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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 10 DE MARÇO DE 1858.
PRESIDENCIA DO EXMO. SR. VISCONDE DE LABORIM,
VICE-PRESIDENTE.
Secretarios os Srs. Conde de Mello. Secretarios
Visconde de Balsemão.
(Presentes ao abrir a sessão, os Srs. Ministros, da Marinha, Fazenda, e Obras Publicas.)
As duas horas e meia, achando-se na sala 27 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente que se julgou approvada.
Deu-se conta da correspondencia, que teve o competente destino:
O Sr. Duque da Terceira participa á Camara, que o Digno Par o Sr. Visconde de Campanhã não comparece" por incommodo de saude.
O Sr. Secretario Conde de Mello declara que na ultima sessão, o Digno Par relator da commissão de guerra, mandou para a Mesa dois pareceres n.ºs 115 e 116, que não foram lidos, resolvendo a Camara que fossem a imprimir; porem, tendo-os lido antes de os mandar para a imprensa, veio no conhecimento de que não devem ser impressos, porque dizem respeito a particulares, e concluem por serem os respectivos negocios remettidos ao Governo para os tomar na consideração que merecerem. Por tanto, remettem-se o 1.° ao Governo; e o 2.° fica sobre a mesa.
O Sr. Visconde d’Athoguia sente que não esteja presente o Sr. Ministro da Guerra por se achar incommodado, mas como alli estão presentes alguns de seus collegas, e o que passa a dizer é no interesse do paiz, usará da palavra.
Todas as repartições do Estado, como já disse em outra occasião, precisam de refórma, e essa refórma póde e deve fazer-se de modo que seja melhorado o serviço, que se façam economias, e se não offendam direitos adquiridos. O Ministerio da Guerra está neste caso, e o Arsenal do Exercito ainda mais do que qualquer outra repartição. Via no Diario, do Governo que se acham a concurso uns poucos de logares para preencher o quadro desta repartição, e por isso não quer censurar o Sr. Ministro, mas se S. Ex.ª tem, como suppõe, o desejo de fazer economias, devia diligenciar não preencher aquelle quadro, porque talvez se podesse dispensar o pequeno serviço daquelles empregados, e assim se faria uma economia.
Pede a SS. Ex.ª que acceitem estas poucas palavras como uma lembrança, porque com ellas não tem em vista causar embaraços ao Governo (apoiados).
O Sr. Ministro da Marinha disse que não estava prevenido sobre o caso de que fallou o Digno Par, e por isso não podia dar uma resposta em nome do seu collega o Sr. Ministro da Guerra; mas dirá S. Ex.ª, que póde ser que os referidos logares a concurso sejam de amanuenses, porque em algumas repartições dependentes daquelle ministerio, havia muitos desses logares vagos, que se não tinham provido expressamente, com o fim de vêr se se podiam dispensar. Em relação aos do arsenal do exercito, o inspector deste estabelecimento pediu que se provessem, porque eram necessarios para o arranjo do archivo e da contabilidade; mas o Digno Par póde estar certo que o Governo tem todo o empenho, não só em não augmentar a despeza, porém até em diminuil-a.
O Sr. Visconde de Athouguia com as poucas palavra que disse, não quiz annunciar uma interpellação, apresentou unicamente a idéa de se não preencherem, sendo possivel, aquelles logares, tornando-se assim mais facil a refórma, e operando-se uma economia.
O Sr. Ministro da Marinha communicará ao seu collega o Sr. Ministro da Guerra as judiciosas observações, que acaba de fazer o Digno Par.
O Sr. Presidente declara que se passa á ordem do dia.
O Sr. Conde da Taipa deseja que S. Ex.ª o Sr. Presidente, lhe de a palavra, quando seja possivel, para fazer um requerimento. Não se assustem os Dignos Pares, porque o requerimento não será para apagar a discussão, pelo contrario, será para a accender ainda mais (riso.) Quer propôr que a sessão se torne permanente até se terminar este incidente, e como é possivel que isto se demore, bom será que o inspector do edificio vá fazendo preparar as luzes.
O Sr. Presidente declara que o requerimento de S. Ex.ª será feito no logar conveniente.
Dá a palavra para uma explicação ao Digno Par o Sr. Aguiar.
O Sr. Aguiar....
O Sr. Conde de Thomar....
O Sr. Ministro da Fazenda—Na ultima sessão pedi a palavra para dar uma explicação, a qual deu origem ao discurso que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar acaba de pronunciar. Nessa occasião, e appello para o testimunho de V. Ex.ª, e para a memoria de todos os Dignos Pares, declarei logo que não sabia se porventura o que ia fazer era conforme com as regras regimentaes desta Camara; expuz o objecto de que havia de constar a explicação, e pedi a V. Ex.ª que, no caso de que essa explicação não estivesse de accôrdo com as praticas desta Casa, que não conheço bem, consultasse V. Ex.ª a Camara, para saber se ella me permittia usar da palavra para aquelle fim. A Camara resolveu por uma votação unanime, que eu podesse fallar naquelle logar, como requeria: não esperava eu portanto que o Digno Par dissesse agora que eu tinha commettido um abuso, de que a Camara me desculpou.
Este esquecimento da parte de S. Ex.ª, que estava na Camara naquella occasião, prova «falta de placidez com que tem entrado neste debate,; aliás não commetteria S. Ex.ª esta inexactidão.
S. Ex.ª não parou ainda aqui, disse que eu trouxera esta questão por estratagema, para lançar o odioso sobre algum membro desta casa; não sei até que ponto o Regimento desta Camara permitte esta fórma de argumentação, a que recorreu o Digno Par. O facto é, appello de novo para a Camara, que lendo-se sustentado nesta Casa uma doutrina que eu reputava perigosa, e que feria as attribuições do Poder executivo, com a qual me não conformo, eu entendi que devia repellir por parte do Governo essa doutrina, tanto mais que era possivel, que ámanhã, hoje mesmo, o Governo praticasse actos que não estivessem de accôrdo com ella; porque o Governo entende, que não tem obrigação de se conformar com as consultas de qualquer das secções do Conselho de Estado. Já se vê pois, que não foi por estratagema para lançar o odioso sobre os membros da Camara que eu tractei desta questão. Apresentando á Camara a minha opinião a este respeito, pratiquei pelo contrario um acto de lealdade, a que o Digno Par não deu valor. Mas eu espero, que o dará a Camara.
Não sei a que S. Ex.ª se refere, fallando de pressão exercida por uma potencia estrangeira, em questões de saude. Se o Digno Par tem informações a este respeito, ou tem documentos que provem que o Governo tem sacrificado a dignidade e os interesses deste paiz a exigencias de Ministros estrangeiros, formule S. Ex.ª uma interpellação, e póde ter a certeza de que o Governo responderá. Isto é que é digno de S. Ex.ª e não fazer insinuações vagas, a que, empregando a lingoagem de S. Ex.ª, eu poderia chamar estratagema, que S. Ex.ª emprega para lançar o odioso sobre o Governo, sem estar comtudo habilitado para o demonstrar. O mesmo digo a respeito do modo porque, segundo disse o Digno Par, o Governo pertende fazer funccionar as duas secções do Conselho de Estado.
Agora vou entrar na questão, e tractarei della com toda a placidez, e peço licença aos Dignos Pares para lhes dizer que nenhum assumpto foi aqui tractado que merecesse mais a sua attenção do que este de que vou occupar-me, e que comprehende a mais elevada questão de direito administrativo, questão que tem sido, e continua a ser, tractada pelos homens mais eminentes de uma das mais Ilustradas nações do mundo, a nação franceza.
Quando expuz á Camara a historia da organisação moderna do Conselho de Estado entre nós não ocultei circumstancia alguma para não induzir a Camara em erro (susurro); eu espero responder cabalmente ao Digno Par, deixando incolume o principio que o Digno Par procurou combater, sendo S. Ex.ª mesmo o Ministro a quem se deve o seu estabelecimento: peço pois á Camara, que me honre com a sua attenção; porque eu, incommodado como estou, não posso fallar mais alto.
O Digno Par disse, que eu tinha vindo contar á Camara o facto em que tinha estribado o meu argumento, referindo-o com a maior inexactidão possivel. Ora eu, para o caso que a minha memoria me não auxiliasse, tinha feito um extracto ou resumo da historia do projecto, que S. Ex.ª apresentára á Camara electiva em 1843 para a organisação do Conselho de Estado; mas não tive necessidade de recorrer a esse trabalho. Eu disse, que em 1843 o Sr. Conde de Thomar tinha apresentado na outra Camara um projecto para a organisação do Conselho de Estado, e que nesse projecto o Digno Par dividia o Conselho de Estado em duas secções, secção administrativa, e secção do contencioso administrativo. Não direi, que em relação á secção administrativa havia nesse projecto uma estranha confusão de idéas, porque não quero offender o Digno Par: mas o facto é, que é essa a impressão que deixa este notavel documento a quem o lêr com attenção.
Eu disse, que o Digno Par tinha estabelecido neste projecto, que as consultas da secção administrativa não tinham vigor em quanto não fossem resolvidas pelo Governo. Isto por força havia de ser assim, pois que esta secção só dá o seu parecer sobre estas questões, como acontece com o Conselho Ultramarino, com o conselho de obras publicas, com o Procurador geral da Corôa, e o Procurador geral da Fazenda. E evidente que e necessario que o Governo resolva estas consultas para ellas terem vigor. Mas em relação á secção do contencioso administrativo do Conselho de Estado disse eu, que S. Ex.ª estabelecêra outra doutrina, convertendo esta secção em Tribunal supremo do Administração, que resolvia definitivamente, e por accordãos seus, as questões do contencioso administrativo. Não ocultei pois nenhuma circumstancia do occorrido, S. Ex.ª é que occultou, e occultou o mais essencial, que é o facto de ter S. Ex.ª retirado completamente em 1845 o seu projecto (sussurro).
Sr. Presidente, eu já pedi á Camara, que me honrasse com a sua attenção, e se a não posso obter não continuo porque não posso....
O Sr. Presidente—Eu peço á Camara, e mesmo fóra da Camara, que prestem attenção (apoiados).
O Sr. Ministro da Fazenda—Eu estou realmente incommodado, não é affectação; torna-se-me impossivel fazer hoje qualquer esforço para fallar mais alto. Se me embaraçam de fallar é um veto que se oppõe a que eu me defenda; se se quer isso, o meio que se emprega é o mais efficaz de todos.
E verdade que o Digno Par apresentou o projecto, a que se refere agora, na outra Camara em 1843, que esse projecto teve um parecer favoravel nesse mesmo anno; parecer, que S. Ex.ª leu agora á Camara; mas é tambem verdade, que em 1845 o relator da commissão de administração publica foi á Camara retirar esse parecer, apresentando novas bases, e declarando que assim o fazia de accôrdo com o Governo, de que S. Ex.ª fazia parte como Ministro do Reino. Isto não se devia ter occultado, e eu não sei como o Digno Par teve coragem para me perguntar como era possivel que a commissão tivesse feito tal retirada! Pois aqui está o discurso do Ilustre relator da commissão, que eu já li á Camara, e que é forçoso tornar a lêr, porque vejo, que o Digno Par não deu attenção alguma a essa, leitura, e acredita tambem, que a Camara a não deu, aliás não teria dito, que eu informei inexactamente a Camara do que occorreu a este respeito.
Na sessão de 26 de Fevereiro de 1845 entrando-se na discussão do projecto apresentado pelo Digno Par em 1843 para a organisação do Conselho de Estado, e estando S. Ex.ª presente como Ministro do Reino, disse o relator da commissão o Sr. Silva Cabral o seguinte:
«O Sr. Silva Cabral (sobre a ordem)— Sr. Presidente, é esse um dos objectos mais graves que podem apparecer no Parlamento; e um daquelles objectos que tem occupado a séria meditação, não só de differentes Ministerios, mas de differentes commissões. A organisação do Supremo Conselho Administrativo, ou do Conselho de Estado, tem sido apresentada por differentes maneiras no nosso paiz, e e sabido que, apesar do adiantamento em que está o direito administrativo em França, este objecto tem alli occupado as attenções do Governo nas differentes convulsões politicas por que tem passado; e ainda hoje, depois de tantos annos, de tantas discussões, talvez se não julgue perfeita a organisação do Conselho de Estado em França.
«A commissão de administração publica, querendo corresponder á confiança que a Camara nella depositou a respeito de um objecto tão grave e transcendente, teve diversas conferencias, para assistir ás quaes convidou o Governo; e teve o gosto de vêr que este não só se não recusou a este convite, mas com as suas luzes cooperou para o trabalho que ella vai sujeitar ao juizo da Camara.
«Sr. Presidente, a commissão viu que o plano que vinha junto a esse projecto n.º 58 era um pouco vasto, e que continha disposições regulamentares, que muito bem se podiam dispensar, por isso mesmo que estavam nas attribuições do Governo; reconheceu tambem que o melhor modo de apresentar este negocio era offerecer certas bases, sobre as quaes, por constituirem os pontos principaes que podem admittir differença de opiniões, se podesse suscitar a discussão.
«É esta a razão por que a commissão, sem alterar na maxima parte estas differentes bases, as separou do plano que vem junto ao projecto do Governo, para que podessem servir de thema á discussão, em ordem a esclarecer uma questão tão transcendente.
«Mas ao mesmo tempo que faço estas observações á Camara, não posso deixar de notar uma mudança essencial que a commissão, de accôrdo com o Governo, julgou dever fazer no plano que vem junto a esse projecto n.º 58. Segundo esse plano, havia na terceira secção constituida uma secção contenciosa, que era verdadeiramente um tribunal administrativo para julgar e fazer executar, pela sua propria auctoridade, as suas decisões; a commissão entendeu que isto era um erro em administração, ponto este que tem sido levado á maior evidencia em França na sessão de 4854, e na de 1845. Esta consideração não podia deixar de fazer alterar o systema da commissão; e é a razão porque a mesma commissão, de accôrdo com o Governo, entendeu que não devia haver differença com relação ao meio de execução das votações de uma e de outra secção, que não devia haver differença entre a secção administrativa e a contenciosa, e que nenhuma devia ter o direito de executar por sua propria auctoridade as suas decisões, por isso mesmo que isto não podia deixar de embaraçar o Governo na sua acção, e tornal-o um verdadeiro authomato.
«Com esta unica alteração, que e na verdade essencial, mas de accôrdo com todos os principios, passo a lêr a substituição que a commissão offerece.»
Os cavalheiros, que compunham esta commissão, eram os Srs. José Bernardo da Silva Cabral, José Maria Ribeiro Vieira, João Elias da Costa Faria e Silva, Augusto Xavier da Silva, Francisco Manoel da Costa, e Felix Pereira de Magalhães;
Estes cavalheiros em 1845, como a Camara acaba de vêr, exprimiram-se inteiramente contra o projecto originario do Digno Par, pelo orgão do relator da commissão o Sr. Conselheiro de Estado Silva Cabral e não sei a que proposito veio dizer que estimara que já se fizesse justiça áquelle homem distincto; o que nada tem por certo com a questão de doutrina, que estamos tractando. Se S. Ex.ª quiz porém dar a intender, que houve tempo, em que eu não reconheci o merito do Sr. Silva Cabral, e a sua competencia incontestavel como Jurisconsulto, enganou-se completamente, e não poderá citar um unico facto, que o abone nesta parte).
O parecer que foi lido pelo illustre relator da commissão em seguimento ao seu discurso tinha o seguinte preambulo (leu).
«Parecer. — A commissão de administração publica reconhecendo a necessidade de dar ao Conselho de Estado, creado pela Carta Constitucional da monarchia, uma organisação que o converta no mais poderoso auxiliar que deve ser do Governo, que o constitua o centro da Administração do Estado, como convem que seja e que o torne uma garantia verdadeira para os interessados nas decisões em materias contenciosas administrativas, como pede a justiça; tendo considerado que o plano apresentado pelo Governo para este importante fim, não satisfaz inteiramente a todas estas condições, e encerra muitas disposições puramente regulamentares, cuja discussão exigiria grande espaço de tempo; e havendo, finalmente meditado este importantissimo assum-