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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1867

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios os dignos pares

Marquez de Sousa Holstein

Conde d’Alva

As duas horas e meia da tarde, sendo presentes 21 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

O sr. Secretario (Conde d’Alva) leu a acta.

O sr. Presidente: — Não havendo reclamação julga-se approvada.

Convido o digno par o sr. marquez de Vallada a occupar o seu logar na mesa.

O sr. Marquez de Vallada: — Expoz que achando-se presente o sr. primeiro secretario, cargo que por vezes preenchera na falta de s. ex.ª, agora que o mesmo digno par estava presente, e elle (orador) tinha de tomar parte no debate, requeria ao ex.mo sr. presidente que o dispensasse de occupar aquelle logar, e lhe concedesse a palavra antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Eu sinto que o digno par não queira acquiescer ao meu convite, o que não obstava a que na ocasião em que quizesse fallar pedisse 'a palavra, e depois de usar d'ella retomasse o seu logar na mesa, porque de direito este logar pertence a s. ex.ª desde o momento em que a camara o elegeu.

O sr. Marquez de Vallada: — Asseverou ter servido na mesa ambos os logares de secretario por uns poucos de dias successivos em consequencia do sr. marquez de Sousa não ter comparecido.

O sr. Secretario (Marquez de Sousa): — Eu tenho occupado este logar todas as vezes que me tem sido possivel, e quando falto é por motivo justificado.

O sr. Marquez de Vallada: — Recordou que os cargos que se exercem n'esta casa, e em geral o serviço legislativo, prefere a qualquer outro. Assim se comprova pelas licenças que o governo pede para que os membros d'esta camara, que exercem empregos fóra d'ella, os possam accumular querendo, e sem prejuizo d'este serviço, a que todos os membros da camara são moralmente obrigados, quaesquer que sejam os cargos que se exerçam fóra d'esta casa.

Pedia novamente ao ex.mo sr. presidente que lhe concedesse a palavra antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Depois de breves observações, declarou estar inscripto em primeiro logar para antes da ordem do dia o digno par o sr. marquez de Sá da Bandeira.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Abrantes, a qual peço licença para ter, e é do teor seguinte (leu).

Agora, sr. presidente, tambem vou mandar para a mesa um requerimento. (Entrou o sr. Ministro do Reino.) Chamo a attenção do sr. ministro do reino.

Eu acabei de ter uma representação da camara municipal de Abrantes, em que pede que seja conservado o districto de Santarem. A minha opinião tambem é de que esse districto deve ser conservado, e não só o de Santarem, mas todos que existem actualmente.

Se em 1835, quando se fez a divisão de territorio, se ti-

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vesse attendido a certas circumstancias, talvez que então se podesse fazer uma melhor divisão: mas agora, tantos annos depois, o que a boa rasão e prudencia aconselham é que se conserve o que esta, porque teria mais inconvenientes fazer novas circumscripções. Assim aconteceu em França ácerca da divisão de territorio feita depois da revolução.

As antigas provincias foram divididas em departamentos, confundindo-se ou não se attendendo aos seus anteriores limites. E a divisão então adoptada, com insignificantes alterações, tem sido conservada até hoje.

A circumstancia de haver presentemente communicações acceleradas entre Lisboa e Santarem, não é uma rasão sufficiente para a suppressão d'aquelle districto.

Em todos os paizes da Europa têem sido conservadas as circumscripções das provincias depois da construcção dos caminhos de ferro; e diversas cidades capitaes d'essas provincias estão a menor distancia das capitaes dos respectivos estados, do que o esta Santarem de Lisboa. Assim o departamento do Sena, o menos extenso de França, e em que esta París, acha-se encravado no departamento de Sei-ne-et-Oise, cuja capital é Versailles, que, pela via ferrea, dista meia hora da capital do imperio.

Outros dois departamentos limitrophes o de l'Oise tem a cidade de Beauvais, sua capital, a 60 kilometros de Paris; e a menos de 40 esta Melun, capital do departamento de Seine-et-Marne.

Em Hespanha as provincias de Guadalajara, Toledo, Avila e Segovia circumdam a provincia de Madrid; e as suas respectivas capitaes, com excepção da de Avila, estão por vias ferreas a menor distancia de Madrid, do que Santarem esta de Lisboa; e a população de duas d'estas provincias, a de Avila e a de Segovia, é inferior á do districto de Santarem, que é de 201:000 habitantes, e pouco superior o é a de Guadalajara. Das quarenta e sete provincias em que se divide o continente de Hespanha, nove tem menos de 200:000 habitantes. Tambem em França ha cinco departamentos n'estas circumstancias, e oito provincias no reino de Italia, e bem assim tres das onze provincias do reino dos Paizes Baixos, e uma da Belgica.

São pois numerosos os exemplos da conservação de circumscripções territoriaes, provincias ou departamentos, cuja população é igual ou inferior á do districto de Santarem, e cujas capitaes se acham a uma distancia menor das capitaes dos respectivos estados, do que aquella a que esta de Lisboa á villa de Santarem.

Ainda direi que o que tenho exposto a respeito do districto d'esta villa tem applicação em grande parte ao districto da Guarda em relação com Vizeu. Pois é mais favoravel ás povoações de Almeida, do Sabugal e muitas outras recorrerem á primeira das ditas cidades, do que á ultima que lhes fica muito distante. Quanto ao districto de Vianna, que se quer annexar ao de Braga, o qual então ficaria com 530:000 habitantes, direi que das quatro provincias em que se divide a vizinha Galliza tres têem uma população inferior a esta.

O governo, apresentando esta proposta, teve de certo o pensamento louvavel de melhorar o serviço publico, e por isso mesmo é tambem de crer que não rejeitará proposta alguma no sentido de que esse mesmo serviço seja effectivamente melhorado.

Para que mais tarde esta camara possa esclarecer-se na discussão, pedirei ao governo que queira satisfazer ao requerimento que faço, e é o seguinte:

«Convindo que as circumscripções administrativas sejam feitas em harmonia com os interesses dos povos, e sendo estes quem póde, com mais conhecimento, expor o que a tal respeito lhes convem, requeiro que se peça ao governo que, com urgencia, ordene aos governadores civis dos districtos de Aveiro, Guarda, Leiria, Portalegre, Santarem e Vianna, que reunam as camaras e os conselhos municipaes para discutirem e responderem ao seguinte:

QUESITO

«Convem ou não convem aos interesses dos povos dos respectivos concelhos que seja supprimido o districto a que actualmente pertencem?»

As respostas positivas ou negativas deverão serão motivadas.

As juntas geraes dos mencionados districtos serão tambem consultadas sobre o mesmo assumpto.

Requeiro mais que se peça ao governo que envie a esta camara, com a possivel brevidade, as respostas das referidas corporações.

Camara dos pares, 12 de março de 1867. = Sá da Bandeira.

Eu poderei mudar de opinião se os povos declararem que lhes é conveniente a suppressão proposta pelo governo; mas não sendo assim, e se a proposta do governo chegar aqui sem vir alterada da outra camara, tenciono propor como emenda, que todos os districtos administrativos do reino sejam conservados, salvo qualquer rectificação que convenha fazer-se. E em segundo logar, e no caso de não ser approvada essa emenda, requererei que ao menos seja conservado o districto de Santarem; por isso que aquella povoação esta em condições especiaes, por ser uma das villas mais antigas e da primeira categoria da. monarchia, por ser entre todas as villas do reino a que soffreu mais pela causa da independencia nacional e pela causa da liberdade. Nos annos de 1807 e 1808 foi occupada pelas tropas francezas durante os nove mezes que estiveram em Portugal, o teve de sustentar muitos milhares de soldados e pagar pesadíssimas requisições em generos e dinheiro.

Em 1810 foi occupada pelo exercito do marechal Massena, e até março de 1811 em que se retirou soffreu as maiores calamidades, ficando a villa em grande parte destruida, e sendo cortadas para obras de fortificação immenso numero de oliveiras e laranjeiras e outras arvores. N'este tempo uma grande parte da população da villa e do districto ficou aniquilada.

Em 1833 o exercito do senhor D. Miguel retirou-se áquella villa e ahi permaneceu durante oito mezes, ficando os seus habitantes sujeitos a todas as requisições impostas para sustentar a guerra, do que resultou ficar a villa novamente arruinada.

E entretanto o districto de Santarem é aquelle que, depois dos districtos de Lisboa e do Porto, maiores contribuições paga para o estado. A verba das contribuições pessoal e predial que paga é a maior de todos os outros districtos.

Emquanto ao numero dos seus habitantes excede elle a 201:000, sendo superior ao de alguns districtos do continente que a proposta do governo conserva, e superior igualmente ao de cada um dos quatro districtos insulares tambem conservados.

Por estas e outras rasões parece-me evidente que seria injusta a suppressão do districto de que particularmente me tenho occupado.

O sr. Presidente: — O digno par mandou para a mesa uma representação contra uma proposta sobre divisão de territorio. Devo observar que não se acha aqui affecto projecto algum sobre divisão de territorio. Essa representação portanto ficará na secretaria até que se dê o caso de se justificar a remessa a uma commissão.

O sr. Marquez de Sá: — O que proponho é que com urgencia se mande ao governo, pois os esclarecimentos que peço convem que estejam aqui quando vier o projecto, e por isso se pedem desde já.

O sr. Ministro do Reino (Mártens Ferrão): — Fez algumas objecções quanto ao modo como no requerimento se indica ao governo o adquirir os esclarecimentos que o digno par pretende.

O sr. Marquez de Sá: — Sr. presidente, o sr. ministro do reino não percebeu bem qual é o fim do meu requerimento.

Não se trata de impor uma obrigação ao governo, requeri que se peça ao governo que mande para a camara certas informações; porque, tratando-se de um assumpto tão importante como é a divisão territorial, não devemos limitarmo-nos ao exame dos mappas geographicos, mas devemos olhar tambem para outras especies de informação. O meu intento é que a camara tenha um cabal conhecimento de qual é a opinião dos povos dos districtos, que se projecta supprimir, ácerca da conveniencia ou inconveniencia da suppressão; e parece me que o pedido se não póde considerar como exorbitancia, tendo elle em vista apenas obter meios seguros de nos esclarecermos, e conhecermos as conveniencias ou inconveniencias da proposta do governo. Se as municipalidades dos districtos, que se projecta supprimir, declararem a conveniencias da sua suppressão, declaro que votarei de accordo com a proposta do governo; mas se os concelhos declararem que os seus interesses são damnificados, n'esse caso votarei contra a medida do governo.

Sr. presidente, satisfazendo pois o governo ao meu requerimento, enviando a esta camara todos os esclarecimentos que peço, a camara, convencida e esclarecida por elles, de certo não deixará de approvar a suppressão projectada, se a julgar conveniente, e o governo não encontrará opposição rasoavel; se porém o governo não mandar os esclarecimentos, não acontecerá assim, porque não se poderá votar a medida sem perfeito conhecimento de causa, e o governo encontrará uma nova opposição creada pela propria medida que propõe.

O sr. Presidente: — Eu devo observar á camara, que é contra todos os usos parlamentares tratar de um assumpto que ainda se não acha na téla da discussão (apoiados).

O sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, eu usarei da palavra, porque creio que o sr. ministro do reino não tem grande urgencia em fallar; no entanto é das prescripções do regimento que quando os srs. ministros pedem a palavra, por parte do governo, devem preceder aos demais oradores (apoiados).

Sr. presidente, parece-me que esta questão se reduz a muito pouco, se eu entendi bem. O meu nobre amigo, o sr. marquez de Sá, deseja informações por meio dos conselhos de districto, sobre o facto da proposta do governo para a suppressão de alguns districtos; s. ex.ª deseja que os conselhos se declarem em relação aos seus interesses, ás suas opiniões, quanto á conveniencia ou não conveniência da existencia dos mesmos districtos. Realmente não ha outro meio de obter estas informações, porque como ha de qualquer membro do parlamento saber estas informações sem se dirigir ao, governo? Póde sabe-lo de alguma outra fórma? Não. E pois este o unico meio legal. O meu nobre amigo, o sr. marquez de Sá, não faz indicações, faz unicamente um requerimento para que a camara tenha essas informações, que eu julgo convenientíssimas n'um objecto d'esta magnitude. Mas, permitta-me s. ex.ª, a quem respeito bastante, que eu discorde um pouco n'um ponto a que s. ex.ª se referiu, que é quando s. ex.ª declarou que reservaria o seu voto quando tivesse as informações, e acrescentou que se as camaras municipaes e as juntas geraes de districto declarassem que convinha a suppressão dos respectivos districtos, que s. ex.ª votaria por essa suppressão; mas que, se fossem de opinião contraria, votaria então contra a medida.

Permitta-me o digno par que lhe diga que n'este ponto não estou de accordo, pois reservo o meu voto, mesquinho como é, e não o subordino inteiramente a essas informações e opiniões. E para provar a rasão, serei sincero, como sempre costumo ser, direi que, em vista dos principios e maximas, que se devem seguir, nóa temos, depois de adquirir todas as informações possiveis, o dever de confrontar umas com as outras, e com todo o cuidado e attenção regularmos então o nosso voto segundo aquella sabedoria, circumspecção e independencia que sempre devemos mostrar. Eu

tambem não quero anticipar aqui uma discussão, que não esta n'esta camara, por isso não digo mais nada; mas tambem desejo informações, e desejo-as porque creio que o corpo legislativo precisa ser esclarecido.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Ministro do Reino: — Desenvolveu mais explicitamente a idéa que enunciara na primeira vez em que tomára a palavra sobre este assumpto.

O sr. Presidente: — O sr. visconde de Chancelleiros pediu a palavra sobre este incidente?

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Declarou não ser sobre este incidente.

O sr. Presidente: — O sr. marquez de Vallada é sobre este incidente que pediu a palavra?

O sr. Marquez de Vallada: — Não, senhor, é para um requerimento.

O sr. Presidente: — Então vou pôr á votação o requerimento do sr. marquez de Sá.

O sr. Costa Lobo: — Eu peço a V. ex.ª que mande ter na mesa o requerimento.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Presidente: — Requerimentos d'esta natureza costumam ser votados, por consequencia pratico segundo as praxes estabelecidas n'esta camara.

O sr. Costa Lobo: — Pedi a palavra para uma explicação. Um requerimento ao governo é uma petição, á qual elle, debaixo da sua responsabilidade, póde deixar de satisfazer. A votação sobre um requerimento não significa mais que a concessão ou negação de licença para ser expedido. Se essa pois é a significação, como não póde deixar de ser, da votação que vae realisar-se, approvo o requerimento. Mas se se pretende impor ao governo uma obrigação, então não approvo nem posso approvar, porque debaixo do nome de requerimento se approva uma verdadeira proposta, %era todavia se seguirem os tramites legaes para tal caso exigidos.

Rogo portanto a V. ex.ª que haja por bem declarar-me qual é o sentido da votação a que vae proceder-se, para eu regular o meu voto.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Pedi a palavra primeiramente para fazer uma observação ao meu amigo e collega, o sr. Rebello da Silva, o qual disse que eu submetteria a minha opinião á das camaras municipaes se ellas fossem conformes, devo dizer que salvo sempre a minha apreciação; e em segundo logar para declarar ao sr. ministro do reino, que o meu requerimento não tem por fim outra cousa senão pedir esclarecimentos ao governo, os quaes se o governo entendesse que não os podia enviar ninguem o podia obrigar a fazer com que elle os mandasse; portanto se o sr. ministro satisfizer o meu pedido por qualquer modo, não tenho duvida alguma em retirar o meu requerimento, porque o que eu desejo são as informações que a camara não tem, e que são necessarias para tratar d'este objecto quando vier á téla da discussão.

O sr. Ministro do Reino: — Ainda proseguiu nas suas observações sobre o assumpto do alludido requerimento.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se permitte que o digno par, o sr. marquez de Sá, retire o seu requerimento.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: — Ainda se acham alguns dignos pares inscriptos, porém como a meia hora já passou, passa-se á

ORDEM DO DIA

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Pedi a palavra por parte da commissão especial, e portanto peço a V. ex.ª que m'a conceda.

O sr. Presidente: — Como é por parte da commissão tem V. ex.ª a palavra.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Por parte da commissão especial, encarregada do exame do requerimento do sr. Augusto Cesar Xavier da Silva, e em virtude da proposta do digno par, o sr. duque de Loulé, approvada na ultima sessão, convidando a commissão a marcar um praso ao requerente para apresentar provas que desvaneçam as duvidas que a commissão encontrou, relativamente á disposição 4.ª do artigo 2.º da lei de 11 de abril de 1845, propoz que a camara marcasse o praso de doze dias.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o praso de doze dias marcado pela commissão, tenham a bondade de o manifestar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia, e tem a palavra o sr. Miguel Osorio.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço perdão a V. ex.ª, mas eu tinha pedido a palavra para um requerimento desde o principio da sessão.

O sr. Presidente: — Não posso dar a palavra ao digno par, porque a meia hora já passou, e eu já declarei que íamos entrar na ordem do dia, portanto não lh'a posso dar. Tem a palavra o digno par o sr. Miguel Osorio.

O sr. Miguel Osorio: — Sr. presidente, coméço por ter á camara a minha nota de interpellação (leu).

E o meu primeiro dever agradecer ao sr. ministro do reino a benevolencia e presteza com que s. ex.ª, em cumprimento exacto dos seus deveres, dos quaes nunca se costuma esquecer, se apresentou n'esta camara para responder á minha nota de interpellação, dando assim uma prova evidente de quanto respeita esta prerogativa parlamentar, que eu reputo ser uma das mais necessarias ao systema representativo.

Sempre esperei, sr. presidente, que n'esta ou na outra casa do parlamento, qualquer membro em quem recaíssem os dotes de auctoridade, que sou o primeiro a reconhecer que não recaem em mim, levantasse esta questão; como não visse disposições algumas para isso, e não devesse jul-

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gar que fosse por despreso d«. justiça, parece á primeira vista que eu me deveria reputar tranquillo, descansando na competencia de taes auctoridades; difficil é porém descansar na competencia alheia quando a consciencia o não permitte; e desculpe-se-me ainda d'esta vez invocar a consciencia, mas não sei que outro termo deva aqui empregar; é verdade que a consciencia se avalia mais por actos do que por palavras, mas é absolutamente indispensavel explicar os actos por palavras, para que elles não sejam mal interpretados.

Sr. presidente, poderia muito bem acontecer que os srs. ministros, e os outros membros do parlamento, não pelo desprezo da justiça, mas por terem a attenção dividida por muitos negocios importantes, não dessem a esta desditosa questão o peso que eu, afastado completamente das lutas politicas, no remanso da minha vida privada, lhe tinha dado, e por isso não reputava a minha consciencia serenada sobre a questão que ella me indicava necessario resolver. Para que o animo fique tranquillo, é preciso que a consciencia o esteja.

Esta sentinella que a Providencia felizmente escolheu para nos mostrar, não só a senda que devemos trilhar, mas a responsabilidade pelo mal que fazemos ou pelo bem que deixâmos de fazer, aguilhoa-nos constantemente, e mal vae a quem uma vez sómente deixar de obedecer aos seus dictames.

É por isso que eu procurei desempenhar-me da obrigação e responsabilidade que me compete como pertencente ao parlamento.

Sr. presidente, ainda que não tenho tenção de fazer um discurso sobre esta materia, releve-me a camara um pequeno exordio, não com o fim de dispor o auditorio, porque bem sei não tenho dotes de eloquencia, mas sobeja-me a justiça da causa, e appello para as boas intenções da camara e do governo para a reparação da injustiça; estes elementos são aquelles com que conto para supprir a deficiencia do orador, mas não posso deixar de fazer um pequeno exordio para que se não dê uma má interpretação ás minhas palavras e intuitos. Quantas vezes, sr. presidente, nós não deixâmos de fazer o bem com receio de que seja interpretado em mal? E isto é tanto mais commum, quanto no systema representativo que felizmente nos rege, e que é baseado principalmente sobre o principio popular, se costumam lisonjear os povos como antigamente se lisonjeavam os reis, sacrificando assim os nossos sentimentos aos alheios; mas se a lisonja, porque offende a justiça, é impropria de quem aconselha os reis, não o é menos de quem falla aos povos.

É porém dever de cortezia dos palacianos, quando têem de contrariar a vontade do monarcha, faze-lo, não só com delicadeza de fórma, mas declarar que o fim que tem em vista não é fundado em caprichos nem em vontade propria, nem com o fim de contrariar ou censurar.

Emquanto aos povos, cumpre tambem que procedamos do mesmo modo; é por isso, sr. presidente, que eu devo declarar á camara, ao governo e ao paiz os motivos que fizeram com que levantasse esta questão. Parece á primeira vista que eu poderia, usando da iniciativa que me cabe, apresentar um projecto para a reforma da lei segundo as minhas idéas, e não procurar a opinião do governo, podendo assim parecer que lho quero levantar difficuldades. Não é essa a minha intenção; no meu animo não ha desejo algum de fazer opposição ao governo nem á sua organisação politica, com a qual me conformei; e se divirjo em um ou outro ponto, se não o apoio em todas as questões, a camara sabe que é essa a maneira habitual do meu proceder politico. Não ando nunca vinculado a ninguem. Tambem não ha da minha parte indisposição particular contra os srs. ministros, e muito menos contra aquelle a quem me dirijo, de quem sou amigo ha muitos annos e d'isso muito me prezo.

Sr. presidente, eu conheço, apesar da minha pouca ingerencia nos negocios publicos, a inefficacia da iniciativa individual em negocios d'esta ordem, e que não succede o mesmo com relação aos de iniciativa do governo. E certo que eu poderia consultar particularmente o governo, visto que as minhas relações com elle não estão interrompidas; comtudo julguei mais conveniente chamar a sua attenção por este modo, por meio de uma interpellação, sem que ella comtudo tenha um caracter politico ou hostil, a fim de apresentar as minhas idéas, e do ouvir as do governo, porque os governos consultados em particular, com qualquer obstaculo mudam de opinião, tal a força da propria conservação; porém se estas considerações não bastam, parece ser obvio que uma questão d'esta natureza não se levanta para grangear popularidade, porque, pelo contrario, parece-me que é indubitavel que arraste com a impopularidade da causa.

Portanto se levanto esta questão é porque vejo sete infelizes creanças sem pae, sem patria e sem amigos (salvo honrosissimas excepções, porque as ha em toda a parte, e n'este caso essas excepções são bem honrosas, porque n'ellas existe o grande merecimento da dedicação, desprezando honras, fortuna e patria, e permitta-se-me fazer-lhes aqui justiça, vá uma palavra de respeito aos arraiaes contrarios, a novissima virtude da lealdade o merece), offendidas em seus direitos com grave prejuizo da justiça e com vergonha para o partido liberal.

Parece-me desnecessario protestar que não pertenço ao partido absolutista, nem por tradições, nem por factos, e muito menos por idéas. V. ex.ª, sr. presidente, que tanto me tem honrado com a sua amisade, e a quem tenho exposto os meus sentimentos, assim como a quasi todos os dignos pares, fazem-me completa justiça; e n'esta parte não tomarei mais tempo á camara, porque julgo que me assistem requisitos de mais para poder tratar esta questão desafogadamente, mesmo porque nunca tive relações, nem directas nem indirectas, com o ex-infante nem com a sua familia.

Esperando desculpa por ter distrahido a camara com estas considerações, procurarei ser o mais breve que possa na exposição da minha interpellação.

Se pretendesse apresentar aqui os motivos pelos quaes foi promulgada a lei de 19 de dezembro de 1834, incorreria em grave erro, alem de levantar uma questão em que difficilmente o partido liberal poderia deixar de fazer aggressões severas ao outro partido. Os dignos pares, meus collegas,. que pela maior parte se distinguiram nas lutas da liberdade, que lhe sacrificaram o seu sangue, que ficaram privados de bens de fortuna, e que tanto fizeram para plantar esta arvore frondosa a que todos os partidos se abrigam, poderiam dizer como o grande poeta latino, quando Dido o convidava a cantar as desgraças de Tróia:

Infaudum, regina, jubes renovare dolorem

... quaeque ipse miserrime vidi

Et quorum pars magna fui

Não posso porém, sr. presidente, respeitando estas rasões de conveniencia, e partindo do principio de que é inutil lembrar a todos os dignos pares aquillo que todos bem sabem, deixar de fazer algumas considerações sobre a referida lei.

Justificou-se aquella lei, não pelas paixões politicas, porque seria uma triste justificação se attendessemos a que, ainda que proximo da luta, as paixões politicas tinham sido o unico fundamento com que os corpos politicos do paiz tinham feito uma lei ad hoc; seria injustiça ao paiz e ás idéas dos que tinham soffrido pela liberdade, e aos espiritos illustrados d'aquella dizer que se esqueceram fortunas, privilegios e riscos de vidas, para vir trazer ao paiz as idéas livres, e abrigar debaixo d'ellas gregos e troianos; seria fazer injustiça aos actos d'aquella epocha, em que os primeiros passos dados em territorio portuguez serviram para decretar as primeiras e nunca interrompidas amnistias aos que se quizessem sujeitar ao dominio da justiça e da legalidade; seria desconhecer estes principios de liberdade, que os governos já solidamente estabelecidos têem sabido manter com tanta dedicação; não foram as paixões politicas, sr. presidente, foi a imperiosa lei da necessidade, porque se tinha levantado a luta entre a antiga e a moderna sociedade, entre a anarchia e o progresso, a lei e a injustiça, a ordem e a desordem, entre a civilisação e o obscurantismo; o tinha se envolvido era tudo isto uma luta dynastica, que era mais um pretexto de que se servia o impropriamente chamado partido legitimista, e que eu chamarei, como a rainha rasão me indica, partido absolutista.

A sombra d'este direito dynastico trouxe atrás de si muitos proselytos das velhas idéas, e que se deixaram levar pelas mal definidas provas da real successão. Pareceu, terminada a luta, que se tinha hasteado a bandeira da liberdade e da justiça, que se tinham acabado os combates; a causa dos vencidos porém tinha ainda uma grande influencia politica, tinha uma grande importancia, e os liberaes não podiam esquecer estas circumstancias e á necessidade de manter a segurança do governo, que tanto sangue tinha custado ao paiz.

Sr. presidente, isto justifica a necessidade da lei a que nos referimos. Póde tambem sustentar-se que essa lei teve em vista castigar os erros, para não usar de outro termo, do principe proscripto; mas sobre este ponto, sr. presidente, cumpre-me não dizer uma só palavra. O principe proscripto acha se ao abrigo da caridade christã, o principe proscripto acha-se na sepultura, e esta circumstancia é sufficiente para que nós deixemos á historia a tarefa de apreciar os factos, quando as paixões estiverem arrefecidas, para se não faltar á justiça, e eu não estou escrevendo a historia.

Sr. presidente, a lei de 19 dezembro de 1834 tem sempre contra si: 1.°, ser uma lei de excepção; 2.°, exceder a necessidade; e 3.°, abranger a innocencia, querendo castigar o culpado. E sobre estes pontos principaes que vou apresentar algumas considerações á camara. Todos os dignos pares são assás illustrados, e por isso se torna desnecessaria a exposição sobre os inconvenientes das leis de excepção. Nos livros que todos manuseamos existe perfeitamente refutado tal systema. N'esses livros se diz que nas occasiões supremas é que se deve attender a esta fórma legal, porque póde offerecer mais garantias á sociedade. Essas leis raras vezes podem fazer-se sem que a influencia das paixões n'ellas appareça.

Sr. presidente, todos os publicistas admittem leis de excepção permanentes, e leis de excepção que não são permanentes. As leis de excepção permanentes trazem como principio proteger e não offender—-taes são as que estabelecem como tribunal o corpo legislativo para os ministros e para os seus membros, e ainda os tribunaes especiaes para os militares e para o commercio; leis de excepção não permanentes são as que tambem a carta admitte, e não direi o artigo, porque é conhecido de todos, como dando melhor garantia em certas e determinadas circumstancias — refiro-me á suspensão de garantias. Mas lei de excepção permanentes não podem servir para o caso em questão. Nenhum codigo as podia sanccionar nem as sanccionou. As leis de excepção com permanencia podem dar á sociedade uma garantia até ao ponto onde é preciso, mas leis de excepção para castigar e offender, e isto com caracter de permanencia, é que me parece que codigo algum sanccionou ou que nenhum publicista admittiu.

Sr. presidente, fez-se uma lei de excepção com caracter de sentença.

Infringiu-se por esta parte a carta constitucional, arvorando-se ali uma lei em sentença para castigar actos, que eram erros politicos contra o § 10.° do artigo 145.° Se estes actos eram crimes politicos, a formula a seguir era um processo, e esse processo julgado pelos tribunaes. Ainda

bem que isto se não fez, porque o codigo por onde seria punido era a ordenação, liv. 5.°; e nós não podiamos revogar essa sentença, nem termos hoje occasião de poder, depois de adormecidas as paixões, tirar da historia aquella nodoa.

Não entro mais n'esta parte, porque me parece que se acha completamente provada. A minha segunda proposição é exceder a necessidade.

A justiça é a virtude mais essencial de todas; e tão essencial a julgaram os moralistas, que a consideraram coma um dom da divindade. A justiça não póde absolutamente ser exercida pelos homens, porque a sua natureza caduca o não permitte. A justiça dos homens é relativa e não absoluta. A justiça funcciona sobre o podér moral. Nós não podemos attentar contra a vida do nosso similhante, mas se virmos a nossa vida em perigo vem a imperiosa necessidade, a mesma justiça nos dá o preceito de salvaguardar com preferencia a nossa existencia.

Pela natureza dos meios que temos á nossa disposição, permitte-se-nos que esqueçamos os direitos dos outros para salvarmos os nossos. A sociedade n'aquella epocha estava n'estas circumstancias, e por isso ella não offendeu a justiça quando salvaguardou os interesses da mesma sociedade. Mas era necessario que não fosse mais alem, porque desde o momento em que a necessidade não urgia que fossem affectados os direitos de outrem, a sociedade não podia de fórma alguma consentir que esses direitos affectados o fossem sem necessidade.

Sr. presidente, porque se não executou a lei que determina que os crimes d'aquella ordem sejam julgados em tribunaes? Nós sabemos que, pela convenção de Evora Monte, no artigo 7.° (leu), o ex-infante o senhor D. Miguel, e os seus partidarios, tinham reconhecido a necessidade do mesmo ex infante se sujeitar áquellas prescripções. Pelo seu manifesto incorreu o ex-infante nas penas que esta mesma convenção tinha disposto; logo cumpria faze-lo processar, o por sentença determinar-se quaes eram as penas em que tinha incorrido. Mas porque se não deu esta sentença? Seria porque a ordenação não ia tanto alem como nós fomos com esta lei? Não sei. Mas os factos auctorisam de alguma fórma a julgar-se tal cousa.

Permitta-me a camara que eu leia o artigo da ordenação, que convem para este caso. A ordenação, livro 5.°, titulo 6.°, § 14.°, diz assim, tratando dos réus que têem commettido attentados contra o rei, e por consequencia crime de lesa magestade:

«Porém os filhos de taes traidores poderão herdar de suas mães e aos outros parentes assim por linha direita, etc. E isto não sendo as taes pessoas culpadas em tal caso.»

Sr. presidente, pois nós no tempo da liberdade, tendo a carta constitucional que garante expressamente o direito de propriedade como determina no seu artigo 145.°, § 19.°, que diz assim: «Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente.» Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infamia do réu se transmittíra aos parentes; podiamos de alguma fórma admittir os principios d'aquella lei? Parece-me que não, porque o artigo da lei, a que me estou referindo, diz assim:

«O mesmo ex-infante D. Miguel e teus descendentes são banidos do territorio de Portugal, para em nenhum tempo poderem entrar n'elle, nem gosar de quaesquer direitos civis ou politicos; a conservação ou acquisição de quaesquer bens fica-lhes sendo vedada, seja qual for o titulo ou a natureza dos mesmos; os patrimoniaes e particulares do ex infante D. Miguel, de qualquer especie que sejam, ficam sujeitos ás regras geraes das indemnisações.»

Esta é a lei de 19 de dezembro de 1834, no artigo especial sobre que versa a minha interpellação.

Sr. presidente, fazia-se isto quando a carta constitucional estava em vigor, e não por um decreto dictatorial, mas por uma lei; e não censuro, porque estou bem convencido de que o legislador por falta de clareza foi mais alem do que queria, porque não podia ser sua intenção transgredir a carta, porque não o podia fazer; interpretada devidamente no sentido litteral, dá esta manifesta injustiça; e logo entrarei n'esta questão da interpretação da lei, e mostrarei que ha necessidade de uma lei de interpretação authentica á mesma lei, visto que aos tribunaes pertence ao interpretar o sentido litteral das leis; mas a interpretação authentica, quando os tribunaes não acham as leis claras e explicitas, pertence ao corpo legislativo. Por consequencia, sr. presidente, eu ainda posso admittir, e admitto, que os descendentes do ex-infante D. Miguel possam ser uma causa de risco politico, emquanto elles, por um acto proprio, chegando á sua maioridade, não declarem que adherem ao nosso systema politico, e que não allegam direitos que nós não lhes concedemos, e que elles não têem, mas que suppõem ter. Mas devemos mostrar-lhes que não estâmos dispostos a sustentar uma lei que os privou do patrimonio dos seus antepassados e da fortuna de seu proprio pae, e puni-los a elles que ainda não eram então nascidos; isto apesar de, no acto addicional, acabar-se com a pena de morte para os crimes politicos.

Sr. presidente, parece á primeira vista que escapou aos legisladores do acto addicional e aos homens que se illustraram apresentando ao corpo legislativo aquella disposição da lei, estas circumstancias; façamos justiça, não escaparam, porque a mais velha d'estas creanças ainda não era nascida quando o acto addicional foi apresentado ás côrtes; e portanto façamos justiça aos homens, que tomaram a iniciativa n'uma disposição tão justa, como aquella, de acabar a pena de morte nos crimes politicos; honremo-nos agora em applicar a carta constitucional a estes desvalidos.

Sr. presidente, as paixões politicas desculpam grandes crimes, porque n'aquellas occasiões estão as nações atacadas de paixões e fóra de rasão, mas estes crimes devem ser imputados mais a quem os suscita do que a quem os pratica. É por isso que os defensores da revolução fran-

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ceza, é eu não soa defensor d'aquella revolução em todos os seus actos, mas sou defensor dos seus nobres principios, permitta-se-me a expressão, porque a vontade dos povos é a vontade de Deus, quando caminha para a verdadeira philosophia e verdade, se não, não; n'aquella santa causa que levantava o principio fundamental de toda a sociedade moderna, e do verdadeiro progresso que já d'ahi data, houve tambem excessos, justificados alguns pelos actos que lhes tinham dado causa. Se não fosse a côrte desregrada de Luiz XV, e a desgraçadissima regencia não tivesse irritado e desmoralisado os povos e lisongeado as classes elevadas, e lhes não tivesse protegido os vicios, de certo não iria o infeliz e benevolo Luiz XVI pagar no cadafalso os crimes que não tinha commettido. Mas, sr. presidente, note-se bem, n'aquella epocha ainda se salvaram os principios ou antes as formulas, porque os revolucionarios chamaram os suppostos criminosos aos tribunaes; tribunaes de occasião e muito apaixonados, mas tribunaes; não castigaram porém os que não tinham commettido crimes; e se o sapateiro Simão foi encarregado de regular a educação do filho do rei para lui faire desaprendre á être roi, mas o seu direito de cidadão foi conservado, ainda que digam que foi uma illusão. Mas nós com o codigo, que acabávamos de resgatar a nossa liberdade, não só punimos os successores que ainda não havia, mas os que podia haver; parece-me pois que esta provado que excedemos a necessidade, e que punimos o innocente querendo castigar o culpado.

Sr. presidente, estas cousas não são novas na historia, o que é novo é o procedimento.

Quando em 1830 Luiz Filippe subiu ao throno em conquencia da revolução de julho, V. ex.ª sabe melhor do que eu como foi tratado o ramo mais velho dos Bourbons; foram-lhe conservados todos os direitos que não podessem envolver prejuizo politico, e os seus bens, a sua fortuna foi conservada e respeitada por todos. Isto mostra que a França, apesar das suas exaltações politicas, não deixa de respeitar os principios de justiça. Isto foi feito pela lei de 10 de abril de 1832, que conserva aos Bourbon os seus bens.

Sr. presidente, tão pouco solido esta o throno constitucional, que sete innocentes o possam abalar? E não o poderão elles abalar mais facilmente tendo nas suas mãos a poderosa alavanca da justiça offendida? Tanto em perigo estão as liberdades patrias, que nós tenhamos medo de as perder unicamente pelo facto destes orphãos poderem receber o pouco patrimonio que lhes resta da fortuna de seus antepassados, poderem herdar dos seus correligionarios politicos, e poderem receber o que lhes quizer deixar algum membro da familia real portugueza, pois que alguns d'estes casos já se têm dado; será pois tão perigosa a situação, que nós devamos tocar nos bens que porventura lhes vierem a pertencer por alguma alliança? Porque se acaso algum dos descendentes casar com um individuo residente em Portugal, os seus filhos não poderão herdar os bens a que tinham direito.

Sr. presidente, muitas vezes ouço n'esta camara e fóra d'ella expressões que altamente me desagradam; ouço levantar a voz contra os excessos de liberdade; ouço levantar a voz contra as propagandas protestantes; ouço levantar a voz contra as biblias protestantes, que se vendem e espalham por toda a parte; ouço levantar a voz contra as sociedades secretas; quantas vezes ouço isto, tantos regosijos são para mim. Não sei, nem pretendo saber, se as maçonarias, se as biblias e propagandas protestantes são ou não permittidas pela lei; o que sei é que nós estamos debaixo d'esta atmosphera de liberdade' em que devemos viver, e que á sombra d'essa liberdade se faz tudo o que a lei não prohibe, a esses que se queixam não assiste igual direito? Façam propaganda em contrario, porque as portas estão abertas de um e outro lado para todos trabalharmos em favor da nossa opinião, e é assim que o progresso caminha. Não vimos nós todos o que fez o partido absolutista quando teve a infelicidade de perder o seu chefe? Não eram elles que se encarregavam de mostrar que á sombra d'esta liberdade podiam viver como quizessem tendo livres as suas opiniões? Não deram elles provas do que acabo de expor? Ora pois, continuemos com igual tolerancia, liberdade e igualdade, porque a liberdade sem igualdade é o despotismo de muitos, que é tão injusto como o de um só.

Sr. presidente, nem os exercitos, nem as trincheiras, nem as medidas legislativas são o que poderão salvar este paiz; quem o salva são a liberdade e a tolerancia, ou eu estou muito enganado na opinião que formo, em vista dos acontecimentos e dos factos, pois que já não ha nem póde haver um braço humano que tenha força para arrancar a liberdade d'este paiz, e n'elle estabelecer o despotismo; pois que a liberdade consiste principalmente no peso da opinião publica, e a igualdade perante o direito commum é o que garante a liberdade.

Sr. presidente, dizia eu aqui, quando se tratava da lei de liberdade de imprensa, e muita gente se affligia por me ouvir tal opinião, appliquemos a tudo o direito commum; depois, sr. presidente, não só houve governo intelligente que o admittiu, mas ainda todos os jornaes, que então se oppunham áquelles principios que eu defendia, os defenderam e proclamaram; tambem agora poderá o governo não se conformar com a minha opinião, mas ella ha de ser lei. Vamos pois ao ponto.

Estas creanças, sr. presidente, não devem ser privadas dos seus bens; eu bem sei que estes bens foram considerados em deposito, para serem levantados por quem tivesse direito a elles; assim se decidiu no inventario da Senhora D. Carlota Joaquina, mas um tal deposito equivale a ter a propriedade sem dono; porque a lei de 19 de dezembro de 1834, tirando-lhe a faculdade de vir perante os tribunaes provar o seu direito a esses mesmos bens, não lhe permitte

tocar no deposito; não só essas creanças não podem vir perante os tribunaes, mas nem sequer lhes é permittido que sejam ali representadas, porque ninguem lhes póde advogar nem defender a sua causa sem incorrer na pena de lesa magestade.

Sr. presidente, por fallecimento da Senhora D. Carlota Joaquina fez-se o inventario dos seus bens, e seja dito em abono do fundador do systema constitucional, o Senhor D. Pedro IV, que foi Sua Magestade, de saudosíssima memoria, quem entendeu que aquelles bens deviam ser inventariados, como já em 1826, por determinação do Senhor D. Pedro IV, se havia feito a respeito dos bens do Senhor D. João VI, pois que até então o costume era passarem os bens do monarcha indivisos para o primogenito, sem se fazer d'elles inventario; mas fez-se então o inventario. E parece-me que o pae do sr. ministro do reino interveiu n'este negocio ou processo, como me constou por occasião de ver esse inventario, não porque o procurasse no ministerio do reino onde elle deve existir, mas porque anda annexa ao inventario da Senhora D. Carlota Joaquina a consulta que deu a commissão nomeada por decreto de 22 de julho de 1826, e anda appensa para demonstrar que as Infantas que tinham casado em Hespanha não tinham direito á herança. Mas, sr. presidente, no inventario da Senhora D. Carlota Joaquina entendeu-se, e todos os herdeiros concordaram, que

O senhor D. Miguel devia ser representado; e um cavalheiro distincto em jurisprudencia disse = que isso não podia ter logar, porque a lei existente se oppunha a que elle podesse ser citado =.

Por esta circumstancia o juiz, que dirigiu o inventario, o sr. João de Campos Barreto, determinou, por um despacho, que o senhor D. Miguel não entrasse no inventario, e que não fosse ali representado, por isso que a lei de 19 de dezembro de 1834 lho prohibia; e sendo a lei incompetente para dar os bens á fazenda, e faltando sentença de adjudicação, que passavam acrescidos para os herdeiros colateraes do ex-infante, morto civilmente.

Sr. presidente, seja dito em abono de todos os herdeiros colateraes, vieram declarar que se era tal a interpretação da lei, que elles prescindiam do acrescimo d'esses bens e rendimento; e foi a Senhora D. Maria II quem primeiro manifestou que não desejava que aquelle herdeiro fosse excluido do inventario, sem que ao menos se nomeasse um curador para aggravar ou recorrer de tal despacho, pois que ninguem podia ser posto fóra de um processo, em que já figurava, sem ser ouvido; nomeou-se então uni curador, que foi o sr. Alberto Carlos, respeitavel e muito douto advogado. Eu peço desculpa á camara de lhe estar a recordar factos, que talvez conheça, comtudo não posso deixar de o fazer para esclarecimento da questão. O curador recorreu do despacho para a relação, e esta determinou que = se nomeasse um curador, porque os bens não se sabia a quem pertenciam =; era portanto omissa a lei n'este ponto; e por consequencia nomeou-se, como disse, um curador, porque a lei não lhe permittia o ser citado pessoalmente; comtudo decidiu-se que se fizesse a partilha, considerando como herdeiro o senhor D. Miguel, e que os bens entrassem no deposito para depois serem levantados por quem a isso tivesse direito. Esta decisão vem assignada por pessoas muito competentes e respeitaveis, como os srs. Alves de Sá, Luiz José da Cunha, Godinho e Ferrão, que sinto não ver presente, e emfim por outros cavalheiros, do mesmo modo competentes. N'este accordão, sr. presidente, decidiu-se já uma parte da questão, porque se disse: «Não se sabe a quem pertencem estes bens, e portanto vão para o deposito, a fim de serem levantados por quem a elles tiver direito». Ora não podia ser citado o senhor D. Miguel, porque a lei o prohibia, por consequencia não podia tambem levantar esses bens. Todos estes pontos, sr. presidente, carecem de explicações, e eu ouvirei as do sr. ministro; estou certo de que as explicações me hão de satisfazer. O que peço a s. ex.ª é que, attendendo a esta questão, tome sobre ella a resolução que julgar mais conveniente, que consulte os tribunaes, ou que empregue emfim os meios que os seus muitos conhecimentos lhe farão suggerir, a fim de que seja praticado o que for mais de justiça.

Eu não mando moção nenhuma para a mesa, e n'esta parte eu tenho plena confiança no governo, em que ha de fazer todo o possivel para resolver esta questão; e á camara peço que auxilie com o seu voto a proposta que sobre este objecto tiver de se apresentar, porque estas sete creanças estão abandonadas sem patria, sem pae, e quasi sem amigos; e nós não devemos prohibir que os seus parentes, se quizerem, lhes melhorem a sua posição; e por esta occasião não deixarei de lembrar que o nosso esclarecido monarcha já indicou o caminho generoso que devemos seguir.

Sr. presidente, esta tolerancia que a boa rasão aconselha teve já um brilhante triumpho quando Sua Magestade El-Rei mandou tomar luto á sua côrte; e se este facto foi legal ou não, em vista da lei de 19 de dezembro de 1834, não sei; mas o que sei é que foi um acto nobilissimo, brilhante e honroso; e que nos mostra o espirito esclarecido do monarcha a indicar-nos qual a senda que devemos seguir; e note-se que elle não póde fazer mais, porque, sem atropellar a lei, nem um auxilio póde dar a seus parentes; e os descendentes dos nossos reis, tirando-lhes nós o que é seu, hão de andar esmolando; o desprezo não é porém para elles, é para nós, que o consentimos.

E preciso dar-lhes aquillo a que têem direito, e não rebaixar os contrarios a ponto de não poderem aceitar aquillo que lhes quizermos dar. Na sua maioridade é de suppor que se sujeitem á constituição do paiz, porque a phlosophia e as idéas da sua epocha lhes hão de aconselhar que o amor d'a patria não é propriedade de nenhum partido, e este a que me refiro tem dado provas d'elle, e os seus membros têem mostrado uma grande dedicação por uma causa aliás perdida, mas n'isso mostram a força das suas convicções sempre respeitavel; o que o não é são os vendilhões politicos.

Por consequencia direi, sr. presidente, que não devemos deixar de fazer justiça a quem para perde-la não fez erro.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — A estas creancinhas tem respeito.

O Orador: — Seja; o digno par é que applica os versos do nosso epico; repita-os todos, e lá verá:

Se já nas brutas feras, cuja mente Natura fez cruel de nascimento

Com pequenas creanças viu a gente Terem tão piedoso sentimento

A estas creancinhas tem respeito.

Aguardo a resposta do governo e agradeço a attenção da camara.

O sr. Ministro do Reino: — Expoz que o assumpto esta regulado por lei, a qual o governo acata e respeita, mas que esta lei póde ser revogada ou pela iniciativa do digno par ou do governo. Se s. ex.ª entender apresentar um projecto de lei a tal respeito, o governo exporá então com franqueza a sua opinião. No entanto permitta-lhe a camara que reserve por ora a sua opinião sobre assumpto tão melindroso.

O sr. Miguel Osorio: — Sr. presidente, não me maravilhou a resposta do sr. ministro do reino, porque na primeira parte do meu discurso eu tinha antevisto a resposta de s. ex.ª O nobre ministro disse que = eu podia usar da minha iniciativa sobre o negocio de que se trata, para chegar ao fim que desejo. — Que podia usar da minha iniciativa, fui eu o primeiro que o disse. Mas qual foi a rasão por que eu declarei que não apresentava nenhum projecto a este respeito? É porque em materia de justiça, em materia de leis, e muito principalmente em materia de conveniencia politica, o governo é que tem obrigação de tomar a iniciativa, apresentando as devidas propostas, e leva-las por diante. Estes é que são os principios, que não devem limitar-se a palavras, mas traduzir-se em factos. Se os governos não são para terem iniciativa n'estes casos, e para terem a coragem da sua responsabilidade, não sei para o que são.

Sr. presidente, cada vez mais sinto que o governo não tem fé na liberdade. Este negocio não se resolve por conveniencia, resolve-se pela justiça. O governo reserva-se para explicar a sua opinião na commissão, quando se apresente n'ella qualquer projecto. E commodo este systema; a opinião do governo é não ter opinião; e soffre-se isto a um governo liberal? Não póde ser.

Sr. presidente, a iniciativa individual mareada na carta constitucional, devemos ser francos e sinceros em dizer que ella é inefficaz em casos d'esta natureza. O governo tem partido, tem as maiorias que o apoiam, póde consulta-las e ver se estão concordes com a sua opinião sobre o modo de regular as questões e resolve-las. A iniciativa individual não póde dispor d'esses meios, e por consequencia a sua; efficacia é diminuta. Pois o governo n'esta questão quer que a iniciativa individual lhe indique o caminho que ha de seguir? Pois o governo n'uma questão de justiça ou injustiça, de necessidade ou desnecessidade, diz á iniciativa individual, que póde ser desconhecedora das difficuldades que póde offerecer o negocio «apresentae as vossas idéas, e eu depois na commissão direi o que entendo»? Este systema nunca se seguiu.

O sr. ministro do reino, homem sincero, liberal, e que levantou a bandeira das reformas na outra casa do parlamento com a sua iniciativa efficaz sobre administração civil, que costuma sempre dizer a sua opinião com a maior franqueza, que diz que é da escola mais liberal, que nunca encobriu as suas opiniões, apresenta agora uma reserva notavel. Parece-me que a responsabilidade collectiva do ministerio não póde tolher que s. ex.ª se manifeste n'uma questão de justiça; mas isto, sr. presidente, é a influencia malefica do pensamento do governo, que é reaccionario, e tem medo de applicar a liberdade.

O nobre ministro declarou -que = eu tinha dito que o inventario do casal estava affecto aos tribunaes =. O que eu disse foi que nos tribunaes havia difficuldades na interpretação da lei, havia duvidas. Pois nem assim s. ex.ª se resolve a fazer uma lei interpretativa, que tanto basta?

Pois, sr. presidente, sabem V. ex.ª e a camara as pessoas que entraram n'aquelle processo? Foram as auctoridades mais competentes da nossa magistratura. Sabe V. ex.ª pois quem foram? Foram os srs. Alberto Carlos, Chaves, Pimentel, Alves de Sá, Ferrão e Campos Barreto, juizes a quem todos fazem os mais altos elogios. Eram do conselho de familia os srs. Trigoso, e Mello e Carvalho, pae do actual par do reino do mesmo nome, jurisconsultos abalisados. Entraram por consequencia altas competencias n'aquelle processo; e todos embirraram, permitta-se-me a expressão, na execução da lei, sem saberem como lhe haviam de dar execução. Ve-se claramente que rasões elles allegavam. Uns diziam «deve ser citado». Outros «não póde ser». Outros «deve ser representado». E por fim chegou o negocio á relação, e ella pô-lo de parte, e não citou, porque a lei não lh'o permittia, mas não se atreveu a pronunciar-se na questão. E agora diz o governo que, se ha questão pendente, caminhe; são os tribunaes os competentes. Mas se não podem ser representados, qual ha de ser o advogado que ha de apresentar-se a defender os interesses dos filhos do ex-infante? Tenha o governo a coragem de dizer que isto é preciso, que a ordem publica póde perigar; mas não venha esconder-se detrás da iniciativa individual; não venha dizer á camara — a um par que levantou uma questão sem querer prejudicar o. governo, e que nem apresentou uma moção

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de ordem qne use da sua iniciativa. Eu ficava satisfeito se o sr. ministro me dissesse — eu não sei os termos em que o digno par trata a questão, e como não posso saber se convem já alterar as diposições d'essa lei, estudarei a questão, e em tempo opportuno apresentarei á camara as minhas idéas a este respeito. Mas fugir da questão com medo de vir comprometter o governo n'este grave assumpto, em que seguramente periga a ordem publica, é offender a justiça da nossa causa! A offensa não é de quem a recebe, é de quem a faz. A historia tomará na devida conta este procedimento.

O sr. ministro aconselha me a que use da minha iniciativa. Eu bem sei o direito que a carta me confere, mas agradeço a s. ex.ª o conselho, e tiro a conclusão de que o governo não tem idéas definidas sobre justiça e liberdade.

Por consequencia espero, não a sua opinião, que a não tem sobre esta materia, mas a conveniencia publica, que se reduz a não levantar difficuldades ao governo a quem mais agrada a tranquillidade que a justiça.

Apresentarei um projecto, que naturalmente será depois considerado como menos pensado. A commissão e a camara dar-lhe-hão o destino que lhe quizerem dar. Eu, pela minha, parte, não farei esforços para a sua approvação, para não incommodar o governo.

Essas creanças continuarão a viver como até agora, e a justiça offendida não terá sido desaffrontada por este ministerio. Mas um dia virá em que governos populares e liberaes apresentarão esta questão, e não julguem que a causa publica e a liberdade possam perigar. Isto ha de ser feito por esses governos, porque pelo actual já se vê que não tem a coragem de se pronunciar pró ou contra.

Tenho concluido; e se levantei a voz, peço desculpa á camara, mas não é possivel conservar sangue frio em taes casos; para mim é que está definido o governo; e se até aqui divergia do governo n'uma ou n'outra parte, agora declaro que me não associo a elle para nada, porque a primeira condição do governo para mim é ser liberal e justo, e este é anti-liberal, injusto e reaccionario.

O sr. Ministro do Reino: — Declarou que o governo não teria duvida em apresentar a sua opinião sobre a lei de 1834, no caso de se propor a sua revogação; sendo certo que emquanto esta se não approvar é dever do governo acatar aquella lei.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para fazer algumas observações sobre o assumpto. Eu fui um dos membros d'esta casa que votaram a lei de 1834, de que se trata, e talvez o unico que esteja presente, e tenho a dizer que quando se fez esta lei, na qual (O sr. Miguel Osorio: — Peço a palavra) se mandavam processar e executar summariamente as pessoas a que diz respeito, foi só com o fim de aterrar e não com o de se executar. Entretanto a lei existe, e eu já ha bastante tempo tinha fallado com o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, para combinarmos nós os membros d'esta camara, que tinhamos concordo para se fazer essa lei, em uma proposta de lei para modificar a de 1834. (O sr. Visconde de Chancelleiros: — Peço a palavra sobre a ordem.)

Agora, sr. presidente, os tempos são outros, as circumstancias mudaram, é necessario attendermos a isto. (O sr. Miguel Osorio: — Peço a palavra para um requerimento.)

Acho que a lei deve ser modificada. Para isso poderá uma proposta ser feita por um membro da camara ou pelo governo.

É porém esta que considero mais propria para o preparar e apresentar, e pareceme que praticaria um bom acto se trouxesse ás côrtes um projecto de lei que correspondesse ao estado actual da civilisação, pondo de parte aquellas disposições exaradas na referida lei, e que foram tomadas para circumstancias que já deixaram de existir: occasiões têem havido, sr. presidente, em que medidas similhantes se têem proclamado, não com o fim de se executarem, mas sómente de aterrarem; e, para prova do que acabo de avançar, vou referir um caso que se deu commigo em 1837.

Vozes: — Ouçam, ouçam.

Tinha então acontecido a revolta, chamada dos marechaes. Eu tive a honra de ser nomeado logar tenente de Sua Magestade a Rainha nas provincias do norte, e chegando á cidade do Porto, muitos patriotas informaram-me de que n'aquella cidade existia uma grande conspiração, com o fim de excitar tumultos, e que n'ella tinham parte aquelles que eram designados com o nome de chamorros, e que essa era uma conspiração permanente contra o governo estabelecido, e que portanto era necessario darem se ordens para que esses individuos fossem immediatamente capturados. Ouvi-os, como devia, com toda a attenção. Respondi observando que a reunião ou associação de quaesquer individuos era um direito constitucional, e que por isso me parecia que não deviam ser presos só porque se haviam reunido. No entanto o que não era permittido era que qualquer individuo saísse para a rua com as armas na mão contra a ordem de cousas estabelecidas.

Como porém tive motivos para considerar verdadeira a informação de que se tratava de trastornar a ordem, publiquei no dia seguinte uma ordem do dia em que determinava que a cidade do Porto era declarada em estado de sitio; e que, portanto todos os attentados contra a ordem publica seriam julgados em conselho de guerra e segundo as leis militares; e que as penas impostas por esta lei achavam-se entre os artigos de guerra do regulamento de infanteria de 1763, dos quaes o 15.° manda executar todo aquelle que for cabeça de motim.

Esta publicação foi feita sem que existisse a minima intenção de mandar executar a pena do dito regulamento.

Este exemplo serve unicamente para mostrar que medidas d'esta ordem são de occasião e tomadas em circunstancias exepcionaes, e quasi sempre mais para aterrar do que para se executarem.

O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento o sr. Miguel Osorio.

O sr. Miguel Osorio: — O meu requerimento, sr. presidente, é para que V. ex.ª consulte á camara sobre se quer que usem da palavra n'esta questão todos os dignos pares que n'ella quizerem entrar; e aproveito tambem esta occasião para dar uma explicação ao sr. ministro, e é que eu não disse immoral, disse anti-liberal.

O sr. Presidente: — V. ex.ª agora tem a palavra para um requerimento, e não sobre a materia (muitos apoiados).

O sr. Miguel Osorio: — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se me concede a palavra para uma explicação.

Vozes: — Não póde ser, porque ha outros oradores inscriptos.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Costa Lobo.

O sr. Costa Lobo: — Entendo que a interpellação do digno par não tem cabimento com os verdadeiros principios constitucionaes. O governo não póde ser interpellado a apresentar propostas de lei senão em satisfação dos seus compromissos, ou aquelles que elle, pela sua posição de chefe do poder executivo, esta mais habilitado a formular. Fóra d'estes dois casos, uma interpellação d'esta ordem é uma abdicação das funcções legislativas, e um apoucamento das attribuições da camara, a que o orador não póde dar o seu assentimento.

O sr. Presidente: — Vou pela quarta vez conceder a palavra ao sr. Miguel Osorio.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Expoz o sentimento de que se fizesse aquella interpellação em termos tão vagos.

O sr. Costa Lobo: — Eu cedo da palavra.

O sr. Miguel Osorio: — Tinha pedido a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento o digno par o sr. Miguel Osorio.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Pediu se consultasse a camara se a materia estava discutida.

O sr. Miguel Osorio: — Eu insisto pela palavra que pedi para um requerimento.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Miguel Osorio, mas para fazer um requerimento.

O sr. Miguel Osorio: —O meu requerimento é o seguinte (leu).

Como o sr. visconde de Chancelleiros fundamentou o seu requerimento, fundamentarei tambem o meu. Effectivamente para mim a materia esta discutida: a opinião reaccionaria do governo esta conhecida, e a opinião liberal do paiz foi aqui claramente manifestada pela palavra brilhante e auctorisada d'este vulto heroico da liberdade (apontando para o sr. marquez de Sá da Bandeira). Do governo, pois, não ha mais nada a esperar, porque parece que elle quer que se saiba que a liberdade é perigosa e a injustiça precisa! Para mim esta a materia discutida, e a opinião do governo sufficientemente conhecida; e é preciso que se saiba que eu nunca quiz amesquinhar a iniciativa d'esta camara, e sim condemnar a cobardia do governo em defender a justiça opprimida.

Vozes: — Ordem, ordem.

(Susurro.)

A ordem é para me deixarem fallar. Chame V. ex.ª á ordem, e faz bem, mas é aos que me interrompem.

O que eu estou fazendo é uma cousa que se está vendo todos os dias lá fóra; isto faz-se em Inglaterra...

Vozes: — Ordem, ordem.

O sr. Presidente: — Peço ao digno par que se mantenha na ordem.

O Orador: — Eu estou na ordem; e repito que isto faz-se lá fóra; fez-se em França quando lá havia liberdade; e em toda a parte; pois como se ha de saber para onde vamos se o não perguntarmos ao governo?

O sr. Visconde de Chancelleiros: — O digno par esta fóra da ordem.

(Interrupção do sr. presidente.)

O Orador: — Eu estou fóra da ordem; o digno par é que perturba a camara e as discussões com as suas inconveniencias. Sr. presidente, tenho ao meu lado o sr. marquez de Sá da Bandeira; e d'este honrado liberal e dos homens como elle é que ha de saír um dia esta lei, mas não de governos que se fingem liberaes quando opposição, para serem reaccionarios no poder.

O sr. Presidente: — Expoz ao orador que effectivamente s. ex.ª estava fóra da ordem, e portanto não podia deixar continuar esta discussão (apoiados), mesmo porque a hora estava para dar (apoiados).

O sr. Miguel Osorio: — Isto, sr. presidente, faz-se lá fóra, e posso apresentar á camara as provas d'esta minha asserção; e não posso deixar de dizer que estimo ver o espirito de ordem no sr. visconde de Chancelleiros, que nunca o teve quando era opposição.

(Susurro.)

Vozes: — Ordem, ordem.

Não direi mais nada, porque o meu dever esta satisfeito; não ha ordem para uns e desordem para outros; já que não querem ser liberaes, deixem fallar quem o é; mas isso envergonha os que o não são, bem sei.

O sr. Presidente: — Esta discussão esta terminada. Ámanhã haverá sessão, sendo a ordem do dia á continuação da que vinha para hoje. Está levantada a sessão.

Eram cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 13 de março de 1867

Os ex.mos srs. Condes, de Lavradio e de Castro; Duque de Loulé; Marquezes, de Fronteira, de Niza, da Ribeira, de Sá da Bandeira, de Sousa, de Vallada, de Vianna e de Ficalho; Condes, das Alcaçovas, d'Alva, de Cavalleiros, de Farrobo, da Fonte Nova, da Louzã, de Peniche, de Santa Maria e do Sobral; Viscondes, de Chancelleiros, de Porto Côvo, de Seabra, de Soares Franco e de Villa Maior; Barão de Foscôa; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Barreiros, Almeida Pessanha, Silva Cabral, Pinto Bastos, Eugenio de Almeida, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Castro Guimarães, Fonseca Magalhães, Miguel Osorio, Menezes Pita, Fernandes Thomás e Almeida e Brito.

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