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Estas phrases = em que houver doze individuos professos = provam que o legislador sómente cogitou das communidades em que a profissão religiosa tinha logar.

Continua o decreto no artigo 2.° e diz:

«Nos conventos, mosteiros, casas regulares, e hospícios em que houver menos de doze individuos professos, o prelado actual assim o participará pela repartição respectiva ao governo, para que os religiosos d'essas casas sejam unidos aos de outras, que houverem de ficar existindo: as primeiras serão declaradas extinctas, e os seus bens incorporados nos bens nacionaes».

Como, com que logica se poderão applicar estas disposições ás irmãs da caridade?

Em primeiro logar respondam-me em boa fé e livres de espirito faccioso dos partidos. As irmãs da caridade formam ou formaram jamais algumas d'essas ordens militares, ou communidades, que tinham prelados maiores, que constantemente se manifestavam contra as instituições liberaes da monarchia?

Desafio os inimigos do instituto de S. Vicente de Paulo a que apontem um unico facto que auctorise a applicação de um tal fundamento.

Em segundo logar, se o decreto tratou sómente de conventos e ordens religiosas, em que tinha logar a profissão religiosa, como fazer applicação a um instituto, cuja regra começa por declarar, que as irmãs da caridade não são religiosas?

Vejamos o que diz a mesma regra no capitulo 1.° — Do fim e das virtudes fundamentaes do instituto—.

Diz: — «2.° Mas reflexionarão, que, ainda que não sejam religiosas, pois este estado seria incompativel com os empregos de sua vocação, sem embargo, estão muito mais expostas por fóra que aquellas; pois pelo ordinario não tem outro mosteiro, que as casas dos enfermos, outra cella que um aposento allugado, outra capella, que a igreja parochial, outro claustro, que as ruas da cidade, ou as enfermarias dos hospitaes, outra clausura, que a obediencia, outra grade que o temor de Deus, nem outro véu que a santa modestia ».

Se portanto nem o instituto de S. Vicente de Paulo se póde julgar comprehendido no citado decreto de 9 de agosto, nem lhe foi jamais applicado, como se deprehende dos documentos publicados; nem lhe podia por fórma alguma ser applicado, porque este, sómente cogitou de ordens religiosas, em que tinha logar, a profissão, o que se não verifica no instituto das irmãs da caridade, como acabo de provar pelas mesmas regras e prescripções do seu intituidor, como e com que poder foi decretado com falsos fundamentos o confisco dos seus bens, depois de declarada extincta a casa central de Santa Martha?

Mas dado e não concedido, que tal decreto comprehendesse o instituto de S. Vicente de Paulo, não teriam as irmãs da caridade direito a dizer, fundadas no mesmo decreto, que sómente são obrigadas á obediencia canonica ao prelado diocesano, e que em tudo o mais se devem governar pela regra do seu instituto?

Vejamos a disposição do artigo 3.° do citado decreto.

Diz assim:

«Os ordinarios das dioceses dentro das quaes estiverem os sobreditos conventos, mosteiros, ou casas religiosas, aceitarão á sua obediencia as communidades organisadas segundo o disposto no artigo 1.°, e as governarão espiritualmente como aos demais ecclesiasticos da diocese, fazendo lhes observar os institutos e regras da sua profissão».

«Fazendo-lhes observar os institutos e regras da sua profissão » diz o decreto: como combina o sr. presidente do conselho esta disposição com a exigencia da obediencia exclusiva, cuja falta serve de fundamento á sua iniqua portaria?

Ou existe manifesta contradicção nas disposições do decreto de 9 de agosto, não havendo outro meio de as explicar e salvar senão a interpretação authentica pelos poderes respectivos, ou então é necessario não exigir mais do que se contém na regra do instituto, porque é segundo esta que o mesmo decreto manda governar as communidades (apoiados).

Antes de mostrar o que é a regra do instituto de S. Vicente de Paulo, quanto ao seu regimen interno, permitta a camara que eu illucide este ponto da obediencia das irmãs da caridade aos prelados diocesanos, porque a portaria diz que, tendo as irmãs da caridade formalmente desobedecido a s. em.ª o sr. cardeal patriarcha, com menoscabo dos canones da igreja catholica, e em contravenção das leis do reino, é por tal motivo que manda confiscar os bens das mesmas irmãs da caridade, dando a congregação por extincta, e incorporando os ditos bens nos proprios nacionaes.

Em primeiro logar devo declarar que é inteiramente falso que as irmãs da caridade neguem obediencia aos prelados diocesanos, e como poderia ser assim se a regra no capitulo 4.°, que se inscreve da obediencia, logo no n.º 1.º diz:

«Prestarão honra e obediencia, segundo seu instituto, a nossos senhores, os bispos, em cujas dioceses se acham fundadas ».

Mas poderão dizer que a regra não é executada, e que os factos provam o contrario. É n'este ponto que eu appello para as declarações officiaes dirigidas por s. em.ª o sr. cardeal patriarcha ao governo de Sua Magestade.

Chamo a attenção da camara sobre o que passo a expor, e será reconhecido que os documentos publicados são contraproducentes, e que, em vista d'elles, a resolução do governo devia ser bem differente da que o espirito faccioso lhe dictou. Tambem servirá tudo o que vou expor á camara para a convencer de que não é só burla o que se tem passado em politica n'estes ultimos dias, como disse em outra parte o sr. presidente do conselho, é tambem burla tudo o que se está passando a respeito das irmãs da caridade.

Diz s. em.ª o sr. cardeal patriarcha, que as irmãs da caridade francezas vieram precedendo licença do governo para cuidarem dos doentes visitados pela associação de Nossa Senhora Consoladora dos Afflictos, e para tomarem conta dos orphãos da cholera morbus.

Diz mais s. em.ª, que não recebem subsidio algum do governo, e que a fonte da sua subsistencia consiste na caridade christã.

Já se vê que estas irmãs da caridade não podem deixar de ser altamente suspeitas de reaccionárias contra a liberdade, e que são para temer os meios á sua disposição. Quem não temerá que conspirem contra a liberdade os doente» protegidos pela associação de Nossa Senhora Consoladora dos Afflictos, e mais ainda os orphãos da cholera morbus? Quem não temerá que a caridade christã forneça a estas inoffensivas creaturas tantos meios que as habilitem a destruir a nossa liberdade? Fraca liberdade seria a nossa se tivesse receio de acabar com o emprego de meios fornecidos aos doentes e aos orphãos pela caridade christã (apoiados).

Diz, alem d'isto, s. em.ª, que as irmãs da caridade estão sujeitas aos prelados diocesanos, em tudo o que depende da sua jurisdicção ordinaria, e ao seu geral em França no que toca ás obrigações internas do seu instituto. Que o mesmo se deve dizer dos padres lazaristas.

Em vista d'esta declaração, eu empraso o sr. presidente do conselho par t, declarar quaes são os canones e boas doutrinas da igreja, que exigem das irmãs da caridade outra obediencia alem da que ellas prestam, segundo diz s. em.ª, ao prelado diocesano, em tudo o que depende da sua jurisdicção ordinaria. Note s. ex.ª, que exigindo na sua portaria a obediencia canonica, é esta a que ellas prestam, como em outra consulta assevera s. em.ª o sr. cardeal patriarcha. Tambem empraso s. ex.ª para me dizer qual é a lei vigente que exige a obediencia exclusiva das irmãs da caridade, contra a expressa letra da regra do instituto, que o proprio decreto de 9 de agosto manda observar.

Diz mais s. em.ª, que antes da vinda das irmãs francezas para Portugal, as irmãs portuguezas de Lisboa e de Viana do Alemtejo haviam-se reunido á casa mãe do París, sujeitando-se á obediencia do superior geral em França, e que para isso obtiveram licença do seu illustre antecessor. Que a regra que seguem as irmãs da caridade francezas é a mesma que escreveu o seu fundador S. Vicente de Paulo. Que não constituem communidade ou ordem regular, que não vivem em clausura, nem fazem votos perpetuos.

Foi o em.mo cardeal patriarcha Guilherme, o mais profundo e sabio canonista dos tempos modernos, que concedeu licença ás irmãs da caridade para voltarem á obediencia do seu superior, no que toca ás obrigações internas do seu instituto, isto é para se restabelecerem as cousas como estiveram até ao anno de 1838, com o consentimento dos ministerios os mais liberaes. A historia d'este acontecimento é narrada com toda a verdade em um dos documentos publicados. Aquelle eximio prelado, vendo que a sua jurisdicção diocesana era reconhecida e acatada, conforme os canones e o concilio de Trento, não teve duvida em conformar-se com o pedido que lhe fóra dirigido na conformidade do capitulo 4.° da regra do instituto de S. Vicente de Paulo, que, diz assim:

«Prestarão honra e obediencia, segundo seu instituto, a nossos senhores, os bispos, em cujas dioceses se acham fundadas, e obedecerão tambem ao superior geral da congregação da missão, porquanto o é tambem da sua, etc».

N'esta parte o actual prelado foi de accordo com o seu antecessor, porque confirmou todas as licenças por elle concedidas, e fez bem; o contrario seria obrar contra os canones, e contra o decreto de 9 de agosto de 1833, que mesmo a respeito das ordens regulares professas manda executar as regras da profissão. O que eu muito sinto é que s. em.ª quando recebeu o aviso do governo para exigir uma exclusiva obediencia das irmãs da caridade não sustentasse os seus anteriores procedimentos, e as boas doutrinas em que se fundara.

De accordo com o que assevera s. em.ª nas suas consultas dirigidas ao governo de Sua Magestade está a declaração assignada pelas irmãs da caridade, na qual dizem que, não obstante a obediencia ao seu superior no que toca ás obrigações internas, se não consideram desligadas da obediencia que devem a s. em.ª, como seu prelado.

De accordo com tudo isto está um documento, que o sr. cardeal patriarcha classifica de notavel, e que por isso mesmo mandou registar nos livros do patriarchado. Fallo da declaração escripta e entregue pelo superior geral da congregação da missão, a qual vem tambem publicada na folha official, e que aprouve ao sr. presidente do conselho tomar por base da sua extraordinaria portaria.

Diz assim: «Os missionarios francezes que vierem estabelecer-se em Lisboa terão por funcção especial sob o beneplacito, e com os poderes de s. em.ª o cardeal patriarcha, a direcção espiritual das filhas de caridade estabelecidas, ou que vierem a estabelecer-se no reino. Ficarão inteiramente na sua dependencia ¦ em tudo que respeita á jurisdicção e funcções ecclesiasticas. Ficarão tambem á disposição de s. em.ª para prestarem todos os serviços que entender a proposito ordenar-lhes dentro de suas funcções, e segundo a sua vocação. Elles ficarão sob a auctoridade do seu superior geral em tudo o que respeita ao regimen interno, e observação da sua regra.

«As filhas de caridade ficam estabelecidas na mesma posição para com s. em.ª e o seu superior geral. Seria para desejar que houvesse em Lisboa uma casa central de filhas de caridade, onde se collocasse uma administração superior da communidade, encarregada de tratar directamente com as auctoridades ecclesiasticas e civis do reino, sem que estas sejam obrigadas a corresponderem-se com París. Seria este o meio efficaz de preparar e experimentar as vocações, a fim de tornar nacional a instituição, ficando comtudo unida á casa mãe de París.

«Para realisar este pensamento bastava destinar a este objecto um vasto edificio, que tivesse as necessarias commodidades, é uma igreja. Os missionarios e as irmãs poderiam estabelecer-se ahi, e funccionar na igreja, que seria commum ás duas communidades. Não é preciso que se lhes dê a propriedade d'esse edificio, basta que tenham o usofructo, ficando a propriedade sempre á auctoridade ecclesiastica.

«E não se continha mais no original que existe n'esta secretaria, ao qual me reporto.

«S. Vicente, 7 de setembro de 1860. = José Ignacio Roquete, secretario de s. em.ª.

«Está conforme. = Direcção geral de administração civil, 7 de março de 1861. = Antonio de Roboredo».

Desejo que o sr. presidente do conselho me diga franca e lealmente, senão entende que a sua boa fé foi surprehendida quando lhe foi apresentada para assignar a portaria de 5 do corrente? Diga me s. ex.ª, se em vista de tudo o que acabo de expor não serei auctorisado a repetir, que é burla tudo o que se tem feito a respeito d'esta tão lastimosa controversia? Não poderá dizer-se que o ministro que assim fundamentou uma tal portaria faltou á verdade e enganou o Rei, publicando em nome do augusto chefe do estado uma tão iniqua medida? (Apoiados.)

Como! O poder ecclesiastico, conhecedor e observador dos canones, admitte e reconhece como canonica a obediencia das irmãs da caridade á sua jurisdicção episcopal, e como legal e conforme á regra do instituto a obediencia ao seu superior geral; e o sr. presidente do conselho nega estes factos, e por virtude da pressão do que é instrumento accusa as irmãs da caridade de haverem formalmente desobedecido ás ordens do chefe do estado! Desobedecer ás ordens de El-Rei! Se assim é, que um processo se instaure contra as irmãs da caridade; mas se pelo contrario ellas prestam a obediencia, • como exigem os canones, a sua regra e a lei, então que juizo se poderá formar de quem assim enganou o Rei?

Eu entendo sempre que em materias canonicas a opinião dos nossos bispos, sempre zelosos em sustentar as suas prerogativas e direitos, era a mais attendivel; agora observo que, na opinião do sr. presidente do conselho, ha pessoas mais competentes para resolver estes emaranhados assumptos. A essas pessoas competentes se refere a portaria, phrase substituida, que antigamente se dava nos documentos officiaes d'esta ordem: antigamente dizia-se = pessoas doutas e tementes a Deus = hoje estas phrases são substituidas por as de = pessoas competentes =.

Se taes pareceres existem, o que duvido, porque não foram mandados á camara? Não decidiu esta que fossem pedidos todos os que haviam servido de base ao iniquio acto do governo? Não se envergonhem de apparecer os seus auctores, mostrem-se que queremos conhece-los, e confrontar as suas doutrinas com as que sustenta s. em.ª, e o seu digno antecessor.

Empraso igualmente o sr. presidente do conselho para que nos apresente os pareceres d'essas pessoas competentes, queremos examinar quaes são esses eximios canonistas que acharam nos canones a obrigação de prestarem as irmãs da caridade exclusiva obediencia ao prelado diocesano dispensando as de obediencia ao seu superior nas obrigações internas do instituto. Venham esses pareceres, porque desejâmos examinar se foi o conhecimento dos canones, que aconselhou uma tal medida, ou se foi o espirito faccioso que a impoz (apoiados).

Ponhamos de parte e circumstancia de que um governo serio e prudente, um governo amante da justiça e dos principios, quando mesmo o decreto de 9 do agosto auctorisasse um procedimento violento, não devia executa-lo com animosidade nas actuaes circumstancias, porque arma de guerra como disse a nossa commissão de fazenda, para combater a guerra, pedia a prudencia e a boa moral, exigiam os principios de liberdade, que tal medida não fosse executada no estado normal em que nos achamos. Pedia sobretudo a prudencia que em vista dos procedimentos da auctoridade ecclesiastica, estando de accordo com o procedimento das irmãs da caridade: em vista dos actos do governo por cuja licença haviam entrado n'este reino as irmãs da caridade francezas, que o negocio não fosse resolvido por uma portaria na vespera do meeting cujo fim era essa portaria, mas que se pedisse a interpretação authentica aos poderes constitucionaes (apoiados).

Passo agora a mostrar em que consistem as obrigações internas do instituto de S. Vicente de Paulo. Entremos franca e lealmente na questão. Não fique nada occulto, e não venham illudir o povo com phantasmas que não existem. Acaso se encontra uma unica disposição regulando as obrigações internas das irmãs da caridade que não seja justa e santa?

Depois das maximas que o instituidor prescreve para as irmãs da caridade adquirirem todas as virtudes christãs, no n.º 7 do capitulo 1.° diz assim:

«Padecerão de boa vontade, e por amor de Deus as incommodidades, as contradicções, as calumnias e outras mortificações, com que serão affligidas ainda por haver feito bem».

Máxima santa tanto de accordo com as palavras do cruxificado.

Tem no capitulo 2.° designadas as regras e prescripções sobre a pobreza que professam. Lede o capitulo 8.° em que se contêem as prescripções sobre os exercicios espirituaes. Examinae o capitulo 9.° em que se descrevem as horas do dia e as obrigações que têem a cumprir em cada uma d'es-