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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Presidente: - Tambem está nos corredores o Sr. Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos, que vem prestar juramento.

Convido os Dignos Pares Srs. Dias Costa e Antonio Costa para introduzirem S. Exa. na sala.

O Sr. Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Jacinto Candido: - Começarei por mais uma vez reclamar do Governo providencias prontas e energicas sobre a crise de fome, que já se apresenta ameaçadora na Beira Baixa, pelo menos na região de Penamacor, de onde tenho tido noticias alarmantes. Sei que o Sr. Ministro das Obras Publicas mandou lá um funccionario do Mercado Central, mas não mandou centeio.

O preço continua alto; as classes pobres são as que soffrem com isso. É preciso abastecer os mercados de pão e dar trabalho aos pobres, para o poderem comprar. Aviso emquanto é tempo.

Espero que o Governo se apresse a mandar centeio, para baratear o pão do pobre. É o pobre quem está soffrendo mais.

Graves podem ser as consequencia! da inacção ou do retardamento da acção do Governo em tão momentoso assunto. Todas as responsabilidades do que sobrevier cairão inteiras sobre o Governo, se não attender a tempo e horas ao que é urgente e importante necessidade publica, seu imperioso dever administrativo, e até alto dever da humanidade.

Bastas vezes já tenho falado no assunto.

Sr. Presidente: na ordem do dia da sessão de hoje entra em discussão o projecto da lista civil. Sei que diversos oradores vão inscrever-se, segundo uma determinada combinação em que não entro, e não quero escalar a palavra, nem quero mesmo proferir um discurso politico.

Apenas desejo fazer declarações do meu modo de ver sobre o projecto, com toda a serenidade, tanto maior quanto é sincera e profunda a convicção que me determina.

Tenho de ausentar-me para tratamento da minha saude: uma estação de cura numas thermas, que deve durar cerca da vinte dias. É licito ;suppor que, no meu regresso, já o projecto da lista civil tenha sido votado. Não quero, porem, deixar de dizer o que sobre elle penso, para que ninguem possa julgar que pretendo evitar pronunciar-me em assunto tão importante e já tão apaixonadamente discutido na outra Camara e no publico.

Repugna-me a possibilidade de tal supposição por parte de quem me não conheça, e faltaria á minha consciencia não dizendo, com todo o desassombro, como sempre tenho feito aqui nesta tribuna, ao Rei e ao País, o que penso e sinto, a proposito das questões de governo, que veem ao debate parlamentar.

Não sigo o exemplo de ninguem.

Determino-me por mim proprio.

Sou coherente e logico. Estimo até ter de falar antes da ordem do dia, fora do debate politico.

Não sou discipulo de quem quer que seja, embora tambem não pretenda ser mestre.

minha escola politica, que é a do meu partido, não recorre ás intrigas de palacio, fala aqui, de cabeça erguida, sem faltar ao respeito, mas sem faltar á verdade.

Não aggrido a Coroa; mas não a lisonjeio. Falo a verdade sempre, por dura que seja.

Tenho procedido sempre assim.

Não leio a este respeito trechos dos meus discursos anteriores, desde 1902, para não fatigar a Camara.

Mas tenho os aqui, e elles comprovam plenamente a minha asserção.

Não pertenço ao bloco que apoia o Governo; não pertenço ao outro que o combate.

O meu partido, fiel aos seus principios, nem é governamental de carreira, nem opposição systematica.

Devia ser opposição, e opposição rija e intransigente, se se guiasse por motivos de ordem personalista ou partidaria.

Tinha sobeja razão para bravos resentimentos, de todo o ponto legitimos. Mas a nossa acção politica é superior a um tão miseravel criterio.

A minha orientação, approvando ou rejeitando as medidas do Governo, é tão somente a dos altos interesses da Nação.

Tambem não é nova esta norma de proceder.

Tem sido sempre assim.

Em face do projecto da lista civil, nem considero os elementos que o apoiam, nem attendo aos que o combatem.

Só considero os altos interesses do Pais, só ouço a voz austera da minha consciencia, e só obedeço a um alto dever civico.

Os nacionalistas não estão ligados a ninguem politicamente, e não deixarão de apoiar o que for justo e razoavel, para agradar ás opposições, nem deixarão de combater os erros, para satisfazer os governamentaes.

Não fazem o jogo nem de uns nem de outros, porque só pelos interesses da Nação se guiam, e por elles norteiam a sua acção politica.

Fique isto bem claro e bem assente.

É com esta orientação, a mesma hoje como sempre tem sido desde a fundação do nacionalismo, que vou fazer as minhas declarações sobre o projecto da lista civil, pouco me importando de que ellas agradem á direita ou á esquerda, porque não tenho em vista senão cumprir o meu dever civico e patriotico, para com a Nação, e para com o Rei.

Sr. Presidente: este projecto é mil vezes defeituoso, e põe de parte os principios superiores de direito constitucional e de direito commum, para enveredar pelas linhas sinuosas das habilidades.

Foi deploravel a confusão feita do projecto da lista civil, que é uma cousa simples, concreta, e relativa ao futuro, com a questão, já tristemente celebre, dos adeantamentos á Casa Real, questão vastissima, complexa e referente ao passado.

Por que se procedeu assim? Para que se ligou uma questão á outra?

Altos segredos dos deuses do Olympo; estranhas habilidades contrarias aos mais rudimentares principios do bom senso, da sã razão e do direito. D'aqui todo o mal; e ainda não é todo.

Essa confusão foi seguramente um grande mal, pelo tremendo escandalo que já produziu e produzirá ainda, mantendo-se um tal proposito de embrulhar e enredar as duas questões.

Mas o peor mal, o mal que encerrra os maiores perigos, Sr. Presidente, é que este projecto é um monstruoso attentado constitucional.

A Camara não o pode votar sem pôr-se em plena revolução, investindo abertamente contra a lei fundamental da Nação. É uma aberta ditadura do poder legislativo, a peor das ditaduras.

Este projecto, Sr. Presidente, é subversivo, contrario ao bom senso, á razão, á lógica, aos principies fundamentaes do direito e ás claras disposições da lei constitucional.

Ouça bem a Camara, ouça bem o País, ouça bem o Rei.

Vou fazer a demonstração, com os textos expressos, terminantes e categoricos, da Carta Constitucional.

A minha argumentação será sincera e franca, aberta e leal.

Não é um sofisma.

Emprazo a quem quer que seja que m'a refute.

Ninguem poderá fazê-lo em boa consciencia.

Não persistam em erro tão grave, tão fundamental, tão cheio de perigos. Fica, votando-se tal projecto, um precedente terrivel: a anarchia do poder.

Mando para a mesa uma proposta para este projecto ser substituido por outro, nos termos devidos, de conformidade com a lei, restricto á fixação da lista civil, pura e simplesmente, para