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vida por esse mesmo Ministro, que assim se tornaria juiz e parte nessa questão; e que nos recursos, que o Governo interpozesse por meio de relatorios, se daria o mesmo absurdo, se fosse o Governo quem resolvesse esses recursos. O Digno Par adduziu ainda como argumento, que no mesmo Decreto regulamentar do Conselho de Estado se determinava, que a secção do contencioso administrativo podia condemnar nas custas as partes que decaíssem no recurso; e que tambem podia tomar conhecimento dos recursos do Tribunal de Contas. Parece-me que foram estes os argumentos principaes a que S. Ex.ª se referiu.

Ora eu, Sr. Presidente, estou convencido de que em todos estes casos a secção do contencioso não faz senão consultar; e estou tambem convencido de que mesmo no caso do recurso que se interpõe contra os actos de um Ministro, é o Governo quem resolve o recurso: e que em relação ás custas a que são condemnadas as partes que decaem no recurso, a secção do contencioso não tem direito de resolver este negocio senão depois do Governo ter tomado a sua decisão, e ter sido o Decreto, que resolve a questão, lido em audiencia publica; e que em relação ao Tribunal de Contas acontece o mesmo que a respeito de todas as outras consultas do contencioso, porque vem no artigo 31.° do Regulamento—que o Conselho de Estado consulta e propõe Decretos sobre taes e taes pontos, e sobre os recursos do Tribunal de Contas.

Mas eu não me contento unicamente com apresentar estas razões: vou referir á Camara a historia do Conselho de Estado administrativo entre nós, e farei vêr, em presença da discussão que houve na outra casa do Parlamento, qual foi o pensamento do legislador em relação á Lei de 3 de Maio de 1845, por virtude da qual foi organisado o Conselho de Estado. Provarei tambem que a legislação franceza, de que foi copiada a nossa Lei de 1845, não deixa a este respeito a menor duvida.

Em 1843 o Sr. Conde de Thomar, sendo Ministro do Reino, apresentou na outra casa do Parlamento umas bases para a organisação do Conselho de Estado. Nessas bases era o Conselho de Estado dividido em duas secções: secção administrativa, e secção do contencioso administrativo; esta ultima era um verdadeiro Tribunal superior de administração. Basta lêr o projecto apresentado pelo Digno Par, para se conhecer que esse era o pensamento de S. Ex.ª Esse projecto, fallando das resoluções da secção administrativa, diz o seguinte (leu).

«Art. 48.° As consultas da secção administrativa não teem força de obrigar senão depois de resolvidas pelo Governo.»

E, fallando da secção do contencioso, diz o seguinte {leu).

«Art. 52.° A secção do Contencioso delibera em ultima instancia, salvo o recurso de que ao diante se falla, sobre os recursos, etc...

«Art. 60.° Os accordãos da secção do Contencioso serão motivados.»

Logo, segundo o pensamento de S. Ex.ª, o Conselho de Estado era dividido em duas secções, a secção administrativa, e a secção do Contencioso administrativo: a primeira era méramente consultiva, e a segunda era um tribunal supremo de administração, que resolvia por accordãos, e em ultima instancia, os recursos que lhe eram interpostos sobre as questões do Contencioso administrativo.

A respectiva commissão de administração, no seu parecer de 20 de Março de 1843, approvou as bases deste projecto.

Mas na sessão de 26 de Fevereiro de 1843, discutindo-se este parecer, o illustre relator da commissão de administração desse anno, o Sr. Conselheiro de Estado Silva Cabral, retirou em nome da commissão o mesmo parecer, e o substituiu por outro, em que a respeito da secção do Contencioso administrativo se estabelecia uma doutrina diametralmente opposta, tornando aquella secção méramente consultiva, como o era a secção administrativa, e declarando o illustre relator que esta alteração essencial no projecto primitivo fóra feita de accôrdo com o Governo. Para que a Camara possa avaliar a exactidão do que acabo de dizer vou lêr o discurso do Sr. Silva Cabral, a que acabo de alludir:

«O Sr. Silva Cabral (sobre a ordem) — Sr. Presidente, é esse um dos objectos mais graves que podem apparecer no Parlamento; é um daquelles objectos que tem occupado a séria meditação, não só dos differentes Ministérios, mas de differentes commissões. A organisação do supremo Conselho administrativo, ou do Conselho de Estado tem sido apresentada por differentes maneiras no nosso paiz; e é sabido que, apesar do adiantamento em que está o direito administrativo em França, este objecto tem alli occupado as attenções do Governo nas differentes convulsões politicas por que tem passado; e ainda hoje, depois de tantos annos, de tantas discussões, talvez se não julgue perfeita a organisação do Conselho de Estado em França.

A commissão de administração publica, querendo corresponder á confiança que a Camara nella depositou a respeito de um objecto tão grave e transcendente, teve diversas conferencias para assistir às quaes convidou o Governo, e teve o gosto de vêr que este não só se não recusou a este convite, mas com as suas luzes cooperou para o trabalho que ella vai sujeitar ao juizo da Camara.

Sr. Presidente, a commissão viu que o plano que vinha junto a esse projecto n.º 58 era um pouco vasto, e que continha disposições regulamentares, que muito bem se podiam dispensar, por isso mesmo que estavam nas attribuições do Governo; reconheceu tambem que o melhor modo de apresentar este negocio era offerecer certas bases, sobre as quaes, por constituirem os pontos principaes que podem admittir differença de opiniões, se podesse suscitar a discussão. É esta a razão por que a commissão, sem alterar na maxima parte estas differentes bases, as separou do plano que vem junto ao projecto do Governo, para que podessem servir de thema á discussão, em ordem a esclarecer uma questão tão transcendente. Mas ao mesmo tempo que faço estas observações á Camara não posso deixar de notar uma mudança essencial que a commissão, de accôrdo com o Governo, julgou dever fazer no plano que vem junto a esse projecto n.º 58. Segundo esse plano havia na terceira secção constituida uma secção contenciosa, que era verdadeiramente um tribunal administrativo para julgar e fazer executar, pela sua propria auctoridade, - as suas decisões; a commissão entendeu que isto era um erro em administração; ponto este que tem sido levado á maior evidencia em França, na sessão de 4854, e na de 4845. Esta consideração não podia deixar de fazer alterar o systema da commissão; e é a razão por que a mesma commissão de accôrdo com o Governo entendeu que não devia haver differença com relação ao meio de execução das votações de uma e de outra secção; que não devia haver differença entre a secção administrativa e a contenciosa, e que nenhuma devia ter o direito de executar por sua propria auctoridade as suas decisões, por isso mesmo que isto não podia deixar de embaraçar o Governo na sua acção, e tornal-o um verdadeiro authomato.

Com esta unica alteração, que ena verdade essencial, mas de accôrdo com todos os principios, passo a lêr a substituição que a commissão offerece.

parecer.

A commissão de administração publica reconhecendo a necessidade de dar ao Conselho de Estado, creada pela Carta Constitucional da Monarchia, uma organisação que o converta no mais poderoso auxiliar que deve ser do Governo, que o constitua o centro da administração do estado, como convem que seja, e que o torne uma garantia verdadeira para os interessados nas decisões em materias contenciosas administrativas como pede a justiça, tendo considerado que o plano apresentado pelo Governo para este importante fim, não satisfaz inteiramente a todas estas condicções e encerra muitas disposições puramente regulamentares, cuja discussão exigiria grande espaço de tempo, e havendo finalmente, meditado este importantissimo assumpto, em conferencia com o Governo, tomou a deliberação, de accôrdo com o mesmo Governo, de propor-vos como substituição ao parecer n.º 58, os seguintes artigos nos quaes julga comprehendidos os pontos capitães que uma vez approvados, deverão servir de base á organisação do Conselho de Estado.

Por virtude desta doutrina em logar dos artigos 48.°, 82.°, e 6.° do projecto primitivo, e "que já li á Camara, lia-se na substituição o seguinte:

«Artigo 14.° Por qualquer modo que o Conselho de Estado funccione, as suas deliberações serão reduzidas á fórma de consultas, as quaes só obrigarão depois de resolvidas pelo Governo.»

Este artigo, que é o artigo 15 da lei de 3 de Maio, acabaria com todas as hesitações, e demonstraria o nenhum fundamento, com que aqui se veiu dizer do alto da tribuna, que a secção do Contencioso administrativo resolvia em ultima instancia as questões, que lhe eram submettidas, e que o Governo era obrigado a conformar-se com os seus decretos. A discussão, que teve logar sobre essa substituição offerece por ora novos argumentos a favor da doutrina, que sustento, e demonstra de uma maneira irrefregivel, que o Digno Par, a quem respondo, labora completamente em erro a este respeito.

Nessa discussão occorreu uma circumstancia importante, que veiu derramar luz sobre a questão actual, e veiu a ser que um distincto membro daquella casa, e que hoje infelizmente não occupa já a sua cadeira nesta Camara, o Sr. José Maria Grande, abraçou o projecto primitivo do governo, e combateu a substituição. A discussão, que daqui resultou, abraçou todos os pontos importantes do projecto, e obrigou o illustre relator a tomar repetidas vezes a palavra para explicar o pensamento da commissão. Na sessão de 3 de Março de 1845, disse S. Ex.ª o seguinte (leu.)

«A commissão entendeu primeiro que o Conselho de Estado, ou funccione em sessão administrativa, ou em sessão do Contencioso é sempre consultivo, que o seu voto não é mais do que uma consulta, que não póde, nem deve ter força senão em virtude de um decreto do Rei».

Não no mesmo discurso, mas depois da replica do Sr. José Maria Grande, disse o illustre relator o seguinte (leu.)

«Em ultima analise, diz o auctor, que citei, ou seja na secção contenciosa, ou seja na secção administrativa não é elle (o Conselho de Estado), que tem de decidir; quem tem de decidir, quem decide e o geral administrador. A questão é decidida pelo Chefe do podér moderador, e do executivo, como regulador de todos os conflictos».

Aqui está a questão dos conflictos, respondida pelo illustre relator da commissão.

Na sessão seguinte disse ainda S. Ex.ª

«No projecto originario do Governo o Conselho de Estado julgava em ultima instancia; os seus accordãos executavam-se por jurisdicção propria; mas nós não quizemos admittir similhante principio nestas bases.»

Na sessão de 5 de Março, interpellado o illustre relator da commissão, se o Governo estava de accôrdo com as doutrinas da commissão, respondeu o seguinte:

«O Sr. Silva Cabral (sobre a ordem)—Eu pedi a palavra sobre a ordem, quando o illustre Deputado se dirigiu ao Sr. Ministro da Marinha, porque é justamente nesta occasião, que ao relator da commissão compete dar todas as explicações que veem opportunamente para o caso. Eu direi, pois, visto que se perguntou se o Governo sustenta estes principios, visto que se perguntou se a commissão vai de accôrdo com o Governo: respondo—que a commissão quando apresentou esta proposta foi de accôrdo com o Governo, porque o projecto era originario do Governo: que esta foi a opinião da commissão; foi a mesma opinião do illustre Deputado, e digo que o Governo é de opinião de sustentar esta mesma doutrina.

Eu fui encarregado de dizer isto por parte do Sr. Ministro do Reino, e digo-o tambem por parte da commissão.»

Nessa mesma sessão um dos mais dignos ornamentos desta casa, que não sei se está presente, o Sr. Ferrão, disse o seguinte:

«O Sr. Ferrão—Ora, Sr. Presidente, é possivel que em algum ponto chamado o Conselho de Estado a pronunciar sobre um conflicto entre auctoridades administrativas e judiciaes, o Conselho de Estado pronuncie menos legalmente, mas como no systema deste projecto, as consultas do Conselho de Estado não são obrigatorias, sem que sobre ellas recaia a resolução, quem fica responsavel pela infracção da Lei é o Ministerio se der execução a essa disposição; por isso eu estimei vêr no projecto consignado o principio de que as funcções do Conselho de Estado são só consultivas, e as suas deliberações não tem força de obrigar: as suas decisões não tem força alguma, sem que os Ministros assumam por algum meio, e tomem sobre si a responsabilidade; mas quem ha de pronunciar o Poder judicial? Estamos no mesmo caso; se o Poder judicial atacar a independencia do Poder executivo? (Interrompendo o Sr. J. M. Grande —A commissão mixta.) O orador—Mas a commissão mixta, para que é ella? Se a resolução, se a consulta, ou deliberação do Conselho de Estado sobre os conflictos não tem força de obrigar sem a resolução do Ministerio, sem que o Ministerio assuma a responsabilidade dessa resolução, quem decide a final é o Ministerio, é o executivo; ao contrario, Sr. Presidente, é innegavel, que uma commissão mixta composta de pessoas differentes, são sempre mais tenazes em sustentar uma opinião do que o seriam se estivessem constituidas no mesmo Tribunal, isto é da natureza humana, cada um revestir-se de mais podér.»

Na sessão de 8 de Março disse ainda o Sr. Ferrão o seguinte:

«O Sr. Ferrão — O Conselho de Estado, segundo a Carta, exerce unicamente funcções consultivas, ou seja para o exercicio do Poder moderador, ou seja para o exercicio do Poder executivo, quando se tracta de negocios graves; e além da Carta, cumpre que as novas attribuições que a Lei lhe conferir, não vedem ao Poder executivo alguma parte do que lhe pertence segundo a mesma Carta, o que necessariamente assim aconteceria, se lhe fosse submettido o contencioso da administração sem o correctivo apresentado na base que se discute.

O Conselho de Estado não fica assim puro authomato, como disse o Sr. Deputado, porque, Sr. Presidente, as decisões do Conselho de Estado não são menos respeitadas por ficarem dependentes da resolução Regia, a qual é conveniente para que no caso de não serem as mesmas decisões conformes á justiça, segundo a convicção dos Ministros do Rei, possam elles exercer o seu veto, e impedir por tal modo o effeito dessas decisões, o que muito poucas vezes ha de acontecer, se ajuizarmos pelo que diariamente está acontecendo a respeito das resoluções de consultas de outros tribunaes administrativos. Mas além de conveniente a resolução Regia nos negocios do contencioso administrativo torna-se indispensavel, porque sendo este contencioso uma parte do executivo, cumpre que por tal fórma os Ministros adoptem as decisões do Conselho de Estado, para que assumam a responsabilidade, que sómente a elles se póde e deve impôr, segundo a Carta, nos actos do Poder executivo.»

Aqui está como o Sr. Ferrão entendia, que segundo as bases que se discutiam, o Governo tinha o direito de se não conformar com as consultas da secção do contencioso do Conselho de Estado.

Entre os argumentos que apresentou, não esqueceu tambem ao Sr. José Maria Grande o de que segundo a organisação, que se pertendia dar ao Conselho de Estado, o Governo se tornava juiz e parte nos recursos, que interpunha, e nos que eram interpostos dos seus actos. A este argumento respondeu o Sr. Silva Cabral da maneira seguinte:

«O Sr. Silva Cabral — A questão que o illustre Deputado propoz, foi—se a justiça administrativa se podia delegar?.. E se era ao Governo a quem compelia decidir da coherencia dos seus actos com a lei, sendo juiz e parte ao mesmo tempo?

A resposta simples a tal pergunta seria: 1.° que a justiça administrativa se não póde delegar, porque sendo em ultima analyse administrar o mesmo que governar, o Rei não póde delegar sem abdicar o Governo; o que é contra a natureza das cousas: 2.° que o mesmo auctor de donde o illustre Deputado tirou a segunda objecção (Mr. Perfil, a pag. 18 do seu relatorio), é o proprio que lhe responde cabalmente a pag. 19, dizendo — que não é senão uma distincção subtil essa de confundir o Governo — ser moral, collectivo e politico — com os homens a quem a Carta e o Rei confiam o seu exercicio. O Governo, isto é, a sociedade, para bem da qual o Governo obra, tem todo o interesse na decisão, porque ella deve aproveitar-se do seu resultado, e as razões de decidir devem sempre ser procuradas na maior vantagem social, mas daqui ao interesse dos Ministros, que são chamados a pronunciar, vai uma distancia immensa. Estes não tem maior interesse na decisão que qualquer outro cidadão, não podem logo ser suspeitos de parcialidade.

Vozes— Excellentemente, apoiado.

Demais, não dão as bases uma satisfação plena aos mais incredulos? O Conselho de Estado não ha de intervir com o seu conselho? O publico não ha de assistir ás discussões? Os advogados, os officiaes publicos, não hão de assistir aos debates? São estas pequenas garantias de imparcialidade e justiça? (apoiados numerosos).»

Aqui estão os verdadeiros principios, que regularam este assumpto. Todos os jurisconsultos concordam em que resolver as questões do Contencioso administrativo é administrar, e que o Poder executivo não poderia renunciar aquella prerogativa sem abdicar a sua independencia. Que o Conselho de Estado serve só para esclarecer o Governo, e que a responsabilidade dos Ministros será muito maior se adoptarem resoluções

injustas contra os conselhos daquelle respeitavel corpo.

Cesso com estas citações, porque é inutil continuar: o que eu queria mostrar á Camara e que na discussão larga e luminosa, que teve logar na outra casa do Parlamento a este respeito, ficou plenamente demonstrado, que o systema que a Camara acceitou foi exactamente o contrario do que apresentou o nobre Conde, como Ministro do Reino, e que as alterações que foram feitas no seu projecto tiveram o assentimento de S. Ex.ª Fica portanto patente, a sem-razão com que. S. Ex.ª me increpou por não ter estudado o Regulamento, nem ter comparado os seus differentes artigos. Demonstrei que tinha examinado não só o Regulamento, mas tambem a discussão que teve logar a respeito da Lei que lhe serve de base, e explica a doutrina que elle contém.

Eu disse tambem, que a legislação franceza era a fonte da Lei de 3 de Maio de 1845, e por consequencia da nossa legislação actual sobre o Conselho de Estado, e que a legislação franceza continha a doutrina que sustento. Cumpre-me demonstrar agora esta proposição.

Aqui está o que diz Cormenin sobre a natureza da jurisdicção do Conselho de Estado (leu).

«Do principio que os Ministros são responsaveis, e que o não seriam se os conselhos dos seus comités respectivos fossem obrigatorios, segue-se:

«Que as deliberações dos comités do Conselho de Estado junto a cada Ministerio só são consultas que o Ministro approva, ou não approva.

«Do principio que o Conselho de Estado não tem por si mesmo o caracter e a auctoridade independente do Juiz, segue-se:

«Que as deliberações do comité do contencioso, e mesmo as de todos os comités reunidos em assembléa geral, debaixo do nome de Conselho de Estado, não constituem senão projectos, consultas, actos preparatorios, e não tomam o nome, a força e a execução d'accordãos senão pela assignatura do Rei.»

Vejamos agora o que diz Foucart (leu).

«Quando damos ao Conselho de Estado o titulo de Tribunal superior administrativo, e fallamos da sua competencia e da sua fórma de processo, exprimimos antes o facto do que o direito; porque, no estado actual da legislação, o Conselho de Estado não tem, propriamente fallando, jurisdicção; mesmo quando elle pronuncia sobre o contencioso não dá verdadeiras sentenças, mas conselhos que o Rei adopta e torna obrigatorios, dando-lhes a força de Decretos.

«Este systema funda-se no principio de que ao Rei sómente pertence o podér executivo; que julgar as difficuldades que nascem por occasião do exercicio deste podér, é ainda administrar; que dar a qualquer corpo o direito de estatuir sobre estas difficuldades seria entregar-lhe a administração, e destruir juntamente a liberdade e a responsabilidade dos seus agentes. Assim, a consulta do Conselho de Estado, dada depois de uma instrucção séria, é uma garantia para os particulares; o direito que tem o Rei de não confirmar estas consultas, é uma garantia para o podér, e a responsabilidade em que incorre o Ministro que referenda o Decreto, põe ao mesmo tempo os individuos e a sociedade a coberto dos abusos.»

Mas não nos contentemos com a opinião destes jurisconsultos, por mais auctorisados que sejam. Vejamos o que dizem a este respeito as proprias Leis francezas, e destas citarei a de 19 de Julho de 1845, que não póde ser suspeita aos Dignos Pares.

A Lei de 19 de Julho de 1845 diz o seguinte:

«Art. 24.º Se o Decreto não é conforme á consulta do Conselho de Estado, não póde ser adoptado senão em Conselho de Ministros, deve ser motivado e inserido no Monitor, e no Boletim das Leis.»

Foi já uma concessão que se fez, porque esta Lei mandava que não fosse um Ministro só que decidisse a consulta, quando se não conformasse com ella, mas sim o Conselho de Ministros. Na legislação anterior era só o Ministro respectivo, disposição que tornou a vigorar pela ultima Lei, que é a de 25 de Janeiro de 1852, e que diz o seguinte (leu):

«Art. 24.° Se o Decreto não é conforme com o projecto proposto pelo Conselho de Estado, é inserido no Monitor, e no Boletim das Leis.»

O Governo póde pois conformar-se, segundo a legislação franceza, ou deixar de se conformar com as consultas da secção do Contencioso do"Conselho de Estado.

Aqui tem V. Ex.ª como pela lettra, e espirito da nossa Lei de 3 de Maio de 1845, pela discussão, que a precedeu, e pela legislação franceza, de que é copiada, fica demonstrado, que a doutrina, que contém essa Lei, sustentada e referendada pelo Sr. Conde de Thomar, é exactamente a contraria á que S. Ex.ª veio aqui sustentar. É verdade que o Regulamento do Conselho de Estado de 9 de Janeiro de 1850 é posterior a essa Lei; mas esse Regulamento não podia modificar aquella doutrina; porque a Lei deli de Julho de 1849, que auctorisou o Governo a fazer algumas alterações no Regulamento do Conselho de Estado de 16 de Julho de 1845 ordenou expressamente, que essas alterações fossem feitas de accôrdo com as bases da Lei de 3 de Maio de 1845, a qual, como demonstrei, determina no seu artigo 15.°, que o Conselho de Estado, ainda quando funcciona sobre o contencioso administrativo, é méramente consultivo. Por tanto, se o Digno Par tem a convicção de que o Regulamento de 9 de Janeiro de 1850 dá a secção do Contencioso o direito de resolver definitivamente as questões, que lhe são submettidas, e que não é puramente consultivo, e que a assignatura do Rei é uma mera formalidade, que o Governo não póde negar; digo que S. Ex.ª saíu da auctorisação, que lhe deu o Corpo legislativo. Mas não saíu, porque esse mesmo Regulamento contêm o artigo 172.°, que diz o seguinte (leu):

«As deliberações do Conselho de Estado serão, nos termos deste Decreto, reduzidas á fórma de consultas, as quaes sómente obrigarão depois de resolvidas pelo Governo.»