342 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tegral dos juros das inscripções, por isso mesmo que aquella lei determina expressamente que os titulos de divida publica fundada não ficam sujeitos a nenhum imposto.
Mas allega-se que essas disposições não dizem respeito senão aos impostos geraes e não aos que os corpos collectivos podem lançar. Teria sido uma singular idéa do legislador, se o intuito que teve em vista com aquella lei fosse unicamente impedir que o governo central tributasse o rendimento das inscripções, deixando ao arbitrio das localidades modificar o seu valor. Não foi esse certamente, nem poderia ser nunca, o pensamento do legislador.
Na ultima discussão da reforma administrativa lamentou-se aqui que se não tivesse tomado precauções com relação ao systema tributario das camaras municipaes, e parece-me até que o sr. Paiva Pereira, que Deus haja, tomando parte nessa discussão como representante de um corpo onde se deve fiscalisar a legalidade das despezas feitas, fallou n’este sentido.
E eu creio que tambem tomei parte n’essa discussão.
Note se bem, que apesar da nova reforma administrativa, se não tem imposto percentagem que não vá recaír sobre impostos que não estejam já estabelecidos; não se tem alterado, quanto ás contribuições directas, a percentagem que vae recaír sobre ellas, por consequencia, não se póde reconhecer de modo algum como legal o acto da camara municipal de Coimbra, nem nenhum outro que se possa dar de similhante natureza.
Ainda ultimamente, quando se tratou de tributar os dividendos das companhias commerciaes, estabeleceu-se que as inscripções não ficavam sujeitas a nenhum imposto; mas é singular que esta disposição pareceu á respeitavel camara municipal de Coimbra um argumento para em sua defeza dizer que a prova de que a disposição da lei de 1852 não era geral, é que se fez uma excepção para os bancos e associações commerciaes.
Digo isto para que se veja que a defeza não tem argumentos fortes a este respeito.
Parece-me a mim que se não está no alvitre do ministro da fazenda, se isso não é das suas attribuições, garantir o credito publico, então muito pouco póde o ministro da fazenda.
Por consequencia, eu peço aos srs. ministros que estão presentes, que tenham a bondado de tomar nota destas minhas observações para as communicarem ao seu collega, porque este assumpto é tão importante, que eu entendo que é necessario que o governo tome sobre elle uma resolução rapida e decisiva. (Apoiados.)
O governo tem, é verdade, conselheiros fiscaes com bastante auctoridade para julgarem da importancia d’este assumpto e de outros muitos; mas este é tão urgente e simples que não admitte discussão.
A discussão só póde tornar-se necessaria quando acontece que aquelles que devem tomar promptas providencias sobre qualquer assumpto as não tomam. (Apoiados.)
Mando tambem para a mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida com urgencia a esta camara a relação das sommas que ultimamente foram adiantadas ao banco ultramarino, com declaração das garantias dadas pelos mesmos adiantamentos.
«Sala das sessões, 3 de março de 1879. = Carlos Bento.»
Sr. presidente, desde que dos cofres do estado, se faz um adiantamento, parece-me que não é muito que se exija saber quaes as circumstancias em que esse adiantamento se fez.
Leu-se na mesa o requerimento de s. exa. e a camara resolveu que se expedisse.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. presidente, eu escutei as reflexões do digno par com a attenção que ellas merecem; fundam-se ellas n’um acto da camara municipal de Coimbra, ácerca do qual o governo tem a mesma opinião que o digno par. A opinião do governo a respeito d’aquella resolução da camara municipal de Coimbra é firme e resoluta no que respeita a dar providencias que se opponham á realisação de um acto que não de conveniente aos interesses publicos.
Consta-me que se consultou o procurador geral da corôa a tal respeito. O que o governo quer saber, consultando o procurador geral da corôa, é se dentro da legislação actual tem o direito de poder providenciar sobre o assumpto, e n’esse caso fal-o-ha immediatemente; ou se não tem esse direito, e então apresentará ao parlamento uma proposta de lei que tenda a impedir que os juros dos titulos de divida publica possam ser cerceados. (Apoiados.)
O sr. Marquez de Vallada: — Cedo da palavra.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra sobre este importante assumpto, logo que o digno par o sr. Carlos Bento se começou a referir a elle.
Ouvi depois as explicações categoricas do sr. ministro dos negocios estrangeiros, que applaudo, como tambem não posso deixar de louvar o digno par, o sr. Carlos Bento, por ter provocado essas explicações.
O que não era conveniente que se dissesse por parte do governo, como se chegou a dizer, é que se havia de examinar o assumpto para depois se resolver, dizendo-se igualmente que nada se sabia do facto praticado pela camara municipal de Coimbra, quando elle era publico, quando toda a gente o sabia, e era por de mais attentatorio do credito publico.
Ainda bem que chegámos a este ponto. Ora o governo em vista das attribuições que tem, ha de fazer entrar na lei a camara municipal de Coimbra, ou ha de pedir ao parlamento alguma lei ácerca da interpretação que se deve dar ao que dispõe o codigo administrativo n’este ponto.
Já na outra casa do parlamento um illustre deputado apresentou um projecto de lei, interpretando a este respeito as disposições do codigo administrativo.
Eu sou tambem d’aquelles que entendem que a legislação actual não auctorisa de fórma alguma, não só o governo, mas tambem os representantes dos districtos e dos municipios, a tributar os titulos de divida publica.
Assim o entendo em vista da legislação especial, embora sejam um tanto vagas e um tanto ambiguas as disposições do codigo administrativo.
Quando o governo de 1852, por decreto de 18 de dezembro, e em dictadura, reduziu os juros das inscripções, fallava-se então no abysmo inevitavel para que a nação caminhava, e dizia o sr. Fontes, ministro da fazenda n’essa occasião, no relatorio d’esse decreto, que era preciso a todo o transe acabar com o deficit.
Agora não se quer que se falle no abysmo, e se alguem assim procede diz-se logo que a figura de rhetorica envelheceu.
Mas então fallava-se no abysmo, que estava novo em folha; e dizia-se no relatorio de 18 de dezembro de 1852:
«A organisação definitiva da fazenda publica prende essencialmente com o necessario equilibrio que deve existir entre a receita e a despeza do estado. Emquanto houver um déficit, pequeno OM grande, que actue constantemente sobre o thesouro, o paiz caminhará para um abysmo inevitavel, d’onde apenas póde salvar-se, por meios energicos e adequados, tanto mais difficeis e inefficazes, comtudo, quanto mais aggravado estiver o mal, e mais tarde se prover o remedio...»
Escrevia isto n’aquella data o sr. Fontes.
N’esse tempo o paiz caminhava para o abysmo, emquanto houvesse um deficit, fosse grande ou pequeno!
Agora não sei para onde caminhamos; tendo tido no anno passado, conforme o que nos disse o sr. ministro da fazenda, 5.000:000$000 réis de deficit, e no anno anterior 7.000:00$000 réis; e ainda 3.000;000$000 réis de deficit