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314 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. José Dias Ferreira: - Vov seguir á risca os conselhos que acaba de dar o illustre relator do projecto.

Não venho esclarecer a Camara, nem provocar discussões.

Venho dizer claramente a minha opinião sobre o projecto e apresentar alguma proposta de emendas, que não envio já para a mesa porque as irei analysando juntamente com os artigos do projecto.

Conto desde já que nenhuma d'essas propostas merecerá a approvação da Camara.

Já disse, e repito, que não venho esclarecer o debate, nem levantar discussões. Por tal fortuna está redigido o projecto, que as minhas considerações ficarão talvez sem resposta, e nem mesmo a merecem.

Disse o Sr. Ministro da Justiça que a lei contida no projecto é a mais liberal de todos os paizes da Europa.

Se o illustre Ministro e meu amigo tivesse dito que esta lei era, não a mais liberal da Europa, mas unica na Europa e na America, teria avançado uma verdade.

As minhas ideias, a respeito de liberdade de imprensa, não são novas.

Já varias vezes, nas discussões parlamentares, me tenho referido a este assumpto.

Não me surprehendeu a apresentação do projecto que está na tela do debate.

Já o esperava, para que mais uma vez se accentuasse quanto nós andamos divorciados do systema representativo.

Cousa singular: quanto mais se fala em liberdade, mais caminhamos para o despotismo. (Apoiados).

Encontramo-nos, desde ha muito, em perfeito governo absoluto, ou governo pessoal, se preferirem dar esta denominação ao regime que vigora.

Imagina se porventura que nós estamos discutindo, e mo se nos encontrassemos no Parlamento Inglês, no da Hollanda, ou no de qualquer outro paiz que tenha systema representativo?

Não. Nós temos o Governo de um só homem.

Illudem se os que suppõem que nós estamos a discutir, como se discute nos paizes que se regem pelo systema constitucional.

A Carta assim como diz que a pessoa do Rei é inviolavel e sagrada, e que não está sujeita a responsabilidade alguma, preceitua tambem que os Pares do Reino e os Deputados são inviolaveis pelas opiniões que proferirem no exercicio das suas funcções.

Se é isto o que dispõe a Carta, quaesquer que sejam os regimentos parlamentares, não ha ninguem que possa arrancar á viva força o Par ou Deputado ao exercido das suas funcções; e muito menos em Côrtes eleitas com as formalidades ordinarias.

Pois sendo estes os principios, nós limitamo-nos a discutir tão só o que o Governo submette á nossa deliberação.

O Sr. Jacinto Candido: - Apoiado.

O Orador: - Todos os escriptores de direito publico opinam no sentido de que na Monarchia constitucional é o povo quem governa e que os Reis só governam quando o povo lh'o tolera.

Não quero por forma nenhuma faltar ao respeito a ninguem. Mas estes são os factos.

Annunciei ha tempos uma interpellação sobre a independencia da tribuna e da palavra, e mais se não falou em tal. Agora prepara se a reforma do regimento da Camara dos Pares; e ninguem sabe para que.

Ha, porventura, regimento para regular as discussões do Conselho de Estado?

Subordina se a algum regimento a discussão no Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação e julgamento das causas?

Vivemos em um regime de convencionalismos verdadeiramente cruel.

Não tardará muito que nos não vejamos a braços com as dificuldades provenientes de uma crise politica e de uma grave crise economica.

A continuar-se na senda até agora trilhada é de prever uma enorme fatalidade.

Como disse ha pouco, a Carta declara inviolaveis os membros das duas Camaras no exercicio das suas funcções; mas, com consentimento e apoio do Governo, foram ha pouco arrancados da Camara dos Deputados dois dos seus membros que ali estavam exercendo o mandato que o povo lhes havia conferido.

Custa comprehender como o Governo se permittiu o direito de autorizar a força armada a violentamente arrancar á Camara dos Deputados dois representantes do povo!

A força armada é para manter a independencia e a integridade do paiz, para nos defender dos inimigos internos e externos.

Nem no tempo de D. Miguel se procedia assim.

O nosso Codigo Penal isenta de toda a responsabilidade o official de diligencias, e absolve-o se cumprir o mandado de prisão. Se a prisão foi mal ordenada, a responsabilidade do juiz cobre a responsabilidade do escrivão. São exceptuados d'esta disposição os Pares e Deputados.

O official que prende um membro do corpo legislativo, ainda com mandado de prisão, fica elle responsavel bem como o juiz!

Em nome de que principio foram pois esses dois Deputados inhibidos de exercer, durante um certo prazo de tempo, o exercicio das suas funcções?

É possivel que o facto, embora abusivo e violento, tenha agradado a muita gente porque vivemos n'uma epoca em que cada um trata de si, e ninguem de todos.

Tem havido, na nossa vida politica, momentos de agitação cruel, e houve em 1848 discussões vivissimas em que tomaram parte os Condes de Thomar e da Taipa, Saldanha e outros.

Pois, apesar dos debates apaixonados d'essa epoca, e de outras não menos movimentadas, nunca a força armada entrou no Parlamento para arrancar de lá os que estavam no desempenho das suas funcções populares!

O Sr. Presidente: - Peço licença para observar ao Digno Par que o regimento d'esta Camara prohibe que se discutam as resoluções da outra casa do Parlamento.

O Orador: - Não discuto as resoluções da outra Camara. Trato apenas de uma questão constitucional.

Se o proprio Rei sair fora da Constituição e atacar as nossas regalias politicas, julgo-me no direito de proceder da mesma forma.

O Sr. Presidente: - Se o Digno Par o exige, lerei o artigo do regimento a que ha pouco me referi.

O Orador: - Dispenso essa leitura, porque conheço perfeitamente o regimento da Camara. Tenho quarenta annos de Parlamento e é a primeira vez que um Presidente me dirige observações.

O Sr. Presidente: - Não sou eu quem faz ao Digno Par quaesquer observações. É a lei da casa.

O Orador: - Vou já entrar n'um terreno que decerto merecerá o applauso da Presidencia.

Sei e vejo que ha quem defenda calorosamente o projecto que se discute.

Não me surprehende o facto, porque acêrca da propria lei das rolhas houve muitas representações a favor.

Ha no paiz muita gente que experimenta um grande jubilo com estes ataques á liberdade.

Tem-se falado muito no gabinete negro e no jury.

Tenho de apresentar considerações a este respeito, mas, não as podendo concluir hoje, prefiro reservá-las para a sessão immediata.