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16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

com os sentimentos do seu coração, justo e bom, escrevendo aquella nobilissima carta, a que já me referi, e em que, ao passo que affirmava o seu nimio respeito á lei, condemnava e repudiava um dos actos mais justamente verberados da ditadura: o decreto dos adeantamentos.

E, nesse mesmo dia, o Governo, sempre incoherente comsigo proprio, viu-se tambem obrigado, pelas reclamações incessantes do País inteiro, que se sentia offegante, sob o jugo oppressivo do poder, a apresentar á assinatura regia a revogação de tres dos actos mais importantes do Ministerio transacto, de tres das pedras basilares do edificio da ditadura, a saber: o decreto de 20 de junho de 1907, que entregara a sorte da imprensa ao capricho dos governadores civis, o decreto de 21 de novembro de 1907, que criara a alçada de policia no Juizo de Instrucção Criminal, e o monstruoso decreto de 31 de janeiro de 1908, que supprimira as immunidades parlamentares e entregara ao Governo, para a expulsão do reino ou degredo nas colonias, os presos julgados pelo «Tribunal da inconfidencia» da Rua Capello.

Annullando esses tres decretos liberticidas fez o Governo o minimo que podia fazer porque a sua revogação immediata impunha-se, não só como um dever de justiça, mas tambem como condição sine qua non da subsistencia e manutenção do proprio Gabinete.

Mas, Sr. Presidente, ainda aqui se denuncia o seu respeito pela ditadura, ou antes o seu medo dos ex-ditadores.

Os tres ominosos decretos não foram revogados porque representassem a mais affrontosa tyrannia que um Governo desvairado pretendeu exercer sobre este povo tão paciente e soffredor.

Isso sim!

Foram revogados - leiam-se os considerandos do decreto de 5 de fevereiro - porque tendo sido publicados não se deviam cumprir. Duas razões distinctas e uma só banalidade perfeita: porque se os tres decretos não tivessem sido publicado claro é que nada haveria que providenciar, a respeito d'elles; e se devessem ser cumpridos tambem é evidente que nada haveria que revogar.

Tudo isto para não usar uma só vez com desfavor da palavra ditadura, com medo dos ditadores, da mesma forma que no Discurso da Coroa, por medo dos reaccionarios, não se empregou uma só vez a palavra liberdade, para que não queimasse os labios de El-Rei ao proferi Ia, esquecendo o Governo que nas veias do joven Rei D. Manuel II corre o sangue generoso de Victor Manuel III, que, ao abrir pela primeira vez o Parlamento italiana, depois do assassinio de seu pae, pronunciou essas solemnes palavras:

Considero como sagradas as conquistas liberaes, fortalecidas e aumentadas por meu avô e meu pae.

Profundamente affeiçoado as instituições liberaes do País, estarei sempre pronto a defender energicamente essa gloriosa herança dos meus antepassados.

Mas deixemos a Italia, esse bello País onde um Rei intelligente e liberal, servido por verdadeiros estadistas, sinceramente devotados á causa publica, conseguiu, no curto prazo de oito annos, restabelecer a situação financeira, que era deploravel, assegurar a ordem publica perturbada pela agitação agraria, melhorar a condição das classes operarias, municipalizar os serviços publicos e estreitar as relações internacionaes, e voltemos ao nosso torrão natal, que tão feliz poderia ser tambem se encontrasse estadistas de pulso para a assegurarem o seu bem estar.

Continuemos a expor como é que este Governo tratou a ditadura, que, na sua ancia de tudo destruir, investira tambem, como era natural, com as corporações districtaes, municipaes e parochiaes.

Não ousando mandar proceder ás eleições locaes, que deviam, segundo o Codigo Administrativo, realizar-se em novembro de 1907, porque tinha a certeza absoluta de perdê-las, o Governo transacto publicara o decreto ditatorial de 14 de outubro de 1907, adiando essas eleições sine die e, terminando no fim do anno o mandato das mesmas corporações, pôs arbitraria e tumultuariamente, nos logares de vereadores e de vogaes das commissões districtaes e das juntas de parochia, criaturas suas, que tomaram de assalto e usurparam aquellas funcções em 2 de janeiro.

Foi um acto do mais revoltante despostimo que teve por effeito a absorpção da vida local no poder central, desprezando-se os foros municipaes, que são o melhor e mais solido alicerce do edificio nacional.

Pois bem, imagina alguem que este Ministerio revogou, o decreto ditatorial de 14 de outubro, e mandou proceder immediatamente ás eleições locaes, como era o seu estricto dever, desde que proclama urbi et orbe que quer governar com a lei e só com a lei?

Isso sim!

O decreto ditatorial está ainda de pé, as eleições continuam adiadas sine die, e tudo quanto o Governo ousou, porque mais não lhe permitte o seu respeito pela ditadura, foi dissolver as commissões intrusas e restituir aos seus logares as corporações que haviam terminado o seu mandato legal em 31 de dezembro de 1907.

E isto mesmo fê-lo a medo, não por virtude do artigo 18.° do Codigo Administrativo, que manda que as corporações eleitas continuem no exercicio das suas funcções até serem legalmente substituidas, mas porque uma ou outra commissão intrusa havia representado ao Governo pedindo a sua demissão.

Assim é que se algumas d'essas commissões não tivessem pedido para serem exoneradas, ainda hoje ellas existiriam todas, porque foi este pedido que serviu de fundamento aos dois decretos de l5 de fevereiro de 1908.

E com respeito ao decreto de 30 de agosto de 1907, que pretendeu regular em ditadura o aumento da lista civil e a liquidação dos adeantamentos á Casa Real, e que foi, como de todos é sabido, o que mais violentamente desencadeou as paixões politicas contra o fallecido Monarcha e contra o Governo transacto?

Virtualmente annullado nos seus effeitos pela notabilissima declaração, feita por El-Rei em 5 de fevereiro, de que não utilizaria recursos alguns que não fossem previamente autorizados pelo poder legislativo, esse decreto ficou ainda de pé, não se sabe porquê, até 27 de fevereiro.

Foi então e só então que o Governo o mandou considerar nullo e de nenhum effeito, não por ter sido o acto mais immoral e revoltante da ditadura, mas porque na morte do Rei ou vacancia do Throno compete ás Côrtes Geraes assinar a dotação do novo Rei.

É dizer que o Governo entendia que esse decreto se deveria manter em vigor, no caso dos assassinos haverem poupado a vida a El-Rei D. Carlos, porque só na vacancia do Throno encontrou o peregrino fundamento da sua revogação.

Sr. Presidente: exceptuados estes poucos decretos que acabo de citar e que bastariam para demonstrar a forma tortuosa por que o Governo entendeu dever resolver os problemas que lhe impendiam, a obra nefasta da ditadura continuou e continua ainda de pé, como se fosse lei do Estado, porque o Governo não ousou arcar com ella e, ao apresentá-la quasi intacta á sancção do Parlamento, levou a sua pusilanimidade até o ponto de esconder a sua opinião sobre tal assunto, esquecendo que governar é dirigir e não retrahir-se dentro de uma supposta isenção para occultar a sua incompetencia ou furtar-se ás responsabilidades do poder.

Mas, sempre inconsequente, omitte por um lado a sua opinião sobre os diversos decretos ditatoriaes, de que diz desinteressar-se; mas por outro lado inclue no orçamento, que submetteu ás Camaras, todas as despesas criadas por esses decretos, na importancia de muitas centenas de contos de réis;