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SESSÃO N.° 31 DE 29 DE JULHO DE 1908 19

E assim aconteceu, apesar da materia ser inteiramente nova, votando-se nesse mesmo dia, depois de interessante e proveitosa discussão, o parecer da commissão, que, para attender ás ponderosas criticas de alguns Depuputados, foi desdobrado em dois decretos das Côrtes Geraes, e em duas leis subsequentes.

A lei de 11 de fevereiro de 1862, que fixou a lista civil de D. Luiz I, foi votada sem discussão, tanto numa como na outra casa do Parlamento.

A lei de 28 de janeiro de 1890, que estabeleceu a dotação de El Rei D. Carlos, foi votada na Camara dos Deputados no mesmo, dia em que entrou em discussão, falando apenas contra um dos mais sympathicos Deputados republicanos de então, o Dr. Manuel de Arriaga; e nesta Camara foi o projecto votado por acclamação e até sem se imprimir sequer o respectivo parecer, por haver assim requerido o relator da commissão de fazenda, que era o nosso digno collega Sr. Conselheiro Moraes de Carvalho, hoje presidente da mesma commissão.

Se o Governo, já que não convocara a Camara transacta para, entre outras leis urgentes, fazer votar por ella, prontamente, a da lista civil, tivesse, aproveitando a lição do passado, apresentado á nova Camara, logo que se constituiu, um projecto de lista civil, sem nelle enxertar imprudentemente uma questão irritante, do mais accentuado caracter politico, de ha muito que esse projecto estaria convertido em lei do Estado, cessando assim a situação irregular e até deprimente criada a El-Rei por culpa do Sr. Presidente do Conselho.

Mas não; o Governo julgou mais habil conchavar na lista civil a questão dos adeantamentos á Casa Real, explorando assim as geraes sympathias que acompanham o novo Monarcha, para sobre a sua cabeça juvenil liquidar um passado de que El-Rei não tem a minima responsabilidade moral; e então inventou o celebre artigo 5.°, que na sua redacção primitiva tinha manifestamente por fim desviar do Parlamento a discussão d'esse melindroso assunto, cuja resolução definitiva era confiada a uma commissão extra-parlamentar.

«A quantia que for reconhecida (por essa commissão) como saldo a favor do Estado será paga pela Fazenda da Casa Real, em prestações, etc.».

Assim dizia o Governo.

Descoberta a habilidade, aliás bem transparente, da proposta de lei, levantou se a opposição, voz em grita, na Camara dos Deputados, a pedir explicações ao Governo acêrca das funcções d'essa commissão extra-parlamentar que collidiam manifestamente com as da commissão parlamentar que fôra, e até urgentemente, eleita 15 dias antes para proceder, em conformidade da Carta Constitucional, ao exame de todos os erros de administração, praticados durante o remado de D. Carlos, sem excepção alguma.

E o Sr. Presidente do Conselho; que não é homem para grandes lutas, abandonou immediatamente o pensamento fundamental da proposta de lei e declarou muito satisfeito de si proprio:

«Que a commissão extra-parlamentar era uma simples commissão de caixeiros, destinada a fazer sommas e diminuições, a calcular um deficit ou superavit, um deve ou um ha de haver, e que se as contas apuradas pela commissão extra-parlamentar não estivessem de acordo com aquellas que apresentar a commissão eleita pela Camara, estas é que prevaleceriam sobre aquellas».

Feita esta singular declaração, tão contraditoria com o espirito e com a letra da proposta de lei, ficou inteiramente condemnado o artigo 5.° e melhor fora havê-lo eliminado desde logo, como chegou a propor, muito sensatamente, um dos mais talentosos Deputados da opposição.

Mas o Governo, para co-honestar a incoherencia praticada pelo Sr. Presidente do Conselho, resolveu mante-lo, consentindo ainda assim que a commissão de fazenda o modificasse de fond en cambie, alterando-lhe completamente o proposito, visto que o apuramento de contas feito pela commissão extra-parlamentar, em vez de ser definitivo, como se indicava na proposta primitiva, fica dependente agora da apreciação do Parlamento.

Ora se o proprio artigo 5.°, na sua ultima redacção, determina expressamente que o assunto volte mais tarde a ser debatido no Parlamento, para que serviu esta discussão preliminar, que se arrastou durante semanas na Camara dos Deputados, e que tambem nesta ha de absorver algumas sessões?

Eu comprenendia o artigo 5.° tal como fora concebido na proposta de lei; era habil e commodo se tivesse vingado; mas a minha intelligencia não attinge a razão de ser d'esse artigo, tal como chega redigido a esta Camara, porque outra vantagem não tem se não a de demonstrar quanto vale o espirito engenhoso do Sr. Presidente do Conselho, que, onde pretendia evitar uma unica discussão, obteve duas e qual d'ellas mais renhida.

E como não alcanço a razão d'esse artigo, entendo que deve ser eliminado do projecto sem prejuizo dos trabalhos da commissão de inquerito eleita pela Camara dos Deputados, a qual deve, ao contrario, apurar com o maior cuidado a importancia dos varios adeantamentos feitos á Casa Real, para se definir a responsabilidade moral, legal e até criminal, se quiserem, dos Ministros que durante o ultimo reinado se succederam nos Conselhos da Coroa e para então e só então se decidir quem, como e quando ha de reembolsar o Estado.

Questão bem posta é questão meio resolvida.

Pois tratemos de pôr bem a questão, segundo o meu modo de ver.

Na pessoa do Senhor D. Manuel II residem duas qualidades diversas: é Rei de Portugal e é herdeiro de seu pae.

Embora reunidas na mesma pessoa, estas duas qualidades são tão distinctas que até podiam encontrar-se separadas.

Se effectivamente D. Manuel tivesse renunciado á Coroa ou se ámanhã abdicasse continuaria a ser o herdeiro de seu pae, porque qualidade é esta que não pode alienar de si; mas deixaria de ser Rei de Portugal, porque o Throno passaria a ser occupado pelo Infante D. Affonso ou por quem de direito.

São, pois, duas qualidades distinctas e de confundi-las é que resultou o erro do artigo 5.°

Na sua qualidade de Rei de Portugal, o Sr. D. Manuel vae receber a dotação que lhe for estipulada pelas Côrtes Geraes, como necessaria e sufficiente, nos termos preceptivos da Carta Constitucional, para manter o decoro da sua alta dignidade.

Nem menos, nem mais.

Nem menos do que o necessario, nem mais do que o sufficiente para aquelle effeito.

Na sua qualidade de herdeiro de El-Rei D. Carlos, o Senhor D. Manuel tem, nos termos do Codigo Civil, a restricta obrigação de pagar as dividas contrahidas por seu pae, mas só dentro das forças da herança.

Assim - primeira hypothese - se os bens herdados forem sufficientes para cobrir os encargos da herança, o Senhor D. Manuel tem a obrigação indeclinavel de liquidar esses bens, vendendo-os, hiypothecando os ou arrendando os a longo prazo, para se habilitar a pagar de pronto as dividas de seu pae e designadamente a divida ao Thesouro.

Nesta hypothese, a disposição do artigo 5.° seria absolutamente inadmissivel, porque representaria um favor injustificavel á Coroa, permittindo-lhe o pagamento da sua divida em vinte prestações annuaes, o que representa immediatamente a reducção da divida a 62,311 por cento do seu nominal, supposto o juro de 5 por cento, ou mesmo a 57,349 ou 52,970 por cento do no-