SESSÃO N.° 31 DE 29 DE JULHO DE 1908 l5
das um pouco as paixões politicas pela cruciante expiação dos erros que de longe vinham, despertado o sentimentalismo da alma popular pelo commovedor infortunio do joven Monarcha, então, quando seria tão facil realizar a desejada pacificarão dos espiritos, de modo que com o novo reinado se iniciasse um novo regime de ordem, liberdade e respeito á lei, de trabalho e progresso nacional, o Sr. Presidente do Conselho preferiu enveredar pela vida velha, voltando, por fraqueza ou inconsciencia, aos antigos processos da politica viciosa e mesquinha, ás mesmas lutas estereis e ruins, á mesma regedoria desacreditada e gasta.
Com effeito, examinemos, rapidamente, qual foi a acção d'este Governo em relação a cada um dos tres pontos a que acabo de me referir: ditadura, amnistia e Parlamento.
Quanto á ditadura, o Governo, por medo ou incoherencia, tem sé sempre desentranhado em provas de apreço e consideração, não simplesmente pela obra em si, mas até pelos seus proprios autores. (Apoiados).
Logo no seu primeiro acto ministerial se demonstraram esses cordiaes sentimentos, quando o Sr. Presidente do Conselho apresentou a El-Rei, para assinar, os decretos de demissão dos Ministros transactos, onde se declarava que tinham servido muito a seu contento.
Muito a seu contento, isto, Sr. Presidente, tres dias depois de El-Rei D. Carlos e o Principe Real, estupidamente desamparados de toda e qualquer protecção policial, cairem no Terreiro do Paço varados pelas balas assassinas...
O Sr. Conde de Arnoso: - Dos assassinos.
O Orador : - Dir-se-ha, bem sei, que é essa uma simples questão de forma, consagrada pela praxe tradicional; mas, Sr. Presidente, não ha nem pode haver praxe que justifique a indelicadeza, a crueldade de levar o novo Rei, quando succumbido ainda ao peso da enorme desgraça que acabava de o ferir, quando immerso ainda na profundissima dor causada pela morte de seu augusto Pae e de seu querido Irmão, a assinar por seu punho diplomas em que se dizia que haviam servido muito a seu contento os ditadores que tinham opprimido despoticamente a sociedade portuguesa, que tinham suffocado todas as liberdades publicas e individuaes, que tinham empilhado nas enxovias centenas de cidadãos indefesos só porque se mostravam adversos á sua obra, que tinham ameaçado de morte ou de desterro para climas remotos aquelles que se insurgiam pela penna ou se revoltavam pelas armas contra taes desmandos e prepotencias, sem outro crime mais que a sua coragem civica, sem outro processo mais que o capricho do Governo, que tinham, numa palavra, pelo seu desvairamento ou obcecação, provocado, embora inconscientemente, o horroroso attentado de 1 de fevereiro, que nem sequer cuidaram de evitar pela mais vulgar e usual prevenção da força publica, que, aliás, não dispensavam quando se tratava de defender as suas proprias pessoas. (Apoiados).
De resto, Sr. Presidente, a despeito da praxe que se invoca relativamente á exoneração dos Ministros da Coroa, de tudo se encontram exemplos na nossa historia constitucional.
Umas vezes teem sido os Ministros demittidos sem que o hajam requerido e sem que se lhes declare que serviram muito a contento do soberano: foi o que aconteceu em 26 de novembro de 1839 ao Barão da Ribeira de Sabrosa, Ministro dos Negocios Estrangeiros.
Outras vezes a condemnação é attenuada e os Ministros são exonerados a seu pedido, é verdade, mas sem o attestado de bons serviços: é o caso que se deu em 17 de agosto de 1852 com um dos nossos homens publicos mais notaveis do seculo XIX. Refiro-me ao Visconde de Almeida Garrett, que, encarregado da pasta dos Estrangeiros, sob a presidencia do Duque de Saldanha, assinou um tratado de commercio sem audiencia do Conselho de Ministros, sendo levado, em vista do desacordo dos seus collegas, a pedir a sua exoneração, que lhe foi concedida nos termos referidos.
Outras vezes, a condemnação, tambem, parcial, traduz-se, ao contrario, pela demissão, sem requerimento do interessado, mas com declaração de haver servido a contento: foi o caso occorrido modernamente com o nosso collega, o eminente tribuno Sr. José Maria de Alpoim, que, sobraçando pela segunda vez em 1905 a pasta da Justiça, onde, mercê da sua fecunda iniciativa, prestou relevantes serviços ao País, veio a encontrar-se, num dado momento, em desacordo com os seus collegas acêrca do modo de resolver o conflicto levantado na Camara dos Senhores Deputados, entre a commissão de fazenda e o respectivo Ministro, na celebre questão dos tabacos: pois tanto bastou para que fosse immediatamente demittido, sem o pedir, embora com certidão de bons costumes.
Temos finalmente a exoneração vulgar de Linneu com requerimento previo e certificado subsequente; foi d'essa que beneficiou o Sr. João Franco e os seus collegas da ditadura, por obra e medo do Sr. Ferreira do Amaral.
Sr. Presidente: fui levado pelas necessidades da minha argumentação a citar quatro nomes de homens publicos que pertencem incontestavelmente á historia do nosso País.
Mas veja V. Exa. o que é a injustiça humana! D'esses quatro Ministros, o primeiro, o Barão da Ribeira de Sabrosa, que tomou parte activa na guerra peninsular e nas nossas lutas civis, tem o seu logar assegurado na historia patria, não só pelos relevantes serviços que prestou ao exercito como Ministro da Guerra, mas sobretudo pelas graves questões de direito internacional que vieram a rijo debate, com a Inglaterra, na sua administração como Ministro dos Estrangeiros, e que puseram á prova a grande energia da sua alma e a ferrea tenacidade do seu caracter.
Almeida Garrett, romancista distinctissimo e poeta immortal, chronista mor do reino e grande orador parlamentar que se defrontava com José Estevam, como no seu celebre discurso do porto Pireu, vive e ha de viver na memoria dos portugueses emquanto se falar e cultivar a nossa bella lingua.
José Maria de Alpoim, athleta da tribuna, onde a sua palavra, impregnada do mais puro atticismo, commove e deslumbra sempre, ainda quando não convença, jornalista de rara pujança e dominadora suggestão, ha de passar á historia como o mais estrénuo e o mais convicto paladino da democracia a dentro das instituições monarchicas.
Finalmente João Franco ha de nella figurar tambem, como o torvo ditador, nevrotico, atrabiliario, e voluntarioso, que, pelo seu cego desvairamento, precipitou o Rei, que julgava bem servir, no abysmo, onde caiu para não mais se levantar, arrastando, na mesma sorte, o seu innocente filho, e que depois fugiu espavorido e perseguido pelo odio de um povo inteiro, continuando, porem, a ser virtualmente auditor do Tribunal do Contencioso Fiscal, graças a um despacho, mais generoso que legal, do Sr. Ministro da Fazenda.
Pois, quanto pode a injustiça humana! d'esses quatro Ministros foi só o ultimo que saiu do poder com todas as honras e com todas as manifestações exteriores de apreço e consideração.
Mas voltemos a apreciar o respeito do Sr. Presidente, do Conselho pela ditadura, que Deus haja, ou antes o seu medo dos ditadores.
Em 4 de fevereiro, como disse, o Governo levara El-Rei a assinar a declaração de que os ditadores tinham servido muito a seu contento; mas logo no dia seguinte Sua Majestade se apressou, por acto proprio, a tornar bem publico e frisante que o intempestivo elogio da vespera não condizia