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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 29 DE MARÇO DE 1864

PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se reunidos 33 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, como não houve reclamação em contrario, julgou-se approvada na conformidade do regimento.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:, Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando uma proposição sobre a prorogação do praso para a troca e giro das moedas mandadas retirar da circulação, e para a cunhagem de nova moeda; bem como para a continuação do benefício concedido aos particulares e a diversos estabelecimentos pelo artigo 2.° da lei de 24 de abril de 1856, a que se reporta a alludida proposição. — Foi remettida á commissão de fazenda.

Um dito do ministerio da marinha e ultramar, enviando, para se distribuirem pelos dignos pares, setenta exemplares do orçamento geral das provincias ultramarinas para o anno economico de 1864-1865.— Mandaram-se distribuir.

O sr. Secretario (Conde de Mello): — Sr. presidente, pedi a palavra porque desejo apresentar á camara um requerimento, e desde já peço a V. ex.ª que seja mandado á commissão respectiva. O requerimento é do major reformado José Maria Guedes Trinité; este official conta já mais do sessenta annos de. serviço, e pede a esta camara que, em vista de cinco documentos que apresenta, e que attestam a sua boa conducta e serviços por elle prestados, lhe seja applicada a lei que melhora a sua reforma.

Foi remettido á commissão de guerra.

O sr. A. Xavier da Silva: — Desejo fazer um pedido á camara. Acaba de ser distribuido o parecer n.° 347, da commissão de legislação, auctorisando aos monte pios a compra de edifícios necessarios para o estabelecimento de seus escriptorios; e ha um cuja urgencia é reconhecida, que é o monte pio geral, ao qual é necessaria esta auctorisação.

Peço a V. ex.ª que consulte a camara se dispensa o regimento, para que este projecto seja discutido; parece-me que não haverá grande discussão, e com isso fazemos um grande serviço a um estabelecimento que de certo merece a consideração da camara.

Consultada a camara foi admittido á discussão.

Leram-se na mesa o alludido parecer e projecto, que são do teor seguinte:

PARECER N.° 347

Senhores.— A commissão de legislação d'esta camara, a quem foi presente o projecto de lei n.º 361, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim conceder ás associações denominadas monte pios e a todas as outras de igual natureza o direito de adquirir e possuir os predios urbanos necessarios para o estabelecimento de seus escriptorios de administração social, examinou os fundamentos do mesmo projecto, bem como da proposta do governo que lhe diz respeito, e depois de tudo considerado é a vossa commissão de parecer que o projecto de que se trata seja approvado e convertido em decreto das côrtes geraes para ser submettido á real sancção.

Sala da commissão, em 28 de março de 1864.= Joaquim Antonio de Aguiar = Vicente Ferrer Neto Paiva = Basilio Cabral Teixeira de Queiroz = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Manuel Antonio Vellez Caldeira Castel-Branco.

PROJECTO DE LEI N.° 361

Artigo 1.° As associações denominadas monte pios, e todas as outras de igual natureza, ficam auctorisadas a adquirir e possuir predios urbanos necessarios para o estabelecimento de seus escriptorios de administração social.

Art. 2.° Estas acquisições não podem ter logar sem previa auctorisação das respectivas assembléas geraes convocadas expressamente para este fim, e sem auctorisação do governo.

Art. 3.° Fica por este modo alterada a lei de 13 de maio de 1853 e revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 19 de março de 1864.= Cesário Augusto de Azevedo Pereira, deputado presidente = Miguel Osorio Cabral, deputado secretario = José de Menezes Toste, deputado vice-secretario.

Não havendo quem pedisse a palavra foi posto a votação e approvado na generalidade e especialidade.

Entrou em discussão o parecer n.º 346, sobre o projecto n.º 357, que são do teor seguinte:

PARECER N.° 346

Senhores.— A commissão de guerra, a quem foi presente o projecto de lei n.º 357, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim revogar o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863 relativo á organisação do exercito, tendo examinado devidamente o indicado projecto, e ouvido o respectivo ministro; considerando que a organisação do exercito, como havia sido decretada, offerecia inconvenientes na sua execução; considerando que o governo promette não abandonar a idéa das necessarias reformas, e de opportunamente as realisar: é a vossa commissão de parecer que o mencionado projecto deve ser approvado por esta camara, para que, obtendo a sancção real, seja convertido em lei.

Sala da commissão, em 12 de março de 1864. — Conde de Santa Maria = José Maria Baldy = Joaquim Filippe de Soure = Conde de Sobral = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Tem voto do digno par Conde de Mello.

PROJECTO DE LEI N.° 357

Artigo 1.° E revogado o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863, que organisou o exercito, e suscitada a observancia das disposições que n'aquella data eram applicadas ao mesmo exercito.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 7 de março de 1864. = Cesário Augusto de Azevedo Pereira, deputado presidente = Miguel Osorio Cabral, deputado secretario = José de Menezes Toste, deputado vice-secretario.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Pedi a palavra, não para me oppor, nem fallar a favor do projecto que está em discussão, mas sim para cumprir o dever de fazer conhecer á camara qual foi a maneira como, por parte do governo, dei execução á auctorisação que foi concedida ao mesmo governo para melhorar a organisação do exercito.

Não tenho presente nem o decreto de 1849, que estava em vigor, e que regulava a organisação do exercito, nem o decreto de 1863, que alterou essa organisação; e por isso, no que vou dizer, poderei deixar de mencionar algumas disposições importantes.

Quando pedi a auctorisação para fazer alguns melhoramentos na organisação do exercito, tive em vista o systema geral da defeza do reino; combinando-se para esse fim as obras de fortificação com a organisação especial da força armada.

Eu já disse n'esta camara, em outra sessão, que quando, ha tres annos, fui convidado para entrar no ministerio,

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puz, como condição principal para a minha aceitação, que se pedisse ás côrtes uma certa quantia, para que, com a maior brevidade possivel, * se principiassem as fortificações de Lisboa.

Aceita a condição, foi pedido o credito e foi votado, não sómente para as fortificações de Lisboa, mas tambem para as do Porto.

São estas duas cidades a base do systema de defeza do reino, e por isso e indispensavel que estejam muito bem fortificadas e muito bem armadas.

Emquanto á fortificação de outros pontos, a sua escolha depende de varias considerações, entre as quaes hão de ter logar as directrizes dos principaes caminhos de ferro; as quaes hoje estão, até certo ponto, no mesmo caso em que estavam antes os rios navegáveis para as operações de campanha, pela facilidade da conducção de homens, de viveres e do material de guerra.

A força do nosso exercito deverá pois ser proporcionada não sómente aos pontos que haverá a defender, mas ainda á população do paiz e aos fundos que o corpo legislativo votar para ella.

Precisámos ter um exercito, não grande, porque isto seria impossivel em vista dos nossos recursos; mas que tenha uma perfeita disciplina, conhecendo os officiaes e soldados muito bem os seus deveres, e que possua todas as qualidades que são necessarias, a fim de que se possa tirar d'elle o maior proveito. Assim se attenuará, de algum modo, a desvantagem proveniente do seu diminuto numero. Foi com esta intenção que, pelo decreto de 21 de dezembro de 1863, se fizeram varios melhoramentos no plano de organisação de 1849. Esse decreto, note bem a camara, não contém uma grande alteração daquelle plano, porque entendo que, quanto menos forem alterados os regulamentos estabelecidos para o exercito tanto melhor; porque todas as mudanças trazem comsigo despezas, que ás vezes na unidade parecem insignificantes, mas que pelo seu numero se tornam consideraveis.

Passarei agora a apontar á camara algumas das disposições do mesmo decreto. Quanto ao estado maior general, attendi a que o numero de officiaes generaes era um pouco maior do necessario, pois que d'elles existem quatro ou cinco que não podem ser empregados, porque não ha emprego para todos elles; e por isso que o seu numero podia ser diminuido sem que se faltasse ao bom serviço do exercito. Acontecia que os officiaes generaes da classe dos brigadeiros que não estavam empregados no serviço activo se achavam n'uma posição penosa por ficarem em circumstancias muito peiores do que aquellas em que estavam quando eram coroneis commandantes de corpos. Diminui por isso de seis o numero d'estes officiaes generaes, e por este meio dentro de um certo praso de tempo, em virtude das vacaturas que occorrerem, poderão obter-se os meios sufficientes para elevar a 90$000 réis os soldos dos marechaes de campo ou majores generaes, sem augmento de despeza para o estado. Supprimida esta classe dos brigadeiros, conservava se um posto unico intermediario entre coronel e tenente general, como em quasi todos os paizes da Europa, á excepção de Hespanha.

Quanto á denominação d'este posto podia ser a de marechal de campo, no que havia inconveniente, ma» como se refundiam as duas -classes numa só, achei melhor dar-lhe o nome de major general, que é o mais usado nos paizes estrangeiros, Sendo esta a denominação que têem os generaes do posto inferior ao de tenente general em Inglaterra, na Belgica, na Russia, na Austria, Prússia, Baviera e mais estados da Allemanha, em Suecia, em Dinamarca e inclusivamente em Italia e nos estados unidos da America. Foi lembrado que se adoptassem os nomes de general de divisão e general de brigada, mas só a França usa destas denominações. De mais são ellas incorrectas porque lá mesmo ha generaes de divisão e generaes de brigada de artilheria e de engenheria, sem que haja divisões ou brigadas de engenheria e artilheria; sendo a denominação de major general aquella que é a mais usada na Europa e na America para os officiaes desta classe, pareceu-me dever dar preferencia a esta denominação. Se o nome do general de brigada, por ser usado em França, devesse ser adoptado em Portugal, igual rasão haveria para o de brigadier, que significa cabo de esquadra de cavallaria, fosse admittido, tendo applicado o titulo de brigadeiro a esta praça de pret. Se tivesse presente os planos de organisação de 1849 e de 1863 eu seguiria a ordem regular, que era notar em cada capitulo as differenças; mas como os não tenho á mão direi sómente o que me occorrer.

Em um dos capitulos se estabelece a creação de uma guarda real que possa substituir a guarda dos archeiros; sendo ella composta com officiaes inferiores do exercito, que tenham dez annos de bom serviço, e tenham dado provas de excellente conducta. Isto não é inovação, mas uma boa imitação do que existe em muitas côrtes da Europa; em Hespanha ha a guarda dos alabardeiros, composta de officiaes inferiores de todas as armas. Guardas similhantes existem na Austria, na Prússia e em outros estados. E uma nova instituição destinada a premiar os officiaes inferiores que têem servido longos annos, e é um meio de conservar as praças d'essa classe nas fileiras do exercito, com a esperança de terem no futuro uma posição melhor. Os officiaes inferiores, como taes, só em pequena proporção podem passar a officiaes de cavallaria ou infanteria, para o que concorrem Com os alumnos do collegio militar e da escola do exercito, emquanto que ás armas scientificas só podem ter accesso os que tiverem completado os cursos da escola do exercito.

Resulta daqui que muitos officiaes inferiores não querem continuar na carreira militar, e procuram outros meios de vida mais proveitosos; é pois evidente que se torna necessario que o estado dê um incentivo aos officiaes inferiores, com o fim de os reter nas fileiras, sendo certo que os officiaes inferiores antigos são os mais proprios para manter a disciplina dos corpos.

A guarda real para o serviço interno do paço foi creada para este fim. Outras vantagens para os officiaes inferiores foram ainda estabelecidas. Uma d'ellas foi determinar que metade dos logares de amanuenses da secretaria da guerra fosse reservada para os officiaes inferiores, com dez annos de bom serviço. (Entrou o sr. presidente do conselho.). Do mesmo modo que na repartição de contabilidade do ministerio da guerra metade dos logares de aspirantes que fosse vagando ficou reservada para os officiaes inferiores do exercito nas referidas circumstancias, o mesmo para uma certa classe de empregados do arsenal do exercito; o mesmo para todos os logares de contínuos e correios do ministerio da guerra.

E tão grande o numero de empregos que ficavam reservados para esta classe de militares, que necessariamente muitos d'elles haviam de preferir á baixa o ficarem no serviço do exercito, a fim de se habilitarem para empregos vantajosos. Estas disposições não se acham no regulamento de 1849 nem nos anteriores.

Temos agora o capitulo que diz respeito ao corpo do estado maior. A instituição d'este corpo é nova na Europa. Foi na Austria que ella primeiro se effectuou.

Em 1818 o marechal Gouvion Sain-Cyr, então ministro da guerra, criou em França uma escola especial d’estado maior. Hoje existe em quasi todos os exercitos da Europa.

Em Portugal foi em 1834 que se ordenou a organisação de um corpo d’estado maior; em 1837 o decreto que instituiu a escola do exercito, criou um curso especial para este corpo; esse decreto foi referendado por mim.

Os officiaes do corpo do estado maior estavam, quanto a promoções, em situação pouco vantajosa, em comparação com officiaes de outras armas.

Na nova organisação foi isto remediado por uma maneira equitativa, o que se fez augmentando tres officiaes superiores; havendo 1 major para 4 capitães, o que é uma proporção muito favoravel para a promoção.

Direi agora que ha alguns annos, sendo eu ministro da guerra, nomeei commissões especiaes, compostas de officiaes muito habeis, para discutirem e proporem o que julgassem conveniente para melhorar a organisação das differentes armas do exercito. Creou-se uma commissão para a artilheria, outra para a cavallaria, outra para a infanteria; alem dessas commissões foram consultados os commandantes geraes do corpo de engenheiros e do corpo do estado maior. Os trabalhos d'essas commissões e as informações d'estes commandantes são muito valiosos, e existem no ministerio da guerra; todas essas propostas foram examinadas cuidadosamente para se ver o que se podia adoptar."Cumpre porém advertir que cada uma d'estas commissões ou commandantes, fizeram as propostas mais vantajosas para as armas a que pertenciam. Isto era natural; mas o dever do ministro, consistia em examinar as differentes propostas e combina-las entre si pela fórma mais equitativa e conveniente para o serviço, e por fórma tal que o quadro geral podesse caber dentro do circulo determinado pela lei que auctorisou o governo a melhorar a organisação do exercito para o que havia servir de base o numero de praças de pret que é votado annualmente, e a verba já votada no orçamento, a qual não podia ser excedida. Para isto se obter foi necessario reduzir as differentes propostas. Por exemplo, o commandante do corpo do estado maior propunha que houvesse 4 coroneis, 5 tenentes-coronéis e 5 majores, quando o quadro d'este corpo era de 2 coroneis, 3 tenentes-coroneis e 3 majores. Pelo decreto foi estabelecido que houvesse 3 coroneis, 4 tenentes coroneis e 4 majores; sendo portanto augmentado de 30 numero dos officiaes superiores o que é sufficiente.

Quanto ao corpo de engenheiros, tinha elle 68 officiaes, que era b numero estabelecido pelo regulamento de 1812, feito por ordem do marechal Bersford; este regulamento tinha servido durante a guerra peninsular, e depois em virtude das circumstancias politicas e por outras causas o numero de officiaes d'este corpo é muito superior ao do regulamento. O decreto dava-lhe um augmento de officiaes superiores, menor porém do que fóra proposto pelo commandante geral.

Pelo que respeita á arma de artilheria pouco houve a alterar porque por um decreto recente se havia modificado a sua organisação, e se havia constituido um regimento montado regular, o que era um regimento montado provisorio, composto das baterias montadas dos tres regimentos, que estavam reunidas em Belem. Augmentou-se o numero de praças de pret de artilheria, creou-se uma escola para officiaes inferiores d'esta arma e estabeleceram se outras disposições.

O sr. Conde de Thomar;—Peço a palavra.

O Orador: — Recordarei agora que pela organisação antiga do nosso exercito tinhamos 24 regimentos de infanteria, 12 batalhões de caçadores, 12 regimentos de cavallaria e 4 regimentos de artilheria. Pela organisação de 1832 foi diminuido enumero de corpos de cada uma das armas, e a artilheria ficou em 2 regimentos. Depois pela organisação de 1837, que foi ordenada por um decreto referendado por mim ficou a artilheria com 3 regimentos. Entretanto a commissão especial encarregada de propor organisação desta arma insistia em que houvesse 4 regimentas de artilheria. Não achei porém motivo para isso, porquanto se a 24 regimentos de infanteria correspondiam 4 regimentos de artilheria, a 18 regimentos de infanteria correspondem 3 regimentos de artilheria, e demais os corpos de infanteria eram na antiga organisação muito mata fortes de que actual. Convém advertir que um dado numero de praças de pret, sendo dividida em certo numero de corpos, apresenta em geral menos força effectiva do que apresentaria se fosse menos dividido. Por exemplo 800 praças de pret, formando um só batalhão, só de 6 companhias, apresenta uma força maior do que 800 homens divididos em 2 batalhões de 6 companhias, porque é preciso terem mais officiaes e maior numero de camaradas que deixam de ser praças para o serviço, e a despeza é maior, porque não é só a despeza dos officiaes, mas tambem com os cirurgiões e outras entidades que existem em um corpo de tropa embora elle seja pequeno. E pois mais economico e é melhor para o serviço não fazer corpos pequenos. Esta foi uma das rasões porque propondo a commissão os 4 regimentos de artilheria, foram conservados os 3 que existiam. Na organisação destes 3 corpos teve se em vista tambem a conveniencia de crear uma boa escola onde os officiaes interiores de artilheria podessem adquirir os conhecimentos necessarios.

No estado actual das cousas, estando um corpo de artilheria em Vianna, outro em Elvas e outro em Lisboa, é difficil ter em cada um dos corpos uma escola regida por officiaes competentemente habilitados. Tendo porém os tres regimentos os seus quarteis na capital a escola seria para todos e seria mantida com pouca despeza. Acha se em construcção um quartel no alto de Campolide, destinado para um regimento de artilheria, este quartel, segundo o seu plano, deverá ser o melhor de Lisboa. Para 03 outros dois regimentos haveria o quartel da Boa Hora, em Belem e o, da Cruz dos Quatro Caminhos. Ordinariamente estes corpos estão divididos em destacamentos, o que é devido á natureza do seu serviço, e por isso estão sempre em pequeno numero, e então podem estar reunidos na capital; donde facilmente podem ir instruir-se na escola pratica das Vendas Novas, e d'onde os destacamentos para o Alemtejo e para o norte poderão ir pelos caminhos de ferro com a maior facilidade. Toda a artilheria ingleza, que constava de quatorze batalhões e que hoje se divide em trinta brigadas, tem o seu quartel em Woolwich; d'onde é destacada com muita facilidade para as differentes partes do globo onde vae fazer serviço.

Quanto á cavallaria, existem hoje oito regimentos de tres esquadrões cada um. A organisação com quatro esquadrões é melhor do que a de tres, mas no estado das cousas não se póde realisar, porque não temos um só quartel capaz de alojar convenientemente quatro esquadrões, com as commodidades necessarias pára homens e cavallos. Antigamente, quando eu servia em cavallaria, os cavallos estavam mais apertados nas cavallariças; mas isso era um mal, que se tem remediado em outros paizes, principalmente em Inglaterra; depois o marechal Soult, sendo ministro da guerra, fez despender muitos milhões de francos em mandar alargar as cavallariças para os cavallos estarem melhor, terem mais ar e poderem deitar-se, o que anteriormente não podiam fazer por falta de espaço; e isto é uma cousa essencial e de que depende em parte a conservação da Cavallaria, pois que a mortalidade é muito menor. Não havendo quarteis sufficientes, foram por isso conservados os oito regimentos de tres esquadrões, mas determinou-se que em caso de guerra, os Reis esquadrões de dois destes regimentos seriam tinidos aos outros seis regimentos, de sorte que cada um destes entraria em campanha com quatro esquadrões, e os outros ficavam servindo de deposito para os regimentos que estivessem em campanha.

Para se ter uma boa cavallaria é preciso que as praças de pret e os officiaes, saibam bem a manobra e as outras suas obrigações, bem como tratar os cavallos com esmero, e que saibam perfeitamente andar a cavallo. No nosso exercito tem diminuido muito o numero de bons cavalleiros, e é preciso portanto ter uma escola de equitação, onde vão successivamente officiaes e officiaes inferiores dos differentes corpos para se aperfeiçoarem, como se pratica em outros paizes. No decreto ordenou se o estabelecimento de uma escola de equitação, e para isso já se tinham feito diligencias para poder obter um official da cavallaria prussiano para, ser instructor d'esta escola. E o tenente general de Roon, ministro da guerra da Prússia, tinha condescendido em fazer elle mesmo a escolha ide um capitão, com o qual estava feito um contrato, que havia sido apresentadora approvação das côrtes. Este official devia vir por tres annos para servir de instructor na escola de equitação. Este negocio estava quasi a concluir-se quando a guerra com a Dinamarca se suscitou. Uma cousa muito importante a attender, é a remonta da nossa cavallaria. Esta é actualmente feita quasi toda com cavallos estrangeiros, mas devemos procurar faze-la com cavallos do paiz; e isto póde conseguir se com o tempo. O ministro da guerra é que póde dar o maior impulso á creação de cavallos em Portugal proprios para a remonta, porque o maior comprador de cavallos no reino é o ministerio da guerra.

No decreto de organisação acha-se uma disposição para este fim, e de grande importancia. Ella porém não foi inventada por mim, e digo isto porque ha gente que gosta de ser tida por inventora, ainda em cousas que já estão inventadas. A disposição a que me refiro está adoptada em França com proveito.

Aquelle paiz estava ha annos, quanto á remonta, em circumstancias similhantes ás de Portugal, porque era obrigado -a comprar para a sua cavallaria muitos cavallos allemães e inglezes. Ha alguns annos o ministro da guerra mandou officiaes de cavallaria examinar minuciosamente o estado da creação de cavallos em diversas partes da França. Resultou dos relatorios por elles feitos que na Normandia se achava tudo a este respeito em perfeito estado, porque os creadores não precisavam de auxilio algum do governo e tinham os cavallos paes necessarios. No Auvergne acharam que tendo-se querido introduzir o cruzamento com ca-

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vallos inglezes, sê estragara a raça do paiz. Notaram que nos departamentos dos Pyrinéas o estado das cousas era melhor; e que no Franche-Conté e na Alsacia achavam cavallos bons para cavallaria pesada.

Depois o ministro nomeou commissões especiaes para que em circumscripções determinadas aonde há creação de cavallos, comprem directamente aos creadores os cavallos; e em certos dias do anno as commissões fazem um giro nos departamentos, annunciando de ante mão que vão fazer tal giro, e convidam os creadores a apresentarem os cavallos. Effectuam as compras, e os cavallos são depois dividos em tres classes: uma destinada á cavallaria pesada, outra aos officiaes e a ultima á cavallaria ligeira, que o ministro da guerra manda distribuir pelos corpos.

Ordenou-se tambem, e com excellentes resultados, que todos os cavallos creados em França, que são praças dos regimentos, tenham baixa no fim de oito annos de serviço, e que sejam vendidos em hasta publica. O fim d'esta disposição é para que os creadores tenham sempre a certeza de que ha de haver compras. E tem acontecido mais, que os cavallos vendidos depois do serviço de oito annos, têem muitas vezes obtido preços superiores aquelles que tinham custado ao estado. Esta medida foi tambem adoptada no decreto com o fim do promover em Portugal a creação de cavallos proprios para a cavallaria.

Passando agora á infanteria direi que se creavam tres batalhões de caçadores para o serviço das ilhas adjacentes. Este serviço tem se feito desde 1834, por destacamentos dos corpos. Esta disposição não é má, antes é conveniente, que os differentes corpos façam este serviço; mas creavam-se os tres batalhões por motivo de economia, porque o transporte dos corpos para as ilhas adjacentes importa em uma somma muito consideravel. Para isso extinguiam-se as chamadas companhias de deposito, que não preenchiam o fim para que tinham sido creadas, e reduziam se os batalhões de caçadores de oito companhias a seis. Por este meio duas companhias de cada um dos batalhões actuaes iam formar os tres novos batalhões, e ficavam todos os batalhões de caçadores com seis companhias cada um, que é o numero de companhias que têem quasi todos os batalhões de caçadores dos diversos paizes da Europa. Nos regimentos, apesar de terem uma força quasi igual á dos batalhões, ficavam tres officiaes superiores, para que não fossem deslocados dezoito officiaes d'esta classe.

Também se creava para a infanteria uma escola normal de tiro, porque é preciso que os soldados tenham uma pratica especial das novas armas, para estarem competentemente habilitados a fazer uso d'ellas, e para que haja uniformidade n'este serviço.

Passarei agora a fallar em algumas das disposições geraes que se acham no decreto. Uma dellas ordenava que os coroneis que devessem passar a officiaes generaes, antes de promovidos, se apresentassem a uma commissão especial presidida por um marechal do exercito, composta de mais seis generaes das diversas armas, a fim de passar a verificar se estavam no caso de terem promoção.

A commissão não examinava o official. Ella recebia do ministerio da guerra todas as informações que ali havia a respeito do coronel; e este apresentava á commissão uma nota em que mencionava os seus serviços militares, ácerca dos quaes elle podia dar explicações e a commissão pedir-lha». Em presença de todos estes documentos a commissão votava se considerava o official em circumstancias de passar ao ponto de official general. A decisão ficava reservada ao governo.

Direi a rasão desta medida. Em todos os exercitos da Europa os postos de officiaes generaes são dados por escolha do chefe do estado. Em Hespanha o coronel com um certo tempo de serviço póde passar para o posto immediato se tiver boas informações e for escolhido pelo rei. Esta tambem era a nossa lei antiga, que não está derogada, roas que não está em pratica ha muito «tempo.

Temos, é verdade, as informações periódicas, relativas á capacidade dos officiaes, que estabeleceu o general Beresford, e que depois se modificaram; ma» o mesmo marechal, em uma das suas ordens do dia, já notava que estas informações dadas pelos commandantes doa corpos eram muito deficientes para por ellas se poder formar um juizo seguro,

Em França o ministro da guerra faz todos os annos inspeccionar os corpos por inspectores que são officiaes generaes das differentes armas os quaes examinam o estado da disciplina das tropas e a capacidade dos officiaes que a ella pertencem, e formulam depois os seus relatorios que enviam ao ministerio da guerra.

Em certa epocha do anno o ministro faz reunir em París uma commissão composta de marechaes de França, á qual são presentes os referidos relatorios, e ella classifica por ordem do merito, os officiaes que julga dignos de serem providos por escolha do imperador.

O methodo estabelecido pelo decreto dava uma sufficiente garantia de que os coroneis propostos para officiaes generaes não seriam destituídos da capacidade necessaria, garantia que não ha fazendo se as promoções unicamente por antiguidade. Quando se não póde conseguir o melhor, o que cumpre é fazer diligencia de chegar ao maior acerto (apoiados).

Por um decreto referendado por mim em 1846, e que o sr. marechal Saldanha, como ministro da guerra, mandou pôr em pratica, estabeleceram-se regras para os exames dos capitães que devem ser promovidos ao posto de major. Acontece que tem havido capitães que tendo servido durante muitos annos n'este posto tem comtudo pedido espera de seis mezes ou de um anno para serem examinados; sendo esta concedida têem feito depois bons exames, o que mostra que se não sabiam era porque se não applicavam.

As commissões de exame precedem quasi sempre com benevolencia declarando apenas em alguns casos que os examinados são incapazes.

Vejo junto a v. ex.ª, sr. presidente, um dos examinadores, o sr. conde de Mello, elle poderá confirmar o que digo. Estabeleci exames similhantes para os officiaes superiores de cavallaria e infanteria, e saiba a camara que tem havido alguns d'estes que tendo servido longo tempo nos corpos, sendo examinados pelas commissões e mostraram-se incapazes de fazer aquillo que eram obrigados a saber bem, pois que a primeira cousa que os officiaes devem saber, é a ordenança das suas respectivas armas, e aquelle que a não souber é incapaz de commandar. Entretanto houve alguns que vieram ao campo dos exames e não sabiam a ordenança (riso). Esta era uma das vantagens que tinham os exames. Haveria, sem duvida, quem fosse contra elles, mas isso é natural da parte d'aquelles que não sabem o que deviam saber! O que o governo queria era ter uma garantia de que não passariam a officiaes generaes, senão aquelles individuos que estivessem habilitados para o ser.

Estabeleceu-se tambem que o fornecimento de pão para a tropa, todas as vezes que for possivel, seja feito por conta do estado, e tambem que sejam comprados por este os pannos destinados ao vestuario das praças de pret. Em toda a Europa o pão para o soldado é fabricado por conta do estado; é esse o unico meio de evitar as misturas que podem fazer-se nos estabelecimentos particulares, e que depois de fabricado o pão é quasi impossivel conhecer, porque já não ha meio de descriminar as farinhas diversas que se misturam, e se haviam ou não avaria em algumas d'ellas. Mandei fazer um ensaio para habilitar o governo a resolver pelo resultado da pratica. O certo é que a padaria militar tem funccionado bem; o pão fornecido é muito bom, e por preço inferior ao que o governo está pagando pelas rações que ainda são fornecidas, por contrato na 1.º divisão militar. E no fim do ultimo anno havia-se feito uma economia de mais de 20:000$000 réis, comparando o preço do fornecimento por conta do estado com o que se pagaria se o fornecimento do pão tivesse sido arrematado. E indubitavel portanto a vantagem d'este systema, tanto pela parte hygienica como pela parte economica.

Emquanto aos lanifícios para a tropa são elles era toda a Europa comprados por conta dos governos. Na Austria compra o governo aos fabricantes o panno; na Prússia pratica-se o mesmo, e depois são fornecidos aos commandantes dos corpos que mandam confeccionar o vestuario. Em Inglaterra o governo compra os pannos necessarios e manda Jazer o» fardamentos que distribuo aos corpos. Em França arremata-se juntamente o fornecimento dos pannos para o exercito e para a marinha em quarenta e oito lotes de 3:000 metros cada um, dos quaes quatro são para a marinha e quarenta e quatro para o exercito. Os regimentos recebem os pannos em peças e fazem o vestuario.

Uma commissão especial foi nomeada para cuidar da compra e distribuição dos pannos, havendo os padrõea typos sido escolhidos no ministerio da guerra. Esta commissão tem funccionado muito bem. Os pannos devem ser de fabricas portuguezas, e por este meio o ministerio da guerra concorre a promover a industria nacional.

Tinha-me esquecido mencionar que no decreto da organisação se estabeleciam diversas commissões consultivas junto ao ministerio da guerra. Estas commissões eram temporarias e não permanentes, porque estas ultimas, que por varias vezes têem sido creadas, não têem produzido bons resultados, tornando-se com o tempo menos activa».

Mas não deverá acontecer o mesmo com as commissões temporarias, e não subsidiadas, que durem um anno. Os officiaes pertencentes a ellas poderão fazer outros serviços, e reunir-se algumas vezes no ministerio da guerra para examinarem os negocios que forem submettidos ao seu exame. Entre estas commissões deveria haver uma de hygiene tipica, que julgo de grande importancia, porque é preciso que no ministerio da guerra se cuide com muita attenção do quanto diz respeito á remonta, á conservação e ao tratamento dos cavallos, e que se procure melhorar as circumstancias em que se acham os regimentos de cavallaria, e isso não se póde conseguir senão tendo no ministerio da guerra uma commissão para consultar que seja composta de homens habilitados competentemente. Ha no exercito facultativos veterinários de merecimento distincto, alguns dos quaes póde fazer parte d'esta commissão. Na escola de veterinária ha lentes de grande saber, e alguns d'elles podem tambem pertencer á mesma commissão, mas este ha de ser subsidiado porque não pertence ao exercito.

O conselho supremo de justiça militar foi organisado em 1836 por um decreto referendado por mim. Quanto aos auditores do exercito não se podia dizer qual era o seu numero legal, em presença do regulamento de 1816, e da legislação subsequente. Para o fixar apresentei ha annos uma proposta acamara dos srs. deputados, e provisoriamente este numero foi fixado em sete. Ora como no orçamento se acham votados soldos para dez auditores, supprimindo-se tres, tivemos por esse meio uma certa somma que foi applicada para gratificações aos vogaes do supremo conselho de justiça militar, porque os officiaes generaes que occupam estes logares não podem viver com decencia, tendo a diminuta gratificação de 400$000 réis cada anno, e esta disposição é boa, não é ella ainda sufficiente, porque é preciso que elles recebam uma gratificação superior aquella que pelo decreto se lhes fixou. É conveniente para o serviço não ter em commissões de commando officiaes generaes que, pelo seu mau estado de saude estariam melhor no supremo conselho de justiça militar, porque têem ali, um trabalho muito mais moderado. Mas o ministro da guerra não os remove porque não quer mandar vir para Lisboa, privando aoi mesmo tempo de meios sufficientes, officiaes generaes que fizeram muito bom serviço ao paiz seria pois melhor para o serviço que os officiaes generaes que são vogaes do supremo conselho de justiça militar tenham gratificações iguaes ou pouco menores do que as dos commandantes das divisões militares. Então não haveria escrupulo em os remover.

Não elevei mais essas gratificações porque me restringi ao que estava determinado na lei da auctorisação, nem podia augmentar despezas alem das que se achavam votadas no orçamento. E no decreto da organisação não houve augmento algum de despeza, e nesta parte como nas outras, cingi-me ás disposições da lei que foram cumpridas inteiramente.

Quanto á escola do exercito, foi ella reorganisada, e quanto ao collegio militar tambem uma commissão preparou um trabalho importante, que por ser apresentado um pouco tarde não tive tempo de o poder bem examinar.

Peço desculpa á camara por lhe ter tomado tanto tempo, mas entendi que era do meu dever explicar os motivos que tive em vista na applicação da lei que auctorisou

O governo a melhorar a organisação do exercito. Quanto ao projecto que está em discussão, já disse que nem o approvo nem a elle me opponho.

O sr. Conde de Thomar: — Se bem que não deva parecer estranho que elle orador peça a palavra sobre um projecto que diz respeito ao ministerio da guerra, comtudo evitará a censura que um digno par ha dias fez a outro collega da camara de metter a fouce na seara alheia; porque não pretende discutir a organisação do exercito, nem mesmo agora se trata d'isso. Folgou de ouvir o digno par e seu amigo, o sr. marquez de Sá, porque s. ex.ª era o mais competente para poder explicar a reforma que referendou; mas estimaria mais que esta declaração e defeza que s. ex.ª acabava de fazer da reforma da organisação militar que referendou, tivesse antes tido logar na commissão de guerra da camara dos senhores deputados, quando s. ex.ª conservava a pasta da guerra, por lhe parecer essa occasião a mais conveniente para s. ex.ª sustentar a belleza da sua proposta, o convencer aquella camara com as suas explicações, da utilidade da mesma proposta. Sente pois que os motivos de delicadeza, ou outra qualquer rasão, em que não póde entrar agora, obrigassem o digno par a pedir a sua demissão, porque dessa demissão, dada assim precipitada, resultou uma confusão da qual o governo actual tem tido grande difficuldade em saír, e ainda mesmo depois de approvada esta proposta não sabe elle orador como se possa julgar acabada.

Pela sua parte deseja remover as difficuldades a todos os governos, a fim de gerirem bem os negocios publicos, e na conformidade das leis, unico meio por que se póde evitar o que aconteceu n'este assumpto, que foi ver se o sr. ministro da guerra obrigado a tomar uma medida contra a constituição do estado, como foi a portaria pela qual suspendeu a execução de um decreto, sendo como todos reconhecem, um crime constitucional arrogar attribuições que pertencem ao poder legislativo (apoiados).

O sr. Conde da Taipa: — Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: — Sem entrar no desenvolvimento de todos os pontos a que se referiu o digno par, os quaes espera sustente quando se tratar da definitiva organisação do exercito, para convencer a camara de que a sua reforma tinha cousas muitos importantes, observando aqui de passagem, que attendendo ao voto e á opinião de generaes muito distinctos d'este paiz, aquella proposta foi mais combatida pelo que tinha de bom do que de mau (apoiados), sem entrar n'esse desenvolvimento, repete, deseja que quando chegar a opportuna occasião que s. ex.ª trate o objecto com aquelle conhecimento de causa que todos lhe reconhecem, por que sem favor algum é reconhecido como um d'aquelles militares que podem fallar n'esta materia, pela sua experiencia, pelos seus grandes estudos, e pelo talento de que é dotado (apoiados).

Sendo porém diversa agora a questão, é sobre a phase que ella agora apresenta, que elle orador deseja apresentar algumas observações, a fim do obter uma resposta do sr. ministro da guerra, se quizer ter a bondade de a dar. Parece-lhe ser cousa assentada, pelo menos teve a approvação do corpo legislativo, que o exerci to carecia de uma reforma quanto ao pessoal, foi por isso que as camaras votaram a auctorisação pedida pelo sr. marquez de Sá, e se publicou aquella reforma. Reconhecido já pelo corpo legislativo que o exercito carece de uma reforma, elle orador tem du-r vidas hoje, depois da declaração saída do banco dos srs. ministros, e portanto desejava saber se o governo pretende ou não occupar se d'este objecto?

Quando teve logar uma interpellação verificada n'esta camara pelo digno par, o sr. marquez de Vallada sobre este objecto, e a portaria que suspendeu tal reforma, o sr. ministro da guerra fez uma declaração que está em opposição com a esperança que a reforma do exercito seja uma realidade.

N'este ponto o orador leu a declaração do sr. ministro da guerra já publicada na respectiva sessão, e proseguiu deduzindo d'essa leitura a opinião de que o sr. ministro da guerra entende que a reforma do material, a reforma das praças de defeza, deve preceder a reforma do exercito, e que só depois dellas é que póde ter logar a reforma do pessoal, porque nem de outra tratava a apresentada pelo sr. marquez de Sá. Agora vê que o sr. ministro da guerra, modificando talvez a sua opinião, diz que =- sem abandonar a idéa de proceder as reformas necessarias, julga comtudo conveniente que ellas se façam pouco, a pouco.

Deduz-se d'esta encontrada opinião que o sr. ministro da guerra n'aquella occasião se achava sob a influencia daquella exaltação; que havia nos espiritos; principalmente n'esses espiritos que eram prejudicados pela reforma, e que por isso foi obrigado aquella declaração; porém hoje pensando mais

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seriamente, reconhece que não se póde prescindir da reforma do pessoal do exercito segundo as necessidades publicas, sem tratar primeiro da reforma do material porque se não fóra assim não prometteria occupar-se deste objecto já, e foi tambem n'esta conformidade que a illustre commissão de guerra se expressou pela maneira porque o fez, e elle ora dor igualmente leu á camara.

Deseja pois saber se o sr. ministro da guerra tem effectivamente a idéa de apresentar algumas medidas que approvem em parte as que foram publicadas no decreto referendado pelo nobre marquez de Sá, porque o sr. ministro da guerra é o proprio que reconhece que muitas d'essas medidas são boas. Igualmente pede ser esclarecido sobre a posição em que podem e devem considerar-se os officiaes que foram promovidos em virtude d'aquella reforma, porque isto é um negocio importante. Os militares têem as suas patentes garantidas por lei e então é preciso saber se voltam ás antigas posições, ou conservam as que lhe deu a reforma. Sendo assim continuará de certo a confusão que se ha notado n'esta materia. Pela sua parte receia que se revogue a reforma promulgada pelo sr. marquez de Sá no que tem de bom, e fique subsistindo na parte que cria augmento de despeza (apoiados).

Sobre este ponto é que precisa do sr. ministro uma resposta ás seguintes preguntas:

1. ª Se tenciona apresentar algum projecto de reforma, em que se trate de aproveitar o que ha de bom na reforma do sr. marquez de Sá?

2. ª Em que posição ficam os officiaes que foram promovidos, e se continuam os encargos d'essa reforma?

O sr. Ministro da Guerra (Ferreira Passos): — Emquanto á posição dos officiaes hão de tornar á mesma em que estavam; ficam com differentes designações, mas com as mesmas graduações; isto é, os brigadeiros que foram promovidos a majores generaes ficam em marechaes de campo. A organisação é a mesma, o tive em vista conformar-me com as propostas dos commandantes das armas especiaes; e como está completa brevemente será apresentada ás côrtes.

O sr. Conde de Thomar: — O illustre ministro assegura que, passando este projecto, a fazenda publica não continua a responder pelos soldos dos officiaes promovidos em virtude da reforma referendada pelo sr. marquez de Sá, e que voltam ás suas antigas posições?

O sr. Ministro da Guerra: — Não, senhor.

O Orador: — Expõe, em vista d'esta resposta, a rasão porque expressou o receio de ficar o paiz privado do que a reforma do sr. marquez de Sá tinha de bom, subsistindo unicamente o augmento de despeza! Apresentou pois estas observações por entender que se devia andar com muita franqueza n'este negocio. O governo tomará estas considerações na importancia que lhe merecerem, e a camara avaliará tudo como lhe cumpre.

O sr. Conde da Taipa (sobre a ordem): — Queria só dar uma explicação ao sr. ministro da guerra. S. ex.ª sabe muito bem que não tenho motivo nenhum para lhe fazer opposição pessoalmente; mas com relação á reforma devo dizer que a grande opposição que se lhe fez, era pelos muitos abusos que se tinham introduzido no exercito; e por isso recommendo ao sr. ministro da guerra que quando apresentar o seu projecto, veja os grandes abusos que existem; como é, estarem destacados dos corpos muitos officiaes sem fazerem nada, e ganhando boas gratificações, e procure remediar todos estes abusos, porque não é conveniente que continuem a subsistir.

O sr. Moraes Carvalho (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação, sobre um projecto que veiu da outra camara.

Leu se na mesa, e foi a imprimir.

O sr. Marquez de Vallada: — Direi apenas duas palavras. Pareceu-me que por occasião da interpellação que dirigi ao sr. ministro da guerra, e a que alludiu ha pouco o digno par o sr. conde de Thomar, ou ao menos lisonjeou-se o meu espirito, que as palavras que proferi, pela força de convicção que as dictava, produziram uma forte impressão no animo do sr. ministro.

Eu lamentei, e lamento ainda hoje, que o sr. ministro quizesse tomar uma medida que lhe arrogasse um direito que não tinha; s. ex.ª revogou uma lei por uma portaria, e isto é inadmissivel, assim como a resposta que s. ex.ª deu na outra camara, e que vem transcripta no diario das sessões, em que s. ex.ª disse que entendia ter cumprido com o seu dever, e que deveria ser censurado se praticasse d'outra maneira.

Não sei como s. ex.ª entende os seus deveres, mas o que eu entendo é que o sr. ministro não podia publicar uma portaria para derogar uma lei; e depois da impressão que produziu, pareceu que s. ex.ª tomaria qualquer medida que fizesse diminuir esta impressão, e consta-me que deu ordem para se officiar em sentido contrario. Espero que isto não torne mais a acontecer, porque desejo que nós não continuemos a mostrar tendencias para a systema absoluto.

Aguardo portanto, a resposta de s. ex.ª

O sr. Ministro da Guerra: — Eu ordenei ha muito aos commandantes dos corpos que não continuassem a consentir nas transferencias; o que dizia respeito a abonos continuaram os que não podiam deixar de continuar e subsistir, mas a marchas de praças de uma para outra parte mandei logo sustar; o que deu motivo a reparo foi a má redacção no que appareceu escripto.

O sr. Marquez de Vallada: — Eu regosijo-me de ver a impressão que produziram as minhas palavras, porque s. ex.ª já me havia declarado, e repete agora, que a portaria foi mal redigida, quer dizer, em sentido contrario ao que s. ex.ª ordenára.

O sr. Ministro da Guerra: — Isso não.

O Orador: — Não se fallava em marchas, nem contra-marchas, mas suspendia-se o effeito da lei por meio da portaria; agora o que eu peço a s. ex.ª, com toda a cortezia que é devida entre cavalheiros, e s. ex.ª o é da maior consideração, o que lhe peço é que tome as providencias necessarias para que a redacção de quaesquer officios que sáiam da sua repartição seja muito clara, e não dê logar a poderem produzir-se impressões tão desagradaveis, por isso que se entendeu, e bem, que eram tendencias altamente reaccionárias, no verdadeiro sentido do absolutismo, e contra essa especie de reacção vou eu, e hei de ir sempre, apesar de me alcunharem de reaccionário.

Dirigindo me pois ao nobre ministro, na sua qualidade de homem politico, é que lhe digo que hei de ser tenaz em sustentar estas idéas, estimando porém muito ter ouvido a s. ex.ª o que disse para destruir uma impressão má, embora fique algum desfavor ou culpa a quem realmente pertença na redacção da alludida portaria.

O sr. Presidente: — Ninguém mais tem a palavra. Vae votar-se sobre a generalidade do projecto; e como elle não tem mais do que um artigo, parece-me que sendo approvado n'estes termos inclue-se a especialidade (apoiados). Vae ler-se.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Leu-o. Posto á votação foi approvado.

O sr. Presidente: — Continuando agora a ordem do dia de hontem, continua tambem com a palavra o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, que tinha começado a fallar sobre a ordem.

ORDEM DO DIA

continuação da interpellação do digno par, o sr. marquez de Vallada, sobre a nomeação do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra

O sr. S. J. de Carvalho: —.......................

O sr. Barão de Villa Nova de Foscoa: — Pedi hontem a palavra sobre a ordem, mas não me foi possivel usar d'ella por ter dado a hora, e o motivo por que a pedi foi porque o sr. Sebastião José de Carvalho apresentou uma proposta que sobre maneira me desagradou. Sendo o meu fim propor a ordem do dia pura e simples, por me parecer a unica conveniente no estado da questão.

Outras propostas se tinham feito, mas nenhuma, na minha opinião, é aceitavel, excepto a do sr. Miguel Osorio que não duvidaria votar.

A do sr. bispo de Vizeu attribuindo a causa d'este conflicto á deficiencia da lei, parecia tender a que a lei 86 reformasse por occasião da interpellação de que nos occupavamos, mas esta idéa foi logo vehementemente impugnada pelo sr. Joaquim Filippe de Soure, de que não eram aquelles os termos de propor a reforma das leis. E com effeito o decreto de 5 de agosto é a lei organíca dos §§ 2.° e 4.° de artigo 75.° da carta constitucional, e então é necessario fazer outra lei para o derogar, pela fórma prescripta na mesma carta.

Também não me agradou a proposta de outro digno par, em que exprimia a satisfação da camara, porque se defendiam as prerogativas da corôa e as immunidades da igreja. Este objecto é estranho á interpellação, pois que n'este ponto não póde haver duas opiniões differentes, porque não ha ninguem que não queira que se mantenham as prerogativas da corôa (apoiados), e os direitos da igreja.

Quanto á outra proposta, que eu votaria com toda a satisfação, a do sr. Miguel Osorio, não posso deixar de fazer reparo de que significar o desejo da camara, de que n'este negocio se chegue a um accordo satisfactorio é uma cousa escusada em que todos, e o governo mais que ninguem, somos interessados, e por isso entendi que convinha mais á dignidade e decoro d'esta camara, resolver que se passasse á ordem do dia pura e simplesmente; com referencia restricta ao objecto da interpellação.

Ora sr. presidente, de que se trata na interpellação do digno par o sr. marquez de Vallada? Trata-se de saber se o comportamento do governo fóra regular, e só merecia ou não censura. O sr. ministro da justiça usou do seu direito, e quem usa de um direito não offende. O sr. ministro nomeou o escrivão da camara ecclesiastica, e nomeou-o porque tinha obrigação de o nomear, porque ao governo incumbe prover todos os empregos vagos. Mas chegou-se até a emittir a opinião, contra a carta e contra as leis, de que o ministerio não tinha esse direito de nomear o escrivão de uma camara ecclesiastica; mas esta idéa não póde nem podia vingar, e então ficou unicamente subsistindo a accusação de que tinha havido desconsideração para com o sr. bispo conde, por não se lhe pedirem informações a respeito do agraciado. Mas eu pergunto se era uma obrigação restricta do ministro ouvir o prelado? Na minha opinião parece-me que não, porque não ha lei que determine uma pratica, e isso mesmo não foi sempre uma pratica constante, porque se citaram aqui mesmo alguns exemplos em contrario que é inutil repetir.

Portanto, sr. presidente, o que houve aqui foi simplesmente um acto de descortezia. Ora quererá a camara dos dignos pares do reino fazer-se censora dos actos de descortezia, e erigir-se em mestre de ceremonias ou mestre sala? Isso teria logar se acaso existisse uma lei ou regulamento que estabelecesse as formalidades com que os ministros devem tratar com as differentes jerarchias do estado, e o digno par que acabou de fallar com tanta vehemencia a este respeito podia fazer um projecto para isso; mas emquanto não houver esse projecto de regulamento não podemos entrar n'esta questão.

Eu estou persuadido de que aquelle acto não foi voluntario, e o sr. ministro da justiça deve gloriar-se de que em toda a sua carreira ministerial, que tem já mais de um anno de duração, não se possam achar outros actos que lhe imputem senão um acto de descortezia, porque muitas vezes se pratica um acto descortez por falta de reflexão, sem a menor intenção de offensa. O sr. ministro já fez as suas escusas a este respeito, que devem ser aceitas com a mesma franqueza com que foram expostas, porque não é possivel acreditar que ninguem n'este paiz scientemente ousasse desconsiderar um prelado virtuoso e sabio. Ora supponhamos que a camara entendia que devia censurar o sr. ministro por fazer um acto descortez, isso seria o maior absurdo, seria dar causa a uma hilaridade em toda a Europa (é uma palavra estrangeira que eu pronuncio com difficuldade, e que adoptei como outras muitas), seria uma cousa ridicula e objecto de irrisão em todos os parlamentos, e na imprensa das nações liberaes, que um ministro caísse por uma falta de cortezia para com um prelado. Isto nunca se viu. Nós temos gosado na Europa de muito má opinião, e lord Biron, num dos seus poemas, diz que de todos os escravos, os portuguezes são os mais vis escravos; mas depois que viu os nossos esforços pela liberdade depois de 1820, desdisse se e fez nos justiça. Commetteremos actos que nos deslustrem, e retrogradaremos até áquellas epochas?

Eu não tomei notas, mas já disse que não me tinha agradado a proposta do sr. Sebastião José de Carvalho, que nos aconselha que voltemos ás antigas concordias do rei e do clero, em que um de um lado e outro do outro, pactuavam como de rei a rei, como se vê no livro de Gabriel Pereira de Castro.

D. Diniz foi citado para ir responder em Roma perante o Papa ás accusações do clero. Elle não foi lá, mas mandou os seus theologos para o defenderem; alem de muitos outros factos que constam da historia, de igual ousadia.

É o poder civil o que deve temer mais verdadeiramente as exageradas exigencias da cúria romana, e não o clero as exorbitancias do poder civil. S. era.* citou aqui um passo da Dedicatória da Tentativa, em que o padre Antonio Pereira sustenta o poder e prerogativas dos bispos; mas contra quem as sustenta elle? Não é contra as invasões do governo, que sempre respeitou as suas regalias, mas contra as usurpações da cúria de Roma, que lh'as tem invadido e despojado os prelados de seus legitimos direitos. Taes são as absolvições e as dispensas matrimoniaes, que são de sua legitima competencia, e de cuja posse os reverendíssimos bispos se deixaram esbulhar, não como se diz, em memoria de S. Pedro, mas por fraqueza, com grave prejuizo do estado, a ponto de os nossos réis se queixarem do empobrecimento do povo pelos dinheiros que era necessario mandar para Roma, e a demora da expedição dos negocios.

Assim é que o nosso insigne theologo sustenta as prerogativas doa bispos, e com igual vigor as regalias da corôa. Eu, em consequencia d'isto, estou persuadido que a melhor decisão d'este negocio que a camara póde toma: e ao mesmo tempo mais conforme com a sua dignidade e decoro, é passar immediatamente á ordem do dia, e mando para a mesa a minha proposta.

Era do teor seguinte:

« Proponho na fórma do artigo 57.° do regimento, que a camara resolva, que ouvidas as explicações do sr. ministro da justiça, sobre o objecto em discussão, não ha logar a votar, e passa á ordem do dia. — Barão de Foscoa.

Vozes: — Deu a hora.

O sr. Presidente: — Na quinta feira á uma hora recebe Sua Magestade a deputação d'esta camara que lhe ha de entregar os autographos dos projectos que foram approvados.

Amanhã continua a mesma ordem do dia. Está levantada a sessão. Tinham dado cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 29 de março de 1864

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Cardeal Patriarcha; Duques, de Loulé, de Palmella (Antonio); Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, da Niza, do Pombal, da Ribeira, de Sá da Bandeira, de Vallada, de Sabugosa, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alva, dos Arcos, d'Avila, de Avilez, de Azinhaga, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Mesquitella, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rezende, do Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar; Bispos, de Lamego, de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Ovar, da Vargem da Ordem, de Soares Franco; Barões, de S. Pedro, de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Pereira Coutinho, Teixeira de Queiroz, Caula Leitão, Custodio Rebello de Carvalho, João da Costa Carvalho, João da Silva Carvalho, Aguiar, Soure, Pestana, Braamcamp, Silva Cabral, Pinto Basto, Passos, Reis e Vasconcellos, Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Vellez Caldeira, Pessanha, Miguel Osorio, Miguel do Canto, Menezes Pita, Sebastião José de Carvalho e Ferrer.

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