão manda para a mesa o parecer sobre o projecto de lei relativo á municipalização da tracção electrica em Coimbra. Requer que, dispensado o regimento, entre em discussão. Consultada a Camara, o Sr. Presidente declara que ella não reconheceu a exigencia pedida pelo Digno Par. - O Digno Par Teixeira de Sousa manda para a mesa uma declaração respeitante a documentos que pediu, e que se referem ás relações do Thesouro com a Casa da Senhora D. Maria Pia. - O digno Par José Maria de Alpoim envia para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio de Reino. E mandado expedir.

Ordem do dia - Continuação da discussão do parecer n ° 2, relativo á fixação da força naval para o actual anno economico. - Usa da palavra o Digno Par Teixeira de Sousa. - Os Dignos Pares Alexandre Cabral e Dias Costa mandam para a mesa pareceres, um relativo ao projecto que fixa a lista civil, e o outro que trata da moeda commemorativa do centenario da guerra peninsular. Foram a imprimir. - Continuando-se na ordem do dia, responde ao Digno Par Teixeira de Sousa o Sr. Ministro da Marinha. - O Digno Par Francisco José Machado requer que se prorogue a sessão até se votar o projecto em debate. Este requerimento é approvado. - Sobre o projecto em ordem do dia dircursam os Dignos Pares Ayres de Ornellas, Teixeira de Sousa e Jacinto Candido, sendo depois approvado. - O Digno Par D. João de Alarcão pede que se rectifique a resolução da Camara quanto á discussão do projecto que trata da municipalização do serviço da tracção electrica em Coimbra. Rectificada a deliberação da Camara e reconhecendo-se que ella entende ser de urgencia a immediata discussão dó projecto, é este approvado, depois de breves declarações do Sr. José de Alpoim. - Entra em ordem do dia, e é approvado sem discussão, o projecto que fixa os contingentes para o actual anno economico. - O Sr. Presidente nomeia a deputação que tem de entregar a Sua Majestade El-Rei alguns decretos das Côrtes Geraes. - Encerra se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 26 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão aatecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, enviando a proposição de lei que tem por fim autorizar ã, cunhagem e emissão de 200 contos de réis em moeda de prata, commemorativa e em homenagem ao primeiro Marquez de Pombal.

Á respectiva commissão.

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, enviando a proposição de lei que tem por fim autorizar a Camara Municipal de Coimbra a contrahir um emprestimo de 150 contos de réis para municipalização da viação electrica.

Á respectiva commissão.

Officio do Ministerio da Marinha e Ultramar, sobre um pedido de documentos do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Á secretaria.

Representação dos encarregados das estações telegrapho-postaes da Mealhada e Oliveira do Bairro sobre a reforma telegrapho-postal.

Tiveram segunda leitura, foram admittidos á discussão e enviados ás commissões respectivas os projectos de lei, apresentados na sessão antecedente pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido.

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Francisco José Machado: - Começo por mandar para a mesa, Sr. Presidente, dois requerimentos, que são os seguintes:

Para quebrar os dentes á insidia e á calumnia, que ameaçam deitar de fora os seus tentaculos e pretendem medir a todos pela mesma bitola, peço a V. Exa. que, com a maior urgencia, usando da sua autoridade como Presidente d'esta Camara, se digne solicitar que me sejam fornecidos os seguintes documentos pelo Ministerio da Guerra:

1.º Nota de todos os officiaes que foram promovidos em cada um dos annos de 1890 a 1907 inclusive, indicando as suas respectivas patentes e as armas a que pertenciam;

2.º Nota de cada um dos officiaes que se reformaram em cada um dos referidos annos de 1890 a 1907, indicando as armas a que pertenciam, as patentes que tinham antes da reforma e aquellas com que ficaram depois de reformados;

3.° Nota indicativa da maneira como o official de artilharia Francisco José Machado fez o seu tirocinio para ser promovido a, coronel, declarando se cumpriu ou não todos os preceitos legaes para ser promovido ao referido posto;

4.° Nota do numero de dias que elle permaneceu em cada escola para fazer o seu tirocinio;

5.° Nota das informações annuaes referentes ao respectivo official, indicando a maneira como sempre se desempenhou dos varios serviços que lhe foram incumbidos e juizo privativo que a seu respeito fizeram os seus superiores;

6.° Copia dos: relatorios que o mesmo official fez nas quatro escolas, engenharia, artilharia, cavallaria e infantaria durante o seu tirocinio para o posto de coronel;

7.° Nota declarando se o mesmo official cumpriu ou não todos os preceitos legaes para ser promovido ao posto de coronel;

8.° Nota de quaesquer informações, claras ou reservadas, que existam rio referido Ministerio da Guerra em desabono do official citado. = F. J. Machado.

Requeiro que. pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada nota das responsabilidades contrahidas directamente por aquelle Ministerio com o Banco Lusitano e se essas responsabilidades foram já liquidadas, no todo ou em parte; que especie de liquidação foi essa, e se, tendo havido saldo em divida para com a Fazenda, esta acceitou ou não a concordata offerecida pelo mesmo Banco aos seus credores.

E, no caso de a não ter acceite, se o Governo se julga pelo facto da sua homologação sujeito aos termos da concordata com qualquer particular, e se não protestou, ao ter conhecimento da mesma concordata, pela sua situação privilegiada de Fazenda Publica.

Num ou noutro caso pretendo saber se o Banco Lusitano tem pago por conta d'esse saldo algumas importancias; epocas em que foram pagas, e qual a situação em que se encontra actualmente esse debito.

Igualmente pretendo que, existindo mora no pagamento de qualquer prestação combinada, se me diga a razão por que o Governo não tem procedido contra o mesmo estabelecimento, para haver as quantias em mora: se assinou a concordata e, não tendo assinado, qual o motivo por que não procedeu desde logo contra o Banco, a fim de se garantir dos seus direitos e salvaguardar os sagrados interesses do Thesouro.

Finalmente, desejo saber qual a situação em que se encontra o Banco Lusitano para com o Estado e se este se julga garantido dos seus debitos para com aquelle estabelecimento. = F. J. Machado.

Rogo a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de empregar toda a sua influencia para que estes documentos me sejam enviados com a possivel brevidade porque desejo aqui tratar com todo desenvolvimento dos assuntos a que elles se referem, e desmascarar certa individualidades que tudo malsinam querendo ver o argueiro que suppõem estar no olho do vizinho, sem repararem na tranca que teem no seu.

Sr. Presidente: já que estou, com palavra, desejava dirigir-me ao Sr. Presidente do Conselho, mas como S. Exa. não está presente, peço a qualquer do Srs. Ministros a fineza de transmittirem a S. Exa. as considerações que vou fazer.

Recebi uma carta e uma representação dos guardas menores, servindo d amanuenses na secretaria da Relação do Porto, Francisco Pereira Gemes Antonio José de Bragança, pedindo-me que chame a attenção do Governo e ordene que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos amanuenses d'aquelle estabelecimento, visto que os decretos de 20 de março de 1884 e 29 de novembro de 1901 os equiparam a estes funccionarios.

Succede, porem, que os peticionarios não foram abrangidos pelas disposições do artigo 2.° do decreto de 29 de maio de 1907, que aumenta os ordenado aos amanuenses, não obstante esse decreto falar em categorias correspondentes.

Os peticionarios foram nomeados em setembro e outubro de 1896, e servem naquellas repartições amanuenses nomeados em 1900, que estão auferindo o vencimento criado por aquella lei, sendo mais modernos cinco annos e tento do que os alludidos guardas menores, que fazem o mesmo serviço.

A interpretação dada á lei de contabilidade publica prejudica, come acabo de expor, estes funccionarios, e pratica para com elles uma grave injustiça. Para se ver que a interpretação que se deu á lei para prejudicar estes funccionarios é injusta, bastará dizer que o Sr. Presidente da Relação metteu-os na lista dos vencimentos juntos com os amanuenses, ordenando se processassem as folhas. Essas folhas foram devolvidas para serem alteradas, por entender a repartição que o aumento de vencimentos não abrangia os guardas menores, não obstante terem a categoria de amanuenses, fazerem o mesmo serviço e serem mais antigos.

Elles julgam que é uma injustiça muito grande que se pratica para com elles. Peço, pois, ao Sr. Presidente do Conselho que trate de reparar a injustiça com que são tratados estes empregados, que, por serem desprotegidos, maior é o dever que me imponho de advogar os seus interesses.

Da mesma maneira, Sr. Presidente, recebi uma carta de um professor de instrucção primaria de Santa Catarina do Valle, concelho de Odemira, o Sr. Joaquim Dias de Janeiro, que me pede solicite do Governo as suas ordens para que os seus vencimentos e os dos seus collegas, que andam em atraso, sejam pagos em dia, pois muitas vezes os recebem em 12, 15 e 16 do mês posterior ao do vencimento; do mesmo modo solicito do Sr. Presidente do Conselho que mande pagar o expediente e limpeza da escola, pois são decorridos já tres meses sem ter pago um real.

Ainda mais: este professor pertence-lhe ser promovido á 1.ª classe, desde 7 de março ultimo, porque tem prestado bons serviços á instrucção e sempre no effectivo serviço na unica escola que tem regido desde 1896, pois até hoje ainda não obteve a promoção a que tem incontestavel direito.

Sr. Presidente: é de toda justiça attender á situação dos professores primarios, que tantos e tão assinalados serviços prestam á instrucção e á mocidade.

Lutam elles com grandes difficuldades, porque os seus vencimentos são exiguos, e se ainda assim se não lhes pagar em dia o pouco que recebem, mais aggravam a sua situação.

Tenho a certeza de que o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino remediará de pronto este estado de cousas, mandando satisfazer o que se deve a este professor e pagar em dia os seus honorarios.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para dizer ao Digno Par o Sr. Francisco José Machado que transmittirei aos meus collegas as recommendações que S. Exa. fez, e pelo que diz respeito aos documentos que pediu pela pasta da Guerra, tratarei de os enviar com toda a brevidade, como tenho feito de todas as outras vezes, mas pela leitura do requerimento de S. Exa. eu vejo que se trata de uma lista de promoções e reformas havidas num largo periodo de 17 annos; por isso, só com demora de meses, e com muitos empregados, é que ella pode ser satisfeita.

Repito, os documentos serão fornecidos a S. Exa., mas não virão com brevidade.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde de Bomfim: - Sr. Presidente: pedi a palavra, numa das ultimas sessões, para me referir a um assunto importante, mas por agora limito-me a perguntar a V. Exa. em que altura está o projecto que diz respeito

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á cunhagem da moeda commemorativa do centenario da, guerra peninsular.

Parece-me que este projecto, que já veio ha muito tempo da Camara dos Senhores Deputados e que interessa ao País e á classe militar, deve entrar brevemente em discussão.

Foi esse projecto apresentado na Camara dos Senhores Deputados por um official que se dedica muito aos interesses do exercito; foi ali votado por unanimidade.

Todos nós conhecemos os episodios da guerra peninsular. Muitos dos nossos antecessores tomaram parte activa nessas campanhas, e nós conhecemos os perigos e difficuldades que houve para repellir os franceses do nosso territorio.

Parece que, sendo este projecto não só de interesse nacional, mas de interesse pessoal para o exercito, não pode ser preterido por quaesquer outros.

Entendo que este projecto deve ser dado quanto antes para ordem do dia.

Como se fala muito em economias, devo dizer que o projecto não traz encargos para o Estado.

(S. Exa. não reviu.)

O Sr. Presidente: - O projecto a que o Digno Par se refere ainda não tem parecer, mas, logo que chegou á mesa, foi enviado á respectiva commissão.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Pedi a palavra unicamente para dizer ao Digno Par que tenho envidado todos os meus esforços, toda a minha boa vontade, para que esse projecto tenha um andamento rapido e, segundo as minhas informações, espero que ainda hoje seja mandado para a mesa o respectivo parecer.

O Sr. João Arroyo: - Vendo presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, vou dirigir-me a S. Exa.

Em 1890, quando tive a honra de gerir a pasta dos Negocios Estrangeiros, nomeei uma commissão de pessoas competentes era assuntos alfandegarios, da qual fez parte o Digno Par Sr. Mattozo Santos, encarregando-a de estudar umas bases economicas de modus vivendi com diversos países, sem alterar a pauta e sem ferir os interesses industriaes do Pais, mas que fornecessem sufficiente plataforma para negociar com o estrangeiro. Essa commissão trabalhou activamente e, em dezembro de 1900, dava por concluidos os seus trabalhos.

Dirigi-me então á Allemanha, procurando abrir negociações com este País relativamente ao assunto. O Governo Allemão, porem, não julgou haver nessa occasião opportunidade para abrir taes negociações, attenta a crise agraria que o Imperio por então atravessava.

Agora, que nos achamos em vesperas de discutir o projecto de lei das sobretaxas, parece-me conveniente que aquelles documentos venham á Camara.

Peço portanto ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros a fineza de verificar na sua Secretaria se elles existem, a fim de serem enviados ao Parlamento.

Peço tambem a S. Exa. a fineza de repetir ao Sr. Ministro da Fazenda o pedido que lhe fiz, algumas sessões atrás, para que me informe se a Companhia dos Tabacos, por qualquer titulo, tem retido os duodecimos que por lei tem de pagar ao Estado e qual a somma de bilhetes do Thesouro que tem em seu poder.

Não tendo ainda obtido informações a este respeito, rogo ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros a fineza de informar S. Exa. d'este meu desejo.

(S. Exa. não reviu.)

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima): - Tenho-me occupado activamente de todos os assuntos que se prendem com a importante questão das negociações tendentes a obter tratados commerciaes com potencias estrangeiras.

Conheço os trabalhos a que se referiu o Sr. Arroyo, e que sob sua iniciativa se fizeram; não me esqueço d'elles e, satisfazendo aos desejos de S. Exa., não tenho duvida em os mandar para a Camara, a fim de serem attendidos na discussão do projecto de lei das sobretaxas, que reputo de uma urgencia capital na sua approvação.

Não esqueci que b Sr. Mattozo Santos affirmou largos conhecimentos technicos em todos, os estudos pautaes, e provada dedicação pelo serviço, dedicação que eu tive tambem occasião de utilizar nos estudos pautaes a que procedi, e que muito lhe agradeço.

Communicarei ao meu collega da Fazenda as palavras do Sr. Arroyo relativamente á Companhia, dos Tabacos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. D. João de Alarcão: - Pedi a palavra, por parte da commissão de fazenda, para mandar para a mesa um parecer que recahiu na proposição de lei n.° 22.

Entra na sala o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Sebastião Baracho: - Entra a proposito, nesta sala, o Sr. Ministro da Fazenda, por isso que eu vou occupar me da questão dos Tabacos, começando por tornar conhecido um documento que me foi fornecido pela Direcção Geral da Thesouraria, e que passo a ler:

Ministerio da Fazenda - Direcção Geral da Thesouraria - l.ª Repartição. - Pelo Exmo. Sr. José Adolpho de Mello e Sousa, representando o Governo Português e por elle devidamente autorizado para os effeitos do presente contrato,
- de uma parte -
e pelo Exmo. Conde de Burnay, como representante da firma Henry Burnay & C.ª e como presidente da Companhia dos Tabacos de Portugal e por ella devidamente autorizado,
- de outra parte -
foi exposto o seguinte, em harmonia com o que verbalmente e por correspondencia entre as duas partes está ajustado.

Achando-se em Paris o Exmo. Sr. Mello e Sousa, encarregado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Ministro e Secretario dos Negocios da Fazenda, de contratar supprimentos em divida fluctuante externa, para occorrer aos encargos do Thesouro no estrangeiro, até o fim do corrente anno, o Conde de Burnay, nesse empenho, em 19 de setembro p. p., prontificou-se a facilitar pela Companhia dos Tabacos de Portugal, ou, na falta d'esta, pelos correspondentes da sua firma, um credito ou supprimento de libras 500:000 ou do equivalente em francos, pelo prazo de um anno, a 6 por cento ao anno, devendo a operação ser representada por letras a tres meses, acceitas pelo agente financial do Governo, e estas caucionadas por titulos da divida interna de 3 por cento ao preço do mercado, com uma margem de 20 por cento, tendo em conta o cambio, e devendo a dita margem ser mantida por todo o tempo da transacção e ficando os sellos de conta do Thesouro.

A operação, nos termos indicados, foi acceita pelo Exmo. Sr. Mello e Sousa, por parte do Governo.

Em 21 de setembro, pediu o Governo, independentemente da precedente operação de Fibras 500:000, a reforma dos suprimentos de francos 6.775:000, e de libras 100:000, venciveis em 10 de outubro, ou um novo suprimento de igual importancia, para reembolsos dos primitivos.

Este pedido, bem como dois outros, na importancia de mais libras 150:000, foram satisfeitos e regularizadas as respectivas operações directamente em Lisboa pela firma Henry Burnay & C.ª com a Direcção Geral da Thesouraria.

Finalmente ha mais um ultimo suprimento pedido pelo Governo de libras 300:000, que o Conde de Burnay tambem já tomou a seu cargo effectuar.

As condições fixadas para a primeira operação de libras 500:000, acima mencionada, são applicaveis a todos os seguintes supprimentos, excepto o prazo, que para estes poderá variar entre tres a doze meses, por reformas trimestraes a combinar opportunamente. O conjunto dos suprimentos acima referido eleva-se a libras 1.350:000, parte dos quaes o thesouro já recebeu e regularizou com a firma Henry Burnay & C.ª

Esta casa fica encarregada de centralizar, liquidar e regularizar com o Thesouro, antes do fim do corrente mês, todas as mais operações resultantes das presentes convenções, ainda não liquidadas.

A somma total que d'ellas se liquidar a credito do Governo será applicada a satisfazer, nos respectivos vencimentos, a parte que convier ao Thesouro, dos seus encargos externos constantes da nota fornecida pela Direcção Geral da Thesouraria á casa Henry Burnay e C.ª, em 14 d'este mês.

Os saldos d'essa conta vencerão o juro de 2 1/2 por cento ao anno, a favor do Thesouro.

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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Feito em duplicado, em Paris, aos 18 de outubro de 1907. = José Mello e Sousa = Conde de Burnay.

Está conforme, l.ª Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 25 de junho de 1908. = Pelo chefe, J. Lopes.

Escasseia-me o tempo para adubar de quaesquer commentarios o documento que acabo de ler.

A questão dos tabacos está passando por uma fase que carece ser elucidada, nas suas diversas modalidades, tão contrarias aos genuinos interesses nacionaes. Assim, o Digno Par Sr. Arroyo formulou, ha dias, perguntas sobre este candente negocio, as quaes, se a memoria me não falha, eram d'este teor:

1.ª Tem entrado no Erario a Companhia dos Tabacos, conforme o preceituado no seu contrato, com as duodecimos a que é obrigada?

2.ª Qual a importancia dos bilhetes em sua posse, de divida do Thesouro para com ella, e quaes as datas era que teem sido pagos ou reformados?

Nada mais tratarei neste momento, concernentemente á questão dos tabacos, porque desejo que o Sr. Ministro da Fazenda disponha do tempo preciso, antes de se entrar na ordem do dia, para dar a devida resposta ás perguntas que ficam enunciadas.

A S. Exa. convido para se achar presente na proximo sessão, a fim de eu versar a questão dos tabacos, não só sob a feição da situação da privilegiada Companhia para com o Estado, mas ainda da sua acção sobre o operariado e outros seus dependentes, cujas reclamações contra ella se succedem e accumulam.

Por ultimo, lembro ao Sr. Ministro da Fazenda que, na sessão anterior, instei para que, pelo seu Ministerio, me fossem fornecidos os documentos que em tempo reclamei, com o objectivo de me instruir convenientemente, para discutir a questão da lista civil e concomitantes adeantamentos illegaes, dado o caso de eu querer tomar parte neste debate.

A proposito, cumpre-me declarar que não me conformo com a resposta dada, na sessão anterior, pelo Sr. Ministro da Marinha, ás perguntas que precisei relativamente ao hiate Amelia.

O facto de S. Exa. ter enviado á commissão parlamentar de syndicancia, com a qual eu nada tenho, os documentos a esse assunto respeitantes, não o inhibem de os fornecer tambem a mim, visto que d'elles não prescindo.

Á commissão de syndicancia foram, por certo, enviadas copias, e não os originaes existentes nas Secretarias de Estado.

D'esses originaes, o que é facilimo, tiram-se novas copias para serem enviadas aos representantes da Nação, que d'ellas careçam.

D'esta Camara, reclamaram documentos d'essa natureza os Dignos Pares os Srs. Teixeira de Sousa, que me está ouvindo, Julio de Vilhena e Costa Lobo.

É natural que, se elles não professassem as mesmas ideias que eu professo, acêrca do fornecimento necessario e immediato, por parte do Governo, dos documentos a que venho alludindo, não teriam apresentado os requerimentos em que os solicitavam.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Apoiado.

O Orador: - Não pode haver, insisto, a menor duvida acêrca de parecer que deixo emittido. De resto, é indispensavel aclarar, nitida e cristallinamente - mais uma vez o recordo - o negocio dos adeantamentos illegaes. Emquanto se não fizer a plena luz, que o tenebroso caso indubitavelmente reclama, a suspeição demolidora, com todos os seus perniciosos effeitos morbidos, continuará a incidir sobre o existente, por modo a promover-lhe estrondosa derrocada.

Está isto dito e redito; mas é preciso proclamá-lo bem alto, tendo em attenção não haver peores surdos, do que aquelles que não querem ouvir.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Pedi a palavra para responder ás perguntas do Digno Par Sr. Arroyo, repetidas pelo Digno Par Sr. Baracho.

Com relação á Companhia dos Tabacos, as operações que estão em andamento, e que foram realizadas por intermedio da Casa H. Burnay & C.ª, devem concluir-se em 25 ou 26 de outubro d'este anno e são de 12.500:000 francos na totalidade.

O Sr. João Arroyo (pedindo licença para interromper): - Quando tratei desenvolvidamente d'este assunto perguntei se a Companhia dos Tabacos entrava nos cofres do Thesouro com os duodecimos ou os retinha por qualquer titulo.

O Orador: - A Companhia não tem nenhuns duodecimos em divida, e as operações a que acima me referi são independentes do contrato com a Companhia dos Tabacos.

Ao Digno Par Sr. Baracho direi que comparecerei nesta Camara numa das proximas sessões.

Quanto aos documentos pedidos por S. Exa., já mandei uma porção d'elles, e enviarei o resto á medida que se forem copiando.

O Sr. Sebastião Baracho (pedindo licença para interromper): - Desejo que, preferentemente a outros, me sejam enviados os que respeitem a adeantamentos.

O Orador: - Enviarei todos.

Mas não se imagina o trabalho que tem havido no Ministerio da Fazenda para satisfazer a tão complicados, numerosos e extensos pedidos de documentos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Agradeço ao Sr. Ministro a resposta que teve a bondade de me dar.

O Sr. D. João de Alarcão: - Mando para a mesa o parecer respeitante ao projecto que trata da municipalização da tracção electrica em Coimbra. Rogo a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se consente que, dispensado o regimento, este parecer entre immediatamente em discussão.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que reconhecem a urgencia da discussão do parecer que foi mandado para a mesa pelo Digno Par D. João de Alarcão tenham a bondade de se levantar. (Pausa).

Não está reconhecida a urgencia. Vae entrar-se na ordem do dia, e os Dignos Pares, querendo, podem enviar para a mesa quaesquer documentos.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa a seguinte declaração:

Declaro que os documentos que na ultima sessão pedi, e que se referem ás relações do Thesouro com a Casa da Rainha Senhora D. Maria Pia, dizem somente respeito ao periodo decorrido de 30 de junho de 1892 a 30 de junho de 1893. = Teixeira de Sousa.

O Sr. José Maria de Alpoim: - Mando para a mesa o requerimento seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada copia da reclamação enviada, sob a forma de requerimento, para a Direcção Geral de Instrucção Publica, pelos professores Eduardo Pimenta e Moraes Sarmento, das escolas do Porto e Lisboa.

Sala das sessões, 24 de julho de 1908. = José Maria de Alpoim.

Foram expedidos.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 23, relativo ao projecto de lei sobre a fixação da força naval para o anno economico de 1908-1909.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Na sessão de sabbado não pensava em usar

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da palavra sobre o projecto. Quando se iniciou a discussão, nem sequer sabia de que projecto se tratava. O que ouvi ao Sr. Ministro da Marinha e ao Digno Par Sr. Jacinto Candido levou-me a pedir a palavra, não para os combater, mas para fazer algumas considerações sobre assuntos vitaes para a sociedade portuguesa. Discute-se a força naval, e, a proposito d'ella, foram feitas considerações sobre a marinha de guerra, sobre a administração colonial, e ainda sobre o Cuanhama. Procedo da mesma maneira, não falando por falar, mas porque não quero que o meu silencio signifique approvação de todas as ideias e opiniões que ouvi expender. A minha opinião sobre a marinha de guerra é já conhecida: tratar da marinha colonial, como absolutamente necessaria ao exercicio do dominio português, e, logo que as circunstancias financeiras o permitiam, organizar a marinha de guerra por maneira a poder evitar una golpe de mão ou um enxovalho, dotando-a com o que for necessario para esse fim, mas sem os pruridos de para já organizar uma esquadra de combate. Uma esquadra nestas circunstancias serviria para um de dois fins: ou para uma acção isolada contra qualquer potencia naval, ou para auxiliar nação amiga, em caso de guerra maritima.

No segundo caso, a Inglaterra nem precisaria do nosso auxilio naval, nem deixaria de receber serviços de maior valia do exercito de terra, quando elle seja collocado nas condições de desenvolvimento e de perfeição que á nação convem que tenha.

Nada faz prever que o Brasil, nação a que nos ligam os mais estreitos laços de fraternidade, venha precisar, na Europa, do auxilio, que da melhor vontade lhe prestariamos.

Na hypothese de prepararmos uma esquadra de combate para uma acção isolada, todos os nossos sacrificios seriam inuteis, e enormes são elles, pelo custo e sustentação dos navios de guerra. As nossas relações são amigaveis com todas as nações, felizmente, e nenhum indicio ha de que venham a perturbar-se, o que não impede que possamos estabelecer a hypothese de nos vermos na necessidade de auxiliar ou de combater algumas nações da Europa e da America, que comnosco teem affinidade, a que nos ligam laços de estreito affecto, ou que, pela sua situação geographica em relação a algumas colonias ou aos Açores, nos podem expor a incidentes desagradaveis.

São ellas a Inglaterra, o Brasil, os Estados Unidos da America, a Allemanha, a Franca, a Hollanda e a Espanha. Basta ver a força que já teem, e a que pretendem aumentar, para desde logo se reconhecer que o adquirirmos mais dois ou tres navios, sobretudo como os que possuimos, isso é absolutamente indifferente, envolvendo um sacrificio inutil. O que se fizer execute-se com um plano geral de defesa por terra e por mar, e até lá não façamos sacrificios que venham aggravar a nossa situação financeira e que, sob o ponto de vista militar, sejam inuteis. Conforme se vê do livro de Balincourt, Les flottes de combat, em 1908, as nações a que me referi encontram-se nas seguintes circunstancias navaes:

A Inglaterra possue 55 couraçados d e 1.ª linha, 6 couraçados de 2.ª, 38 cruzadores-couraçados, 58 cruzadores protegidos de 1.ª classe, 13 cruzadores protegidos de 3.ª classe, 8 estafetas, 1 cruzador porta-torpedeiros, 17 canhoneiras contra-torpedeiros, 40 destroyers de 27 milhas, 69 de 30 milhas, 34 de 25 milhas, 7 de 800 toneladas, 80 torperdeiros do alto mar, 25 torpedeiros e 36 submarinos. Ao todo 487 navios E os arsenaes ingleses preparam sempre novas machinas de guerra.

A França possue 32 couraçados de 1.ª classe, 9 de 2.ª, 4 guarda-costas, 23 cruzadores-couraçados, 15 cruzadores protegidos, 4 cruzadores não protegidos, 11 avisos, 12 contra-torpedeiros, 59 destroyers, 39 torpedeiros do alto mar, 224 torpedeiros de defesa naval, 57 submersiveis e 39 submarinos. Ao todo 525 navios.

A Allemanha possue já 37 couraçados, 9 cruzadores-couraçados, 9 cruzadores protegidos, 39 cruzadores de estação e canhoneiras, 2 avisos, 10 torpedeiros do alto mar, 47 torpedeiros e submarinos e 72 destroyers. Ao todo 223 navios, continuando, porem, as construcções pequenas, conforme o plano adoptado para ter execução até 1918. Os Estados Unidos teem já 29 couraçados de esquadra, 15 cruzadores-couraçados, 10 guarda-costas, 25 cruzadores protegidos, 16 pequenos cruzadores e canhoneiras, 16 destroyers, 4 torpedeiros do alto mar, 35 torpedeiros e 12 submarinos. Ao todo 162 navios, numero que está sempre a aumentar por novas construcções e acquisições.

O Brasil, que deve ser considerado a continuação da nossa patria, possue 6 couraçados, 4 cruzadores, 5 canhoneiras, 10 torpedeiros de 1.ª classe e 8 de 2.ª Tem em contracção 3 couraçados de 19:000 toneladas, typo Dreadnouyht, 2 canhoneiras-torpedeiras e 2 cruzadores. Projecta adquirir 6 destroyers, 12 torpedeiros, 3 submarinos.

A Hollanda, nossa vizinha na ilha de Timor, se não tem uma grande esquadra do alto mar possue 15 cruzadores-couraçados, 1 guarda-costas, 1 cruzador protegido e 30 torpedeiros de defesa.

A Espanha, apesar de ter perdido as suas [...] em Manilla e Santiago de Cuba, tem ainda 1 [...], 3 cruzadores couraçados, 5 cruzadores protegidos, 8 canhoneiras-torpedeiras, 4 destroyers e 4 torpedeiros.

Organizou o seu programma de aumento da marinha de guerra constante de 3 couraçados de 15:000 toneladas, typo Agamemnon, 3 contra-torpedeiros, 25 torpedeiros e 3 canhoneiras-costeiras.

Se nós quisessemos acompanhar este movimento naval, teriamos de fazer tudo, porque tudo está por fazer.

A Espanha pouco melhor está do que nós, se é que está melhor, mas prepara se para melhorar as suas condições navaes.

Nós não podemos fazê-lo por agora, ante a difficil questão financeira?

Emquanto as circunstancias se não modificarem, teremos de cuidar da construcção de pequenos navios de guerra para o serviço entre os nossos portos coloniaes e navegação dos rios. No meu tempo mandei construir duas lanchas - a Farim e a Cacheu - para a Guiné e duas outras para o rio Zambeze. Apropriei a canhoneira o pequeno navio Alvaro de Caminha, e depois d'elle pouco mais se fez, se alguma cousa se fez mais.

O Arsenal, depois do D. Amelia, produziu a Patria e a torpedeira Tejo, que não abonam a obra d'esse estabelecimento do Estado.

A marinha de guerra é carissima, consequencia do elevado custo dos navios - um couraçado do typo Dread-nougth custa milhão e meio de libras - e, alem disso, ha o seu custeio, que é dispendiosissimo.

Já o mesmo se não diz da marinha mercante.

Com um pequeno subsidio conseguiu-se a navegação portuguesa para Moçambique, realizando uma antiga aspiração do país, e sendo da mais reconhecida conveniencia para as relações entre as colonias e a metropole, e do maior alcance politico.

Lutei por esse grande melhoramento e venci. Identica luta teria vencido, se não tenho saído do Governo, em 1904.

A minha proposta de lei de navegação para o Brasil seria lei; a navegação portuguesa para a grande Nação brasileira seria um facto, e Portugal teria dado um passo do gigante para as relações politicas entre es dois países, com um consideravel alcance para as relações commerciaes entre os mesmos.

Hei de lutar pela resolução d'este problema, que se me afigura vital para a Nação portuguesa, por nos poder levar, com uma zona franca para os productos brasileiros, a um tratado de commercio que salve a nossa arruinada economia.

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Um dia de má vontade do Governo Brasileiro para com Portuga, fechar-nos-ha os seus mercados aos nossos productos.

Quando acordarmos, a ruina será inevitavel.

Tratemos, pois, da marinha mercante, da navegação portuguesa para o Brasil e da construcção de pequenos navios para as colonias.

Tratemos da marinha colonial e mercante, mas não esqueçamos nunca que a propria vantagem que a nossa situação no Oceano Atlantico nos dá, a perigos nos expõe; não esqueçamos nunca de que, se não podemos aspirar á situação de potencia naval, não devemos preterir a defesa em nossa casa.

Para nos pormos a coberto de um golpe de mão ou de um enxovalho, todos os sacrificios são justificados e legitimos.

O tempo corrige muito a opinião dos homens publicos, se o seu espirito não é refractario a deixar-se impressionar pelo factos.

O tempo modificou completa e absolutamente a situação politica da peninsula, fazendo sair a Espanha do isolamento em que se encontrava, e lançando-se abertamente num entendimento politico com a Inglaterra.

Temos e manteremos relações de amizade e alliança com a poderosa Nação britannica; mas os factos devem esclarecer-nos e convencer-nos de que, numa hypothese especial - que felizmente nada faz prever que de hypothese passe aos factos - só com as nossas proprias forças devemos contar.

D'ahi o sacrificio que devemos fazer em collocar a nossa defesa, pelo que diz respeito á marinha de guerra e ao exercito, em circunstancias de afastar todos os perigos, por mais longinquos que se afigurem.

Não acompanho o Digno Par Sr. Jacinto Candido nos seus pessimismos acêrca das colonias, ás quaes profetizou a perda para breve, se não mudassemos de processos administrativos.

Não; para mantermos as colonias todos lutaremos, levados pelo convencimento de que, perdidas ellas, a nacionalidade portuguesa terá um fim que não era bem o que se devia esperar da gloriosa tradição da sua historia.

Porquê?

Com que direito nos arrebatariam o que os nossos antepassados conquistaram?

Poderemos perdê las, porque nesse caso tudo perderemos, se um grande esforço dos nossos homens publicos não tomar a peito o livrar o país dos perigos derivados da situação financeira geral.

D'ahi sim, que o desastre pode vir, e não da nossa acção colonizadora, que ainda não foi excedida.

Em 1898 fez-se o acordo anglo-allemão para a hypothese de Portugal ser forçado a recorrer ao credito.

As circunstancias modificaram-se depois, mas ninguem se illude: hypothecados os rendimentos aduaneiros, os dos tabacos e dos caminhos de ferro, uma situação que se parece com a de 1891 levará o País a um desastre mortal.

Mas da administração colonial é que isso não resultará, embora muito haja ainda para fazer.

Quem nos accusa de faltar aos compromissos tacitos que as nações coloniaes tomam para com a civilização e a humanidade? Ninguem, nenhum país faria mais com os nossos recursos, (Apoiados) Não digamos nós mal da nossa acção colonizadora, não só pelos inconvenientes que isso traria, animando a campanha internacional contra os interasses portugueses, mas ainda porque isso é de todo o ponto inexacto e infundado. A partir de 1891, as nossas colonias experimentaram uma radical transformação.

Macau, essa pequena mas rica colonia, tornou-se numa bella cidade, pela transformação de uma grande parte que até ahi era occupada pela immunda população china; firmámos o nosso dominio em Timor; iniciámos as explorações agricolas com capitães portugueses e, para maior facilidade da administração portuguesa e hollandesa, os dois países trocaram os respectivos enclaves.

Na India, padrão do nosso passado brilhante e glorioso, fizemos o porto de Mormugão e levámos d'ali um caminho de ferro aos Gattes, o que nos tem custado um sacrificio annual de cêrca de 73:000 libras esterlinas. No interesse do Estado da India e para não prejudicar o interland, fiz em 1902 um acordo para a exploração em commum do caminho do ferro de Mormugão e da linha inglesa da Southern Maratha. O movimento até ali era fraquissimo, na linha de Mormugão e no porto, com prejuizo da economia da colonia, e fazendo recair no Thesouro em cheio o encargo da garantia de juro. Mas, em nome da civilização, facilitou-se a exploração das duas linhas em commum. Vejam-se os resultados: a receita do caminho de ferro tem aumentado sempre, mas por maneira extraordinaria. As receitas leram de 127 contos de réis em 1901, 188 contos de réis em 1901-1902, 180 contos de réis em 1902-1903, 257 contos de réis em 1903-1904, 273 contos de réis em 1904-1905, 217 contos de réis em 1905-1906, 347 centos de réis em 1906-1907. O perto de Mormugão, quasi abandonado, passou n ser muito frequentado, chegando já a haver reclamações para ser aumentado o caes de acostagem.

Em Moçambique fizemos as campanhas do Gungunhana, de Gaza, dos Namarraes e do Barué. As colonias sul-africanas, apesar de pertencerem a um poderoso país, não tinham a mais completa tranquillidade sobre as futuras relações com os vátuas. O socego a toda a Africa do Sul foi dado pelo punhado de soldados valentes, que, numa formidavel epopeia iniciada em Marracuene e terminada em Chaimite, assombraram o mundo com a noticia dos seus feitos.

Construíu-se o porto da Beira, o caminho de ferro da Beira á Rhodesia, dando saída para o mar a essa colonia inglesa; demos ao porto de Lourenço Marques uma tal transformação que em volta do seu movimento gira toda a politica sul-africana; não nos negámos a fornecer a mão de obra para as minas do Transvaal, a troco de concessões que nos foram feitas no modus vivendi de 1901, é certo, mas comprehendemos que não deviamos embaraçar a lavra das minas de ouro; construimos o caminho de ferro de Lourenço Marques ao Transvaal, indispensavel então para a sua vida economica, e quando a ultimação d'esse melhoramento se retardava, rescindimos o contrato com o Mac Murdo, de que resultou pagarmos uma indemnização de 4:266 contos.

Os interesses ingleses diziam-nos que precisavam de uma nova ligação de Johannssburg a Lourenço Marques, pela Swazilandia, por ser mais curta e para dar saída ao carvão, que em ricos jazigos dizem possuir nas terras dos Mazés, e nós lá estamos a construir a parte d'essa linha que fica em territorio português, chegando já ao Rio Umbeluzi.

A economia da provincia de Moçambique tem melhorado tanto que já excedeu a producção de 6:000 toneladas de açucar, ao qual garanti por 15 annos o diferencial de 50 por cento, e por tal maneira, que, justamente, as companhias açucareiras já pedem o alargamento da quantidade protegida.

A provincia possuo uma rede telegraphica que põe em relação os logares mais importantes, uma organização militar que garante a ordem e a segurança, e, para nada faltar, até Moçambique está ligado á metropole por carreiras regulares de navegação portuguesa, que deixei contratadas ao abandonar o Ministerio da Marinha.

Se de Moçambique se passa a Angola, encontra-se uma colonia menos prospera, mas todos os factos indicarão que Portugal tem ali já feito consideraveis sacrificios.

O caminho de ferro de Loanda a Ambaca, na extensão de 364 kilome-

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tros; foi o primeiro construido na Africa Central. Depois d'isso, por conta do Estado, essa linha vae já prolongada quasi até Malange, a caminho da Lunda, que passa por ser a região mais rica de toda a colonia.

Foi que decretei o prolongamento da linha de Ambaca, e pena é que os seus fundos proprios, criados por um imposto especial, tenham, em grande parte, sido consumidos nos gastos geraes da provincia, retardando um melhoramento vital para ella.

Ao sul de Angola, para facilitar as relações do litoral com o planalto de Mossamedes, de bello clima, foi mandado construir o caminho de ferro de Mossamedes á base da Chela, e ali se encontra já, melhoramento este que mostrará que o Ministro que o autorizou, o Sr. Moreira Junior, tinha a nitida comprehensão do que é a obra colonizadora moderna e a comprehensão intelligente de que o caminho de ferro é a forma mais segura de fazer occupação.

Eu realizei o contrato do caminho de ferro do Lobito, sem encargo algum para o Thesouro. Já explora mais de 200 kilometros. Está a entrar no planalto e segue para leste da provincia a ligar-se com a Katanga e com a linha do Cabo, do que resultará vir a ser o Lobito - conforme-a opinião geral - o maior emporio commercial de toda a Africa.

Se é certo que a Guiné e Cabo Verde não teem prosperado, em compensação S. Thomé é a colonia mais florescente do Oceano Atlantico, attestando ao mundo inteiro, pela sua riqueza, pela sua prosperidade, pela maneira altruista por que ali são tratados os trabalhadores, que os portugueses possuem qualidades colonizadoras incomparaveis.

Com que direito nos podem accusar de não correspondermos ás nossas obrigações como nação colonial?

As receitas do Thesouro são sempre para mais se avaliar o grau de riqueza, quando ellas não proveem de impostos de excepção.

As receitas de todas as colonias, que em 1893-1894 foram calculadas em 4:381 contos, foram computadas no orçamento para 1907-1908 em 11:109 contos, havendo, pois, um aumento de 153 por cento.

O movimento commercial de importação e exportação com as colonias, que em 1896 fora de 12:200 contos, já em 1905 foi de 19:717 contos. Nesse anno foram mandados para o estrangeiro productos coloniaes no valor de 10:820 contos, cifra importantissima e que tão singularmente concorre para manter, sem aggravamento, a situação cambial.

Não se diga que eu affirmo que as colonias estejam á altura do que poderiam ser, mas não é isso consequencia de defeitos de administração. Trata-se de um vasto imperio ultramarino de um país pequeno, de 4.500:000 habitantes, com um mercado financeiro pobre, refractario á constituição de empresas financeiras.

O capital não sae do desconto de letras bem garantidas, e os estabelecimentos bancarios, com excepção do Banco Ultramarino, o qual, digam o que disserem, comprehende e cumpre a sua missão, segue a mesma orientação, de sorte que para as colonias não damos nem população nem dinheiro.

Haja vista o que se passou em 1902, quando eu, quis constituir uma companhia para a Lunda, obrigando-se o Estado a levar o caminho de ferro de Ambaca até o Cuango, e a dar por um certo numero de annos garantia de juro ao capital, não pedindo rendas nem impostos.

Apesar de todos os esforços, em que fui fortemente auxiliado pelo Sr. Julio de Vilhena, nada se conseguiu!

Houve uma tentativa de constituir uma companhia para explorar uma parte da Guiné, sendo a concessão solicitada pelo que de melhor ha financeiramente em Lisboa.

Infelizmente não teve exito o pedido. O receio do que se dirá foi sempre um dos nossos grandes males.

É moda dizer que a feroz centralização no Terreiro do Paço é a causa dos males coloniaes. Mas os proprios que assim falam, se chegam ao Ministerio da Marinha, pouco depois reconhecem que só podem contar com a Secretaria do Ultramar.

A descentralização administrativa é um principio liberal, e como tal defensavel, mas não pode ser considerado como principio absoluto a adoptar em todas as circunstancias e para todos os povos.

O Codigo Administrativo de 1878 deu ás juntas geraes uma quasi autonomia, que foi de optimos resultados no districto do Porto, mas que para nada serviu no Alemtejo e em Trás os-Montes.

Eu sou partidario da descentralização quando as circunstancias a favoreçam.

Em 1904 apresentei ás Côrtes um projecto de lei entregando as estradas ás camaras municipaes, ás quaes ficavam entregues a conservação, construcção, administração e obtenção dos recursos financeiros. Mas para as colonias portuguesas! É grosseiro o argumento de que, se o Cabo e o Transvaal podem ser autonomos, o deverão ser Moçambique e Angola, em regime descentralizador.

É um erro gravissimo. Nada ha de commum entre essas colonias.

Nas mossas colonias os portugueses

são raros, a raça branca é uma pequena fracção da população geral, ao passo que nas colonias sul-africanas a raça branca domina. E tão forte ella é no Transvaal que, para a vencer, a Inglaterra gastou 200 milhões de libras e perdeu 200:000 homens.

As colonias britannicas teem o self-government, que só concede ao poder central o que é superior ás suas forças ou é de caracter geral para o imperio. Mas, para isso, os ingleses, que não vão para as colonias como mendigos, constituem a base das assembleias legislativas. É que o inglês tem para seu uso o conselho da mãe irlandesa: vae, filho, ganhar dinheiro honradamente, se puderes.

O seu feitio commercial, a sua lei civil, que não garante ao filho a herança dos haveres de seu pae, faz que os ingleses das melhores familias vão, com alguns meios de vida, trabalhar para elles e para a sua patria.

É exactamente o que falta entre os portugueses. E por ser assim, a descentralização, que para os ingleses é de vantagem, por deixar a administração na mão de ingleses, para nós era um erro, por ir entregar a administração e a politica colonial a povos que para isso não teem a capacidade necessaria, e a estrangeiros.

As companhias coloniaes, com poderes majestaticos, são outros tantos exemplos da descentralização. Pergunte-se á Companhia de Moçambique e á do Nyassa se ellas teem feito melhor obra do que se fez em Lourenço Marques, e se a prosperidade d'ellas anima a novos factos de descentralização. A resposta não seria a favor d'este processo de administração.

Ouvi preconizar, para progredimento das colonias, a autonomia financeira. Vejam como se poderia dar essa autonomia a Angola, por exemplo. A provincia tem um deficit de 1:500 contos de réis.

Alem d'isso, o Thesouro, á Companhia de Ambaca, paga por anno 561 contos de réis de encargos, que certamente passariam para Angola com a sua autonomia financeira. Ficaria logo com um deficit de 2:061 contos de réis.

Como solvê-lo? Fazendo emprestimos, emittindo titulos de divida, como ouvi a um Digno Par?

Não era preciso mais nada; não eram precisos annos para que Angola fosse riscada do quadro das colonias portuguesas.

É de notar ainda que o Thesouro é credor da Companhia de Ambaca de uma quantia importante, julgando-se a respectiva Companhia com direito a reclamações por importancia equivalente.

Em 1904, apresentei ao Parlamento um relatorio sobre as relações financeiras entre o Thesouro e a Companhia

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de Ambaca, que, a essa data, tinha recebido do Thesouro, adeantadamente, 4:740 contos de réis, para a linha ferrea não cair na mão dos trasts ingleses. O credito do Thesouro deve estar hoje em cerca de 6:000 contos de réis. Ninguem se importou com isso!

Mas querem ver as circunstancias financeiras de Angola para poder ter autonomia financeira?

Depois de exhaurir os saldos das outras provincias, mais de 2:000 contos de réis de credito aberto para as despesas com a expedição ao sul de Angola, a provincia devia: 1:051 contos de réis a fornecedores, 27 contos de réis de depositos judiciaes, 26 contos de réis de depositos orfanologicos, 70 contos de réis ao cofre de defuntos e ausentes, 76 contos de réis de depositos diversos, 638 contos de réis de vales ultramarinos, 1:184 contos de réis ao fundo do caminho de ferro de Malange. Ao todo 3:012 contos de réis.

E que faltas e vergonhas estas dividas envolvem! O Banco Ultramarino vae amparando os fornecedores, para lhes evitar a fallencia.

O que fez o Governo? Ha duas propostas de lei que com este assunto teem relação: uma do Sr. Ministro da Marinha, pedindo um credito de 1:241 contos, destinado a pagar aquella divida, outra do Sr. Ministro da Fazenda, sobre amoedação de prata, mandando applicar ás dividas de Angola os lucros da cunhagem.

A amoedação da prata nada dará. O Governo emitte 2:200 contos de réis em moedas de 200 réis, 900 contos de réis em moedas de 100 réis, 500 contos de réis em moedas de nikel de 50 réis, 100 contos de réis em moedas de cobre e 50 contos de réis em moedas de bronze. Ao todo lança em circulação 3:750 contos de réis! Mas recolhe 1:470 contos de réis de moedas de nickel e todas as moedas de prata de 200 réis em circulação.

De 2:972 contos de réis de moedas de 200 réis que foram lançadas á circulação, se semente forem recolhidos 2:000 contos de réis, e se a sua prata for aproveitada para refundir, por maneira que a Casa da Moeda só tenha de adquirir prata no valor de 319 contos de réis, o Thesouro ainda tem deficit resultante da amoedação da prata.

Tudo quanto poderia lucrar é absorvido pela moeda de nikel, na valor legal de 1:470 contos de réis, que retira da circulação.

Mas então para pagar 3:012 contos de réis de dividas fica somente o credito de 1:241 contos de réis. Chega para pagar aos fornecedores, mas não pagará a divida ao Ministerio da Fazenda, proveniente de vales ultramarinos, o que é, talvez, justificado, mas não fará ao fundo do caminho de ferro de Malange a reposição de 1:184 contos de réis, com grande prejuizo para o seguimento da construcção.

O caminho de ferro está aberto até ás proximidades de Malange, mas não ha material de via, porque o dinheiro que era do caminho de ferro, pago pelos exportadores da borracha e pelas fabricas de algodão, e que teria essa applicação privativa, foi consumido nos gastos geraes de Angola.

Eu, ao sair do Ministerio da Marinha, deixei em cofre cêrca de 800 contos de réis, depositados na Caixa Geral de Depositos e em alguns cofres provinciaes, do fundo d'esse caminho de ferro.

Esse fundo, na importancia de 1:184 contos de réis, foi dispendido em guerras, com preterição do caminho de ferro da Lunda, vital para o restabelecimento economico de Angola, por se dirigir para uma região rica, mas cujo commercio agora é derivado para o Estado Independente do Congo.

É preciso, pois, fazer a reposição do dinheiro do caminho de ferro e isso peço instantemente ao Sr. Ministro da Marinha, só é que quer remediar um grande mal feito á provincia.

Vê-se o que seria a autonomia financeira se ella fosse concedida a Angola.

Ali está Moçambique a offerecer um exemplo do que será a descentralização para as nossas colonias.

Foi decretada a 23 de maio de 1907 e já hoje não falta quem a combata.

Na verdade, Lourenço Marques, que ainda não foi julgada com capacidade politica para eleger uma camara municipal, tem um governo financeiramente autonomo e um conselho de governo com caracter de assembleia legislativa!

Logo vi que tudo se preparava para gastar em Moçambique todas as receitas, deixando á metropole todos os encargos.

Bastava attender na disposição pela qual o conselho do governo organizava o orçamento, o qual, não recebendo resolução do Governo até 30 de junho de cada anno e tendo saldo, seria desde logo executado.

Diziam-me que HÃO seria assim, quando aqui mesmo chamei attenção do Digno Par Sr. Ornellas, que ao Parlamento havia apresentado a proposta de lei, convertida depois em decreto ditatorial.

Ha dias o Sr. Castilho prometteu trazer o orçamento de Moçambique ao Parlamento, mas elle lá está sendo executado com enorme aumento de despesa com pessoal, tendo transformado o saldo, que ainda o Sr. Ornellas calculara para 1906-1907 em 526 contos de réis, em cousa nenhuma.

E para que duvida não haja, o Futuro, de Lourenço Marques, orgão do governador geral, escrevia no dia 27 de junho ultimo:

Para socego do collega (o Progresso) diremos, porem, que, de conformidade com a orientação definida pelo Sr. Freire de Andrade ao assumir o governo d'esta provincia, Moçambique, em questões financeiras, tornou-se, como convinha e era de fustiga, independente da metropole, isto é, nada lhe pedimos como nada lhe demos.

O Sr. Ayres de Ornellas: - Apoiado.

O Orador: - Apoiado?

A provincia de Moçambique nada dá agora á metropole?

Pois bem; mas então que tome os encargos que resultaram de milhares de contos de réis despendidos nas campanhas que decorreram desde os Makololos até ao gentio do Barué, os que provieram de milhares de contos de réis de deficits que a provincia teve até 1901, do resgate do caminho de ferro de Lourenço Marques, para que se fez então um emprestimo de 4:266 contos, do emprestimo de 2:000 contos para o caminho de ferro de Swazilandia.

Então Moçambique, emquanto esteve a absorver todas as disponibilidades das outras colonias e quantiosas sommas á metropole, não estava financeiramente independente da metropole, e agora, que era preciso concorrer para debellar as difficuldades financeiras das outras colonias, a provincia diz que nada dá á metropole?

Não é possivel ser assim, mas é a confirmação do erro gravissimo do decreto de 23 ds maio e que fornece um exemplo eloquente de que a descentralização administrativa ensaiada em Moçambique não anima a torná-la extensiva a outras colonias.

Tratando do assunto referente á delimitação no sul de Angola, versado pelos Dignos Pares Srs. Sebastião Baracho e Jacinto Candido, direi que, se a tempo d'isso se tratasse, não haveria hoje ás difficuldades de que se fala. Como fui Ministro da Marinha, não me dispenso de dizer o que se pode dizer. Eis o caso. Pelo tratado de 1886 com a Allemanha, a esphera de influencia dos dois países seria dividida por uma linha que, partindo dos rapidos de Catima, no Rio Zambeze, seguisse para Andara, em territorio allemão, subindo o Rio Cubango até á intersecção d'este rio com o parallelo que passa na primeira catarata do Cunene abaixo do Humbe, seguindo o parallelo até á sua intersecção com o Cunene e este rio até ao mar.

Hoje esta linha de fronteira está modificada porque Catima ficou pertencendo á esphera de influencia inglesa, a qual vem até ao meridiano 22°.

Eu, tendo a peito fazer as delimita-

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çõas coloniaes, completei a demarcação da Guiné, a de Manica, a do norte de Angola e procedi á troca dos enclaves de Timor convenção que me parece ainda não ter sido sanccionada pelo Parlamento. Interessei-me sobretudo pelas fronteiras oriental e meridional de Angola. Tratei das duas conjuntamente, mas tendo de lutar na do Barotze com as maiores dificuldades porque as ambições da South Africa traziam as pretensões britannicas até ás alturas do Bihé, reduzindo-nos uma estreita parte do litoral.

E que dificuldades! Então fazia-se uma formidavel e calumniosa campanha contra o dominio português, accusado de fazer escravatura ou obtenção de trabalhadores para S. Thomé.

A campanha era, como hoje, viva e intensa, e por igual falsa e calumniosa. Em Inglaterra as reclamações dos nossos adversarios multiplicaram-se. Nesta occasião o Governo Português, não podendo concordar com as injustificadas exigencias britannicas, pediu e obteve a arbitragem, que foi submettida ao Soberano de Italia.

Mas que condições lhe punham! Que na area em litigio, a qual, conforme o mappa Gold Adams, vinha até ao Bihé, e emquanto a arbitragem se não pronunciava, tropas inglesas cooperassem com tropas portuguesas na repressão do trafico da escravatura.

Deus sabe que luta foi necessario sustentar, esforço e energia foi necessario desenvolver, para livrar Portugal d'esta vergonha e para afastar de Angola esse enorme perigo, se desde logo não ficasse perdida.

Foi um grande exemplo de que as nações pequenas e fracas, quando por si teem o direito, podem resistir e vencer.

Não transigimos com a presença de tropas britannicas em Angola, nem as nossas relações de amizade e alliança experimentaram qualquer quebra.

A Inglaterra respeitou a nobreza da nossa resistencia. Mas comprehende-se que, correndo a questão do Barotze ou dos limites orientaes de Angola por esta forma tão viva, não deviamos arriscar-nos a aggravar a situação com um incidente internacional. Porquê?

Porque antes de mim os Ministros da Marinha e dos Estrangeiros procederam por forma a fazer comprehender ao Governo Allemão que a linha da fronteira podia ser alterada, subindo os allemães para o norte d'ella, sob pretexto de que as terras do Cuanhama eram divididas pela linha do tratado de 1886. E mais não posso dizer neste ponto, mas digo o necessario para mostrar que não tinha havido uma opposição formal a que os allemães subissem entre os rios Cunene e Cubango. Não acredito que o Governo da Allemanha, nação amiga, desse para isso qualquer indicação ou consentimento, mas o que é certo é que com merciantes, exploradores e officiaes allemães insistentemente procuraram convencer o Eyulo, soba do Cuanhama de que lhe convinha declarar querer seguir a nacionalidade allemã. E, toda via, a aringa do Cuanhama fica a dezenas de milhas a norte da linha geographia correspondente á fronteira entre os rios Cunene e Cubango. Não é um facto desconhecido, e os annaes das missões do Espirito Santo relataram uma tentativa da natureza das que referiu, feitas por officiaes allemães junto do Eyulo.

Tal era já a argumentação e influencia no espirito do soba, que elle chamou em seu auxilio o padre Lecomte, chefe das missões do Espirito Santo, que, em nome dos interesses portugueses, contestou a attitude dos officiaes allemães, animando o soba sobre a resistencia.

A politica que eu então seguia no Ministerio da Marinha era de paz e amizade com o soba, visto a sua attitude francamente benevola para os nossos interesses.

Colloquei-lhe perto uma missão catholica, que mantivesse ao soba o espirito de respeito pela soberania portuguesa, e a verdade manda dizer que o padre Lecomte, apesar de estrangeiro, correspondeu á confiança que nelle depositara.

Entretanto, para se conhecer bem a situação em que estavamos collocados ao sul de Angola, encarreguei um official da armada de levantar as coordenadas dos pontos de intersecção do parallelo com o Cunene e com o Cubango. Tratava da occupação pacifica do sul da provincia, e para isso já o governador Sebastião Mesquita, um official distinctissimo, tinha entabolado negociações nesse sentido, que prometteram o melhor exito.

Era e fui sempre contrario ás guerras no sul de Angola, por pensar que não podiam deixar de attingir o Cuanhama, forçando-o ao que elle até então não quisera, em relação aos interesses allemães. Depois d'isso occorreram as guerras, certamente feitas por motivos ponderosos e poderosos.

Os nossos soldados de terra e mar cobriram-se de gloria, é certo, mas não terá a guerra modificado a situação politica do Cuanhama?

O soba é outro, o Nande, e conforme a narrativa d'essa formidavel batalha do Mufilo, as baixas nas nossas tropas foram feitas, quasi todas, pelos atiradores cuanhamas. Se assim é, como creio, o Nande não está, como estava o seu antecessor, com os interesses portugueses, o que é grave, e nos trará difficuldades ao fazer-se a delimitação da fronteira.

É um facto que por lá andam de novo officiaes allemães, certamente estranhos á indicação do Governo Allemão. Diz-se que foram ao Nande tratar da fronteira. Não se comprehende isso, não só porque o soba não representa a autoridade portuguesa, mas porque elle, ficando em territorio português, reside a consideravel distancia da esfera de acção allemã. Tudo mostra que é preciso cuidado e vigilancia, a fim de que uma grande difficuldade não surja, a qual estaria inteiramente afastada, a meu ver, se a minha politica tivesse até agora sido seguida. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Alexandre Cabral: - Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa o parecer relativo á lista civil.

Foi a imprimir.

O Sr. Dias Costa: - Mando para a mesa o parecer relativo ao projecto que trata da medalha commemorativa da guerra peninsular.

Foi a imprimir.

O Sr. Ministro da Marinha (Augusto de Castilho): - Pedi a palavra para responder em breves palavras ao discurso proferido pelo Digno Par o Sr. Teixeira de Sousa.

Folgo de ver que S. Exa. não tivesse impugnado o projecto em ordem do dia, porque isso prova que lhe dá o seu voto.

Apresentou o Digno Par no seu discurso considerações muito variadas, algumas das quaes não poderei tratar, como são as que se referem á questão do Sul de Angola.

S. Exa. não teve duvida em confirmar que reconhecera os melindres da questão quando sobraçou a pasta da Marinha.

Deixemos que os delegados dos dois países tratem a questão no terreno, e, quando cheguem a qualquer acordo, então se apreciará quaes as instrucções que receberam dos seus respectivos Governos.

Antes d'isso parece-me inconveniente comprometter qualquer opinião em assunto tão melindroso.

Em seguida o Digno Par discursou largamente acêrca da marinha de guerra, e das suas complexas necessidades.

Occorre-me dizer que sobre as questões de marinha tenho uma opinião assente ha muitos annos. Honrando-me de pertencer a essa nobre classe, tenho feito a favor d'ella tudo o que me tem sido possivel nas diversas situações que tenho occupado.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Apoiado.

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Orador: - Tenho diligenciado engrandecê-la; mas cousas ha de difficil realização, num país de finanças pouco prosperas, como o nosso.

Sendo entre nós muito frequente a mudança dos Governos, não é facil obter as condições que o Digno Par julga necessarias para a resolução do problema que se tem em vista.

Deve formular-se um plano, e haver sequencia nelle, como diz, e muito bem, o Digno Par; mas para isso seria mester que os embates politicos não determinassem tão ameudadas ,mudanças ministeriaes.

Um Ministro concebe muitas vezes um plano, e estuda o meio de o pôr em pratica, mas; o seu successor, em geral, por politica, ou por considerações de outra ordem, põe de parte tudo o que encontrou feito, ou em caminho de realização.

É evidentemente necessario que se elabore um plano, mas para levá-lo á pratica são indispensaveis recursos financeiros, e o Digno Par, que geriu a pasta da Fazenda, sabe de sciencia certa qual o escolho onde naufragam as nossas melhores intenções.

S. Exa. pode formar um plano completo para uma marinha de combate, que corresponda ás exigencias do nosso país, e um plano de uma marinha mercante colonial, que attenda a todas as conveniencias dos nossos dominios de alem mar, mas, como Ministro da Fazenda, ver-se-ha na completa impossibilidade de realizar essas aspirações.

Não dispondo nós de finanças brilhantes, nem se nos deparando meio de corrigir de pronto tal deficiencia, temos que cingir-nos ás circunstancias.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Apoiado.

O Orador: - Quanto á marinha colonial, diverjo da maneira por que S. Exa. pretende organizá-la.

Precisamos, não das chamadas grandes machinas, de guerra, mas de pequenos navios, que façam a policia, tanto do ultramar como da metropole, porque aqui mesmo, nas costas de Portugal, esses navios são excellentes para fiscalizar a industria da pesca, manter a boa ordem entre os pescadores e fazer respeitar as nossas aguas.

Mostrou-se o Digno Par favoravel á autonomia da marinha colonial, e foi tal ideia muito insistentemente apregoada pelo Governo transacto.

Peço licença para não concordar com esse modo de ver, por entender que o marido supremo das forças navaes, nas suas differentes modalidades, deve residir numa unica entidade.

Tambem comprehendo perfeitamente a inconveniencia de terem de vir á metropole os navios que guarnecem as colonias, quando precisam de reparo, ou quando as suas guarnições estejam cansadas e debilitadas.

Tudo isso se conseguirá quando no ultramar haja officinas de reparação, e algumas já existem, e bem assim diques e planos inclinados para essas reparações.

É pequeno o numero de navios que possuimos; mas a boa vontade das tripulações é tamanha que os serviços se vão executando, não sem difficuldade, mas geralmente sem prejuizo, e sempre com bom exito e brilho de quem os executa.

A Inglaterra, que o Digno Par citou, tinha tambem uma marinha especial na India; mas mais tarde reconheceu que essa especialidade não tinha razão de ser, e supprimiu-a em 1863. Ainda cheguei a conhecer varios navios d'essa marinha.

Nós tivemos igualmente uma marinha especial na India; mas reconhecemos igualmente a inconveniencia d'esse estado de cousas.

Alludiu S. Exa. a duas canhoneiras construidas em 1902, uma para a Guiné outra para o Zambeze.

Actualmente, acham-se tambem em construcção duas lanchas-canhoneiras para a Guiné, tendo-se aproveitado para ellas as machinas das antigas, que se encontravam em bom estado.

Essas lanchas devem em breve seguir para o seu destino, onde muito bom serviço podem prestar.

Se essas duas canhoneiras estivessem na Guiné, teriamos talvez evitado os dissabores que nos vimos obrigados a supportar com as ultimas operações da guerra ali realizadas, em circunstancias tão difficeis e em tão resumido tempo.

Melhor é estarmos preparados para evitar as guerras do que ter de organizar custosas expedições quando chegam a fazer explosão as sublevações do gentio irrequieto e termos de as subjugar depois com pesados sacrificios.

O dinheiro que nós gastamos em navios pequenos é muito bem empregado, mas esse dispendio em nada prejudica a elaboração de qualquer plano de uma esquadra de combate, que temos obrigação de criar na medida das nossas posses, mas em harmonia com o que nos impõem as nossas responsabilidades de grande potencia colonial.

Precisamos de criar uma esquadra de combate para podermos entrar como elemento de valor em allianças com outras potencias; mas essa esquadra só a realizaremos quando o permittam as nossas circunstancias financeiras, actualmente pouco prosperas.

Referiu-se depois o Digno Par á marinha mercante, e mostrou a conveniencia de se estabelecer uma carreira de vapores para o Brasil; mas urge considerar que não é só com patriotismo e boas palavras que se resolve essa questão.

Actualmente, ha muitas carreiras de vapores estrangeiros para o Brasil, e essa concorrencia produz um barateamento de fretes bastante sensivel.

Seria preciso que dispusessemos de muitos recursos para pretender lutar com rivaes tão bem organizados.

Se alguma empresa portuguesa se abalançasse a essa luta desigual, decerto reclamaria largos subsidios do Estado, que, aliás, não podia supportar taes sacrificios, attentas as circunstancias do Thesouro.

A Empresa Nacional de Navegação, que tão patrioticamente tem mantido o serviço de carreiras para o ultramar, com exemplar regularidade, empresa á qual se attribue o desejo de iniciar uma carreira para o Brasil, ainda não encontrou o caminho desaffrontado para levar por deante esse sympathico e patriotico emprehendimento.

Depois é necessario saber-se que tanto o commercio português como o brasileiro teem contratos com essas empresas de navegação estrangeiras, que não se atreveriam a romper, pelo receio de que não tivessem estabilidade ou permanencia as carreiras nacionaes. Essas carreiras só podiam estabelecer-se com largos subsidios do Governo, e isso é que as circunstancias financeiras não comportam agora. Esperemos melhores tempos.

Falou depois o Digno Par na conveniencia de estabelecer no Tejo um deposito para generos do Brasil, em transito por Lisboa, para differentes pontos da Europa.

Eu não possuo competencia para explanar este assunto, já porque não sou economista, já porque a occasião não é asada para o versar com o desenvolvimento que elle requer; mas convem ter presente a concorrencia que aos nossos productos de Africa podem fazer os generos vindos do Brasil.

Não emitto a tal respeito uma opinião decisiva, mas entendo que o problema é digno de estudo e de ponderação.

Pelo que respeita á manutenção do nosso dominio colonial, não ha no País duas opiniões que se contradigam. Não ha nenhum português que admitta a possibilidade de se alienar qualquer porção do nosso territorio.

De bem insignificante importancia é a fortaleza de S. João Baptista de Ajudá, que consiste em um quadrilatero com 70 metros em cada face, guarnecida com vinte e tantos soldados pretos e umas vinte e duas peças de ferro sem reparos.

Após a guerra de Dahomé, o general Dodds, que conduzira á victoria o exercito francês, em 1892; perguntou-me o que faria o Governo Português

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SESSÃO N.° 30 DE 24 DE JULHO DE 1908 11

d'aquella minuscula possessão, pois que a França occuparia tudo.

Respondi-lhe que não tinha instrucções para lhe responder e que elle, general, tambem as não teria provavelmente para perguntar. - «Isto é apenas conversar», exclamou o general. - «Pois sobre assunto de alienação de territorio não posso conversar», repliquei eu. E a fortaleza de Ajudá continua a ser nossa.

Reportou-se o Digno Par aos sacrificios que temos feito para manter integra, a nossa soberania nos dominios ultramarinos, e á perda de vidas e de dinheiro que nos tem custado a reivindicação dos nossos direitos.

Tem sido indispensaveis esses sacrificios, não só para conseguirmos a submissão dos indigenas na Africa, mas para lograrmos o respeito das outras nações, e erguermo-nos á altura de nação colonial, eminentemente civilizadora.

Deixo de alludir demoradamente a cada uma d'essas brilhantes campanhas, não só porque a hora vae muito adeantada, como porque isso em nada se relaciona com o projecto em discussão.

Falou depois o Digno Par na situação financeira da provincia de Angola.

As observações de S. Exa. a tal respeito não me attingem. Conheço as circunstancias em que se encontra essa provincia; mas todo o mal de que ella enferma não pode ser remediado de pronto.

É preciso acudir á crise com providencias immediatas, e d'isso se está o Governo occupando; e são precisas grandes medidas de fomento agricola e isso tambem está sendo meditado.

Tambem o Digno Par alludiu ás circunstancias prosperas em que se encontram as colonias inglesas do Cabo e do Natal.

Deve-se isso, talvez, a uma questão de clima, isto é, ao facto de não estarem situadas na zona torrida.

Estando proximo a hora do encerramento da sessão, agradeço ao Digno Par a quem acabo de responder as palavras benevolas que dirigiu ao Governo, em geral, e a mim, em especial.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara se permitte que seja prorogada a sessão até se votar o projecto em discussão = O Par do Reino, Francisco José Machado.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Ayres de Ornellas: - Estava muito longe de tomar a palavra e, se a pedi, e d'ella uso nesta altura do debate, é porque a isso sou compellido por uma pergunta que me dirigiu o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Vou ser mais conciso do que costumo ser, já porque a hora vae muito adeantada, já porque não quero abusar da paciencia dos meus illustres collegas.

A proposito da discussão do projecto que fixa a força naval para o actual anno economico entrou-se numa discussão respeitante a assuntos puramente coloniaes.

A Camara não imagine que vou referir-me a todos os pontos versados pelo Digno Sr. Par Teixeira de Sousa e a algumas das opiniões por S. Exa. manifestadas, das quaes discordo; mas como S. Exa. disse que tinha sido um erro gravissimo o decreto que estabeleceu a organização administrativa de Moçambique, vou a tal respeito dizer duas palavras.

Não fiz nesse diploma mais do que aquillo que Rebello da Silva dizia dever ser o objectivo da organização administrativa do ultramar: alargar a autoridade do governador geral, definir e regular a iniciativa e a acção local. Não descentralizei politicamente, e aqui tem cabimento a comparação entre o estado das colonias britannicas do sul de Africa e a nossa, mas sou partidario da descentralização e autonomia financeira, da vida local, e reputo um erro e um perigo não garantir essa vida local ás colonias portuguesas logo que ellas se possam sustentar a si proprias.

Perguntou depois o Digno Par quem é que paga as despesas feitas com as expedições, com os caminhos de ferro e com as garantias de juro, despesas feitas pela metropole nas colonias.

Responderei que quem paga essas despesas, que são conhecidas com o nome de despesas de installação, é em toda a parte a metropole; a colonia retribue á metropole, não em dinheiro de contado, como parece querer o Digno Par, mas em serviços de toda a ordem, no emprego, dos seus funccionarios, no desenvolvimento do seu commercio, nas materias primas para as suas industrias, em todos esses elementos da riqueza publica que fazem que a nossa propria autonomia nacional esteja dependente da existencia das colonias.

Não é pelo dinheiro que ellas pagam á metropole, é pela situação na politica mundial que nos garantem.

E não terminarei sem notar que a opinião do Digno Par não parece ser geral no seu proprio partido, pois ainda ha dias, na outra casa do Parlamento, foram feitas referencias elogiosas á propria obra que merece as censuras do Digno Par, por um Deputado do seu partido, filho do chefe do mesmo partido, o Sr. Ernesto de Vilhena, por certo um dos officiaes da moderna geração com mais jus pelos seus serviços á nossa estima e consideração e a quem d'aqui envio os meus agradecimentos. E ainda o actual chefe do partido em que milita o Digno Par já dizia em 1881, no relatorio do Codigo Administrativo Colonial, que era preciso ir mas longe que a organização de 1869. Pois ha muita cousa d'esse codigo na reforma que o Digno Par censura. (S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Sousa: - O Sr. Ayres de Ornellas falou somente para dizer que os caminhos de ferro coloniaes são pagos pelos respectivos países, a titulo de despesas de installação, e que, por isso, a metropole tinha obrigação de pagar os caminhos de ferro de Moçambique. Ora parece-me isto bastante duvidoso.

O caminho de ferro de Mormugão, na India, tem encargos que teem sido pagos pela colonia, recorrendo ao reino quando a colonia não tem recursos. Decretaram-se caminhos de ferro para S. Thomé, á custa da provincia.

Os caminhos de ferro do Cabo e Natal são das colonias, administrativa e financeiramente.

E para que bem se veja quanto carece de fundamento a affirmação do Sr. Ayres de Ornellas, de que as colonias não pagam os caminhos de ferro, citarei o caso de Chamberlain, depois da guerra sul-africana, havendo conveniencia de expropriar a companhia neerlandesa dos caminhos de ferro do Transvaal, ir em pessoa á colonia conquistada para obter d'ella o compromisso de tomar a responsabilidade de um grande emprestimo para o resgate das mesmas linhas ferreas.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Foi com muito pesar que não pude assistir á parte da sessão em que o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa fez referencias ás minhas ideias, expendidas na sessão anterior, a respeito da descentralização administrativa.

Não me occuparei do assunto; mas a elle me referirei quando tenha lido nos Annaes o discurso de S. Exa.

Em seguida foi o projecto approvado.

O Sr. D. João de Alarcão: - No começo da sessão mandei para a mesa um parecer respeitante ao projecto que trata da municipalização da tracção electrica em Coimbra.

Nessa occasião pedi a V. Exa. que se dignasse consultar a Camara sobre se consentia que, dispensado o regimento, esse parecer entrasse em discussão.

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

V. Exa. consultou effectivamente a Camara, mas, pareceu-lhe que ella não tinha reconhecido a urgencia que eu propunha; mas falando com muitos Dignos Pares, de todos ouvi a declaração de que se não oppunham á discussão do parecer.

Peço pois a V. Exa. se digne consultar de novo a Camara, rectificando assim a votação a que ha pouco me referi.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre o requerimento do Digno Par D. João de Alarcão. Os Dignos Pares que o approvam, tenham a bondade de se levantar. (Pausa). Está approvado. Vae ler-se, para entrar em discussão o parecer a que se refere o requerimento do Digno Par D. João de Alarcão.

Foi lida e é do teor seguinte.

PARECER N ° 29

Senhores: - Cabe á vossa commissão de administração publica o grato encargo de examinar o projecto de lei n.° 30, vindo da Camara dos Senhores Deputados, e que tem por fim conceder á Camara Municipal de Coimbra permissão para contrahir um emprestimo de 150 contos de réis para a municipalização da tracção electrica na cidade e suburbios.

É-lhe grata a missão, affirma, porque ha annos já que o Municipio de Coimbra, administrado por vereações que, comprehendendo a necessidade de dotar a cidade e o concelho com os melhoramentos não só filhos do progresso, mas pela hygiene aconselhados e a ella indispensaveis, teem constantemente empregado os esforços da sua vontade na consecução de medidas que tornam modelar a cidade e benemeritas essas vereações.

Sem mencionar muitos outros factos, que justificam, a par da sua severa economia, a sua mais exemplar administração, foi devido ao seu constante zelo pelos beneficios publicos que o abastecimento de aguas, tão abundante como talvez em nenhuma outra cidade do país, se conseguiu por tão diminuto preço como o accusado pela media dos ultimos tres annos; e é tambem devido á tenacidade do seu empenho que a municipalização do serviço da illuminação publica, sendo incomparavelmente superior ao da antiga companhia do gaz, desceu a uma despesa de menos de 50 por cento da anterior.

Nestas circunstancias, e attendendo ao desvelo com que o Municipio de Coimbra procura melhorar constantemente todos os seus serviços, é a vossa commissão de administração publica de parecer que o mencionado projecto deve ser approvado e convertido em lei.

Sala das sessões da commissão em 24 de julho de l908. = J. Vilhena = P. Miranda = Alexandre Cabral = Conde do Cartaxo = José Maria de Alpoim = Antonio Teixeira de Sousa = José de Azevedo Castello Branco = J. de Alarcão, relator.

PARECER N.° 29-A

A vossa commissão de fazenda, compenetrada das verdades exaradas no relatorio que precede o projecto de lei n.° 30, vindo da Camara dos Senhores Deputados, está perfeitamente de accordo com o parecer da commissão de administração publica.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 24 de julho de 1908. = Moraes Carvalho = Antonio Teixeira de Sousa = Frederico Ressano Garcia = F. F. Dias Costa = Alexandre Cabral = J. de Alarcão, relator.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 30

Artigo 1.° É o Governo autorizado a conceder á Camara Municipal de Coimbra permissão para contrahir um emprestimo de 150 contos de réis, com destino exclusivo á municipalização da tracção electrica na cidade e seus suburbios, ainda que os seus encargos, juntos aos dos emprestimos anteriores, excedam a quinta parte da sua receita ordinaria.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 22 de julho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga. = João Pereira de Magalhães.

N.º 18

Senhores. - Tem o municipio de Coimbra sido, ha annos, gerido por vereações que teem feito administração modelar, procurando não só aumentar, sem aggravamento, as receitas, mas applicando-as com o maior rigor de economia a melhoramentos hygienicos e de progresso material da cidade e do concelho.

A municipalização do abastecimento da agua e gaz são exemplos evidentissimos da boa administração, porque d'ella resultou para o municipio uma economia de alguns contos de réis annualmente.

Todos os que vão a Coimbra reconhecem que, apesar do muito que municipal e governamentalmente se tem feito, muito ha ainda a fazer para tornar a cidade commoda e hygienica.

Parece-nos que todos devemos empregar os nossos esforços para dotar a cidade, onde está o nosso primeiro estabelecimento scientifico e onde vivem, grande parte do anno, os filhos de um grande numero de familias portuguesas e até estrangeiras, com os melhoramentos de que carece.

Alem d'isso, no país vae despertando um movimento de propaganda para attrahir aqui estrangeiros, e é indiscutivel que Coimbra é um dos pontos mais pittorescos e digno de ser visitado.

É portanto digno de todo o elogio o desejo que a municipalidade tem de dotar a cidade e seus encantadores suburbios com um meio de viação barato, bonito e commodo.

Se em alguns concelhos poderia ser perigosa a municipalização de serviços importantes, parece-nos que, no de Coimbra, attendendo ao que succede com a do gaz e agua, a da viação só pode ser benefica.

Nestes termos, a vossa commissão de administração publica é de parecer que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a conceder á Camara Municipal de Coimbra permissão para contrahir um emprestimo de 150 contos de réis, com destino exclusivo á municipalização da tracção electrica na cidade e seus suburbios, ainda que os seus encargos, juntos aos dos emprestimos anteriores, excedam a quinta parte da sua receita ordinaria.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de administração publica, em 19 de junho de 1908. = Conde de Penha Garcia = Francisco Cabral Metello = Ernesto de Vasconcellos = Eduardo Burnay = José Joaquim da Silva Amado = José Caeiro da Matta = Manuel Fratel = J. Paulo M. Cancella, relator.

Senhores. - A commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto de lei que autoriza a Camara Municipal de Coimbra a contrahir um emprestimo de 150 contos de réis.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 19 de junho de 1908. = Conde de Penha Garcia = José de Ascensão Guimarães = José Maria de Oliveira Mattos = Alberto Navarro = Carlos Ferreira = Conde de Castro e Solla = José Jeronimo Rodrigues Monteiro = José Cabral Correia do Amaral, relator.

N.º 17-A

Senhores. - A municipalização dos serviços publicos, que tão brilhantemente se affirma nos países mais cultos, tem tido em Coimbra uma realização que sobremaneira honra este municipio.

Em 1888 era municipalizado o serviço do abastecimento da cidade com aguas do Mondego, e esta municipalização permittiu tornar Coimbra mais asseada, hygienica e moderna. Em nenhuma cidade do país a agua é tão barata e tão boa, sendo analysada microbiologicamente todos os quinze dias.

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SESSÃO N.° 30 DE 24 DE JULHO DE 1908 13

Nunca o municipio poderia obter por 1:718$119 réis, media dos tres ultimos annos, a quantidade de agua que tão abundantemente consome em regas, lavagens e jardins.

Em 1904 foram municipalizados os serviços da illuminação a gaz, não se fazendo esperar os beneficos resultados de tão feliz operação. A illuminação publica melhorou muito, sendo hoje Coimbra uma das cidades melhor illuminadas do país, e isto com uma reducção de quasi metade nos encargo da camara. Para manter a illuminação publica, no seu estado actual e sem incandescencia, o municipio teria de pagar á antiga Companhia do Gaz 8:649$000 réis annuaes, ao passo que agora despende com este serviço simplesmente 4:529$476 réis.

Como coroa d'este movimento, a camara actual deseja municipalizar a tracção electrica, ficando assim todo os chamados serviços industriaes do municipio explorados por este corpo administrativo. A municipalização d'este serviço é um complemento dos outros dois serviços industriaes que se encontram municipalizados, e que permittem á camara explorar a tracção electrica por uma forma muito economica, visto poder aproveitar nelle a agua e o coke da fabrica do gaz, melhorando ao mesmo tempo o serviço da illuminação publica com o uso da electricidade.

Para isso torna-se necessario a approvação de um projecto de lei autorizando a Camara Municipal de Coimbra a contrahir um emprestimo de 150 contos de réis, visto os encargos d'este emprestimo excederem os limites estabelecidos no artigo 425.° do Codigo Administrativo. Qualquer deficit que porventura ainda resulte d'esta municipalização será coberto pelo aumento das percentagens municipaes de 35 por cento para 45 por cento, o qual já tem parecer favoravel, por unanimidade, dos quarenta maiores contribuintes do concelho.

Nestas condições, temos a honra de submetter á apreciação da Camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a conceder á camara Municipal de Coimbra permissão para contrahir um emprestimo de 150 contos de réis, ainda que os seus encargos, juntos aos dos emprestimos anteriores, excedam a quinta parte da sua receita ordinaria, com destino, que não poderá ser alterado, á municipalização da tracção electrica na cidade e seus suburbios.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Deputados, em 19 de junho de 1908. = José Gonçalves Pereira dos Santos = Sabino Maria Teixeira Coelho = Amadeu de Magalhães Infante de Lacerda = Francisco Miranda da Costa Lobo = Antonio A. de Oliveira Guimarães = José Maria de Oliveira Mattos.

O Sr. José de Alpoim: - Pedi a palavra para declarar que voto este projecto, porque o acho conforme aos melhores principios de administração. Voto este projecto sem reservas.

Não havendo mais nenhum Digno Par que pedisse a palavra, foi o projecto approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 24.

Lido na mesa, é seguidamente approvado o parecer, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 24

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de guerra o projecto de lei n.° 21, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que tem por fim conceder ás praças de pret do exercito, da armada e das forças militares ultramarinas, agraciadas com qualquer grau da Ordem da Torre e Espada, uma pensão annual e vitalicia de 90$000 réis.

Examinou a vossa commissão, com a attenção devida, o mencionado projecto, compenetrando-se da necessidade de galardoar serviços para que até hoje tem sido unico estimulo o brio e a honra do soldado português, empenhado sempre na manutenção do renome do seu país, no triumpho da sua causa, e na continuação das suas gloriosas tradições, que constantemente o teem acompanhado, vindo hoje dar-vos conta do resultado do seu exame.

Estabeleceu-se em tempo que, no orçamento geral do Estado, se consignas se uma verba não só para despesas da Ordem, como para a criação de um asylo para os seus invalidos pobres, de um collegio para os filhos orfãos, de ambos os sexos, dos cavalleiros da Ordem, e ainda para pensões aos seus differentes membros.

Mais tarde, pela carta de lei de 6 de abril de 1896, foram conferidas diversas pensões a differentes officiaes, pelos serviços prestados em Africa, estendendo-se esse beneficio ás praças de pret que tivessem feito parte do corpo expedicionario a Lourenço Marques; mas o projecto de lei commettido ao exame da vossa commissão de guerra torna esse beneficio extensivo a todas as praças de pret agraciadas com a mencionada ordem.

Apreciando, como deve, as vantagens do mencionado projecto de lei, em os seguintes additamentos: "com previo parecer conforme do Supremo Conselho de Justiça Militar" no fim o § 1.° do artigo 1°, e "conforme o disposto no § 1.°" entre as palavras "feito de armas e de coragem" e "e que não recebem vencimento", etc., no final do § 3.° do mesmo artigo, é a vossa commissão de parecer que o alludido projecto deve ser approvado.

Sala das sessões da commissão, em 18 de julho de 1908. = Francisco Maria da Cunha = Sebastião de Sousa Dantas Baracho = Conde do Bomfim = A, Eduardo Villaça = F. F. Dias Costa = Conde de Tarouca = L. de Mello Bandeira Coelho = F. J. Machado.

PARECER N.° 24-A

Senhores. - A vossa commissão de fazenda concorda plenamente com o projecto de lei n.° 21, vindo da Camara dos Senhores Deputados, com o pequeno additamento que lhe foi introduzido pela commissão de guerra.

Sala das sessões da commissão, em 18 de julho de 1908. = Moraes Carvalho = Frederico Ressano Garcia = F. Beirão = J. de Alarcão = Pereira de Miranda = Antonio Eduardo Villaça = F. F. Dias Costa = Luciano Monteiro.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 21

Artigo 1.° As praças de pret do exercito do reino, da armada e das forças militares ultramarinas, agraciadas com qualquer grau da antiga e mui nobre Ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, por assinalado feito de armas ou de coragem, será concedida uma pensão vitalicia e annual de 90$000 réis, a contar da data em que aquella mercê lhes for conferida, a qual será isenta do pagamento de qualquer imposto.

§ 1.° A concessão da pensão será feita em decreto fundamentado e seguidamente publicado em Ordem do Exercito ou da Armada, ou no Boletim Militar do Ultramar.

§ 2.° Qualquer praça de pret a quem tenha sido concedida a pensão a que se refere este artigo deixará de a receber logo que seja promovida a official para os quadros activos, ou desde que tenha sido nomeada para algum cargo do Estado ou de municipios onde perceba vencimento igual ou superior ao soldo do posto de alferes.

§ 3.° As praças de pret do activo do exercito do reino, da armada e das forças ultramarinas, as que estejam na reserva ou sejam reformadas, e bem assim os individuos da classe civil que tenham sido agraciados, antes da promulgação d'esta lei, com qualquer grau da referida Ordem durante o seu serviço militar, como praças de pret, poderão receber a pensão indicada neste artigo, desde a data da referida promulgação, quando requeiram, provando que foram agraciados por assinalado feito de armas ou de coragem e que não recebem vencimentos do Estado ou de municipios, nem teem rendimentos pro-

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prios, iguaes ou superiores á quantia que corresponda ao soldo de alferes.

§ 4.° A nenhuma praça poderá ser concedida mais de uma pensão, muito embora seja agraciada por mais de uma vez com o mesmo grau ou graus differentes da referida Ordem.

Art. 2.° E criada uma nova classe para a admissão no Hospital dos Invalidos Militares, que terá preferencia sobre a 6.ª classe do regulamento de 29 de dezembro de 1849, comprehendendo as praças de pret condecoradas com qualquer grau da antiga e mui nobre Ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, que estejam impossibilitadas do serviço e não possuam os necessarios meios de subsistencia, e bem assim os individuos da classe civil que, durante o seu serviço militar como praças de pret, tenham obtido igual recompensa e se encontrem nas mesmas circunstancias.

§ unico Os individuos a que se refere este artigo terão preferencia, em igualdade de circunstancias, para a admissão em qualquer das cinco primeiras classes a que se refere o artigo 2.° do citado regulamento do Hospital dos Invalidos Militares.

Art. 3.° Os orfãos, de ambos os sexos, dos individuos a que se refere o artigo 1.° e seu § 2.° serão preferidos para a admissão, nos termos dos respectivos regulamentos, na Real Casa Pia de Lisboa e nos outros estabelecimentos officiaes de beneficencia e educação dependentes do Ministerio do Reino.

Art. 4.° Nos orçamentos dos differentes Ministerios, e em artigo proprio, será, annualmente, inscrita verba para occorrer aos encargos d'este projecto de lei, e, com os documentos que acompanham o orçamento geral do Estado, será publicada a lista das pensões concedidas.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 7 de julho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga = João Pereira de Magalhães.

N.° 17

Senhores. - A vossa commissão de guerra foi presente a proposta de lei n.° 1-G, cujo fim é criar uma pensão, que será concedida ás praças de pret que forem agraciadas com qualquer grau da Ordem da Torre e Espada.

Quando, em 1832, D. Pedro IV, regente em nome da Rainha, reformou esta Ordem, foi estabelecido, no respectivo alvará que, no orçamento geral do Estado, seria lançada uma verba para as despesas da Ordem, entre as quaes eram apontadas as inherentes á criação de um asylo para os seus invalidos pobre, e de um collegio para educação dos filhos, de ambos os sexos, orfãos dos cavalleiros da Ordem e ainda ás pensões que se arbitrassem aos seus differentes membros.

Nunca, porem, foi cumprida esta disposição do alvará de 1832. Comtudo, pela carta de lei de 6 de abril de 1896, foram concedidas pensões a differentes officiaes pelos serviços prestados na campanha de Africa, estabelecendo-se ainda, no artigo 4.°, que, ás praças de pret que tivessem feito parte do corpo expedicionario a Lourenço Marques e que fossem julgadas impossibilitadas por uma junta medica, seriam concedidas pensões vitalicias e annuaes, variaveis entre 144$000 réis e 36$000 réis.

A proposta de lei, cujo estudo foi commettido a esta commissão, é destinada a cumprir, relativamente ás praças de pret, uma das disposições do artigo 24.° do citado alvará e a attender aos beneficios concedidos pelas restantes.

São, em verdade, essas praças as que menos lucram com a concessão de qualquer grau da Ordem, e, portanto, aquellas a que é justo conceder uma melhor recompensa que sirva de proveitoso incitamento para a pratica dos feitos que a Ordem da Torre e Espada é destinada a premiar.

As circunstancias do Thesouro Publico não permittiriam. de modo algum, que se fosse mais longe na concessão de pensões que a pratica tem mostrado não serem necessarias para que, sempre, muitos officiaes portugueses se tornem verdadeiramente distinctos nas campanhas em que entram.

A vossa commissão entendeu, de acordo com o Governo, que devia introduzir, na proposta de lei, algumas alterações destinadas a diminuir ainda os encargos, aliás pequenos, que resultariam d'essa proposta, e julga por isso que merece a vossa appvovação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As praças de pret do exercito do reino, da armada e das forças militares ultramarinas, agraciadas com qualquer grau da antiga e mui nobre Ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, por assinalado feito de armas ou de coragem, será concedida uma pensão vitalicia e annual de 90$000 réis, a contar da data em que aquella mercê lhe for conferida, a qual será isenta do pagamento de qualquer imposto.

§ 1.° A concessão da pensão será feita em decreto fundamentado e seguidamente publicado em Ordem do Exercito ou da Armada, ou no Boletim Militar do Ultramar.

§ 2.° Qualquer praça de pret a quem tenha sido concedida a pensão a que se refere este artigo deixará de a receber logo que seja promovida a official para os quadros activos, ou desde que tenha sido nomeada para algum cargo do Estado ou de municipios onde perceba vencimento igual ou superior ao soldo de posto de alferes.

§ 3.° As praças de pret do activo do exercito do reino, da armada e das forças ultramarinas, as que estejam na reserva ou sejam reformadas, e bem assim os individuos da classe civil que tenham sido agraciados, antes da promulgação d'esta lei, com qualquer grau da referida Ordem durante o seu serviço militar, como praças de pret, poderão receber a pensão indicada neste artigo, desde a data da referida promulgação, quando requeiram, provando que foram agraciados por assinalado feito de armas ou de coragem e que não recebem vencimentos do Estado ou de municipios, nem teem rendimentos proprios, iguaes ou superiores á quantia que corresponda ao soldo de alferes.

Art. 2.° É criada uma nova classe para a admissão no Hospital dos Invalidos Militares, que terá preferencia sobre a 6.ª classe do regulamento de 29 de dezembro de 1849, comprehendendo as praças de pret condecoradas com qualquer grau da antiga e mui nobre Ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, que estejam impossibilitadas do serviço e não possuam os necessarios meios de subsistencia, e bem assim os individuos da classe civil que, durante o seu serviço militar como praças de pret, tenham obtido igual recompensa e se encontrem nas mesmas circunstancias.

§ unico. Os individuos a que se refere este artigo terão preferencia, em igualdade de circunstancias, para a admissão em qualquer das cinco primeiras classes a que se refere o artigo 2.° do citado regulamento do Hospital dos Invalidos Militares.

Art. 3.° Os orfãos, de ambos os sexos, dos individuos a que se refere o artigo 1.° e seu § 2.° serão preferidos para a admissão, nos termos dos respectivos regulamentos, na Real Casa Pia de Lisboa e nos outros estabelecimentos officiaes de beneficencia e educação dependentes do Ministerio do Reino.

Art. 4.° Nos orçamentos dos differentes Ministerios, e em artigo proprio, será, annualmente, inscrita verba para occorrer aos encargos d'este projecto de lei, e, com os documentos que acompanham o orçamento geral do Estado, será publicada a lista das pensões concedidas.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 11 de junho de 1908. = José Mathias Nunes = Antonio Rodrigues Nogueira = Alfredo Mendes

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SESSÃO N.° 30 DE 24 DE JULHO DE 1908 15

de Magalhães Ramalho = João José Sinel de Cordes = João de Sousa Tavares = José Joaquim Mendes Leal = Roberto da Cunha Baptista = Antonio Augusto Pereira Cardoso = Francisco Xavier Correia Mendes = João Soares Branco, relator.

A commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de guerra pelas razões ponderosas que o justificam. O aumento de despesa que pode importar, actualmente, este projecto não deverá exceder 5:000$000 réis para o proximo anno economico.

Sala das sessões da Camara, 16 de junho de 1908. = Conde de Penha Garcia = José de Assensão Guimarães = Alberto Navarro = José Cabral Correia do Amaral = Alvaro Possollo = José Jeronimo Rodrigues Monteiro = José de Maria Oliveira Mattos.

N.° 1-G

Senhores. - O alvará de 28 de julho de 1832, que reformou a antiga e mui nobre Ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, consigna que seja annualmente lançada no orçamento geral do Estado uma verba para satisfazer ás despesas seguintes:

1.ª Das pensões que se arbitrarem aos individuos que, pelos seus relevantes serviços, tenham merecido a honra do ingresso na Ordem;

2.ª De um asylo para os invalidos pobres, agraciados com qualquer dos seus graus;

3.ª De um collegio para educação dos filhos de ambos os sexos, orfãos ou extremamente necessitados, dos cavalleiros da Ordem.

Succede porem que estas recompensas fixadas no artigo 24.° do citado alvará não tiveram, até hoje, applicação. Apenas o Governo transacto apresentou, pela pasta da Guerra, á Camara dos Senhores Deputados, em sessão de l5 de outubro de 1906, uma proposta de lei destinada a conceder uma pensão ás praças de pret agraciadas com qualquer grau da referida Ordem.

Concordando plenamente com o disposto no artigo 24.° do mencionado alvará, cuja doutrina o Governo transacto procurou, em parte, pôr em pratica, sentimos todavia que os recursos do Thesouro não permitiam dar-lhe exacto cumprimento e nos obriguem a não resolver a questão em toda a sua generalidade. A presente proposta de lei, que temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, permitte no entanto, no que respeita ás praças de pret, cumprir actualmente uma das disposições do artigo 24.° do alvará de 28 de julho de 1832, e attender aos beneficios concedidos pelas restantes.

Julgamos por isso que ella merecerá a vossa approvação, pois consegue, com um diminuto encargo para a Fazenda Nacional, concorrer para realçar o prestigio da condecoração portuguesa que mais honrou, no passado, o nome dos que, pelos seus relevantes serviços, mereceram valiosas recompensas, e que, no presente, mais nobre e levantada significação possue. De futuro evitará que individuos agraciados, durante o serviço no exercito ou na armada, com a Ordem da Torre e Espada, cujo minimo grau lhes confere, para sempre, honras de official, se encontrem na necessidade de recorrer á caridade publica, quando, alquebrados pelos annos ou inutilizados pela doença, não possam angariar os meios de subssistencia.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° Ás praças de pret do exercito do reino, da armada e das forças militares ultramarinas, agraciadas com qualquer grau da antiga e mui nobre Ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, será concedida uma pensão vitalicia e annual de 90$000 réis, a contar da data em que aquella mercê lhe for conferida, a qual será isenta do pagamento de qualquer imposto.

§ 1.° A concessão da pensão será feita em decreto e seguidamente publicado em Ordem do Exercito ou da Armada, ou no Boletim Militar do Ultramar.

§ 2.° Ás praças de pret do activo do exercito do reino, da armada e das forças militares ultramarinas, ás que estejam na reserva ou sejam reformadas, e bem assim aos individuos da classe civil que tenham sido agraciados com qualquer grau da referida ordem durante o seu serviço militar como praça de pret, serão applicaveis as disposições d'este artigo e seu § 1.°, desde a data da promulgação da presente lei.

Art. 2.° É criada uma 7.ª classe para a admissão no Hospital de Invalidos Militares, comprehendendo as praças de pret condecoradas com qualquer grau da antiga e mui nobre Ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, que estejam impossibilitadas do serviço e não possuam outros meios de subsistencia alem da pensão a que se refere o artigo 1.° da presente lei, e bem assim os individuos da classe civil que, durante o seu serviço militar como praças de pret, tenham obtido igual recompensa e se encontrem nas mesmas circunstancias.

§ unico. Os individuos a que se refere este artigo terão preferencia, em igualdade de circunstancias, para a admissão era cada uma das classes a que se refere o artigo 2.° do regulamento do Hospital de Invalidos Militares, de 29 de dezembro de 1849.

Art. 3.° Os orfãos de ambos os sexos dos individuos a que se refere o artigo 1.° e seu § 2.° serão preferidos para a admissão, nos termos dos respectivos regulamentos, na Real Casa Pia de Lisboa e nos outros estabelecimentos officiaes de beneficencia e educação dependentes do Ministerio do Reino.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 11 de maio de 1908. = Francisco Joaquim Ferreira do Amaral = Sebastião Custodio de Sousa Telles- Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha.

O Sr. Presidente: - A deputação que tem de entregar a Sua Majestade El-Rei alguns decretos das Côrtes Geraes será composta dos seguintes Dignos Pares:

José Luciano de Castro.
Julio de Vilhena.
Moraes Carvalho.
Francisco Beirão.
Pimentel Pinto.
Sá Brandão.
José da Silveira Vianna.

Sua Majestade digna se receber esta deputação ámanhã, ás duas horas da tarde.

A seguinte sessão é na quarta feira 29, e a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje, e mais o projecto referente á lista civil.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e vinte cinco minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 24 de julho de 1908

Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco; Eduardo de Serpa Pimentel; Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel; Arcebispo de Evora; Condes: de Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, de Sabugosa, de Tarouca; Viscondes: de Algés, de Athouguia, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Eduardo Villaça, Costa e Silva, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Bernardo de Aguilar, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Serpa Machado, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Gama Bar-

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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

Projectos de lei apresentados pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido, e que nesta sessão tiveram segunda leitura.

Senhores. - A crise agricola em que o país se debate aggravou-se de momento com um anno de tão más colheitas, como não ha memoria.

Não se colheu. O proprietario não tem dinheiro para dar trabalho. O trabalhador não tem pão, nem meio de o ganhar no trabalho particular.

A fome, a fome horrivel, bate á porta do pobre nas aldeias e nos montes.

Não ha pão. Não ha meio de ganhar com que o comprar, quando elle appareça á venda, vindo de fora.

São dois os aspectos da crise aguda que já se faz sentir, e apenas se está ainda na colheita e no verão, o tempo de fartura: calcule-se o que será, passados estes dois meses.

Não ha pão; não ha trabalho.

É preciso fornecer o pão - base do alimento popular.

É preciso dar trabalho para o povo poder obter meios de comprar o pão.

Não basta dar o pão ou dar o trabalho.

É preciso dar as duas cousas.

Para dar o pão deve o Governo munir-se das autorizações legaes precisas e dá-las á execução com tal criterio que se acuda ao povo e se evite a especulação desalmada que explora sempre, numa sordida e repugnante gacia, estas quadras dolorosas.

Para dar trabalho deve o Governo tambem precaver-se, com faculdades legaes, era ordem a que os trabalhadores possam ganhar honradamente o pão; mas de modo que o Estado utilize esse trabalho em obras de reconhecida e justificada conveniencia publica.

Criteriosa e equitativamente deve, pois, proceder o Governo, consoante as circunstancias, que só podem ser apreciadas devidamente em relação a cada região e localidade.

Este é o caso - um dos casos - em que não repugna, e até se impõe, ao poder legislativo, a iniciativa de conferir ao executivo as faculdades necessarias para decretar as providencias que a urgencia da salvação publica reclama, reservando-se, escusado é dizê-lo, o direito pleno de exigir contas da forma como de taes faculdades se tiver usado. Nos concelhos onde ha em construcção, por conta do Estado, estradas ou outras obras, nellas está naturalmente indicada a admissão de trabalhadores. Naquelles, porem, onde não ha obras já approvadas e em construcção, bem poderia dar o Governo trabalho nas obras municipaes, de acordo com as respectivas municipalidades, tendo-se sempre em vista, num e noutro caso, a conjugação dos dois objectivos: dar trabalho aos pobres, e ser esse trabalho da maior vantagem publica.

Tal é o pensamento do presente projecto de lei, que tenho a honra de propor á vossa douta apreciação, inspirando-me num alto sentimento de justiça social, que deve ser sempre o supremo criterio da acção governativa.

Restrinjo-me, neste projecto, ás faculdades relativas ao fornecimento de trabalho, e não me occupo do abastecimento dos mercados, pelo pão necessario ao consumo, porque sei que d'este assunto se occupa uma proposta do Governo, já feita, e que foi ou vae ser presente ás Côrtes.

E, porque julgue sufficiente quanto deixo dito, como fundamento e commentario do meu intento, formulo o meu projecto de lei.

Artigo 1.° Fica o Governo autorizado á prover de remedio á crise proveniente do mau anno agricola presente, admittindo, nos serviços das obras publicas do Estado, os trabalhadores que se apresentarem solicitando essa collocação, tendo em vista os seguintes principios, a saber:

1.° Devem continuar as obras do Estado em construcção, de preferencia a quaesquer outros serviços;

2.° Não havendo obras do Estado em construcção deve ponderar-se a conveniencia de, por acordo com as municipalidades, se proseguir nos trabalhos municipaes;

3.° Só em ultimo caso se abrirão obras novas, quando instantemente reclamadas pela necessidade de dar trabalho ao povo, e não puder ter logar nenhum dos meios a que se referem os numeros anteriores;

4.° Deve haver o mais severo escrupulo na abertura de trabalhos, e exercer a maior fiscalização na admissão dos trabalhadores, de modo que só se faculte trabalho onde, e a quem, se averiguar cautelosamente que assim se torne preciso fazer, para acudir á crise de miseria das populações ruraes.

Art. 2.° O Governo deve ter bem presente a situação do Thesouro Publico, e usar, com toda a circunspecção e prudencia, das faculdades que lhe confere a presente lei; e que o seu fim é tão somente dar trabalho ás populações pobres dos campos, mas aproveitando esse trabalho na maior somma de beneficios publicos.

Art. 3.° O Governo dará conta ás Côrtes do uso que fizer d'esta autorização, apresentando-lhe um relatorio completo de todos os trabalhos feitos, especificando-os devidamente e mencionando as respectivas quantias, bem como o numero de trabalhadores que em cada um d'elles se empregaram, e o tempo que duraram.

Art.. 4.° O Governo organizará immediatamente, pela Secretaria de Estado das Obras Publicas, as instrucções necessarias para a execução da presente lei.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Jacinto Candido.

Senhores. - Obedecendo a um principio geral de ordem superior, que, a meu ver, deve traduzir-se na legislação patria, substituindo o regime do ferreo centralismo predominante, por uma moderada e prudente descentralização, que. gere novas forças nacionaes, e contribua efficazmente para a implantação de novos processos de governo e de administração, tão justificadamente reclamados pela opinião publica, sensata e illustrada;

Considerando a doutrina, claramente formulada na conclusão 25.ª do programma do partido nacionalista, que diz assim:

"O nacionalismo affirma ainda, a respeito do poder executivo e com relação á administração publica, o principio da descentralização no seu duplo aspecto: já quanto ás circunscrições administrativas, parochias, municipios, e ainda em casos particulares, districtos; - já quanto a ramos particulares da administração, a que muito convem dar gerencia propria e autonoma, como está feito com os caminhos de ferro do Estado, e exemplificativamente se pode fazer com a administração dos correios e telegraphes;

Tendo em vista que os serviços dos Correios e Telegraphos, os serviços da Imprensa Nacional, os serviços do Arsenal da Marinho, e os serviços do Arsenal do Exercito, são todos de natureza industrial, e que, embora convenha mante-los na posse do Estado, nem por isso menos reclamam uma administração relativamente autonoma semelhantemente á estabelecida para caminhos de ferro do Estado;

Attendendo a que cumpre, em todas essas administrações, fazer imperar um superior principio de justiça, e um rigoroso espirito de economia, em ordem a dar garantias ao pessoal, e a produzir trabalho, em boas condições de preço, que mal se compadece com as im-

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posições de caracter politico, que actuam sempre nas administrações directas do Estado, por melhores que sejam as instrucções dos Ministros;

Em obediencia á lei geral do progresso social, que impõe a especialização de orgãos, correspondendo á especialização de funcções;

Confiadamente, e sinceramente convicto da sua efficacia, para a boa organização d'estes importantes ramos do serviço publico, tenho a honra de submetter ao vosso douto exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O Governo nomeará immediatamente, depois da approvação da presente lei, as seguintes commissões especiaes:

a) Dos serviços dos correios e telegraphos;

b) Dos serviços da Imprensa Nacional;

c) Dos serviços do Arsenal da Marinha;

d) Dos serviços do Arsenal do Exercito.

Art. 2.° Cada uma d'estas commissões será constituida por pessoal de secretaria, technico e operario, devendo occupar-se, com toda a rapidez, de um projecto geral de organização e administração dos seus serviços respectivos, tendo em vista os seguintes principios:

l.° Garantia ao pessoal existente de todas as vantagens, pelo menos, que usufrue ao presente, de conformidade com a lei;

2.° Independencia do poder central, tendo uma gerencia propria, autonoma, e somente sujeita á fiscalização e superintendencia superior do Governo;

3.° Responsabilidade effectiva para os gerentes.

4.° Direito de livre reclamação para o pessoal de secretarias, technico e operario perante a gerencia, com recurso para o Governo e do Governo perante as Côrtes.

5.° Simplificação dos serviços de secretaria e de ordem technica, em ordem a produzir a maior somma de trabalho pelo menor preço.

6.° Estabelecimento de caixas de soccorros e de aposentação para o pessoal.

7.° Regulamentação do trabalho jornaleiro e de empreitadas.

8.° Limite maximo de despesa, fixado pela media, dos ultimos 5 annos.

9.° Tudo o mais que for consentaneo com o pensamento fundamental da presente lei, que é o de tornar o serviço o melhor possivel, sem gravames, antes com interesse para o Estado, e sem encargos, antes com vantagens para os seus servidores, pelos naturaes effeitos de uma boa organização, e de uma severa administração financeira.

§ unico. A commissão dos serviços da Imprensa Nacional terá em vista o serviço especial das Côrtes, havendo sempre uma secção especial, que lhe será destinada, directamente subordinada ás mesas das duas Camaras.

Art. 3.° As gerencias submetterão os seus orçamentos á apreciação do Governo, e, perante este, prestarão contas da sua administração.

§ unico. Os orçamentos e contas serão presentes ás Côrtes, pelos Ministros respectivos.

Art. 4.° Organizados os projectos dos serviços pelas commissões respectivas, nos termos dos artigos antecedentes, o Governo sobre elles formulará as propostas de lei competentes, que submetterá ás Côrtes na primeira sessão futura.

Art. 5.° Alem das commissões officialmente nomeadas, pode qualquer do pessoal existente formular, sobre o seu respectivo ramo de serviço, memorias, ou de um modo geral, ou referidas a especialidades, que apresentará ao Ministro competente, para serem por elle consideradas na elaboração da sua proposta de lei.

Art. 6.° Os projectos das commissões e as memorias avulsas acompanharão os projectos do Governo, para serem apreciados pelas Côrtes.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Jacinto Candido.

Senhores: - "A necessidade de cercar de garantias efficazes o poder judicial, contra as interferencias do poder executivo, confiando todos os serviços que lhe respeitam, a elle proprio, representado pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça; e regulando as nomeações, collocações e promoções, por meio de escalas rigorosas, de modo a excluir-se todo o arbitrio, e a seguir-se, sempre, por uma ordem preestabelecida na lei";

Taes são os termos, precisos e claros, da conclusão 27.ª do programma do partido nacionalista.

Desde muito tempo que tenho advogado, tenaz e convictamente, esta doutrina, que reputo fundamental e primaria, como garantia de verdadeira liberdade.

A grandeza da Inglaterra mais se deve, affirmou alguem, á dignificação da sua magistratura, do que ao poderio das suas esquadras.

Ninguem ha que ouse sequer formular sombra de uma objecção ao principio, superiormente estabelecido pelos publicistas e consignado em todas as Constituições, da independencia do poder judicial.

Certo é, porem, que, do mesmo moio, na pratica, com igual generalidade, ninguem tem havido que cuide de tornar effectivo o principio, e efficazmente executorio o preceito constitucional.

O poder executivo, nessa errada e nociva orientação de tudo em si centralizar, e de tudo subalternizar, portanto, desde a mais humilde funcção publica ao mando da politica partidaria, tem deixado o poder judicial numa situação de relativa dependencia, que é incompativel com as suas altas funcções, como poder autonomo do Estado, que deve ser, e que, de facto, não é.

Do mesmo modo que invadia a esfera do legislativo, pelas ditaduras, pelo abuso das autorizações parlamentares, e pela interferencia, ora violenta, ora astuta, no acto eleitoral, constituindo maiorias submissas, que á sua voz obedeciam somente, esterilizando-se numa abdicação completa, e numa absoluta passividade, quanto ao poder judicial, nada propôs de efficaz, que lhe desse a indispensavel independencia propria, e abandonou-o á sua deficientissima organização.

Urge prover de remedio ao mal; e, coherente com a doutrina do programma do meu partido, que é a mesma, tantissimas vezes, por mim defendida, nesta Camara, e, fora d'ella, em publicas conferencias de propaganda, submetto á vossa critica, justa e sabia, o projecto de lei, que a seguir vae formulado.

Tão escrupuloso quis ser que ao proprio poder judicial desejei commetter o encargo de estabelecer as condições necessarias para a efficacia da sua independencia.

Não deve, porem, o poder legislativo demittir de si a funcção de legislar. Por isso vos proponho que o poder judicial formule o projecto de lei, e que, pelo Ministerio da Justiça, o submetta, sob a forma de proposta ministerial, á apreciação das Côrtes.

Tal é a economia do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O Supremo Tribunal de Justiça organizará um projecto de lei tendo por fim confiar ao poder judicial todos os serviços que respeitam á administração da justiça, tendo em vista os seguintes principios:

1.° Não aumentar a despesa, que não poderá exceder a media dos ultimos cinco annos;

2.° Confiar a nomeação, collocação e promoção dos magistrados judiciaes ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser feitas por meio de escalas rigorosas que excluam todo o arbitrio;

3.° Regular as syndicancias a fazer aos magistrados judiciaes, de modo que haja, para cada anno e para cada districto judicial, juizes inspectores geraes, que serão sempre e em todos os casos os syndicantes;

4.° Estabelecer os casos legaes de

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preterição, transferencia, demissão, suspensão ou de aposentação forçada, por motivo de incapacidade physica, intellectual ou moral;

5.° Determinar os estados e situações em que podem achar-se no quadro, ou fora do quadro, com ou sem vencimentos, de modo preciso e rigoroso, em ordem a que não haja arbitrio e nem favores nem desfavores possam ter logar;

6.° Organização do censo annual da magistratura judicial, por instancias, e na 1.ª instancia por classes, com graduação numerada, tendo-se em vista a antiguidade e o merito;

7.° Subordinação de todo o pessoal judicial, contadores, escrivães e officiaes de diligencias ao poder judicial, que o poderá, só elle, nomear, transferir ou demittir, mediante concurso, e processos preestabelecidos, e offerecendo todas as garantias de independencia e de defesa;

8.° Reorganização da Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, podendo para ella passar parte do pessoal, como for julgado necessario, da Secretaria do Ministerio da Justiça, e sem que resulte aumento de despesa para o Estado.

Art. 2.° Tanto ao Supremo Tribunal de Justiça como ao Governo fica a faculdade de propor ainda tudo o mais que for julgado necessario para a efficaz garantia de independencia do poder judicial, tendo-se sempre em vista não aumentar a despesa publica, que, em caso algum, poderá exceder a media dos ultimos 5 annos.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Jacinto Candido.

Rectificação

Na sessão n.° 25, de 10 de julho de 1908, pag. 6, col. 2.ª e linha 25, onde se lê: "não era Ministro", deve ler-se: "não era Ministro da Guerra".

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