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ceza, é eu não soa defensor d'aquella revolução em todos os seus actos, mas sou defensor dos seus nobres principios, permitta-se-me a expressão, porque a vontade dos povos é a vontade de Deus, quando caminha para a verdadeira philosophia e verdade, se não, não; n'aquella santa causa que levantava o principio fundamental de toda a sociedade moderna, e do verdadeiro progresso que já d'ahi data, houve tambem excessos, justificados alguns pelos actos que lhes tinham dado causa. Se não fosse a côrte desregrada de Luiz XV, e a desgraçadissima regencia não tivesse irritado e desmoralisado os povos e lisongeado as classes elevadas, e lhes não tivesse protegido os vicios, de certo não iria o infeliz e benevolo Luiz XVI pagar no cadafalso os crimes que não tinha commettido. Mas, sr. presidente, note-se bem, n'aquella epocha ainda se salvaram os principios ou antes as formulas, porque os revolucionarios chamaram os suppostos criminosos aos tribunaes; tribunaes de occasião e muito apaixonados, mas tribunaes; não castigaram porém os que não tinham commettido crimes; e se o sapateiro Simão foi encarregado de regular a educação do filho do rei para lui faire desaprendre á être roi, mas o seu direito de cidadão foi conservado, ainda que digam que foi uma illusão. Mas nós com o codigo, que acabávamos de resgatar a nossa liberdade, não só punimos os successores que ainda não havia, mas os que podia haver; parece-me pois que esta provado que excedemos a necessidade, e que punimos o innocente querendo castigar o culpado.

Sr. presidente, estas cousas não são novas na historia, o que é novo é o procedimento.

Quando em 1830 Luiz Filippe subiu ao throno em conquencia da revolução de julho, V. ex.ª sabe melhor do que eu como foi tratado o ramo mais velho dos Bourbons; foram-lhe conservados todos os direitos que não podessem envolver prejuizo politico, e os seus bens, a sua fortuna foi conservada e respeitada por todos. Isto mostra que a França, apesar das suas exaltações politicas, não deixa de respeitar os principios de justiça. Isto foi feito pela lei de 10 de abril de 1832, que conserva aos Bourbon os seus bens.

Sr. presidente, tão pouco solido esta o throno constitucional, que sete innocentes o possam abalar? E não o poderão elles abalar mais facilmente tendo nas suas mãos a poderosa alavanca da justiça offendida? Tanto em perigo estão as liberdades patrias, que nós tenhamos medo de as perder unicamente pelo facto destes orphãos poderem receber o pouco patrimonio que lhes resta da fortuna de seus antepassados, poderem herdar dos seus correligionarios politicos, e poderem receber o que lhes quizer deixar algum membro da familia real portugueza, pois que alguns d'estes casos já se têm dado; será pois tão perigosa a situação, que nós devamos tocar nos bens que porventura lhes vierem a pertencer por alguma alliança? Porque se acaso algum dos descendentes casar com um individuo residente em Portugal, os seus filhos não poderão herdar os bens a que tinham direito.

Sr. presidente, muitas vezes ouço n'esta camara e fóra d'ella expressões que altamente me desagradam; ouço levantar a voz contra os excessos de liberdade; ouço levantar a voz contra as propagandas protestantes; ouço levantar a voz contra as biblias protestantes, que se vendem e espalham por toda a parte; ouço levantar a voz contra as sociedades secretas; quantas vezes ouço isto, tantos regosijos são para mim. Não sei, nem pretendo saber, se as maçonarias, se as biblias e propagandas protestantes são ou não permittidas pela lei; o que sei é que nós estamos debaixo d'esta atmosphera de liberdade' em que devemos viver, e que á sombra d'essa liberdade se faz tudo o que a lei não prohibe, a esses que se queixam não assiste igual direito? Façam propaganda em contrario, porque as portas estão abertas de um e outro lado para todos trabalharmos em favor da nossa opinião, e é assim que o progresso caminha. Não vimos nós todos o que fez o partido absolutista quando teve a infelicidade de perder o seu chefe? Não eram elles que se encarregavam de mostrar que á sombra d'esta liberdade podiam viver como quizessem tendo livres as suas opiniões? Não deram elles provas do que acabo de expor? Ora pois, continuemos com igual tolerancia, liberdade e igualdade, porque a liberdade sem igualdade é o despotismo de muitos, que é tão injusto como o de um só.

Sr. presidente, nem os exercitos, nem as trincheiras, nem as medidas legislativas são o que poderão salvar este paiz; quem o salva são a liberdade e a tolerancia, ou eu estou muito enganado na opinião que formo, em vista dos acontecimentos e dos factos, pois que já não ha nem póde haver um braço humano que tenha força para arrancar a liberdade d'este paiz, e n'elle estabelecer o despotismo; pois que a liberdade consiste principalmente no peso da opinião publica, e a igualdade perante o direito commum é o que garante a liberdade.

Sr. presidente, dizia eu aqui, quando se tratava da lei de liberdade de imprensa, e muita gente se affligia por me ouvir tal opinião, appliquemos a tudo o direito commum; depois, sr. presidente, não só houve governo intelligente que o admittiu, mas ainda todos os jornaes, que então se oppunham áquelles principios que eu defendia, os defenderam e proclamaram; tambem agora poderá o governo não se conformar com a minha opinião, mas ella ha de ser lei. Vamos pois ao ponto.

Estas creanças, sr. presidente, não devem ser privadas dos seus bens; eu bem sei que estes bens foram considerados em deposito, para serem levantados por quem tivesse direito a elles; assim se decidiu no inventario da Senhora D. Carlota Joaquina, mas um tal deposito equivale a ter a propriedade sem dono; porque a lei de 19 de dezembro de 1834, tirando-lhe a faculdade de vir perante os tribunaes provar o seu direito a esses mesmos bens, não lhe permitte

tocar no deposito; não só essas creanças não podem vir perante os tribunaes, mas nem sequer lhes é permittido que sejam ali representadas, porque ninguem lhes póde advogar nem defender a sua causa sem incorrer na pena de lesa magestade.

Sr. presidente, por fallecimento da Senhora D. Carlota Joaquina fez-se o inventario dos seus bens, e seja dito em abono do fundador do systema constitucional, o Senhor D. Pedro IV, que foi Sua Magestade, de saudosíssima memoria, quem entendeu que aquelles bens deviam ser inventariados, como já em 1826, por determinação do Senhor D. Pedro IV, se havia feito a respeito dos bens do Senhor D. João VI, pois que até então o costume era passarem os bens do monarcha indivisos para o primogenito, sem se fazer d'elles inventario; mas fez-se então o inventario. E parece-me que o pae do sr. ministro do reino interveiu n'este negocio ou processo, como me constou por occasião de ver esse inventario, não porque o procurasse no ministerio do reino onde elle deve existir, mas porque anda annexa ao inventario da Senhora D. Carlota Joaquina a consulta que deu a commissão nomeada por decreto de 22 de julho de 1826, e anda appensa para demonstrar que as Infantas que tinham casado em Hespanha não tinham direito á herança. Mas, sr. presidente, no inventario da Senhora D. Carlota Joaquina entendeu-se, e todos os herdeiros concordaram, que

O senhor D. Miguel devia ser representado; e um cavalheiro distincto em jurisprudencia disse = que isso não podia ter logar, porque a lei existente se oppunha a que elle podesse ser citado =.

Por esta circumstancia o juiz, que dirigiu o inventario, o sr. João de Campos Barreto, determinou, por um despacho, que o senhor D. Miguel não entrasse no inventario, e que não fosse ali representado, por isso que a lei de 19 de dezembro de 1834 lho prohibia; e sendo a lei incompetente para dar os bens á fazenda, e faltando sentença de adjudicação, que passavam acrescidos para os herdeiros colateraes do ex-infante, morto civilmente.

Sr. presidente, seja dito em abono de todos os herdeiros colateraes, vieram declarar que se era tal a interpretação da lei, que elles prescindiam do acrescimo d'esses bens e rendimento; e foi a Senhora D. Maria II quem primeiro manifestou que não desejava que aquelle herdeiro fosse excluido do inventario, sem que ao menos se nomeasse um curador para aggravar ou recorrer de tal despacho, pois que ninguem podia ser posto fóra de um processo, em que já figurava, sem ser ouvido; nomeou-se então uni curador, que foi o sr. Alberto Carlos, respeitavel e muito douto advogado. Eu peço desculpa á camara de lhe estar a recordar factos, que talvez conheça, comtudo não posso deixar de o fazer para esclarecimento da questão. O curador recorreu do despacho para a relação, e esta determinou que = se nomeasse um curador, porque os bens não se sabia a quem pertenciam =; era portanto omissa a lei n'este ponto; e por consequencia nomeou-se, como disse, um curador, porque a lei não lhe permittia o ser citado pessoalmente; comtudo decidiu-se que se fizesse a partilha, considerando como herdeiro o senhor D. Miguel, e que os bens entrassem no deposito para depois serem levantados por quem a isso tivesse direito. Esta decisão vem assignada por pessoas muito competentes e respeitaveis, como os srs. Alves de Sá, Luiz José da Cunha, Godinho e Ferrão, que sinto não ver presente, e emfim por outros cavalheiros, do mesmo modo competentes. N'este accordão, sr. presidente, decidiu-se já uma parte da questão, porque se disse: «Não se sabe a quem pertencem estes bens, e portanto vão para o deposito, a fim de serem levantados por quem a elles tiver direito». Ora não podia ser citado o senhor D. Miguel, porque a lei o prohibia, por consequencia não podia tambem levantar esses bens. Todos estes pontos, sr. presidente, carecem de explicações, e eu ouvirei as do sr. ministro; estou certo de que as explicações me hão de satisfazer. O que peço a s. ex.ª é que, attendendo a esta questão, tome sobre ella a resolução que julgar mais conveniente, que consulte os tribunaes, ou que empregue emfim os meios que os seus muitos conhecimentos lhe farão suggerir, a fim de que seja praticado o que for mais de justiça.

Eu não mando moção nenhuma para a mesa, e n'esta parte eu tenho plena confiança no governo, em que ha de fazer todo o possivel para resolver esta questão; e á camara peço que auxilie com o seu voto a proposta que sobre este objecto tiver de se apresentar, porque estas sete creanças estão abandonadas sem patria, sem pae, e quasi sem amigos; e nós não devemos prohibir que os seus parentes, se quizerem, lhes melhorem a sua posição; e por esta occasião não deixarei de lembrar que o nosso esclarecido monarcha já indicou o caminho generoso que devemos seguir.

Sr. presidente, esta tolerancia que a boa rasão aconselha teve já um brilhante triumpho quando Sua Magestade El-Rei mandou tomar luto á sua côrte; e se este facto foi legal ou não, em vista da lei de 19 de dezembro de 1834, não sei; mas o que sei é que foi um acto nobilissimo, brilhante e honroso; e que nos mostra o espirito esclarecido do monarcha a indicar-nos qual a senda que devemos seguir; e note-se que elle não póde fazer mais, porque, sem atropellar a lei, nem um auxilio póde dar a seus parentes; e os descendentes dos nossos reis, tirando-lhes nós o que é seu, hão de andar esmolando; o desprezo não é porém para elles, é para nós, que o consentimos.

E preciso dar-lhes aquillo a que têem direito, e não rebaixar os contrarios a ponto de não poderem aceitar aquillo que lhes quizermos dar. Na sua maioridade é de suppor que se sujeitem á constituição do paiz, porque a phlosophia e as idéas da sua epocha lhes hão de aconselhar que o amor d'a patria não é propriedade de nenhum partido, e este a que me refiro tem dado provas d'elle, e os seus membros têem mostrado uma grande dedicação por uma causa aliás perdida, mas n'isso mostram a força das suas convicções sempre respeitavel; o que o não é são os vendilhões politicos.

Por consequencia direi, sr. presidente, que não devemos deixar de fazer justiça a quem para perde-la não fez erro.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — A estas creancinhas tem respeito.

O Orador: — Seja; o digno par é que applica os versos do nosso epico; repita-os todos, e lá verá:

Se já nas brutas feras, cuja mente Natura fez cruel de nascimento

Com pequenas creanças viu a gente Terem tão piedoso sentimento

A estas creancinhas tem respeito.

Aguardo a resposta do governo e agradeço a attenção da camara.

O sr. Ministro do Reino: — Expoz que o assumpto esta regulado por lei, a qual o governo acata e respeita, mas que esta lei póde ser revogada ou pela iniciativa do digno par ou do governo. Se s. ex.ª entender apresentar um projecto de lei a tal respeito, o governo exporá então com franqueza a sua opinião. No entanto permitta-lhe a camara que reserve por ora a sua opinião sobre assumpto tão melindroso.

O sr. Miguel Osorio: — Sr. presidente, não me maravilhou a resposta do sr. ministro do reino, porque na primeira parte do meu discurso eu tinha antevisto a resposta de s. ex.ª O nobre ministro disse que = eu podia usar da minha iniciativa sobre o negocio de que se trata, para chegar ao fim que desejo. — Que podia usar da minha iniciativa, fui eu o primeiro que o disse. Mas qual foi a rasão por que eu declarei que não apresentava nenhum projecto a este respeito? É porque em materia de justiça, em materia de leis, e muito principalmente em materia de conveniencia politica, o governo é que tem obrigação de tomar a iniciativa, apresentando as devidas propostas, e leva-las por diante. Estes é que são os principios, que não devem limitar-se a palavras, mas traduzir-se em factos. Se os governos não são para terem iniciativa n'estes casos, e para terem a coragem da sua responsabilidade, não sei para o que são.

Sr. presidente, cada vez mais sinto que o governo não tem fé na liberdade. Este negocio não se resolve por conveniencia, resolve-se pela justiça. O governo reserva-se para explicar a sua opinião na commissão, quando se apresente n'ella qualquer projecto. E commodo este systema; a opinião do governo é não ter opinião; e soffre-se isto a um governo liberal? Não póde ser.

Sr. presidente, a iniciativa individual mareada na carta constitucional, devemos ser francos e sinceros em dizer que ella é inefficaz em casos d'esta natureza. O governo tem partido, tem as maiorias que o apoiam, póde consulta-las e ver se estão concordes com a sua opinião sobre o modo de regular as questões e resolve-las. A iniciativa individual não póde dispor d'esses meios, e por consequencia a sua; efficacia é diminuta. Pois o governo n'esta questão quer que a iniciativa individual lhe indique o caminho que ha de seguir? Pois o governo n'uma questão de justiça ou injustiça, de necessidade ou desnecessidade, diz á iniciativa individual, que póde ser desconhecedora das difficuldades que póde offerecer o negocio «apresentae as vossas idéas, e eu depois na commissão direi o que entendo»? Este systema nunca se seguiu.

O sr. ministro do reino, homem sincero, liberal, e que levantou a bandeira das reformas na outra casa do parlamento com a sua iniciativa efficaz sobre administração civil, que costuma sempre dizer a sua opinião com a maior franqueza, que diz que é da escola mais liberal, que nunca encobriu as suas opiniões, apresenta agora uma reserva notavel. Parece-me que a responsabilidade collectiva do ministerio não póde tolher que s. ex.ª se manifeste n'uma questão de justiça; mas isto, sr. presidente, é a influencia malefica do pensamento do governo, que é reaccionario, e tem medo de applicar a liberdade.

O nobre ministro declarou -que = eu tinha dito que o inventario do casal estava affecto aos tribunaes =. O que eu disse foi que nos tribunaes havia difficuldades na interpretação da lei, havia duvidas. Pois nem assim s. ex.ª se resolve a fazer uma lei interpretativa, que tanto basta?

Pois, sr. presidente, sabem V. ex.ª e a camara as pessoas que entraram n'aquelle processo? Foram as auctoridades mais competentes da nossa magistratura. Sabe V. ex.ª pois quem foram? Foram os srs. Alberto Carlos, Chaves, Pimentel, Alves de Sá, Ferrão e Campos Barreto, juizes a quem todos fazem os mais altos elogios. Eram do conselho de familia os srs. Trigoso, e Mello e Carvalho, pae do actual par do reino do mesmo nome, jurisconsultos abalisados. Entraram por consequencia altas competencias n'aquelle processo; e todos embirraram, permitta-se-me a expressão, na execução da lei, sem saberem como lhe haviam de dar execução. Ve-se claramente que rasões elles allegavam. Uns diziam «deve ser citado». Outros «não póde ser». Outros «deve ser representado». E por fim chegou o negocio á relação, e ella pô-lo de parte, e não citou, porque a lei não lh'o permittia, mas não se atreveu a pronunciar-se na questão. E agora diz o governo que, se ha questão pendente, caminhe; são os tribunaes os competentes. Mas se não podem ser representados, qual ha de ser o advogado que ha de apresentar-se a defender os interesses dos filhos do ex-infante? Tenha o governo a coragem de dizer que isto é preciso, que a ordem publica póde perigar; mas não venha esconder-se detrás da iniciativa individual; não venha dizer á camara — a um par que levantou uma questão sem querer prejudicar o. governo, e que nem apresentou uma moção