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370 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

vás, mas ainda das alterações que se operaram com aquella reforma no modo de ser d’essas instituições.

Sendo a administração um dos dois braços que constituem a vida e acção do poder executivo, e por meio do qual se congregam os interesses privados para os conjugar e harmonisar com os publicos, todas as reformas que modifiquem os principios por que se regem as instituições administrativas, o mechanismo e exercicio dos serviços publicos, a sua hierarchia e organisação interna, são sempre de um grande alcance, e exercem uma poderosa influencia nas condições do paiz a que se applicam.

A administração aperfeiçoa e completa as instituições politicas, porque, como diz Bonin, é um poder que ordena, corrige e melhora o que existe; é o governo em acção, define-a ainda Vivien; o estado personificado para o regimen de seus proprios interesses; o poder vigilante que suppre todos os outros, que lhes imprime o movimento, que dirige os negocios geraes e interfere, como tutor, na gerencia dos negocios locaes; a providencia humana collocada no ponto culminante da ordem social, para de ali abranger o complexo das necessidades publicas e procurar os meios de as satisfazer.

É ainda o estimulo e o incentivo para a vida local, deixando a esta a gerencia dos negocios que lhe são proprios e que se referem aos seus peculiares interesses, mas estabelecendo as regras a que se devem subordinar esses interesses, de modo a que não se prejudique a unidade, e se assegure a ordem publica e a harmonia nas reciprocas relações entre os cidadãos e o estado, que a este cumpre manter.

N’esta dualidade de fins, n’este empenho em conciliar o interesse individual com o interesse geral, e na complexidade dos meios para e conseguir está a alta importancia do poder administrativo. É por isso que todas as reformas nas suas instituições têem sempre um elevado alcance.

Em todos os tempos e em todos os povos, ainda quando a confusão dos poderes baralhava e amalgamava em instituições informes e indefinidas, direitos, interesses, legislação e costumes, mereceu sempre especial attenção tudo o que se referia ao que mais ou menos se podia chamar a administração politica e civil.

Da amplitude das suas attribuições confundidas, que muitas vezes um só poder abraçava na sua omnipotencia, destacavam-se aquellas que mais directamente se ligavam com os interesses locaes, com as garantias dos cidadãos, com a salvaguarda das liberdades que os povos gosavam consoante as idéas de então.

Para o conseguir, para arrancar ao poder, que centralisava toda a acção, alguma parcella de administração propria; para a subtrahir um pouco á pesada tutella que as mais das vezes se confundia com um atroz despotismo, quantas luctas se não travaram com energia e pertinacia!

D’essas luctas, e por vezes tambem de mutuas concessões, foram nascendo as instituições administrativas, rudimentares, imperfeitas, confusas na variedade e diversidade das suas faculdades, mas em todo o caso affirmando uma individualidade, que, embora mal definida, já representava algumas garantias.

Desde o municipalismo romano, que, invadindo a peninsula iberica, não pôde ser completamente esmagado pelo dominio arabico, até aos concelhos perfeitos ou imperfeitos dos primeiros tempos da nossa nacionalidade, nós encontrámos aqui a affirmação d’essas instituições constituindo uma derivação do poder administrativo.

Não se coadunam com a indole d’este parecer as investigações historicas sobre a origem e desenvolvimento da administração no nosso paiz.

Partamos, por isso, de um ponto mais approximado de nós no tempo e na affinidade de circumstancias politicas, para filiarmos a reforma que hoje occupa a nossa attenção.

Antes do regimen constitucional a jurisdicção administrativa achava-se confundida com a ordinaria, ou entregue a tribunaes extraordinarios. A nova constituição politica dividindo os diversos poderes do estado consagrou a sua mutua e inteira independencia. D’ahi a necessidade de definir e descriminar o poder administrativo decretando o modo da sua organisação.

Assim já o tinha reconhecido a camara dos deputados na sua proposição de lei de 26 de março de 1827, que se limitara apenas a desenvolver as bases com relação á administração municipal, lançadas nos artigos 133.° a 135.° da carta constitucional de 1826.

A camara dos pares achou-o, tão diminuto que não preenchia os seus fins, resolvendo não o adoptar.

Das circumstancias difficeis em que se encontrou o paiz, envolvido em accesa guerra civil, resultou que as primeiras tentativas para a nossa organisação administrativa, sairam deficientes, precipitadas e destoantes das verdadeiras necessidades da administração.

Como prova d’isto temos o decreto de 16 de maio de 1832, o primeiro diploma legal destinado a organisar em novas bases a administração publica. A necessidade de o reformar veiu reconhecel-a a lei de 18 de julho de 1835, que modificou muitas das suas disposições.

O codigo de 31 de dezembro de 1836, que já representa um melhoramento na organisação administrativa, resente-se do prurido de legislar e reformar que se apoderou da situação politica d’aquella epocha.

Depois, varias providencias legislativas se decretaram no intuito de reformar o que mais carecia de alteração, e de attender a deficiencias e lacunas na nossa legislação administrativa. Entre outras, como mais completa, podemos indicar a lei de 29 de outubro de 1840.

Mas a reforma mais larga e mais methodica veiu trazel-a o codigo de 1842. Podem accusal-o de nimiamente centralisadòr, como reflexo das idéas conservadoras em politica e em administração que então vigoravam, mas não se lhe póde negar um grande valor, em que se revela o alto merito de quem nelle cooperou. Unidade de pensamento, harmonia de disposições, methodo na organisação, conhecimento das condições do paiz e das necessidades da administração n’aquella epocha, constituiam o seu legitimo titulo, e davam-lhe verdadeiramente o caracter de um codigo.

A prova do seu merecimento está no facto significativo de que, tendo-se operado uma grande transformação em todos os ramos da legislação patria, civil, penal, fiscal, economica e de processo, aquelle codigo vigorou por trinta e seis annos.

Muitas e importantes tentativas se fizeram para o substituir; umas ficaram sepultadas nos ar chi vos parlamentares, e duas chegaram a ser decretadas; a de 1867, approvada pelo poder legislativo, e a de 1870, promulgada em dictadura.

Succedeu-lhe o codigo de 1878, revelação do espirito profundamente liberal do estadista que o referendou. O seu elevado pensamento era crear a vida local; estabelecer o governo do povo pelo povo; entregar aos corpos electivos a gestão dos seus interesses; educar e preparar os cidadãos para a administração geral do estado; alliviar o governo central de tutelar interesses, cuja defeza lhe parecia melhor confiada a corporações locaes, nascidas do suffragio popular.

A experiencia de oito annos veiu mostrar que a nação não estava ainda em condições de uma emancipação tão completa, e que a liberdade tão ampla que se deu á administração local trouxera abusos, que era mister corrigir.

Os que applaudiram com enthusiasmo aquelle passo tão avantajado no caminho da descentralisação, tiveram de reconhecer o seu erro, e de lamentar excessos que ella produziu na vida local.

A liberdade illimitada concedida aos corpos adminis-