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sas horas, e achareis o que se chama o regimen interno do instituto, reconhecereis que na observancia d'essas regras em nada se offende nem as regalias e direitos do poder secular, nem as do poder espiritual. N'este ponto de obediencia á auctoridade ecclesiastica local foi S. Vicente de Paulo tão cauteloso e tão escrupuloso que nas regras que prescreveu para as mestras das escólas determinou o seguinte:

«27. Terá assim mesmo entendido que não se hão de receber na escola toda a qualidade de meninas, senão unicamente as pobres, mas se a Providencia e a obediencia as chamar a alguma parochia onde não houver mestras para a instrucção das ricas, e seus parentes as rogarem com grandes instancias que as admittam em o numero das suas discipulas, n'este caso poderão faze-lo com o parecer do reverendo cura, mas com a condição que as pobres sejam sempre preferidas ás ricas e que estas as não despresem ».

A quantas considerações graves não daria logar esta regra imposta por S. Vicente de Paulo ás irmãs da caridade? Teve o santo instituidor principalmente por fim acudir ás necessidades das classes indigentes e pobres, e são estas as que entre nós estão servindo de instrumento contra as irmãs da caridade! (Vozes: — Muito bem.)

Não posso acabar o meu discurso sem dar conhecimento á camara da estatistica que mostra o estado em que se acham as casas regidas pelas irmãs da caridade em Lisboa e seu termo.

Segundo esta estatistica são quatro as casas de educação regidas pelas irmãs da caridade,; 452 orphãos das victimas da cholera morbus e da febre amarella, recebem da caridade christã vestido, alimento e educação.

São nove as irmãs da caridade que se occupam na educação e ensino d'essas 452 creancinhas, sendo cinco francezas e quatro portuguezas!

Acabae com este estado de cousas, esfriae e destrui esse enthusiasmo religioso das sempre virtuosas duqueza de Bragança e infanta Isabel Maria, de grande numero de fidalgas e outras muitas senhoras em differentes posições sociaes, e tereis de carregar com a educação e sustento de tantos centenares de creancinhas que vivem na orphandade de seus paes, e tudo isto se ha de realisar porque uma parte do povo que obra contra os seus proprios interesses assim o exige, excitado por pessoas cujos fins vão mais longe (apoiados).

Nem os factos nem a experiencia servem de lição a certos homens! Quem ignora ahi qual foi o resultado da reunião que teve logar no theatro de D. Maria II com o fim de hostilisar as irmãs da caridade, e substituir o seu ensino pela creação de escólas denominadas de instrucção popular! Qual foi o resultado? Quando se tratou de dar dinheiro todo o espirito patriotico desappareceu. Não se póde obter a somma de 120 réis (sensação, apoiados, é verdade).

Uma outra tentativa foi feita por dois homens de alta importancia, ambos sabios, e um dotado da maior actividade. Fallo do sr. Castilho e do sr. general Palmeirim. Estes dois cavalheiros chegaram a estabelecer tres escólas; duas já não existem, e uma ainda se conserva, porque recebe a protecção da associação das mesmas fidalgas que se acham no numero das que igualmente protegem o instituto de S. Vicente de Paulo (apoiados, é verdade).

Lede um relatorio ha pouco publicado, e que na minha opinião é um dos papeis mais bem escriptos na epocha presente; lede o relatorio do sr. José Maria Eugenio, nosso collega, ácerca do estabelecimento da casa pia, e ahi vereis as difficuldades, não digo bem, a impossibilidade em que se tem visto para achar quatro mestras para aquelle grande e proveitoso estabelecimento pio.

Não venham dizer-nos que é uma offensa á nação confiar o ensino das orphãs ás irmãs da caridade! Não venham accusar-nos de offender assim o bello sexo do nosso paiz. Nós convimos em que existem em Portugal grande numero de senhoras instruidas, e da melhor moral, ás quaes se poderia confiar a direcção e educação de tantas creancinhas, e oxalá que assim se podesse verificar; mas acaso as senhoras que têem essas qualidades querem prestar-se ao arduo trabalho de cuidar e educar taes creanças? Appareçam que serão immediatamente recebidas; mas lembrem-se do que nos diz o sr. José Maria Eugenio no seu excellente relatorio.

Não se illudam, não insistam em sustentar uma medida iniqua e illegal, e que alem d'isto póde ter como consequencia um grande peso para o thesouro, e a infelicidade quasi certa de tantas creanças.

Sr. presidente, eu já estou muito cansado, e a camara deve igualmente estar fatigada (Vozes: — Não, não). Vou concluir dizendo, que espero a resposta do sr. presidente do conselho, e que se ella me não satisfizer hei de mandar uma moção para a mesa.

Lembre-se o sr. presidente do conselho de que essa chamada opinião publica é muito despotica e caprichosa, e que nos arrasta muitas vezes a obrar contra o justo e contra o que temos por melhor. Acautele-se e tenha força para resistir a exigencias injustas, porque não é a opinião do dia a ultima palavra da historia; esta ha de julgar o sr. presidente do conselho, e ha de apresenta-lo segundo os seus actos, e não segundo os elogios de momento (apoiados—Vozes: — Muito bem, muito bem).

O sr. Presidente do Conselho (Marquez de Loulé): — Peço a palavra.

O sr. Conde da Taipa: — Eu tambem peço a palavra. O sr. Marquez de Ficalho: — Peço tambem a palavra. O sr. Presidente: — Tem o sr. presidente do conselho a palavra.

O sr. Presidente do Conselho: — Sr. presidente, esperava que o digno par que acabou de fallar censurasse acremente a portaria de 5 de março, e sustentasse a conveniencia da sua interpellação, mas para o que eu não estava prevenido era ter sido aggredido por s. ex.ª á minha entrada n'esta casa como desleal, e cavalheiro que não cumpro os meus deveres. A camara sabe que na segunda-feira eu aqui me apresentei para responder á interpellação, para cujo dia tinha sido marcada; por consequencia se eu na segunda-feira já estava prompto para responder, muito mais habilitado estaria hoje. Pedi a V. ex.ª de communicar á camara que motivo imprevisto e importante me tinha preso na outra camara, e então se não compareci logo no principio da sessão foi porque na realidade esse motivo existia. (O sr. Presidente: — Apoiado.) Disse um digno par que eu não tomei parte na discussão que se agitava na outra camara. Está s. ex.ª enganado; tanto na sessão passada, em que esta questão se discutiu na camara, como hoje, eu tomei a palavra, e tive de tomar parte na discussão. Disse s. ex.ª — que não havia motivo para eu estar na outra casa, e ao mesmo tempo affirmou que se tratava ali de uma questão que punha o ministerio em crise! Eu pergunto á camara se não foi o digno par mesmo que o affirmou? Se na outra casa se tratava, ou esperava que se tratasse, de uma questão d'esta importancia, não devia estar o ministerio presente á sua discussão (apoiados)?

Muitas outras cousas disse o digno par, mas a hora está muito adiantada, e o ponto principal é averiguar a legalidade da portaria de 5 de março.

Sr. presidente, desde 1833 em todas as occasiões que se tem agitado esta questão, ou de alguma fórma se tem tratado de irmãs da caridade, os homens mais competentes na materia, canonistas abalisados, e prelados distinctos, têem sido de opinião — que o decreto de 9 de agosto de 1883 comprehende nas suas disposições as irmãs da caridade, e para o comprovar eu passo a lêr á camara differentes documentos.

Em 1852 tratou-se de estabelecer em Vianna do Alemtejo um hospicio de irmãs da caridade, e o digno arcebispo de Evora escreveu ao ministerio do reino o seguinte officio (leu).

(Vide Diario de Lisboa n.º 66, de 22 do corrente). Aqui está a consulta do cabido de Evora (leu). (Vide o mesmo Diario).

Sr. presidente os dignos pares deram-me apoiados emquanto fiz estas leituras, mas é necessario que eu explique á camara, que tratava-se exactamente de uma questão identica...

O sr. Conde da Taipa: — Era inteiramente differente...

O sr. Conde de Thomar: — Era uma questão de jurisdicção entre dois prelados diocesanos...

O sr. Presidente: — Eu pedia aos dignos pares que deixassem progredir a discussão com a mesma placidez, porque se assim não for é muito inconveniente e irregular (apoiados).

O Orador: — O sr. patriarcha de Lisboa pretendia então que, se as irmãs da caridade estavam sugeitas ao seu superior, queria que ellas lhe prestassem obediencia e tivesse a mesma jurisdicção que o superior de París exerce nas irmãs francezas, de maneira que a questão é exactamente a mesma.

Ora depois d'esta epocha tratou-se de estabelecer um hospicio de irmãs da caridade no Porto, e aqui tenho presente um decreto que auctorisou essa creação. Parece-me que estava então o sr. conde de Thomar no ministerio, e este decreto é referendado pelo sr. José Bernardo da Silva Cabral (leu).

(Vide o mesmo Diario acima citado).

É exactamente a mesma cousa, na conformidade do decreto de 9 de agosto de 1833, e eu estou no empenho de mostrar que o parecer do governo, em relação a este decreto, tem sido exactamente da mesma opinião dos homens competentes.

Eu vou lêr agora um parecer do sr. patriarcha Guilherme, em que vem a mesma doutrina exactamente; e portanto a doutrina que o governo adoptou vem dos seus antecessores; é a mesma que todos têem partilhado, sem excepção, até hoje.

Aqui está o parecer do procurador geral da corôa a que se refere o que se acabou de lêr (leu). (Vide o mesmo Diario).

Aqui está tambem um parecer do sr. patriarcha Guilherme, que foi consultado sobre o mesmo assumpto (leu). (Vide o mesmo Diario).

O sr. Marquez de Ficalho: — Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: — Eu chamo a attenção da camara, porque o meu empenho é fazer ver que as disposições d'este decreto sempre se tem considerado vigentes, e as irmãs da caridade comprehendidas n'ellas, e assim o entendeu o sr. patriarcha Guilherme (leu).

(Vide o mesmo Diario).

Sr. presidente, ultimamente não leio, porque está transcripto no Diario de Lisboa, a opinião do sr. Mártens Ferrão, tambem pessoa competente, que foi ouvido na questão.

Portanto, recapitulando, digo que desde 1833 sempre que se tem agitado alguma questão a respeito das irmãs da caridade, quando se ha consultado as pessoas competentes, sempre estas entenderam que ellas são comprehendidas nas disposições do decreto de 9 de agosto de 1833 (apoiados). Não sei se é uma lei barbara, mas sei que é uma lei que pertence ao governo fazer executar.

Eu teria muito muito mais que dizer; mas confesso que estou muito cançado, e em pouco estado de poder contar com as minhas forças, e então tomarei a palavra mais tarde, porque julgo que esta questão ha de continuar.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. marquez de Ficalho sobre a ordem.

O sr. Marquez de Ficalho: — Era para pedir ao sr. presidente do conselho de ministros que mandasse estes documentos para mesa.

Agora verá a camara a lealdade com que eu pedi todos os documentos relativos ao objecto de que se trata. O governo enviou os documentos a favor, e presumi que não tinha outros, porque a requisição foi bem explica, de todos, quer pró, quer contra, e quando eu propuz o adiamento desta interpellação, declarei logo que dava dois dias para o sr. ministro do reino mandar a esta camara todos os documentos que tivesse em seu poder a este respeito, e s. ex.ª entendeu que os não devia mandar, mas devia trazer! (O sr. Presidente do Conselho: — Peço a palavra sobre a ordem).

Eu agora peço a s. ex.ª que mande esses documentos para a mesa, porque precisam ser estudados, e porque hão ter resposta com triumpho (apoiados).

Quando pedi que se adiasse esta questão por dois dias, para o sr. ministro do reino poder mandar acamara os documentos que tivesse sobre este objecto, sabia os motivos que tinha para o fazer, e assim ninguem dirá que eu tenho medo de entrar n'esta discussão (apoiados). Sr. presidente, eu tenho todos os defeitos, mas nunca tive medo (apoiados), e hoje mesmo fiz aqui um voto, e disse: se esta questão se não discutir hoje, eu não saio do meu logar emquanto d'ella se não tratar, e então eu tenho direito a ser tratado com toda a lealdade (apoiados).

Nós pedimos os documentos todos, pró e contra, elles hoje apparecem na mão do sr. presidente do conselho! Não é porque me aterre, eu possuo bastantes documentos para combater os contrarios; mas é uma deslealdade, depois de termos combinado com s. ex.ª que se tratasse esta questão com toda a lealdade e clareza, porque é isso conveniente para a camara dos dignos pares e para o paiz. Não póde ser pois na ultima hora em que apparecem estes documentos, que tão importante materia se trate como convem (apoiados). Alem d'isso permitta-me s. ex.ª que eu lhe diga, que está emprasado ou citado para vir aqui responder amanha aos quesitos que fez o sr. conde de Sobral.

Por consequencia peço, sr. presidente, que se levante a sessão, e que continue esta discussão ámanhã, depois e no outro dia (muitos apoiados).

O sr. Conde da Taipa: — Eu peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par.

O sr. Conde da Taipa: — Eu proponho que esta discussão fique adiada para a proxima segunda-feira. Vozes: — Para terça-feira.

O sr. Presidente do Conselho: — Eu não esperava que o digno par marquez de Ficalho me fizesse uma tão injusta accusação: digo injusta, porque se eu não mandei os documentos que acabei de lêr á camara foi porque me não foram pedidos (apoiados). Pediram-se outros, e esses foram presentes á camara: e que duvida podia eu ter em mandar estes, se elles eram todos abonatorios, fortaleciam, e estão em harmonia com a conducta do governo? Nenhuma. Custa-me pois que o digno par me accusasse de deslealdade: nem sou desleal, nem procuro sophismar nada que com esta questão tenha relação; pelo contrario bastantes provas tenho dado de querer responder a ella, e todos quantos olharem despreoccupados para o que se tem passado, reconhecerão esta verdade (muitos apoiados).

Digo, finalmente, ao digno par e á camara, que o governo é o primeiro que tem todo o interesse em que este assumpto se trate largamente, e se examime quanto com isto tiver relação, para assim justificar ao paiz o motivo justo que o decidiu a publicar a portaria em questão, em respeito á legislação vigente que o governo tem o dever de fazer cumprir (apoiados).

O sr. Conde da Taipa: — Eu não trato aqui de lealdades ou de deslealdades, mas trato sim de um direito que tenho e que se me não póde negar, e é o de examinar esses papeis que leu o sr. presidente do conselho; e como para o fazer preciso de tempo, é por isso que eu proponho o adiamento d'esta questão até segunda-feira.

Uma voz: — Segunda-feira é dia santo.

O sr. Conde da Taipa: — Pois eu proponho, em vista d'isso, que fique para terça-feira, e peço votos sobre esta proposta.

O sr. Presidente: — Queira reduzi-la a escripto e manda-la para a mesa.

O sr. Conde da Taipa: — Sim senhor.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — Eu proponho que fique adiada para sexta-feira.

O sr. Ministro da Fazenda (A. J. d'Avila): — Mas permitta a camara que eu diga ser impossivel aos ministros virem aqui na sexta-feira, em presença da questão que. está pendente na outra casa do parlamento.

O sr. D. Carlos de Marcarenhas: — O sr. ministro não é membro d'esta casa, e não póde fallar com a insolência com que acaba de o fazer, dizendo que seja qual for a resolução d'esta camara o governo não vem.

Muitas vozes: — Ordem, ordem.

O sr. Presidente: — Se não ha ordem na camara, eu usarei do meu direito levantando a sessão.

O sr. Ministro da Fazenda: — O digno par, o sr. D. Carlos de Mascarenhas empregou uma expressão que eu não esperei nunca ouvir proferir aura homem bem educado, como s. ex.ª é! O digno par empregou a palavra insolência, que ninguem tem direito para dirigir a um ministro da corôa (muitos apoiados), nem os ministros esperavam ouvi-la nunca saír da bôca de um par do reino (apoiados).

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — O sr. ministro quando fallava virou-se para mim com insolência, e isso não aturo eu a s. ex.ª

Muitas vozes na camara: — Ordem, ordem.

Rumor nas galerias, e vozes: — Ordem, ordem, ordem.