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N.º 31

SESSÃO DE 23 DE MARÇO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila

Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.- Correspondencia.- O digno par o sr. Sousa Avides envia uma representarão á mesa.- O digno par o sr. Luiz Bivar faz communicação de doença de um outro digno par. - O digno par o sr. Luiz de Lencastre pede para ser marcado dia para uma interpellação. - O digno par o sr. Antonio do Serpa envia para a mesa um requerimento do sr. visconde de Villa Nova de Ourem. É lido e remettido.- O digno par o sr. Pinto de Magalhães manda para a mesa varias representações. - O sr. marquez de V aliada reclama a presença, de alguns srs. ministros.- Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - O digno par o sr. Rebello da Silva manda um requerimento para a mesa. Lido e expedido.- O sr. marquez do Pomares communica as suas faltas ás sessões. - Falla ainda o sr. marquez do Vallada.- O digno par o sr. Jeronymo Pimentel communica faltas de um outro digno par, e manda para a mesa varios pareceres. Lidos.

Ordem do dia. - O sr. presidente participa que o sr. ministro dos negocios estrangeiros não póde comparecer.-Faliam detidamente sobre o projecto os, dignos pares os srs. Pinto de Magalhães e conde de Castro. - É lido e approvado na generalidade o projecto, e posto em discussão na especialidade por classes.- Começa a fallar o sr. condo de Castro, ficando com a palavra reservada.- Faz um requerimento, que é approvado, o digno par o sr. Pinto de Magalhães. - É encerrada a sessão e designada a ordem do dia.

As duas horas e tres quartos da tarde, achando-se presentes 33 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia,

Officio mandado para a mesa pela presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição já ali approvada, que tem por fim auctorisar a camara municipal do concelho de Pedrogão Grande a desviar réis 3:000$000 do cofre de viação para applicar á construcção de um mercado em Castanheira de Pera.

Para as commissões de administração publica e de obras publicas.

Officio mandado para a mesa pela presidencia da camara dos senhores deputados, enviando uma proposição, já ali approvada, que tem por fim alterar a divisão dos districtos de juizo de paz no concelho de Arganil, e determinar que a area das funcções do actual tabellião de notas de Coja fique circumscripta á do districto de paz deste nome.

Para a commissão de legislação.

Oficio mandado para a mesa pela presidencia da camara dos senhores deputados, enviando uma proposição, já ali approvada, que tem por fim dispensar a Elysio Fernandes das Neves Tavares os preparatorios exigidos pela lei de 12 de agosto de 1854 para admissão ao exame de pharmacia, de que trata o decreto de 29 de dezembro de 1836, com a clausula de ficar habilitado ao exercicio pharmaceutico só nas provincias ultramarinas, e sem direito a entrar nos respectivos quadros das mesmas provincias.

Para as commissões do ultramar e de instrucção publica.

(Estava presente o sr, ministro da marinha.)

O sr. Sousa Avides: - Mando para a mesa uma representação dos membros da classe de relojoeiros do Porto, protestando contra a taxa, demasiadamente baixa, applicada a relógios de sala, mencionada na pauta, e lembrando quanto será prejudicial á creação da industria de relojoaria no paiz uma taxa tão pequena.

Esta representação está redigida nos termos mais respeitosos, e por isso peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.

Foi auctorisada a publicação.

O sr. Bivar: - Sr. presidente, o digno par e meu amigo o sr. Cau da Costa encarregou-me de participara v. exa. e á camara que por incommodo de saude não tem podido comparecer a algumas sessões desta camara.

O sr. Presidente: - Será lançada na acta a declaração do digno par.

O sr. Luiz de Lencastre: - Sr. presidente, v. exa. sabe que ha tempos eu mandei para a mesa uma nota que não é propriamente uma interpellação, mas o desejo que tenho de trocar algumas palavras com o sr. ministro da marinha ácerca da extincção das juntas de fazenda do ultramar.

Nessa occasião disse que esperava que pelo ministerio da marinha me fossem enviados documentos de que precisava para explanar a minha conversa com o sr. ministro.

Infelizmente, porem, por falta de saude, não tenho podido ser assiduo nesta camara; mas hoje, peço, a v. exa. que, de accordo com o sr. ministro e com o serviço publico, seja marcado dia para eu poder conversar com s. exa. ácerca do assumpto a que já me referi.

O sr. Presidente: - Logo que seja possivel será designado o dia para essa discussão.

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento em que o sr. visconde de Villa Nova de Ourem pede para ser admittido nesta camara como representante do seu fallecido pae, o primeiro visconde de Villa Nova de Ourem.

Peço a v. exa. que se digne enviar este requerimento á commissão de verificação de poderes, a fim della dar o seu parecer com a maior brevidade.

O sr. Presidente: - O requerimento juntamente com todos os documentos vae ser enviado á commissão de verificação de poderes.

O sr. Pinto de Magalhães: - Sr. presidente, pedia palavra para mandar para a mesa diversas representações da associação industrial portugueza, contra alguns artigos das pautas.

Peço a v. exa. que estas representações sejam enviadas á commissão de fazenda para ella dar o seu parecer.

O sr. Presidente: - Os requerimentos vão ser enviados á commissão de fazenda.

O sr. Marquez de Vallada: - Começa por lamentar que nunca venha á camara um representante do governo a quem possa dirigir, com esperança de alguma resposta elucidativa, perguntas sobre a questão bancaria. Esta questão é gravissima, as fortunas particulares não estão seguras, mas o orador já ha dezoito annos previa que os ban

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cos se converteriam no que hoje são, bancas de jogo e jogo pouco licito. Nessa epocha o orador nada disse, porque não queria a prior proferir sentenças.

Chama a attenção do actual governo para esse problema que só impõe com toda a urgencia, e que é preciso resolver, pois do certo o governo tem força para isso. Ha um preceito de Horacio aos escriptores, que póde ser tambem applicado aos politicos, é que o orador dedica ao governo: "experimentae bem as forças que os vossos hombros supportam e as que os vossos hombros recusam". Portanto, se o governo tem força, proceda como deve; nós é que não podemos ficar eternamente á espera que os bancos acabem de regular as suas operações. Até agora temos vivido de esperanças, mas de hoje em diante viveremos de desengano.

É preciso que o thesouro publico não seja uma especie de caixa de beneficencia para pagar os desvarios alheios.

São sabidas as relações entre o estado e a companhia real; porque é que o sr. ministro da justiça não dá ordem aos delegados junto dos tribunaes judiciaes para procederem nas necessarias investigações ácerca do que se tem propalado? O governo tem obrigação de pôr em pratica o programma que annunciou.

O orador desejava saber tambem o que havia no tocante aos portadores da divida externa, porque isso de certo já não deveria ser segredo, e portanto, não só a este respeito como tambem a respeito da questão bancaria, desejava ouvir agora da boca de algum dos srs. ministros quaes as deliberações que o governo intenta tomar, visto que o parlamento será encerrado dentro de poucos dias.

(O discurso do digno par publicar-se-ha na integra e em appendice, logo que s. exa. reveja as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral):- Sr. presidente, pedi a palavra para, em resposta ao sr. marquez de Vallada, declarar que o programma do governo não existe só em palavras, mas que está sendo todos os dias traduzido em factos de accordo com as aspirações da opinião, e nisso está a gloria dos membros do governo, gloria de terem sabido cumprir o seu dever.

Devo tambem dizer que, como o digno par sabe, o sr. presidente do conselho está empenhado na .camará dos senhores deputados em discussão da lei de meios, e que o sr. ministro da fazenda se acha incommodado de saude, a ponto de não poder trabalhar senão de pó.

É este o motivo por que não tem assistido ás sessões, tanto desta camara, como da outra.

Creia o digno par que o governo deseja satisfazer ás exigencias por s. exa. aqui apresentadas.

Ninguem mais do que o governo é interessado em dar todas as informações de que necessitam os membros do parlamento.

Cada um dos membros é responsavel pelos negocios que propriamente se referem ás suas pastas, sendo o sr. presidente do conselho o que mais immediatamente e responsavel pela marcha politica do governo.

O digno par póde ficar certo de que nenhum dos membros do governo quer proteger quem não cumpre o seu dever.

A este respeito, porem, eu devo dizer a s. exa. que as questões a que s. exa. se tem referido são da competencia do poder judicial e não do poder executivo.

O sr. Marquez de Vallada: - Mas eu referi-me aos delegados fio ministerio publico.

O Orador: - Esses têem procedido como lhes cumpre. Tudo se tem feito sem enthusiasmos que não sejam os que resultam de cada um cumprir o seu dever. O governo, pois, tem cumprido o seu programma.
Creio ter assim respondido ás observações que o digno par fez.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: - Sr. presidente, como não recebi ainda os documentos que numa das ultimas sessões pedi, pelo ministerio da fazenda, relativos ás contribuições directas em divida ao estado, eu peço a v. exa. que tenha a bondade de instar por que esses documentos me sejam enviados.

Como tive occasião de dizer a v. exa. e á camara, ha rendimentos importantes em divida ao estado, e por isso desejava ver os documentos necessarios para poder apresentar algumas considerações a este respeito; nesse intuito insisto em pedir a v. exa. que empregue os seus esforços para que me sejam remettidos estes documentos.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa o requerimento que vou ler.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo digno par o sr. Rebello da Silva.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pela administração dos caminhos de ferro do sul, mo seja remetida uma nota designando especificadamente qual a quantidade de óleo e de sementes do gergelim, e de outros óleos ou azeite, que durante o atino findo foi despachado da estação do Barreiro para as differentes estações da linha. = Rebello da Silva.

O sr. Presidente: - Vae ser expedido, e de novo instarei pela remessa dos documentos a que se referiu o digno par.

O sr. Marquez de Pomares: - Declaro que por incommodo de saude não tenho podido comparecer nas ultimas sessões d'esta camara, e que se tivesse assistido á sessão de hontem, haver-me-ia associado á manifestação de sentimento pela morte do digno par o sr. Lopo Vaz de Sampaio.

O sr. Presidente: - Será consignada na acta a declaração do digno par.

O sr. Thomás Ribeiro: - Mando para a mesa uma representação, que diz respeito ao projecto das pautas actualmente em discussão nesta camara.

Varios fabricantes do roupas brancas, vendo que alguns commerciantes de Lisboa tinham pedido emenda ao que se votara na camara dos senhores deputados, acudiram pelos seus legitimos interesses e apresentam-se hoje perante a camara dos pares, pedindo que se conservo a taxa ali votada.

Viram os meus olhos alguns dos trabalhos effectuados nas fabricas destes reclamantes e por isso venho com toda a consciencia advogar os seus interesses. Sinto não poder mesmo conseguir que os dignos pares mo acompanhassem n'aquella visita, para se convencerem por si proprios de que teem sobeja rasão os que vem fazer este pedido.

E como eu não sei se haverá alguma contestação ou discussão a este respeito, reservo para a occasião propria as considerações que poder apresentar, não tomando agora tempo a v. exa. nem á camara.

Mando para a mesa a representação e alguns exemplares della, porque vem impressa, os quaes podem ser distribuidos pelos dignos pares, se v. exa. der licença e o ordenar.

Ignoro se a representação, a que esta se refere, foi ou não publicada no Diario do governa. Se o foi, peço que o mesmo destino tenha esta que mando agora para a mesa.

O sr. Presidente: - Sobre esse assumpto já foi publicada uma representação no Diario do governo.

O sr. Thomás Ribeiro: - Esta é uma contra representação a que está publicada, e por isso peço que tenha o mesmo destino que se deu á outra.

O sr. Presidente; - Os dignos pares que approvam

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que seja publicada no Diario do governo a representação mandada para a mesa pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro tenham a bondade de se levantar. Foi approvado.

O sr. Presidenta: - Tem a palavra o sr. marquez do Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - Agradece ao sr. ministro da marinha a attenção das suas palavras, á qual de ha muito está habituado; mas tem a dizer que não pretendeu que o governo invadisse a esphera do poder judicial, mas que simplesmente desse instrucções aos agentes do ministerio publico, que é uma entidade diversa. As circumstancias são escepcionaes e ainda ha pouco o sr. presidente do conselho disse que não era preciso lei ácerca da responsabilidade ministerial, porque lá estava a carta com as suas disposições; comtudo a camara dos senhores deputados entendeu que não havia lei de responsabilidade ministerial. Portanto os srs. ministros podem fazer tudo quanto quizerem, e se não commettem delictos é porque lhes não faltam sentimentos de honra e dignidade. 8e não ha lei, faça-se. Termina pedindo que o sr. ministro do reino venha á camara dar explicações claras ácerca deste assumpto.

(O discurso sem publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachyqraphicas.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Comunico a v. exa. e á camara que o digno par sr. Cunha Monteiro não tem comparecido ás sessões por motivo de doença, e ha de faltar a mais algumas. Mando para a mesa a respectiva declaração.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa dois pareceres da commissão de administração e outro da commissão de legislação.

O sr. Presidente: - Será tomada na acta nota da declaração do digno par.

Os pareceres vão a imprimir.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, continuação da discussão do projecto sobre as pautas.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros estava inscripto para fallar hoje; s. exa. porem, escreveu me dizendo que motivos do serviço publico inadiavel o inhibiam de vir hoje á camara.

O sr. Pinto de Magalhães: - Peço a palavra como relator da commissão.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Pinto d& Magalhães (relator): - Sr. presidente, antes de começar a responder ao brilhante discurso proferido nesta camara pelo meu amigo e digno par sr. conde de Castro, permittir-me-ha v. exa. e a camara que eu comece por agradecer as benévolas palavras com que s. exa. se referiu ao relatorio. Se algum trabalho tive, bem recompensado de certo fui com a apreciação feita por s. exa. e com a manifestação da camara.

Passarei agora a responder ao discurso do digno par, tanto quanto em mim caiba.

S. exa. encarou o projecto sobre quatro pontos de vista: primeiro, o pensamento do projecto; segundo, o inconveniente da protecção; terceiro, o lado fiscal ou financeiro, e quarto, a exportação dos productos nacionaes e indispensabilidade de convenções commerciaes.

A proposito da importancia da exportação dos nossos productos, criticou s. exa. que não se tivesse proposto a prorogação de algumas convenções commerciaes que existiam e foram denunciadas, e manifestou qual era a sua opinião sobre a politica commercial e internacional a seguir.

Estas considerações foram muito especialmente dirigidas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, que, por motivos de serviço publico, não vem hoje dar resposta a s. exa.

Não serei eu que possa responder sobre similhantes assumptos a s. exa., nem mesmo fazer quaesquer considerações sobre questões do natureza tão melindrosa. No emtanto, devo notar que no relatorio da commissão se acha dito qual é a importancia da nossa exportação, e bem assim qual é a sua opinião a respeito da politica internacional a seguir.

Em relação ao primeiro ponto, o pensamento do projecto, censurou o digno par que no relatorio se tratasse mais da questão de opportunidade, do que a de principios doutrinarios.

Sr. presidente, no projecto ha pensamento bem definido em obediencia aos principios de uma escola economica; norelatorio diz-se que a pauta é accentuadamente proteccionista.
Não é vulgar entre nós que as pautas nas suas disposições obedeçam determinadamente aos principios de uma escola economica. Em Portugal só tres vezes aconteceu isso.

A primeira vez foi quando o duque de Palmella, conseguindo acabar com o ruinoso tratado realisado com Inglaterra, em 1810, encarregou Mousinho da Silveira de organisar uma pauta proteccionista, que foi promulgada no 1.° de janeiro de 1837, por Passos Manuel.

O caracter dessa pauta era accentuadamente proteccionista em todas as suas disposições.

A segunda foi em 1852, quando Fontes Pereira de Mello acabando com os addicionaes de 5, 7 e 10 por cento que recaiam sobro direitos de importação, publicou uma pauta com tendencia livre-cambista.

A terceira é esta que estamos discutindo.

O pensamento de todas as demais reformas ou alterações pautaes foi o de crear receitas para o thesouro, sem se preoccuparem os seus auctores com os principios de uma ou outra escola.

A pauta de 1860, a que o digno par se referiu lendo um trecho do relatorio que precede a proposta de lei, parecia obedecer a intuitos mais liberaes, mas a verdade é que, tendo-se estabelecido por essa epocha o systema métrico, era preciso alterar as pautas em vigor, harmonisando-as com aquelle novo systema e assim se realisou, decretando-se a pauta de 23 de agosto de 1860. Foi este o fim dessa pauta.

Em 14 de fevereiro de 1861 appareceu nova pauta e nella inscriptos pela primeira vez 140 artigos livres de direitos de importação.

Deste facto, poderia resultar a convicção, de que na pauta a que me refiro, havia tendencias para o livre cambio. Assim não foi. Aggravaram-se as taxas dos generos chamados coloniaes com o fim de produzir receita para o estado, e concedeu-se a liberdade de direitos a todas as mercadorias de que não havia importação e por isso não figuravam na estatistica aduaneira. Para a camara fazer idéa do que se concedeu livre de direitos, citarei alem de outras, as seguintes mercadorias: dentes artificiaes, fogos de artificio, pennas de ave para escrever, pergaminho em folhas, cerotos, unguentos, emplastos, etc.

Conceder a liberdade ás materias primas, póde ser de boa doutrina economica, mas a manufacturas taes, só pela rasão de que se importam em pequena quantidade, é principio só preconisado na pauta a que se referiu o digno par a quem respondo..

Portanto, a verdade é que todas as reformas que se teem feito nos pautas foram mais ou menos fiscaes, e em obediencia a determinada doutrina economica; em relação ás pautas, não houve senão aquellas que eu já apontei.

Em 1856 e 1864 tivemos os factos que se ligam com a extincção do monopolio do sabão e do tabaco; e vejo presente o digno par sr. conde de Valbom, que tomou a iniciativa na extincção do monopolio do tabaco, que constitue uma das maiores glorias da sua carreira publica; infelizmente está restabelecido o monopolio.

O facto de estarmos hoje discutindo este projecto de pauta será resultado de termos seguido o movimento geral da Europa no sentido proteccionista?

Não, senhores, não e assim; vou demonstral-o á camara.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Em 1887, o sr. Marianno de Carvalho apresentou ao parlamento uma proposta para a reforma da pauta.

Por essa occasião as industrias moveram-se e fizeram sentir ao governo, quanto estavam prejudicadas com as taxas estatuidas na tabella B, annexa ao tratado de commercio com a França.

Ao governo não ora licito o alterar o que se estabelecia nos tratados e que tinha sido adoptado como regimen geral.

A camara dos senhores deputados deliberou que na lei que reformava a pauta, de 16 de agosto de 1887, se prescrevesse no artigo 1.° o seguinte:

"Antes de expirar o praso de execução do tratado de commercio com a França, o governo apresentará ás côrtes uma proposta fixando os direitos geraes das mercadorias até então sujeitas ao regimen de excepção do tratado."

Aqui está o inicio de todo este trabalho.

Foi em 1887 que effectivamente se reconheceu a necessidade de proteger as industrias, do que resultou o projecto de lei que discutimos.

Desde 1887 que se começou a investigar ácerca das necessidades das industrias, até que se chegou ao inquerito indirecto a essas industrias, inquerito de que ha publicados dois volumes, emfim nas estações competentes prepararam-se de ha muito trabalhos, todos no sentido de colher os dados indispensaveis para se poderem conhecer as necessidades das industrias e organisar-se pauta que as defenda da concorrencia dos productos estrangeiros.

Já vê v. exa. e a camara que o pensamento proteccionista não nasceu, não é filho, da corrente que se accentuou na Europa, mas do conhecimento que desde 1887 havia do que era indispensavel alterar a pauta existente para assegurar e reanimar o trabalho nacional.

Mas supponhamos que foi obedecendo 4 corrente proteccionista que o governo trouxe á camara a proposta que BC discute.

Pois queria o digno par que, tendo a França, assim como todas as nações da Europa, seguido o caminho proteccionista, nós ficássemos com a pauta das convenções?

Pois esse isolamento 6 possivel em materia economica? Pois s. exa., que é defensor do systema convencional, Como meio de facilitar a troca dos productos, entendia realisavel qualquer tratado de commercio se ficássemos com a pauta minima que tinhamos?

Para se convencionar é preciso haver margem a concessões.

Tenho, creio eu, mostrado qual a origem e a rasão porque a pauta é proteccionista e a necessidade que havia de uma pauta maxima para servir de base ás convenções; mesmo quando não houvesse o proposito de defender mais as nossas industrias.

A respeito da opportunidade, s. exa., fallando da balança de commercio, chamou-lhe doutrina obsoleta. Eu, no meu relatorio, tambem a tratei mal. Como todos nós sabemos, os principies que se podem deduzir dessa theoria, não nos levam a nenhum caminho seguro, por isso que para se conhecer o resultado da balança commercial são de tal ordem os coeficientes de correcção indispensaveis que nunca se chega ao apuramento da verdade. Isto parece-me completamente exacto.

O que é positivo, o muito positivo, é que o valor das nossas importações excede consideravelmente o das exportações que fazemos; o que é positivo é que para pagarmos essa differença temos de exportar oiro com grande sacrificio; o que é ainda positivo é que no anno passado exportámos desse metal em circulação 30:000 contos de réis, segundo as estatisticas aduaneiras; porque de facto se exportariam mais; todos sabem como é facil a saída do oiro sem ser pelas alfandegas.

Se queremos importar menos e exportar mais, como é opportuno neste momento, o meio é desenvolver o trabalho nacional e para exportarmos mais não temos outro expediente senão facilitar a exportação dos nossos productos, procurando facilitar-lhes mercados consumidores.

A pauta proteccionista era necessaria de ha muito, nesta occasião é opportuna.

Não podemos nem devemos continuar no regimen economico em que temos vivido de ha muito, consumindo quasi o dobro do que produzimos, e satisfazendo o déficit com emprestimos e com a emigração para o Brazil.

Pois é acceitavel a continuação de similhante systema?

Mas, perguntava o digno par:

Para que se fizeram estradas, para que se construíram portos, para que se estabeleceu a viação accelerada, seria para nos isolarmos?

Foram estas as perguntas do digno par.

(Aparte do sr. conde de Castro que não se ouviu.)

Respondo a essas perguntas dizendo que se procedemos a todas essas obras, não foi só para estreitarmos as relações internacionaes e para desenvolver o commercio, mas para facilitarmos todas as transacções internas, para desenvolvermos o trafico e o trabalho nacional em todas as suas manifestações.

Disse ainda o digno par que não são as pautas que criam as industrias.

Estou completamente de accordo nesta opinião.

Só com pautas não se criam industrias, os direitos pautaes não passam de um expediente, que póde despertar e ampliar o trabalho, mas não póde aviventai o como convem. A protecção para se completar precisa ensino pratico, capital e vias fáceis de communicação e de transporte.

E por isso, que tendo já vias de communicação e transporte, podemos ampliar a protecção pautai.

Disse ainda o digno par que produzimos mal e caro, mas resalvou a industria manufactureira de algodão e de lanificios que disse estarem muito adiantadas.

Disse tambem o digno par que temos apenas o mercado interno; suppondo que isso é exacto, ha ainda muitas mercadorias de que não sortimos o mercado interno, quando poderiamos já fazel-o., como vou referir.

É certo que está muito adiantada a nossa industria manufactureira de algodão, mas sabe o digno par o que ella produz?

Produz na maior parte tecidos de algodão cru, cotins e tecidos a que vulgarmente se chamam riscados; e sabe o digno par porque produz só isto?

Porque a protecção pautai defendendo só estas fabricações, ellas não tem podido desenvolver-se, como seria util, eis a rasão por que se apresenta o projecto em discussão aonde se providenceia por forma que a producção possa alargar-se a muitos outros productos.

Com a protecção que actualmente se dispensa a esta industria, estou convencido que ella ha de ficar em condições de poder sortir os nossos mercados de tecidos de algodão branco, que em breve estará habilitada a fabricar e assim economisaremos 1:138 contos do réis cada anno, valor dos tecidos lisos de algodão branco, que annualmente importamos.

Precisámos habilitar essa industria a fabricar lenços de algodão, que se importam no valor de 213 contos de róis, e pretendemos que ella faça fio de algodão torcido que se importa na importancia do 293 contos de réis.

Só nestes tres artigos, ha margem para collocar no mercado interno tecidos no valor de 1:644 contos de réis.

A industria dos lanificios, que o digno par diz estar muito adiantada, não fornece senão productos de uma certa qualidade, não produz tecidos de lã penteada ou chamada de estambre, e destes importámos annualmente cerca de 900 contos de réis. É exactamente para que desappareça a importação que se projecta dispensar agora protecção á industria de lanificios.

Estas industrias é innegavel que estiveram florescentes, mas, a não ser dispensada protecção efficaz por forma a

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contribuir para o alargamento da sua producção ellas devem arruinar-se.

Resultado de terem de restringir a fabricação só a determinados productos, desses começava a haver excesso de producção, e a conveniencia de preços entre as diversas fabricas, sendo insustentavel a continuação de similhante regimen.

Ora, ahi está para que é a pauta proteccionista.

O digno par mencionou só estas duas industrias, mas eu vou citar-lhe ainda alguns outros factos, relativamente a outros.

A industria das conservas entre nós é uma industria realmente adiantada e exporta muitos dos seus productos para os paizes europeus; mas nós sem necessidade de importar conservas, importámos todos os annos 90:000 kilogrammas resultado do direito modico deixar concorrer os productos similares estrangeiros.

Os óleos concretos importamo-los no valor de 318 contos de réis por anno da Allemanha, depois de terem sido exportadas para aquelle paiz das nossas possessões as sementes que os produzem.

A pauta nas suas disposições vae contribuir para que a manufactura destes óleos se realise no paiz, com muito proveito para o trabalho nacional e relações com as provincias ultramarinas.

Com relação ao sulfato de quinino, temos plantações importantes de quina em S. Thomé, e applica-se aquelle alcalóide importado do estrangeiro, o direito de 7 por cento, quando aqui se podia fazer esse producto, estando completa uma fabrica que póde produzir os saes de quina em boas condições, ainda com proveito da industria nacional e daquella nossa possessão.

Aqui está para que são os direitos proteccionistas.

Disse s. exa. que não temos senão os mercados internos.

Ora, realmente, attendendo ás nossas exportações, reconhece-se que temos tambem o mercado do Brazil o que temos o mercado das possessões...

(Interrupção do sr. conde de Castro, que não se ouviu.)

Quer o digno par ver, é notavel, o incremento da nossa exportação para as, colonias?

Eu lhe digo.

A nossa exportação de productos nacionaes para Angola em 1886 era no valor de 230 contos de réis, em 1890 foi de 582; para Moçambique em 1886, 43 contos de réis, em 1890 201 contos de réis; para S. Thomé em 1886, 99 contos de réis, em 1890 156, e finalmente nesta proporção tem crescido o mercado ultramarino para os productos industriaes da metropole.

(Interrupção do sr. conde de Castro, que não se ouviu.)

Apoiado. Temos feito sacrificios para colonisar vastos terrenos em África, e devemos de conseguir, pelos meios adequadas, que elles não sirvam só para a exploração do commercio de Inglaterra, Bélgica, França e Allemanha, e sirvam de preferencia para a collocação dos productos manufacturados na metropole.

É necessario que assim se faça, e o governo n'esse sentido está trabalhando, porque se estilo refazendo as pautas para as alfandegas ultramarinas, com o fim de proteger quanto possivel a industria nacional.

Disse o digno par que cada paiz tem as suas aptidões industriaes.

É facto. Mas não me parece que por um paiz ter determinadas aptidões industriaes, devam os demais paizes ser delle dependentes e não procurem quanto possivel diligenciar emancipar-se procurando produzir tambem.

A Inglaterra deve o seu engrandecimento á industria algodoeira e certamente nenhum outro paiz póde ter a sua aptidão industrial neste ramo, possue 39.500:000 fusos e emprega na industria algodoeira 5 milhões de individuos.

A Franca, apesar disso, desde 1870, com inqueritos successivos e providencias adequadas nas suas tarifas, fez com que a sua industria duplicasse, e hoje emprega quinhentos mil operarios, produzindo manufacturas na importancia do 900 milhões de francos.

Nós que ainda ha poucos annos tinhamos meia duzia de fabricas, temos hoje trinta, trezentos mil fusos e em movimento quatro mil teares. Em 1885 importámos 4.000:000 kilogrammas do algodão em rama no valor de 890 contos de réis, e hoje já importamos 8.000:000, no valor de 1:892 contos de réis.

Disse o digno par que não crê no desenvolvimento da grande industria metallurgica.

Eu não sei a que chamam grande industria.

Será á fabricação de grandes peças?

Temos já fundições onde se construem peças importantes na industria metallurgica, não podemos fabricar couraçados, por isso na nova pauta os navios de mais de 200 metros cúbicos de arqueação são livres.

As ultimas pontes de ferro que se teem construido são productos de industria nacional, e essas são grandes poças de ferro, têem-se iniciado no paiz as manufacturas de muitos productos de grandes dimensões, e os artefactos de menores dimensões, dos quaes importámos annualmente um valor superior a 800 contos de réis, e que estavamos completamente desprotegidos, havendo industria entre nós que se emprega na sua fabricação.

O digno par referiu-se ainda á estructura da pauta e criticou a por ella não ser tão simplificada como s. exa. desejava, citando a pauta ingleza.

Se s. exa. tivesse lido o relatorio do conselho superior das alfandegas de certo não faria similhante reparo.

Tenho ouvido fallar em pauta ingleza como modelo de pauta "impes e facil. Tem só trinta e cinco artigos, visto pois ter naquelle paiz o systema mercantil, mas a pauta é das que conheço, de mais difficil applicação, tributando o álcool em todas as suas manifestações e sendo o emprego deste producto tão vulgar, necessaria se torna a verificação de variadissimas manufacturas, medicamentos, perfumarias, vernizes, etc.

Portanto, é preciso que não nos illudamos com as facilidades da pauta ingleza.

Esta que se discute fui tanto quanto possivel simplificada, e senão vejamos.

A pauta que está em vigor tem doze classes, esta tem apenas seis.

No projecto, note-se que é no projecto, ha vinte e oito artigos ad valorem, e a pauta actual tem trinta o tantos, modo de tributar com o qual não se conforma muito o digno par a quem estou respondendo, mas que muitas vezes é indispensavel, para evitar a longa especeficação.

Nos instrumentos musicos, por exemplo, ha o imposto ad valorem, porque a sua especificação alem de difficil, produziria numerosos artigos, e então deixava a pauta de ser simplificada.

Citarei tambem o exemplo dos quadros a óleo.

Todos sabem que este artigo não póde ser tributado nem pelo peso, nem pelas dimensões, porque ha quadros muito grandes que não valem nada e ha outros muito pequenos que valem muitissimo, e por isso é que BC estabelece o direito ad valorem.

Para demonstrar a falta de simplificação que se dava, citou o digno par a quantidade de artigos que havia no projecto para tributar o fio de algodão, e citou a representação da associação commercial do Porto a similhante respeito. Em relação ao fio de algodão para tecer havia na pauta anterior uma taxa unica para todas as qualidades de fio, embora elle fosse n.° 1 ou n.° 80. Ora isto era injusto porque o valor do fio augmenta na proporção da sua maior finura, e incitava a industria á fabricação do mais ordinario, e no imposto não se mantinha a justa proporção que deve existir entre elle e o valor da mercadoria.

No projecto estabeleceram-se as taxas conforme a maior

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ou menor finura do fio, habilitando-se a industria a produzir os mais finos, e não como actualmente que em geral só se fabricava fio de n.° 1 a 20, isto é, os que servem para os tecidos mais ordinarios, sendo indispensaveis os dos n.ºs 20 a 50 para se fabricarem os tecidos brancos apropriados á estamparia.

Demais esto processo para a classificação dos fios é o usado em todos os paizes que queiram ter industria de fiação e tecelagem de algodão, a França, Allemanha, Itália, Hespanha, etc.

Se a associação commercial do Porto não gostou deste systema é porque nesta parte só attendia ás conveniencias commerciaes, mas nas pautas devem todos os justos interesses ser defendidos.

O digno par referiu-se ainda a taxas excessivas que encontrou no projecto da pauta, e para exemplificar, disse que os quadros a óleo ficam pagando 10 por cento; convem notar que elles pagavam 9,6 por cento, e passando a pagar 10 por cento, o augmento é de quatro decimos de real, nada mais.

O material circulante para os caminhos de ferro, que pagava 1O,7 fica pagando 11, arredondando-se 0,4 de real.

Os oleados, que ficam pagando mais; n'estes effectivamente houve augmento de 535,3 a 1$OOQ réis.

(Interrupção do sr. conde Castro.)

Peço perdão ao digno par; a industria dos oleados é do importante no nosso paiz, que de oleados não especificados só se importam 7 contos de réis; ora esta quantidade de oleados não .especificados não chega de certo para todos os variados usos que essa mercadoria tem.

A industria dos oleados é importantissima, e se o digno par lesse a representação n.° 40 e a n.° 113 que está neste livro que lhe foi distribuido, veria que ahi vêem citadas as fabricas que existem no paiz. E sabe o digno par quanto a associação industrial portugueza pede para os oleados não especificados? Pede 2$250 réis por kilogramma. Pois deram-se-lhe só 1$000 réis.

Passemos agora ás passamanarias.

Nesse ponto fez-me o digno par uma pergunta, quanto pagavam estas manufacturas em Hespanha?

Effectivamente, a passamanaria de lã é algodão passou de 760 a 2$200 réis, e a de seda passou de 2$720 a 5$000 réis.

Este direito de 5$000 réis era o que existia antes da convenção.

D'estas mercadorias importamos nós 289 contos de réis por anno.

No livro a que ha pouco me referi, tem o digno par as representações n.ºs 4, 22, 23, 24, 29, 51 e 72, que se referem todas a passamanaria.

No Porto e em Lisboa ha numerosos industriaes que se empregam na fabricação de passamanarias, que a final não passam de um artigo de luxo ou de ornamentação.

Quanto ao que a passamanaria paga em Hespanha e até em França eu informo ao digno par:

A passamanaria de algodão, paga em Hespanha 1$170 réis cada kilogramma e em França 496 réis.

A de lã em Hespanha 1$560 réis o kilogramma e em França 600 réis e finalmente a de seda em Hespanha réis 3$25O o kilogramma e em França 1$200 réis.

Por ultimo tratou s. exa. da receita, fez algumas perguntas, que dirigiu especialmente ao sr. ministro da fazenda; no entretanto devo dizer ao digno par e meu amigo que se s. exa. se tivesse dado ao incommodo de ler o meu relatorio não teria feito os cálculos que apresentou e teria dirigido a sua argumentação pela forma que a apresentou.

Acredito que possa haver decrescimento nas receitas das alfandegas, mas isto não deve ser atribuído ao projecto da pauta em discussão, mas sim á crise economica que vamos atravessando. O que muito principalmente contribuiu actualmente para o desenvolvimento das receitas aduaneiras é o estado em que se encontra o cambio, e custarem as mercadorias mais 30 por cento, são as medidas chamadas salvadoras que vieram arrancar mais 10:000 contos de réis ao paiz, e que hão de restringir as despesas ao indispensavel, é o estado de desconfiança e desconforto que existe.

Se v. exa. olhasse com attenção para o meu relatorio veria que a receita produzida pelos direitos de importação é de 15:545 contos de réis, e que a receita é 4:116 contos de réis, das substancias alimenticias e materias primeiras é de 10:429 contos de réis e sendo certo que muitos não será provavel e decrescimento, fixando que competem a todas as demais mercadorias e que esta receita é que póde decrescer, como de se restringir a importação.

Já se vê pois que, por muito grande differença que houvesse nas importações nunca ella se poderia converter em factos de tanta importancia que produzissem a differença de 2:000 ou 3:000 contos de réis, como o digno par calculou. O que posso affirmar é que para essa diminuição não concorrerá em cousa alguma o projecto da pauta, do que depende é da crise economica, e para a conjurar é preciso sobretudo proteger o trabalho nacional, trabalho que começa já a faltar, e quando o trabalho falta esse phenomeno produz muito peiores resultados do que a carestia, porque quem não ganha não póde comprar nem caro nem barato.

A pauta deve seguramente conciliar os interesses da industria nacional com os dos consumidores, assim como com os da fazenda publica.

Qualquer que seja a classe a que pertença o consumidor, de quem tanto se falia, é tambem productor, troca os productos da sua actividade pelo trabalho dos industriaes.

O digno par declarou-se livre cambista, eu insisto em não declarar a escola economica que professo. Para se discutir o projecto não é necessario discutir questões de principios economicos, isto é uma questão de tarifas, a discussão póde versar se são justos aos que se propõe, se são rasoaveis ou não. Não faço profissão da fé economica, a fazer alguma seguiria agora a que aqui foi pronunciada pelo illustre professor já fallecido Aguiar, seguindo a escola sensatista.

Sei que os direitos minimos ou até a denuncia delles, pondo em lucta os agentes da producção, produz a barateza dos productos, a sua maior procura recompensa os esforços do capital e do trabalho; mas para isso, dizem os economistas, é necessario ter pessoal operario instruido, capital barato e abundante, e vastos mercados para explorar a actividade industrial.

Temos nós isto. Que paizes da Europa teem seguido estes principies economicos, que me conste só a Inglaterra.

Tenho dito.

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, ouvi o digno par o sr. Pinto de Magalhães com a attenção que lhe é devida pela muita consideração que merece a sua competencia nestes assumptos, no emtanto não me dou ainda por satisfeito nem convencido.

A minha moção está ainda sem resposta e é provavel que se vote a generalidade do projecto, sem que o governo a tenha dado.

Portanto, começo respondendo a algumas observações feitas pelo meu amigo e illustre relator deste projecto.

S. exa. de certo se lembra de eu ter declarado aqui que me admirava de se dizer, tanto no relatorio do sr. Marianno de Carvalho como no relatorio apresentado por s. exa., meu illustre collega, que a reforma da pauta não obedecia a principio algum e que não era feita debaixo de qualquer preoccupação doutrinaria.

Eu comprehendo que uma reforma póde ser mais ou menos liberal, mais ou menos proteccionista, e por isso noto que tanto num relatorio como noutro, se diga que ella obedece a nenhuma preoccupação doutrinaria.

De resto já ao outro dia aqui declarei que reconheço

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como todos igualmente reconhecem, que a pauta não só é proteccionista, mas ultraproteccionista.

Ora, disse tambem o digno par que esta era a pauta verdadeiramente salvadora da industria portugueza.

Peço licença ao digno par para, lhe dizer, até mesmo porque s. exa. tem uma certa responsabilidade como relator do projecto, que a sua obrigação era quanto possivel conciliar os interesses da industria com os do commercio e com os do fisco, quer dizer, estabelecer uma justa harmonia entre todos esses interesses.

Isto não póde deixar de ser assim.

E s. exa. sabe. tambem que ao fazer-se uma reforma da pauta sempre apparecem reclamações, e que áquelles a quem a elaboração da nova pauta foi submettida, é que compete o dever de estudar o modo de conciliar essas reclamações.

Sr. presidente, não é exacto que as outras pautas fossem tão sómente fiscaes. Tanto ellas eram proteccionistas que o digno par ainda ha pouco accentuou bem o desenvolvimento e o progresso de certas industrias, é se s. exa. tivesse, por exemplo, assistido como eu em 1865 á exposição internacional que teve logar no palacio de crystal do Porto, e a comparasse com a que se realisou em Lisboa na avenida da Liberdade, em 1888, e com a que se effectuou ha pouco no Porto, havia de notar grandes e importantissimos progressos feitos pela nossa industria.

Esses progressos fizeram-se com aquellas pautas que eram rasoavelmente protectoras.

É preciso attender a todos os interesses e não desconhecer que é assim que mais facilmente encontrámos a solução destes problemas.

Pois não vimos nós na camara dos senhores deputados, ao tratar-se do direito sobre o papel de impressão, direito que o conselho geral das alfandegas havia entendido dever ser de 20 réis, que a commissão encarregada de dar parecer sobre a proposta da pauta elevou esse direito a 40 reis!

Isto é realmente extraordinario!

Sr. presidente, em 1863 ou 1864 o sr. conde de Valbom, sendo ministro da fazenda, apresentou ao parlamento uma proposta de reforma parcial da pauta, de que eu fui tambem relator, o em que se fazia uma reducção muito consideravel no direito sobre o papel.

O parlamento discutiu e approvou essa reducção, e, comtudo, as fabricas productoras de papel continuaram a manter-se e até mesmo a progredir, o que prova que essa reducção não as prejudicou.

Mas nós não devemos nem podemos attender unicamente aos interesses das fabricas de papel; devemos ver tambem se com a elevação de direitos é prejudicada alguma outra industria.

A classe typographica, por exemplo, classe que é digna de toda a consideração, pela acção benéfica que exerce na sociedade, e pela sua influencia civilisadora, tinha realmente todo o motivo para se manifestar contra uma tão exagerada taxa no direito do papel.

É preciso, pois, harmonisar todos os interesses, e este é que é verdadeiramente o dever, não só dos governos, mas de todos áquelles que estão encarregados de elaborar estas reformas.

Sr. presidente, tambem o digno par sr. Pinto de Magalhães apresentou algumas considerações para mostrar que a discussão da pauta era actualmente muito opportuna.

Eu não quero repetir o que aqui disse na sessão em que o projecto se começou a discutir, e mesmo não me referirei ás considerações que então fiz a este respeito, mas realmente não posso deixar de dizer que, quando nós vamos lançar sobre o paiz tão pesadas contribuições, quando nós vamos exigir enormes sacrificios a todos os contribuintes, aos juristas e até mesmo ao funccionalismo, não me parece, digo, ser esta a occasião mais propria para se elevarem por esta forma os direitos pautaes.

A verdade é que o commercio ha de forçosamente retrahir-se, visto que essa elevação vae necessariamente encarecer a maior parte dos artigos que têem de se consumir.

Isto não póde ser.

Disse tambem o digno par que a diminuição das receitas das alfandegas não era proveniente de ser a pauta bastante proteccionista, mas sim resultado da crise economica que atravessámos.

Eu concordo em que a crise economica ha de influir e muito nessa diminuição; mas, quando nós vamos augmentar extraordinariamente os direitos sobre muitos artigos, não será este tambem um motivo, e muito furte, para que os rendimentos alfandegarios diminuam?

Creio que é.

De mais a mais, quando ha ainda para aggravar estes effeitos da nova pauta a circumstancia de que nos direitos sobre os generos de primeira necessidade, cuja reducção parece que era indicada pela crise do trabalho, não só se não fez redacção, porem até houve augmentos. O digno par chamou-lhes arredondamentos, mas de facto são verdadeiros augmentos.

Por muitas vezes, nesta e na outra casa do parlamento, eu instei para que se fizessem grandes reducç5os nos direitos sobre os generos coloniaes e em geral sobre os generos de primeira necessidade. Encontrava sempre, já se vê, da parte dos governos uma grande resistencia. Diziam elles: isso é muito bom, estamos convencidos de que, passados alguns annos, daria um bom resultado, quer sobro o preço das substancias, quer para o fisco, mas as circumstancias do thesouro não o permittem.

Não se reduziu o direito sobre o bacalhau, sobre o assucar, sobre o café, sobre o chá, emfim, sobre todos os generos de primeira necessidade. E porque? Pelo receio de desfalque na receita das alfandegas. E agora vae-se elevar extraordinamente o direito em grande numero do artigos da pauta, obedecendo á falsa idéa de crear novas industrias no paiz!

E ha um ministro que, de coração leve, se conforma com isto e que vae expor o paiz a ter um grande déficit na receita das alfandegas, quando por outro lado está sujeitando a grandes sacrificios.

Tenho ainda a fazer algumas considerações relativamente á somma a que poderá montar o decrescimento da receita das alfandegas.

Posteriormente ao discurso que pronunciei aqui na penultima sessão, soube eu que o sr. ministro da fazenda declarava na proposta da lei de meios, pendente na outra camara, que esse decrescimento devia computar-se em 900 contos de réis.

Desejava eu saber se effectivamente s. exa. está convencido de que o desfalque será só esse, e de que não poderá vir a ser maior.

E na falta do sr. ministro da fazenda para responder a esta minha pergunta, peço ao illustre relator que me diga se está de accordo com s. exa. a similhante respeito.

No relatorio do digno par ha umas certas considerações que não me satisfazem, e nas quaes se tratou de fugir ao que havia de melindroso e delicado neste ponto.

Eu conheço os cálculos que s. exa. fez e opportunamente os examinarei, mas a verdade é que estou convencido que ha de ser muito maior o decrescimento da receita aduaneira.

Creio que o sr. ministro da marinha, que está presente, está naturalmente de accordo com o seu collega, e que não terá duvida em confirmar a opinião a que me refiro, e, quando digo naturalmente, não quero suppor que o sr. ministro se ha de conformar rigorosamente com a exactidão dos algarismos; mas a dizer que, approximadamente, o desfalque não irá alem de 900 contos de réis.

Desejo que esta declaração seja feita, ou pelo sr. ministro da fazenda, ou por qualquer dos outros era. miais-

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tros que representam o governo, e, quando essa declaração ge fizer, eu a apreciarei devidamente.

É certo que na lei de meios vem essa declaração.

O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral):- Se na lei de meios vem a declaração a que o digno par se refere, é claro que póde s. exa. te-la como a opinião do governo.

O Orador: - Não só o sr. ministro da fazenda declara na lei de meios que o desfalque na receita 3as alfandegas, proveniente da reforma que estamos discutindo, será apenas de 900 contos de réis, como o proprio sr. ministro da marinha acaba de o confirmar, e, portanto, eu vou mostrar que não concordo com essa opinião e dar a rasão do meu modo de ver.

Entendo, sr. presidente, e vou demonstral-o, que essa previsão está muito longe da verdade, e, tanto é assim, que já uma grande differença se accentua no rendimento dos primeiros mezes deste anno.

O digno par o sr. Pinto de Magalhães, nó seu relatorio muito bem desenvolvido e habilmente escripto, tratou de evitar uma affirmação que podesse comprometter a sua reputação de homem muito entendido nestes assumptos.

S. exa. fez o seguinte calculo:

A importancia que o estado recebe pelos direitos de importação é de 14:545 contos de réis. A receita da classe 4.ª, substancias alimenticias, em que houve, diz s. exa., uns arredondamentos, a que eu chamo augmentos, de no contos de réis, renderá 8:521 contos de réis. Depois na classe 2.ª, materias primas, cujo rendimento é de 848 contos de réis, e na qual calcula em 60 contos de réis o augmento obtem assim a verba de 908 contos de réis, e, finalmente, da somma destas verbas resultará uma totalidade de 10:428 contos de réis, que deduzindo-se a receita dos direitos de importação, restarão 4:117 contos de reis,: quantia que, note-se bem, o proprio sr. relator considera como receita contingente,

Ora, realmente, estar s. exa. tão empenhado na defeza do projecto e chegar á conclusão de uma receita contingente de 4:117 contos de réis, é significativo, e mostra bom que do projecto resultará uma importante diminuição de receitas.

Esta diminuição, porem, diz o sr. relator, ha de ser supprida pelas quatro classes restantes, que são os fios, tecidos, papel, vidro e porcellanas, louças, obras de metal, etc.

Ora eu vejo que é exactamente nessas quatro classes que apparecem as taxas exageradas, para que eu já chamei a attenção de v. exa. na penultima sessão. E é desses artigos que s. exa. espera que poderá vir o supprimento, artigos que se encontram extraordinariamente sobrecarregados.

Já se vê que, com as bases e com os cálculos feitos pelo digno par, não posso conformar-me, porque, desde o momento que ha Artigos cujos direitos são de 100, 200 e 300 por cento, como aquelles que no outro dia indiquei, e como outros contra os quaes têem apparecido varias representações nesta camara, deve suppor-se que a importação ha de naturalmente diminuir com esses direitos eleva-os.

Agora, quanto á resposta que s. exa. quiz dar ás minhas considerações ácerca do mesmo desfalque, devo dizer a s. exa. em que é que eu me fundava.

Eu não citei um artigo de um jornal qualquer, citei a opinião de um homem muito intelligente e que estava muito empenhado em fazer acreditar esta reforma, um artigo que se devia attribuir e eu attribui ao sr. Joaquim Gonçalves, que nessa epocha tinha a direcção politica do Dia.

Nesse artigo apresentavam-se os mesmos dados, os mesmos do meu digno collega, mas chegava-se a resultados diversos; chegava-se á conclusão de que, se as previstes fossem certas, em consequencia da protecção da pauta o movimento industrial deveria augmentar em 10:000 contos de réis, e, feitas igualmente todas as compensações contava o auctor do artigo que o desfalque seria de 2:500 contos de réis.

Acceitando esta mesma base quer-me parecer que o desfalque se deverá calcular entre 2:500 e 3:000 contos de réis.

O calculo em relação á elevação tios direitos póde fazer-se, mas o que não é possivel fazer-se é o calculo do contrabando.

E por isso não pergunto qual é o valor do contrabando que esta elevação de direitos occasiona. Isso não se póde calcular. Sei só que na opinião do sr, ministro da fazenda o desfalque nos rendimentos das alfandegas pela influencia da elevação dos direitos deverá sor de 900 contos de réis.

Ora parece-me que o sr. ministro calculou muito por baixo.

Só no mez de fevereiro, segundo eu li nos jornaes, a diminuição na receita das alfandegas de Lisboa e Porto foi de 500 contos de réis, e no mez de março já está em 300 contos. Portanto, nada mais provavel, e quasi certo do que augmentar mais até ao fim do mez a differença dos 100 contos de réis; e com esta diminuição já nós temos o desfalque dos 900 contos de réis.

Eu sei que ha uma parte que se não póde attribuir só a effeito directo da pauta, é tambem resultado da antecipação, que houve, de provisoriamente posta em execução antes de ser a nova pauta, e que fez com que os commerciantes se apressassem a fazer os seus despachos, e alguns sabe Deus com que enorme sacrificio!

Mas esta antecipação foi tambem consequencia da grande elevação dos direitos.

Disse eu aqui, no outro dia, relativamente á França, sem com isso contestar a necessidade que ha de se approximar quanto possivel a exportação da importação, que aquella nação tinha uma importação consideravelmente superior á sua exportação.

Em nosso paiz observa-se o mesmo phenomeno e disseram logo: haja uma grande protecção, mas o que eu temo é que dessa grande e exagerada protecção nós cheguemos a um resultado inteiramente contrario áquelle que desejámos conseguir.

Em França, a nova pauta começou a vigorar no principio de fevereiro, e os resultados já conhecidos, como eu tive occasião de ler hontem na Independencia belga, são todos no sentido de augmentar a importação.

Eu vou ler á camara os algarismos.

Comparados os mezes de fevereiro de 1891 e 1892 observa-se o seguinte:

Em 1891 a importação foi superior á exportação em 144.665:000 francos, o em 1892, 223.321:000 francos. Do que se conclue que a importação em fevereiro deste anno excedeu a exportação em mais 78.656:000 francos do que a havia excedido em fevereiro do anno passado.

Isto só no mez de fevereiro, no mez em que se começaram a pôr em pratica as tarifas proteccionistas.

É, pois, em vista do que acabo de expor que é minha convicção que, se a pauta que se discute obedecesse a principios mais liberaes do que aquelles a que obedece, os resultados seriam outros e mais vantajosos, e assim é muito possivel que ella vá concorrer para uma crise muito mais seria do que aquella por que estamos passando.

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto; vae votar-se a generalidade do projecto.

O sr. conde de Castro mandou uma proposta para a mesa, convidando o governo a declarar em quanto calculava a diminuição dos direitos da alfandega; mas como o sr. ministro da marinha já respondeu...

O sr. Conde de Castro:- V. exa. dá licença?

O sr. Presidente: - Pois não.

O sr. Conde de Castro: - A minha proposta tem duas partes distinctas; a primeira tem por fim o saber em quanto o sr. ministro da fazenda calculava a diminuição

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do rendimento das alfandegas, diminuição que agora sei está calculada na lei de meios em 900 contos de réis, e a segunda conhecer os meios de fazer face a esse desfalque, mas como eu não posso obrigar o sr. ministro da fazenda a dizer-me coma é que ha dá diminuir o desfalque, se v. exa. e a camara consentem, eu retiro a minha moção.

Consultada a camara resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto.

Leu-se na mesa e posto á votação foi approvado na sua generalidade.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á discussão na especialidade. Ha um requerimento do sr. relator, que a camara já approvou, para que essa discussão seja por classes.

Vae ler-se a primeira classe.

Foi lida.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Conde de Castro (sobre a ordem):- Nesta l.ª classe, sobre o gado cavallar, vou mandar para a mesa a seguinte proposta:

"Proponho o seguinte artigo addicional na classe l.ª da pauta:

"Artigo... Éguas e cavallos inteiros, destinados á reproducção e cuja raça distincta for devidamente comprovada livres"

Se eu quizesse mais uma prova de que em relação a alguns artigos me parece que foi menos reflectido o trabalho da pauta, tinha-a exactamente nesta parte concernente ao gado cavallar, pois eu vejo que eram; dois os artigos, e qualquer delles tinha uma taxa que n5o chegava a 900 réis; mas hoje apparecem elles com as taxas de 24$500 réis um, e outro com a de 32$5OO réis! É pois uma extraordinaria elevação de direitos. Ora, quer-me parecer, tendo eu aliás toda a consideração pela conveniencia que ha em se desenvolver e aperfeiçoar o gado cavallar, que este não é o melhor meio de isso se conseguir. Outros meios tem já os nossos governos adoptado para prover ao desenvolvimento dessa creação; tem, por exemplo, organisado coudelarias, e ainda, talvez com mais vantagem os postos hippicos, que deram bom resultado, e concorreram para que a nossa creação cavallar seja hoje muito mais consideravel no numero e na qualidade.

Mas havia ainda uma outra consideração pela qual estes direitos não deveriam ser elevados desta modo, que era a necessidade de, attender á remonta da nossa cavallaria.

Para a remonta precisámos de importar cavallos de Hespanha, pois os do paiz não bastam, e ficarão muito mais caros com taes direitos.

Neste sentido officiou o ministerio da guerra ao conselho geral das alfandegas nos seguintes termos;

"Illmo. e exmo. sr.- Em conformidade com a portaria de 30 de setembro ultimo, inserta no Diario do governo de 14 do corrente, o ministerio da guerra tem a Apresentar ao conselho superior das alfandegas a seguinte observação ácerca da tabella dos direitos da classe l.ª do projecto da pauta publicada ao mesmo Diario.

"Sendo Portugal o mais pobre de todos os estados europeus em producção equina, e sendo por isso necessario no interesse da defesa do paiz, promover por todos os modos esta producção, parece á este ministerio que as éguas destinadas á reproducção e os cavallos inteiros das melhores raças deveriam ser importados, não só sem pagamento de direitos, mas talvez ainda com um premio de importação.

"Deus guarde a v. exa. Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 17 de novembro de 1891. - Ilmo. e exmo sr. conselheiro presidente do conselho superior das alfandegas. = O chefe do gabinete, Julio de Abreu e Sousa, coronel."

Mas, o que é singular é que, não só esta reclamação não foi attendida, como nem ao menos o relatorio do conselho das alfandegas se refere a ella, dizendo quaes os motivos porque a desattenderam.

Do officio conclue-se que o que nelle se pretendia era que ficassem livres de direitos não só as éguas destinadas á reproducção, como tambem os cavallos finos inteiros, quer fossem para reproducção, quer não fossem, porque lá fora é que se encontram aã raças de cavallos mais proprios para a cavallaria.

Foi neste sentido, presumo eu, que na outra camara o illustre deputado o sr. Bocage apresentou uma proposta, na qual se dizia o seguinte:

"Classe l.ª, n.° 8:

"Proponho que os cavallos inteiros e éguas de puro sangue, cuja raça seja devidamente documentada, tenha entrada livre de direitos.- C. Bocage."

Ora, eu não me atrevo a propor cousa identica ao que acabo de ler, visto que a camara dos senhores deputados rejeitou aquella proposta, embora eu entenda que, se ella fosse approvada, a sua disposição muito aproveitaria á cavallaria do nosso exercito.

Vou, porem, mandar para a mesa uma proposta que muito interessa á creação de cavallos no paiz.

Não apresento, repito, uma proposta similhante á que foi rejeitada > na camara dos senhores deputados, porque não gosto de trabalhar inutilmente. Mas o que peço á illustre commissão de fazenda, no sentido de proteger a industria da creação de gado cavallar, é que as éguas e os cavallos inteiros de raça distincta, e devidamente comprovada, e destinados á reproducção, sejam livres.

Relativamente ao gado vaccum, preciso de dar mais algum desenvolvimento ás minhas observações, e não as poderei por isso terminar nos cinco minutos que restam hoje de sessão. Portanto, parecia-me melhor que v. exa. me reservasse a palavra para a sessão seguinte.

O sr, Presidente: - Eu reservo a palavra ao digno par.

Vae-se ler a moção que s. exa. mandou para a mesa.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proponho o seguinte artigo addicional na classe 1.ª da pauta.

Artigo... Éguas, e cavallos inteiros, destinados á reproducção, e cuja raça distincta for devidamente comprovada, livres. = Conde de Castro.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente tom a. l? classe.

O sr. Pinto de Magalhães: - Por parte da commissão de fazenda, requeira a v. exa. que todas as propostas; emendas e representações relativamente ao projecto que se discute sejam enviadas á mesma commissão para dar parecer a respeito dellas, podendo-se votar o projecto independentemente da resolução que sobre esse parecer houver de tomar-se.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que todas as propostas, emendas e representações relativas a este projecto sejam enviadas á commissão para ella dar parecer, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A commissão que terá de ir amanhã ao paço apresentar a Sua Magestade os autographos das côrtes geraes será composta dos dignos pares:

Antonio de Serpa.
José Luciano de Castro.
Barjona de Freitas.
Conde de Valbom.
Conde de S. Januario.
Barros Gomes.
Hintze Ribeiro.

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10 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidente: - A proxima sessão será no sabbado, continuando a discussão do projecto das pautas. Ficam em ordem do dia os pareceres n.ºs 136 e 137.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 23 de março de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, de Pomares, de Vallada; Condes, d'Avila, da Azarujinha, de Bertiandos, de Castello de Paiva, de Castro, de Gouveia, de Linhares, de Thomar, de Valbom, da Folgosa; Viscondes, de Alemquer, de Ferreira do Alemtejo, da Silva Carvalho, de Sousa Fonseca, de Villa Mendo; Barão de Almeida Santos; Sousa e Silva, Antonio Candido, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Bazilio Cabral, Palmeirim, Hintze Ribeiro, Jeronymo Pimentel, Calça e Pina, Coelho de Carvalho, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, Mexia Salema, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Camara Leme, Bivar, Sousa Avides, Franzini, Placido de Abreu, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro.

O redactor = F. Alves Pereira.

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