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SESSÃO N.° 31 DE 29 DE JULHO DE 1907 17

Já se viu maior desorientação do que esta?

Pois ha dias o Sr. Ministro das Obras Publicas, que eu pessoalmente muito estimo, não declarou aos commerciantes do Porto que se desinteressava do projecto de lei da vinhos, ao passo que a commissão do bill da Camara dos Deputados affirma que esse projecto foi elaborado de acordo com o Governo?

Passemos agora ao capitulo da amnistia.

Ahi veremos mais uma vez desenrolar-se a acção do Governo, sempre tortuosa e hesitante, norteada exclusivamente pelo medo ora dos ex-ditadores, ora dos reaccionarios.

A amnistia foi decretada, sim, mas incompleta, como tudo quanto faz o actual Governo, e concedida ás rebatinhas, sem que por esse acto de clemencia ou antes de justiça para com as desgraçadas victimas do despotismo se conquistassem, para o joven monarcha, as sympathias que lhe eram devidas pessoalmente.

Effectivamente, em 12 de fevereiro concedeu-se o indulto aos marinheiros e a amnistia para os crimes de deserção e para as infracções disciplinarem, tanto no exercito como na armada.

Mas essa amnistia não se estendeu, como era de justiça, aos crimes politicos e aos delictos de imprensa.

Assim, os dois partidos historicos nas suas reuniões magnas de 8 de dezembro tinham resolvido aconselhar os seus correligionarios e amigos a que empregassem todos os meios de resistencia contra as violencias e arbitrariedades do Governo transacto e dos seus agentes, e, apesar d'isso, consubstanciados depois os mesmos partidos no Ministerio da concentração monarchica, deixaram que, durante meses ainda, continuassem a ser perseguidos, com processos judiciaes de natureza politica, militares e paisanos que não tinham commettido outro delicio senão o de resistirem ou tentarem resistir ao despotismo da ditadura.

E foi só em 9 de maio, isto é, tarde e a más horas, que appareceu afinal a amnistia, dessorada e requentada, para alguns crimes politicos, não todos, de mistura com outros crimes de direito commum, mas exceptuando ainda os militares, que só agora conseguiram ser julgados.

Assim, ainda no assunto amnistia, o Governo teve a habilidade de atraiçoar o pensamento inicial de El-Rei e de inutilizar os seus generosos intuitos, por lhe faltar a coragem e envergadura para fazer, em tempo opportuno e bem, o que só tarde, mal e incompletamente praticou, e com tal infelicidade que ninguem lh'o agradeceu. A amnistia decretada em fevereiro, no principio do reinado, teria sido de mente e politica, habil e justa.

Concedida tres meses mais tarde do que o devera ter sido, já depois de se haver apurado judicialmente a impossibilidade das pronuncias, por falta de provas ou indicies, foi um acto inutil e até contraproducente, que só aproveitou aos assassinos e ladrões, aos contrabandistas e galopins eleitoraes.

Se eram as sympathias d'essa gente que o Governo queria conquistar para El-Rei, deve considerar-se satisfeito da sua obra.

Examinemos finalmente a acção do Governo em relação ao Parlamento.

O Governo confessou lealmente, no relatorio do decreto de 27 de fevereiro, que não podia, nem devia considerar valida a dissolução da Camara transacta, ordenada por decreto de 10 de maio de 1907, porque este decreto não fôra precedido de consulta do Conselho de Estado, nem indicava a immediata convocação da nova Camara.

Feita aquella honrada confissão parece que outro procedimento não podia seguir o Governo senão: declarar irrito e nullo o golpe de Estado de 10 de maio; resuscitar, portanto, a Camara dissolvida inconstitucionalmente; e convocá-la immediatamente para, por via d'ella, decretar uma nova lei eleitoral decente ou o simples regresso á de 1884, e reconhecer a necessidade de uma nova Constituição que abrisse assim ao novo reinado os horizontes de um novo regime de liberdade, ordem e respeito á lei.

Mas essa solução, que era simples, correcta e logica, tinha o grave inconveniente para o Governo de offender de frente a ditadura e então recorreu-se em 27 de fevereiro ao expediente originalissimo de annullar o decreto de 10 de maio de 1907, não para restituir á vida a Camara dissolvida, mas para gozar o prazer diabolico de a dissolver segunda vez, com os devidos sacramentos, caso novo na nossa historia constitucional, apesar de fertil em incidentes de toda a ordem.

Pois bem, Sr. Presidente, se ao decreto de 10 de maio faltavam as formalidades externas e por isso fora inconstitucional, o decreto de 27 de fevereiro tambem padece do mesmo defeito, porque, segundo o § 4.° do artigo 74.° da Carta Constitucional, a camara dos Deputados só pode ser dissolvida quando a salvação do Estado o exija, e facto algum concreto, por mais insignificante que fosse, podia levar á suspeita sequer de que a Camara transacta poria em perigo as instituições, como foi aliás reconhecido pelo Conselho de Estado que o Sr. Ferreira do Amaral ouviu, e nisso se distinguiu do seu antecessor, não para seguir os seus conselhos, mas para os desrespeitar.

Aqui nos achamos, pois, transportados aos melhores tempos da vida velha.

Nomeação de governadores civis e seus agentes, debatida, palmo a palmo, entre os dois partidos historicos, e ás vezes até entre os diversos grupos do mesmo partido; desdobramentos praticados em todos os circulos, salvo no de Lisboa, com listas de maioria e minoria, combinadas de commum acordo entre esses partidos e o Governo.

Eleições feitas no Ministerio do Reino, onde oito dias antes do acto eleitoral se conheciam exactamente os nomes que haviam de sair das urnas, como os factos o vieram confirmar, com a unica excepção de Setubal, onde a estulta pretensão dos amigos do Governo, de desdobrarem contra a opposição, deu em resultado vir mais um Deputado republicano á Camara, do que aquelles que se esperavam.

Em taes circunstancias, o acto eleitoral decorreu em geral, como era natural, com a mais absoluta indifferença e, portanto, com a maior tranquillidade.

Eleição verdadeira e verdadeiramente disputada só houve a de Lisboa, que ficou tristemente assinalada pelos barbaros morticinios de 5 de abril, ainda hoje impunes (Apoiados), praticados pelos agentes da segurança publica, e que constituem um lugubre epilogo do ambicioso plano; do Sr. Ferreira do Amaral, que, não dispondo antes, em todo o País, senão do seu voto proprio, pretendeu arranjar uma nova Camara, onde um grupo de amigos pessoaes seus pudesse contrabalançar as forças dos partidos progressista e regenerador, assegurando d'este modo a sua permanencia no poder, a despeito das cascas de laranja e limão ou dos parquets encerados.

Assim, cada situação bate o record da anterior em brutalidades, ferimentos e morticinios.

O Governo regenerador em 4 de maio limitou-se a ferir.

O Governo franquista em 18 de junho matou duas pessoas.

A concentração monarchica em 5 de abril, numa só tarde, despachou quatorze mortos para o cemiterio e muitas dezenas de feridos para o hospital.

O progresso no crime é eloquente.

E a mais absoluta impunidade cobre sempre estes attentados.

As syndicancias ou não se ordenam ou se ordenam e não se; fazem, ou quando se fazem terminam, como a do general Gouveia, pelo elogio dos cri-