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346 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que tambem foram dirigidas ao ministerio de que o sr. Barros e Cunha fazia parte.

Eu que tive a honra de acompanhar esse gabinete, e mereci a confiança de ser por elle nomeado para o logar de primeiro magistrado de um districto importante; a mim, repito, corria-me o dever não só por este facto, mas sobretudo pelos principios da justiça em que se deve inspirar todo o homem publico, de levantar essas accusações, e hei de defender esse ministerio, ainda que eu sou o mais humilde dos seus defensores, com toda a energia de que sou capaz, sem recuar um passo.

Deram o nome de penitenciaria ás obras do Algarve, porque é assim que vejo hoje denominar as grandes obras que se fazem por este paiz, que servem apenas para favorecer afilhados e encobrir aquillo que devia ser descoberto, isto é, a maneira por que se gastam os dinheiros publicos.

O governo, para mostrar que não é responsavel por esses actos, tem obrigação, perante a representação nacional e o paiz, de declarar que os reprova, não com palavras, mas com factos, pedindo a responsabilidade aos maus administradores, a esses infieis depositarios, que eu seguramente não sei quem são, mas é provavel que appareçam, e o governo mesmo tem interesse em os fazer apparecer; entretanto, se tudo isto é falso, se nada d’isto existe, onde estamos nós? Que partido rodeia o governo? Que homens são esses que o apoiam? Que auctoridade têem, se quando denunciam um facto irregular não merecem credito? Se o governo está rodeado de homens que fazem côro com a opposição, e não lhe merecem credito, o melhor é deixar essas cadeiras.

O governo tem delegados seus, e por elles deve ter sido informado dos factos a que me tenho referido, e deve saber tambem que se apresentou diante do edificio do governo civil de Paro uma porção de pobres operarios, aos quaes se devia muito dos seus jornaes, e a estes pobres operarios até se descontava um quarto do dia de trabalho, porque os operarios só são favorecidos quando se lhes pede o voto, mas esquecem depois os pobres desprotegidos, os que não têem pão para viver, nem a instrucção e auctoridade necessarias para fallar em favor da sua causa. Esses servem só para o dia das eleições, então são chamados, e fazem-se-lhes grandes promettimentos, mas passado aquelle dia ficam postos de parte.

E são estes os ministros democratas, os que dizem que a democracia caminha e que estiveram sempre alistados nas suas bandeiras!

Pobre povo, que te deixas conduzir pela mão de falsos amigos, que com lisonjeiras palavras te levam ao campo em que se não trata dos teus interesses, mas apenas de te explorar por todos os modos!

Assim digo eu tambem: Pobre districto do Algarve!

Se n’esta casa estivesse agora o sr. conselheiro Cardoso Avelino, eu chamaria a attenção de s. exa. para algumas palavras por mim aqui proferidas, creio que em 1874, depois de ter no anno anterior percorrido o Algarve.

Pedi então eu ao governo que attentasse na necessidade de cuidar d’aquella provincia, que estava, para assim dizer, posta completamente de parte e desajudada, tendo aliás grandes recursos, pois,que, desenvolvidas as diversas fontes de riqueza n’ella existentes, póde ser elevada ao grau de prosperidade em que deve ser collocada.

Por essa occasião fallei do caminho de ferro e das obras que se tinham feito até Boliqueime.

Tratava-se de discutir a conveniencia de effectuar o caminho de ferro de via larga ou via estreita. De qualquer dos modos, disse eu, favorecei esta pobre provincia, tão pouco lembrada pelos poderes publicos. E fallava com tanta mais auctoridade que não sou proprietario no Algarve, estava independente de quaesquer interesses pessoaes, tinha unicamente em mira o interesse do paiz e o amor do bem publico.

Já no tempo dos nossos antigos réis aquella provincia fôra pouco favorecida; e lembra-me de ter lido uma carta do celebre bispo de Silves, D. Jeronymo Osorio, portuguez cujo nome se pronuncia sempre com respeito, já no campo do patriotismo, já no campo das letras, na qual elle escrevia ao rei, pedindo-lhe que attendesse aos interesses dos pobres pescadores.

É sabido que a pesca do atum constitue uma das fontes de riqueza d’aquelle paiz, porém elles estavam de tal modo sobrecarregados com os tributos, que o avisado e bondoso bispo erguia a sua voz auctorisada, e instava com o monarcha para que tivesse em conta o estado dos pobres pescadores.

Isto é tambem uma prova de que antigamente a democracia não existia em palavras, mas realisava-se em factos.

Mais tarde, o Algarve, alem d’esse homem notavel, teve outro cujo nome ainda hoje é repetido com grande respeito e amor. Fallo de D. Francisco Gomes, que representou um papel brilhantissimo durante uma epocha calamitosa para aquella provincia, e que, entendendo que o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas, Pastor bonus dat vitam pro ovius suis, descia do seu solio, onde se sentava como prelado, vinha abraçar os operarios, ensinar-lhes diversos processos agricolas e varios meios de tornar mais rendosas as suas pequenas propriedades.

E não digo que elle descia, mas approximava-se d’este terreno, e approximando-se conservava-se no seu posto? como verdadeiro patriota e amigo do povo.

Desejo, portanto, que o Algarve se levante á altura a que tem direito de ser elevado; terra de façanhas em epochas que vão longe, e que estão gravadas com letras de oiro na historia da minha patria, não podia deixar de me inspirar um sentimento de enthusiasmo ao pronunciar o nome d’essa bella provincia, tão notavel na nossa historia, quão digna de interesse por esses titulos e por outras condições que a recommendam á consideração dos poderes publicos, e a tornam digna de ser attendida n’este grande banquete dos interesses geraes do paiz. É isso o que peco, é o que desejo, é o que deve ser. Quero a regeneração do Algarve, mas essa regeneração só póde realisar-se quando esta provincia se veja desaffrontada de uma cohorte de homens que têem unicamente em vista explorar o povo, desperdiçando o dinheiro do povo, que é ganho com muito suor, e que é fructo de trabalho penoso, arduo, quotidiano.

Feita esta narração acompanhada com as observações que me pareceram necessaries, ouso esperar que o sr. ministra haja de responder ao que expuz.

É provavel que eu tenha de replicar, e por isso desde já tenho a honra de prevenir v. exa. de que desejo usar de novo da palavra.

Aguardando, pois, as explicações do illustre ministro das obras publicas, devo esperar que cabalmente me esclarecerá sobre os pontos que toquei na interpellação que acabo de dirigir a s. exa., na certeza de que, emquanto não vir destruidas com provas as accusações de que tratei, e a verdade manifestada em toda a sua luz, dando-se satisfação completa aos interesses publicos, que reputo offendidos, não hei de desamparar esta questão, não largarei de mão esta honrosa tarefa, e tanto aqui como na imprensa da capital e nos jornaes do Algarve, hei de tratal-a com a largueza possivel e com todo o desassombro, de fórma que se não lance um véu sobre cousas que se não devem encobrir. E esta a minha resolução.

(Entra o sr. ministro do reino.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): — Não acompanharei o digno par em todas as considerações que acabou de fazer, nem poderia de modo algum dar as explicações que s. exa. pretende sobre factos e asserções que eu sou o primeiro a pôr em duvida, e que estou persuadido s. exa. referiu sem conhecimento de causa.

Entendo que as primeiras condições do governo repre-