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14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ção monarchica, como quem se propusesse defender a monarchia contra o povo, quando melhor fora ter-se chamado de restauração liberal, não só para lembrar aos Srs. Ministros o fim principal da sua missão, mas tambem porque as concentrações ficaram inteiramente desacreditadas desde a famosa concentração liberal, essa alliança hybrida de progressistas e franquistas, que eu condemnei sempre, como um erro grave do meu partido, erro a que nunca me associei, nem com a minha palavra, nem com o meu voto; este Gabinete, deficientemente constituido, porque d'elle foram excluidos os representantes de valiosos agrupamentos monarchicos e parecia logico que entrassem todos ou nenhum; este Gabinete, dizia eu, podia ter redimido o seu vicio de origem, e resgatado até a impropriedade do titulo com que o decoraram, se houvesse caminhado direito ao seu fim, sem hesitações, nem equivocos, sem tibiezas, nem pusilanimidades, restabelecendo prontamente a normalidade da nossa vida constitucional e administrativa e assentando as bases de uma nova monarchia rasgadamente democratica, moderna, liberal e francamente progressiva, porque é essa a unica que pode adequar-se ás circunstancias actuaes da politica portuguesa, se todos queremos, com sinceridade, entrar num periodo de paz e de acalmação, como é indispensavel para a solução complexa dos variados problemas da nossa administração publica, por que todos anceiam. (Apoiados).

Era este o papel que se impunha ao Governo, dado o momento historico em que foi chamado ao poder, papel que elle, infelizmente, não quis ou não soube desempenhar, com a correcção e firmeza que reclamava o País inteiro, justamente alarmado pelos successos que se desenrolaram nos ultimos meses do Gabinete transacto.

Effectivamente, abalada a estabilidade politica da nação, desencadeadas as paixões até a revolta, por essa ditadura tão inane como violenta, que teve como consequencia e como desfecho uma das mais dolorosas e sangrentas paginas da nossa historia, cumpria ao Governo, antes de tudo, e por um principio improcrastinavel de moralidade politica, derruir por completo, de alto a baixo, até o mais profundo dos seus alicerces, toda a obra d'essa ditadura ominosa e nefasta, que nos aviltara perante nacionaes e estrangeiros; arrancar pela raiz, com mão firme e resoluta, essa planta damninha, que tão graves perturbações produzira no solo português e tanto mal havia causado ás instituições que nos regem.

Saneada assim a atmosphera politica, com um simples traço de penna, simples, mas direito e decidido, competia ao Governo acalmar ainda o espirito publico, decretando a amnistia para todos os crimes politicos praticados até 31 de janeiro, mas ama amnistia larga, ampla, completa, sem restricções nem excepções, sempre odiosas, e concedida por um principio immanente de justiça social, e não como uma simples graça ou favor, porque eu tambem sou d'aquelles, Sr. Presidente, que entendem que á revolta no poder tem o povo o sagrado direito de responder com a revolta na rua, sem que isso constitua um crime punivel, porque é, antes, o mero cumprimento de um dever patriotico. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, votada pela Assembleia Nacional Constituinte, mas monarchica, de 1789, ampliada depois no preambulo da Constituição de 1793, que não chegou, aliás, a ser pasta em vigor, e affixada ainda agora em todos os edificios publicos da França, republicana, mas moderada, representa, no dizer de Victor Cousin, philosopho e historiador, uma pagina de razão e de justiça, a maior, a mais santa, a mais benefica que appareceu depois do Evangelho; e como verdadeiro Evangelho da democracia universal tem ella sido considerada, porque define os direitos naturaes, primitivos e imprescritiveis de toda a humanidade, direitos anteriores e superiores a quaesquer leis.

Pois esse diploma, que para os verdadeiros liberaes constitue a base fundamental de todas as instituições humanas, inscreve no sou ultimo artigo este principio: «quando o Governo viola os direitos do povo, a insurreição é para este o mais sagrado e o mais indispensavel dos seus deveres».

E a declaração de independencia dos Estados Unidos, que é tambem um dos mais bellos diplomas historicos que existem, já alguns annos antes, isto é, em 1776, proclamava o mesmo principio, embora por outras palavras.

Mas, voltemos ao que devia ter sido a missão d'este Governo.

A sua obra não era simplesmente de destruição do passado e das suas funestas consequencias; havia tambem que edificar, e para isso era indispensavel que o Governo tivesse immediatamente convocado a camara transacta, que havia sido abusiva e inconstitucionalmente dissolvida, para que, juntamente com a Camara dos Pares, pudesse: tomar o juramento ao novo Rei i acclamá-lo; votar prontamente a lista civil e a dotação da Familia Real; transformar em leis regulares alguns dos decretos ditatoriaes revogados, cujas disposições, mais ou menos modificadas, conviesse, porventura, manter em vigor; reconhecer a necessidade da reforma da Carta Constitucional, de modo a garantir a estabilidade do regime representativo, contra a possivel tentativa de futuras ditaduras; e, finalmente, substituir a ignobil porcaria, que ainda hoje nos enxovalha, por uma nova lei eleitoral, que garantisse ao País o sagrado direito de escolher livremente os seus mandatarios, e que desse aos differentes agrupamentos politicos a representação proporcional ao numero de votos de que dispõem.

Promulgada a nova lei eleitoral e dissolvida ccnsequentemente então, e só então, a Camara transacta, mandaria o Governo proceder immediatamente á eleição geral de Deputados, com a mais absoluta isenção das autoridades de qualquer ordem, e depois, conhecida a composição da nova Camara, representante legitima da nação, teria o poder moderador as indicações necessarias e sufficientes para saber quaes os homens ou agrupamentos politicos a quem devia confiar as redeas do poder.

Uma Camara nova com poderes constituintes, não fabricada, como a actual, no Ministerio do Reino, mas eleita liberrimamente pelo suffragio popular, mercê de uma lei honestamente estudada para assegurar a genuinidade da representação nacional; um Ministerio igualmente novo, saido, por assim dizer, d'essa Camara e formado quanto possivel de homens novos, sem responsabilidades no passado; e, finalmente, um Rei tambem novo, intelligente e bem intencionado, puro e limpo de quaesquer culpas que lhe pudessem lançar em rosto; taes seriam os elementos mais apropriados para a pronta e efficaz solução dos graves problemas constitucionaes e politicos, economicos e financeiros, sociaes e coloniaes, que impendem na hora presente sobre o nosso País, para que elle possa acompanhar, embora de longe, os progressos realizados dia a dia pelas nações que marcham na vanguarda da civilização.

Preparar assim, a transformação radical e benefica da scena politica portuguesa, assentar com segurança e acerto as bases de um novo regime completamente diverso do antigo, tal era a missão verdadeiramente redemptora que as circunstancias occorrentes impunham a este Governo, e se elle a tivesse sabido cumprir honrada, desinteressada e patrioticamente, os nomes dos actuaes Ministros ficariam esculpidos, em letras de ouro, nas paginas da nossa historia, pelo serviço relevantissimo que teriam prestado ao País numa situação deveras anormal.

Em vez d'isto, que era simples, correcto e logico, o que fez o Governo presidido pele Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral?

Fez exactamente o contrario. Amortecidos os odios pessoaes pela queda estrondosa da ditadura, aplaca-