O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 906

906

CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 20 DE MARÇO DE 1861

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. VISCONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios: os dignos pares Conde de Mello

Conde de Peniche

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presente numero legal, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da antecedente, julgou-se approvada.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Dois officios da presidencia da camara dos srs. deputados, acompanhando duas proposições, uma concedendo um terreno nacional á camara municipal de Monte-mór o Velho, para usos de conveniencia publica, e outra auctorisando a camara municipal de Almada a levantar um emprestimo até 6:333$000 réis, para com o seu producto prover ao acrescentamento de caes de Cacilhas.

Remettidas á commissão de administração publica.

-Do ministerio da guerra, enviando copia de uma portaria, satisfazendo ao requerimento do digno par conde do Bomfim.

O sr. Presidente: — Não ha mais correspondencia na mesa, nem temos projectos de lei dados para ordem do dia; o que estava designado para se tratar hoje era a interpellação annunciada pelo digno par o sr. conde de Thomar, mas o sr. ministro do reino fez saber á mesa, que tendo necessidade absoluta de estar na outra camara por motivo de grande alcance politico, não lhe era possivel comparecer aqui, como desejava, para responder á interpellação annunciada.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — Peço a palavra a V. ex.ª

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — E para mandar para a mesa uma proposta.

«Proponho que esta camara se conserve em sessão permanente até que s. ex.ª o sr. presidente do conselho venha responder á interpellação que está' dada para ordem do dia de hoje.

Sala das sessões da camara, 20 de março de 1861. = D. Carlos de Mascarenhas, par do reino». Continuando disse:

Esta interpellação, sr. presidente, é sobre objecto que não póde deixar de ser considerado muito serio (apoiados). E sobre uma portaria que eu entendo que foi resultado de exigencias revolucionarias (apoiados)! É sobre uma portaria que eu acho que veiu atacar gravemente a liberdade (apoiados); conseguintemente, este negocio não se póde adiar mais, e por isso apresento esta proposta que, depois de lida na mesa, será tomada pela camara na consideração que lhe merecer (apoiados).

O sr. Secretario (Conde de Mello): — Leu a proposta.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se admitte á discussão a proposta que se acaba de lêr.

Foi admittida.

O sr. Conde de Thomar: — Eu não posso deixar de considerar muito extraordinaria a communicação feita pelo sr. presidente do conselho no momento mesmo em que devia verificar-se a interpellação que eu annunciei sobre a portaria de 5 do corrente (apoiados).

Sr. presidente, a camara toda está certa de que o sr. presidente do conselho aceitou o debate e concordou em tratar-se hoje esta importante questão (apoiados). Era de esperar, depois do que se tinha passado, do accordo que se tinha tomado na sessão de antes de hontem e do compromisso a que s. ex.ª se obrigou, que este negocio fosse hoje tratado infallivelmente (apoiados), e que se não procurasse um pretexto especioso para se evitar hoje esta discussão, e fugir a este combate. (O sr. Marquez de Fronteira: — Apoiado.),

Se nós, sr. presidente, não conhecessemos as circumstancias em que se acham os trabalhos da outra camara, podiamos ter por sincero e verdadeiro o fundamento que determinou o sr. presidente do conselho a responder por tal fórma á communicação que a mesa lhe fez de que esta camara se declarára em sessão permanente para tratar a questão, e que esperava pelo nobre ministro (apoiados). Podíamos acreditar que algum alto negocio de estado impedia que s. ex.ª comparecesse; mas todos nós conhecemos o assumpto que se trata na outra camara (apoiados). Trata-se de discutir o parecer da respectiva commissão d'aquella camara sobre as emendas que se fizeram n'esta ao projecto de lei de desamortisação dos bens dos conventos das religiosas. (O sr. Marquez de Pombal: — É exacto.) Esta questão tem sido sempre estranha ao sr. presidente do conselho, s. ex.ª nada disse a este respeito na outra camara, quando lá se discutiu este objecto pela primeira vez (apoiados); s. ex.ª nada disse tambem aqui, quando nos occupamos ultimamente do mesmo assumpto (apoiados). É um negocio entregue todo aos cuidados do sr. ministro da fazenda, que está igualmente á testa da repartição dos negocios estrangeiros, á qual diz tambem respeito esta questão. Assim é o sr. ministro da fazenda o competente, e de facto tem sido o ministro que tem tomado a peito e se tem feito cargo de defender e sustentar o projecto de lei a que me referi (apoiados).

Qual é pois o motivo que impede o sr. ministro do reino de comparecer aqui? S. ex.ª estava compromettido a comparecer hoje n'esta camara (apoiados); não era mais natural que s. ex.ª se desculpasse de não comparecer na outra casa, por isso que não tinha ali igual compromettimento? (Apoiados.) Sabemos que o ministerio está todo na outra camara, e não era muito que o sr. ministro do reino, que é membro da camara dos pares e o sr. ministro da guerra igualmente par viessem para esta, onde os chama o cumprimento de um compromisso tomado pelo sr. ministro do reino, ao mesmo tempo chefe do gabinete (apoiados).

Qualquer que fosse o objecto de que se tratasse na camara electiva, s. ex.ª lá tinha ainda quatro dos seus collegas; podiam pelo menos, estar aqui presentes dois que são membros d'esta casa (apoiados). Se lá se tratasse de negocio dependente da repartição de s. ex.ª o sr. ministro do reino podia com mais propriedade pedir que o dispensassem do comprometimento que tinha tomado perante esta camara (apoiados); e se s. ex.ª comparecesse aqui, e expozesse rasões taes que nos convencessem de que se não podia aqui demorar, a camara avaliando as rasões que s. ex.ª desse, havia de ser justa como costuma, quando os ministros guardam para com ella todas as conveniencias e attenções. (Vozes: — Muito bem.)

É na verdade para admirar que no momento em que todos esperam um desenlace para a importante e desgraçada questão que tem sobresaltado os animos dos homens sensatos d'este paiz, o sr. presidente do conselho se recuse a comparecer aqui! (Apoiados.) Não ha nada que possa justificar um igual procedimento! Não ha nada que possa eximir o sr. presidente do conselho da obrigação que tinha de comparecer n'esta camara para responder á minha interpellação; acaso faltam a s. ex.ª fundameptos plausiveis para justificar a portaria por s. ex.ª expedida em data de 5 de março?

É necessario que ainda se saiba mais, e é, que o sr. presidente do conselho, emquanto se recusa a vir hoje aqui tomar parte n'esta discussão, está já mandando executar com. a maior actividade e com a maior atrocidade essa mesma portaria! (Apoiados repetidos.) Atrocidade digo eu, sr» presidente, porque entendo que s. ex.ª na conformidade das leis do paiz não póde dar execução a uma medida que alem, de opposta ás leis vigentes,. contraria as; boas doutrinas (muitos apoiados).

S. ex.ª não comparece, porque, pretende fugir á discussão, e não quer ouvir as reflexões da camara dos pares, as; observações que se hão de fazer, e os argumentos que se, hão de apresentar, tudo para mostrar que s. ex.ª violou os principio» da verdadeira, liberdade; os canones e as leis do. paiz (muitos apoiados). É por isto, e só por isto, que s. ex.ª se recusa a vir aqui (apoiados). E porque eu assim o entendo, e porque todos nós sabemos que não ha motivo forte, e plausivel que obste a que s. ex.ª compareça, não posso deixar de votar pela proposta do meu nobre amigo o digno par o sr. D. Carlos de Mascarenhas. (Vozes:. — Muito bem.)

O sr. Marquez de Ficalho: — Eu fui o que propuz o adiamento, e o propuz com toda a lealdade, lealdade que está sempre conforme aos meus principios, e com a qual tenho combatido em qualquer campo em que me hei achado (apoiados).

Disse que n'esta questão não tinha senão documentos a favor do que eu sustento, mas que queria que o governo me mandasse quaesquer outros em contrario (apoiados); que os procurasse, que os legalisasse e que os mandasse, para o que lhe dava o tempo que em minha consciencia me parecia dever dar-lhe, embora já tivesse decorrido algum, e os documentos devessem estar todos preparados. O governo porém não nos manda mais nada, e não comparece no dia e hora que ajustou! Pois bem; eu estou disposto a ficar aqui até que se responda á interpellação (apoiados). Eu não largo o meu posto; V. ex.ª póde não querer esperar alem de certa hora, podem-se fechar as portas, mas eu continuo a estar no meu logar até que appareça quem me responda (apoiados).

O sr. Presidente: — Não hei de ser eu que me hei de levantar d'este logar emquanto o sr. marquez de Ficalho ou qualquer outro digno par me pedir a palavra, e agora peço licença para expor de novo o que disse, visto que ultimamente têem entrado alguns dignos pares que não me ouviram.

O que se está passando é em resultado da communicação que fiz á camara sobre uma participação que a mesa teve do sr. presidente do conselho de ministros, e na qual s. ex.ª expoz que lhe não era possivel vir hoje aqui, porque succedia que dois negocios de alta importancia estavam simultaneamente dados para ordem do dia na outra camara, e que ambos exigiam ali a presença de todo o ministerio.

Mais alguma cousa disse s. ex.ª, que por me parecer propriamente pessoal não expuz, mas di-lo-hei agora, e vem a ser, que s. ex.ª acrescentou: que já tinha dado prova da sua boa fé, e do desejo mesmo de responder a esta interpellação, tendo-se apresentado para esse fim na sessão de antes de hontem, e que se então se não verificara a interpellação não fóra por facto seu, mas em consequencia de uma proposta de adiamento feita pelo digno par o sr. marquez de Ficalho. Agora, tendo assim completado a transmissão de tudo que s. ex.ª disse, a camara fará o que entender, que eu serei fiel executor das suas determinações, e não faltarei aos deveres que me impõe este logar. (Vozes: — Muito bem.)

(Pausa.)

O sr. D. Caídos de Mascarenhas: — Creio que não temos agora outra cousa a fazer senão votar a minha proposta; não ha mais quem peça a palavra, e ninguem a combateu; portanto acho que V. ex.ª deve-a propôr á votação.

Leu-se a proposta na mesa, e entregue á votação foi approvada por 23 votos contra 14.

O sr. Conde de Thomar: — Agora acho que o regular é V. ex.ª ter a bondade de dar conhecimento d'esta resolução ao sr. presidente do conselho de ministros.

O sr. Presidente: — A mesa manda já expedir o competente officio.

O sr. Visconde de Gouveia: — Mando para a mesa uma representação de uma camara municipal que pede a prompta construcção da estrada de Lamego a Trancoso. Os estudos acham-se feitos, essa estrada está determinada por lei, destinaram-se fundos para ella, e ordenou-se que se pozesse em praça. Dos esclarecimentos que o sr. ministro das obras publicas prestou sobre este assumpto, colligi que já se deu andamento para se pôr em praça, todavia apesar d'isto mando para a mesa a representação.

Por esta occasião pedirei a V. ex.ª o obsequio de me informar do destino que têem tido as diversas representações que tenho mandado para a mesa, e se dellas se ha dado conhecimento ao sr. ministro competente.

O sr. Presidente: — V. ex.ª indicará o destino que deseja se lhe dê.

O Orador: — Estas representações têem versado sobre a execução de uma lei, e por isso julgo o mais conveniente que sejam mandadas ao governo. Não sei se isto está na alçada da mesa, ou se será preciso consultar a camara; porque n'este caso pediria a V. ex.ª que o fizesse.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam a indicação do digno par o sr. visconde de Gouveia, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

(Pausa.)

O sr. Visconde de Gouveia: — Creio que foi distribuido hoje o projecto n.º 147, que auctorisa o governo a despender até á quantia de 600$000 réis annuaes, com a restauração do magnifico templo de Santa Cruz de Coimbra, templo monumental, para cuja conservação bem é que se applique alguns fundos. Este projecto não está dado para or-

Página 907

907

dem do dia; mas attendendo á sua simplicidade, pediria a V. ex.ª -que propozesse á camara que dispensasse as formalidades do regimento, e entrasse em discussão.

Posta á votação a indicação do sr. visconde de Gouveia, a camara approvou-a, entrando em seguida o projecto em discussão, que é do teor seguinte

PARECER N.° 147

Á commissão das obras publicas foi enviado o projecto de lei n.º 173, vindo da camara dos srs. deputados, o qual tem por fim auctorisar o governo a despender annualmente a quantia de 600$000 réis na restauração e conservação da igreja de Santa Cruz de Coimbra.

A commissão, reconhecendo quanto são insufficientes os meios destinados para a conservação dos monumentos historicos, e acatando as gloriosas recordações a que está ligado aquelle templo, é de parecer que o referido projecto de lei seja approvado para subir á real sancção.

Sala da commissão, 19 de março de 1861. = Joaquim Larcher = Visconde de Athoguia = Visconde da Luz - Visconde de Castro.

PROJECTO DE LEI N.° 173

Artigo 1.° E o governo auctorisado a despender annualmente na restauração e conservação do monumento nacional da igreja de Santa Cruz de Coimbra a quantia de réis 600$000.

§ 1.° As obras começarão pela frontaria do edificio da igreja.

§ 2.° Concluida a restauração do monumento o governo despenderá annualmente a parte da quantia acima mencionada que for necessaria para a sua conservação.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em Contrario.

Palacio das côrtes, em 18 de março de 1861. = Custodio Rebello de Carvalho, deputado presidente = José de Mello Gouveia, deputado secretario = Carlos Cyrillo Machado, deputado secretario.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi proposto á votação e approvado.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, a exemplo do que pediu o meu nobre amigo o sr. visconde de Gouveia, peço tambem a V. ex.ª para propôr á camara que dispense as formalidades do regimento para um projecto que tem por fim conceder á camara municipal de Amarante, a permissão de contrahir um emprestimo de 6:000$000 réis. É um projecto tão simples, se bem que importante para a povoação de Amarante, que, a não se opporem os illustres membros da commissão, poderia sem inconveniente entrar já em discussão...

O sr. Presidente: — Parece-me que ainda não foi distribuido.

O Orador: — Bem, n'esse caso pediria a V. ex.ª que logo que fosse distribuido tivesse a bondade de consultar a camara na conformidade dos meus desejos. O meu nobre amigo o sr. visconde de Gouveia acompanha-me n'este pedido.

O sr. Presidente: — Logo que seja distribuido proporei á camara a indicação do digno par. O Orador: — Creio que está na mesa. O sr. Secretario: — Não está.

O sr. Visconde de Castellões: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda (leu). (Pausa.)

O sr. Visconde de Balsemão: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par.

O sr. Visconde de Balsemão: — -Eu acabo de entrar, e sendo informado do que se passou, pedi a palavra a V. ex.ª para declarar, que se estivesse presente quando se votou a proposta do sr. D. Carlos de Mascarenhas, teria votado contra, pois que tendo-se apresentado o sr. ministro do reino na sessão de antes de hontem, e não se tendo verificado a interpellação para a qual s. ex.ª se deu por habilitado, entendia que hoje se não devia tomar esta resolução de ficarmos em sessão permanente até que s. ex.ª compareça, quando s. ex.ª fez constar na mesa que não podia comparecer por motivo justo, que é conhecido de todos nós (apoiados de alguns dignos pares, e outros se levantam pedindo a palavra).

O sr. Conde de Thomar: — Mas qual é o motivo justo?

O sr. Visconde de Balsemão: — E o que se discute na outra camara.

Vozes: — O que se discute é a lei de desamortisação.

O sr. Presidente: — Eu observo que me parece que não nos devemos occupar do que se passa na outra camara (apoiados). Digo isto, suppondo que ninguem se offenderá com esta observação, que é feita no intuito de concorrer para a boa ordem.

O sr. Conde de Thomar: — Permitta-me V. ex.ª que diga que a observação do digno par, o sr. visconde de Balsemão, é que deu logar a isto. S. ex.ª é que se referiu, explicando o que entendia por motivo da não comparencia do sr. presidente do conselho.

O sr. Visconde de Balsemão: — Eu fiz aquella declaração porque já tenho aqui dito que entendo que esta camara não póde compeliu os ministros; seio quizer fazer, pratica um acto que póde ser tomado como acto faccioso. (Vozes: — Ordem, ordem, ordem.)

O sr. marquez de Vallada e outros dignos pares pedem a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Eu é que peço ordem, porque á presidencia é que incumbe manter a ordem.

O sr. Marquez de Vallada: — Insta pela palavra.

O sr. Visconde de Balsemão: — Eu sustento o que disse, porque quero manter a dignidade d'esta camara; não quero que se tome qualquer resolução que possa ser julgada facciosa.

Vozes: — Ordem, ordem.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, eu preciso responder ao sr. visconde de Balsemão.

O sr. Conde de Thomar: — Não responda, que é melhor (apoiados).

O sr. Marquez de Ficalho: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Isto não póde nem deve progredir (apoiados).

O sr. Marquez de Ficalho —Eu quero unicamente dizer ao sr. visconde de Balsemão que está enganado; nós não compellimos os ministros, se s. ex.ª tivesse estado presente no principio da sessão veria que nós o que quizemos foi ficar em sessão permanente até que chegue o sr. ministro do reino.

Eu não obrigo os outros, a mim é que obrigo, o que são cousas muito distinctas. Eu e os dignos pares que approvámos a proposta obrigámo-nos a não saír emquanto o governo não responder sobre a interpellação, venha a que hora vier. (O sr. Visconde de Balsemão: — Já veiu antes de hontem.) Eu já tenho explicado as rasões por que então propuz o adiamento, foram rasões de lealdade, o negocio ficou para hoje, e agora não se póde espaçar mais. Por mim digo: venham manhã, ou venham daqui a cinco, dez ou vinte dias, eu cá estou, se a vida me não faltar.

(Pausa.)

O sr. Secretario: — A mesa officiou ao sr. presidente do conselho nos seguintes termos:

Ill.mo e ex.mo sr. Tenho a honra de remetter a V. ex.ª a inclusa copia da proposta, sob n.º 125, apresentada pelo digno par o sr. D. Carlos de Mascarenhas, e que n'este momento foi approvada por esta camara, sendo a sua votação de 23 votos contra 14; o que levo ao conhecimento de V. ex.ª para os devidos effeitos.

Deus guarde a V. ex.ª Palacio das côrtes, em 20 de março de 1861. = Ill.mo e ex.mo sr. presidente do conselho de ministros ».

A resposta foi a seguinte:

«Ill.mo e ex.mo sr. = Achando-se o ministerio todo empenhado na camara electiva em questões, em que não póde deixar de assistir, só poderá comparecer na camara dos dignos pares quando terminar a sessão d'aquella camara.

Deus guarde a V. ex.ª Palacio das côrtes, em 20 de março de 1861. = Ill.mo e ex.mo sr. presidente da camara dos dignos pares. = Marquez de Loulé n.

O sr. Presidente: — Á vista d'isto suspendo a sessão até ás quatro horas (apoiados).

Ás quatro horas e um quarto entraram o sr. presidente do conselho e os outros membros do ministerio.

O sr. Presidente: — A camara vae reassumir o seus trabalhos, e tem a palavra o sr. conde de Thomar para fazer a sua interpellação.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, é com a maior difficuldade, que passo a usar da palavra, que me é concedida n'esta occasião: a hora está muito adiantada, e toda a camara se resente ainda de uma certa agitação, a que deu motivo a não comparencia do sr. presidente do conselho durante toda a sessão, faltando assim ao compromisso, a que se obrigara. Não é portanto, seguramente, este o momento mais favoravel para discutir uma questão aliás tão grave, como a que faz objecto da minha interpellação.

Não posso deixar de repetir lealmente, na presença do sr. presidente do conselho, o que disse na sua ausencia por occasião da discussão da proposta do meu amigo, o sr. D. Carlos de Mascarenhas. Disse eu, que sentia profundamente que o sr. presidente do conselho se tivesse recusado a comparecer no principio da sessão, quando não apresentava motivo algum justo e plausivel, que o dispensasse d'essa comparencia. O motivo dado por s. ex.ª no officio de resposta á communicação feita pela mesa de que a camara resolvêra conservar se em sessão permanente até á comparencia de s. ex.ª, não passava de um motivo especioso. A presença de todo o ministerio na outra casa não se tornava por certo indispensavel, como s. ex.ª diz; porquanto a discussão, que ali se agitava, e agita por emquanto, versa sobre as emendas que esta camara fez sobre o projecto relativo á desamortisação dos bens das religiosas, e de outros estabelecimentos. Alem de não ser uma tal discussão d'aquellas, que demanda a presença de todos os membros do gabinete, deve ainda attender-se a que o nobre presidente do conselho se conservou -sempre silencioso durante a discussão de um tal projecto em ambas as camaras, não sendo por certo indispensavel que tomasse a seu cargo a defeza das emendas que se discutiam agora na outra casa.

Sinto realmente que, para se obstar á discussão, e solução da questão, que se agita, se empreguem taes subterfugios e se lance mão de meios, que a moral e a justiça condemnam.

Sr. presidente, á lealdade do meu nobre amigo o sr. marquez de Ficalho, propondo que esta discussão ficasse adiada da sessão de segunda feira para a de hoje pelos motivos, que toda a camara aceitou como procedentes e plausiveis; á condescendencia, que eu tive em annuir ao pedido do digno par, consentindo no adiamento, respondeu-se pelo lado dos nossos adversarios, que o auctor da interpellação, o auctor do adiamento e todos os que seguem a nossa opinião, haviam na segunda-feira recuado de seus intentos na presença dos elementos, que, n'esse dia, occupavam uma grande parte das galerias publicas (apoiados)!

Permitta-me a camara que eu diga, sem receio de ser contrariado, que nem o auctor da interpellação, nem o auctor da proposta do adiamento, nem os que seguem as nossas opiniões, trepidaram em vista d'esses elementos (apoiados).

Todos sem excepção, nos temos visto em maiores perigos, e nunca hesitámos em cumprir o nosso dever. Esteja a camara, estejam todos seguros de que não hesitaremos agora, quaesquer que sejam os elementos e os meios que se ponham em movimento contra nós (apoiados).

Porque se não recorreu antes á verdadeira causa que moveu o sr. presidente do conselho a conservar-se na outra camara, e a não comparecer nesta, não obstante o seu anterior compromisso?

Ninguem ignora que, immediatamente á discussão das emendas sobre o projecto da desamortisação, está dada para ordem do dia uma proposta de lei, apresentada pelo governo, a qual póde trazer uma questão politica, que talvez decida da vida ou da morte do gabinete, ou que leve o mesmo gabinete a propôr a extraordinaria medida da dissolução da camara dos srs. deputados.

Não seria melhor reconhecer que a discussão da camara dos pares podia concorrer para collocar o governo em peiores circumstancias, e que portanto era necessario adia-la, ainda mesmo faltando o sr. presidente do conselho a um compromisso, que havia aceitado? O sr. ministro havia aceitado o duello; com a sua approvação e consentimento se havia designado o local, o dia e a hora; como ousou s. ex.ª faltar assim aos deveres de leal cavalheiro, tanto mais que motivo justo o não dispensava de comparecer?

Não imagine a camara, não imagine ninguem, que eu tomo parte n'esta questão com espirito de opposição ao governo. Votado ao ostracismo ministerial, posição que me agrada e que eu aceito de boa vontade, não nutro a menor idéa de ser ministro, bem pelo contrario, desejo evitar, e evitarei uma tal posição. Farei mais; este, como todos os ministerios, hão de ter o meu voto em todas as questões de interesse publico, porque nenhuma questão estou disposto a aproveitar para fazer politica.

Resolvi-me a fallar sobre o objecto que nos occupa, porque considero a portaria de 5 do corrente como um acto iniquo, porque invoca falsamente a observancia dos canones e das doutrinas da igreja catholica romana, e dos decretos do immortal duque de Bragança, contra o procedimento de pessoas, que por fracas, dispertam, nem podem deixar de dispertar os sentimentos de maior piedade e sympathia. É n'esta occasião em que vejo classificar de illegal e escandaloso o procedente das irmãs da caridade, que eu desejo ter a honra de me apresentar como seu advogado e procurador. É sempre nobre advogar a causa dos desvalidos e perseguidos (apoiados).

O acto governamental, que classifiquei de iniquo, e que agora classificarei tambem de illegal, inconstitucional e atroz, é a portaria de 5 do corrente. Para que esta questão seja devidamente avaliada, peço licença á camara para lêr os considerandos e os fundamentos que servem de base á resolução ministerial.

Eis aqui a portaria:

Sua Magestade El-Rei a quem foi presente o resultado dos meios empregados pelo cardeal patriarcha, em conformidade do regio officio de 3 de outubro de 1860, para que as irmãs da caridade se sujeitassem á obediencia, que, segundo a legislação vigente e as boas doutrinas canonicas, deviam exclusivamente prestar á auctoridade diocesana;

«Visto que o prelado diocesano foi n'este empenho formalmente desobedecido com menoscabo dos canones da igreja catholica e offensa do poder temporal, que tem direito e obrigação de manter a auctoridade episcopal, como protector e defensor da religião do estado;

«Visto que a corporação das irmãs da caridade se acha actualmente subordinada a um prelado estrangeiro;

«Considerando que toda e qualquer communidade, congregação ou sociedade religiosa regular portugueza, que por algum modo negar obediencia ao prelado diocesano, ou a prestar a um prelado estrangeiro, em contravenção das leis do reino, deve ser immediatamente dissolvida;

«Ha por bem, tendo ouvido a commissão creada por decreto de 3 de setembro de 1858 para estudar a questão das irmãs da caridade e propor as medidas necessarias para a reorganisação do seu instituto em Portugal, e conformando-se alem d'isso com o parecer de outras pessoas competentes, ordenar o seguinte».

São cinco as disposições que se deduzem d'estes considerandos e fundamentos e não será difficil demonstrar que nenhuma d'estas disposições é sustentavel, em vista dos canones e das doutrinas da igreja que falsamente invoca; e em vista da legislação vigente que falsamente applica. Pela demonstração que me proponho fazer, a camara reconhecerá a sem rasão com que o governo promoveu um meeting, com o fim de votar-lhe agradecimentos por tão iniqua medida, muito embora esse meeting, desviado do fim da sua convocação, em logar de votar agradecimentos ao sr. presidente do conselho, fosse caminho direito para a residencia do nobre marechal duque de Saldanha, como unico salvador, e podendo só elle remediar as desgraças que estamos soffrendo com o actual systema de governo. É a voz do povo reunido de accordo com o governo que assim o proclamou (Vozes: — é verdade).

É pelo fundamento de invocar falsamente os canones e doutrinas da igreja, é pelo fundamento de falsamente applicar o decreto de 9 de agosto de 1833 ao instituto de S. Vicente de Paulo, que eu principalmente impugno a portaria de 5 do corrente, não deixando comtudo de ser para mim motivo de grande peso, a circumstancia de reputar este acto ministerial, como filho da pressão que se está exercendo sobre s. ex.ª o sr. presidente do conselho; pressão, porque tenho a quasi convicção de que os sentimentos e maneira de pensar de s. ex.ª estão em opposição com uma medida ditada, pelo espirito faccioso, e por isso só póde ser considerada como um acto de levesa por um lado, de fraqueza por outro. Refiro-me á epocha da sua publicação (apoiados).

Sei que as idéas do falso progresso tem fascinado a muitos, e que o nobre presidente do conselho, por convicção (e deploro) ou por calculo (e condemno), se tem lançado em um caminho cheio do escolhos. Grandes são as difficuldades em que s. ex.ª se tem já visto, e seja em prova d'isto

Página 908

908

o que ultimamente se tem passado na capital; maiores difficuldades comtudo esperam ainda a s. ex.ª no futuro, se não abrir os olhos a tempo.

Um grande homem escreveu estas notaveis palavras, que, ainda que poucas, valem bem um grande livro:

«E necessario atravessar ainda annos de esforços negativos contra os obstaculos, que se encontram no caminho da civilisação. D'estes obstaculos o que mais se distingue é o falso progresso, que alimenta a cólera das classes inferiores, e que faz desanimar as classes médias. Esse falso progresso é mister que seja combatido, e não vejo outro meio senão a união de todos os homens prudentes e sensatos de todos os partidos ».

Acredite o sr. presidente do conselho que ainda não acabaram, de todo os homens que sustentam os principios da verdadeira liberdade (apoiados), e que estão dispostos a todo o custo, e com toda a casta de sacrificios, a impedir por todos os modos as funestas consequencias d'esse falso progresso (apoiados).

Como parece escripto para as nossas circumstancias o periodo de que ha pouco fiz leitura á camara!... Quem não vê exaltada pelas idéas do falso progresso a cólera das classes que compozeram esse meeting? Quem não vê o desarrasoamento de muitas pessoas das classes médias, que sem ' reflexão se deixam arrastar por essa torrente revolucionaria que nos quer impor o governo das praças? Eu pela minha parte ainda confio no bom senso da nação, e espero que os homens prudentes e sensatos de todos os partidos se hão de compenetrar do perigo que a todos ameaça (apoiados).

Admitto todas as idéas, todas as opiniões, mais ou menos exageradas em liberdade, sou tolerante com as opiniões, ainda as mais strenuas, mas não posso conformar-me, não posso tolerar, estou mesmo disposto a conspirar contra o governo das praças (apoiados). Eu até hoje não tenho negado o meu voto ás medidas do governo: terei de mudar de posição se o sr. presidente do conselho, em logar de governar pela sua intelligencia e pelas suas convicções, quizer sómente ser instrumento da pressão de que está sendo victima.

Não desconheço, entendo mesmo que é muito real a difficuldade de discutir uma questão, que está sendo explorada pelas facções politicas, para mais facilmente conseguirem 0 seu fim; abusando da credulidade, ou antes da ignorancia de um povo, que ama por extremo a liberdade, pretendem fazer-lhe acreditar que uma reacção religiosa se trama com o fim de matar a liberdade. O meio que condemnam, como libertecida, é a propagação do instituto de S. Vicente de Paulo; servem de thema para o drama que se representa essas inoffensivas creaturas, que, despresando os gosos e as festas do mundo, repartem o seu tempo entre a oração a Deus, e os auxilios que prestam aos enfermos, e a educação aos meninos pobres. Embuste revolucionario! Já hoje oficialmente desmentido por cavalheiros, cujas opiniões não podem ser suspeitas a esse povo que até agora tem vivido na illusão (apoiados).

Não sou eu que hei de esclarecer a ignorancia do povo assim illudido; ha de ser a voz auctorisada de muitos cavalheiros até agora apontados por esse povo como typo do mais apurado liberalismo; são mesmo alguns dos que convocaram e presidiram reuniões, com o fim de guerrear tão util instituto, os que se encarregaram de esclarecer o povo. É que o homem chamado a dar oficialmente a sua opinião sobre qualquer assumpto, quando tome a responsabilidade do que diz e aconselha, faz então uso da sua rasão, da sua alta intelligencia e saber; despe-se, se é homem de honra, do espirito faccioso, que muitas vezes faz errar em politica. (O sr. Conde da Taipa: — Apoiado.)

Felizmente acham-se hoje publicados os documentos que serviram de base á despotica e iniqua portaria de 5 do corrente. N'esses documentos, os quaes todos são contraproducentes, como terei occasião de mostrar, encontra-se o parecer da commissão encarregada pelo governo de Sua Magestade de estudar, em todas as suas relações, a questão das irmãs da caridade portuguezas e estrangeiras, segundo o instituto de S. Vicente de Paulo.

A camara precisa antes de tudo conhecer os nomes desses reaccionarios, d'esses liberticidas, d'esses homens, que renegaram os principios de liberdade, que sempre defenderam, e pelos quaes sempre se sacrificaram. Oxalá que tudo o que vou expender, sendo escutado por uma parte do povo de Lisboa, sirva de instrucção para avaliar uma questão, que não tem sido estudada, e que tem antes sido adulterada, e explorada para fins sinistros.

Ouça a camara, ouçam todos os que me escutam, os nomes dos grandes reaccionarios, que por intermedio das irmãs da caridade, querem promover uma reacção religiosa para matar a liberdade.

Os reaccionarios são os seguintes: o em.mo cardeal patriarcha, José Cupertino de Aguiar Ottolini (esteja não existe, mas foi considerado como um dos mais eminentes jurisconsultos da nossa terra, e alem d'isto, como integerrimo em todos os seus actos) (apoiados), marquez de Ficalho (acha-se presente, e seria offender a sua modestia, se eu quizesse fallar dos seus serviços e nunca desmentido amor pela liberdade (apoiados), Diogo Antonio Palmeiro Pinto, então governador civil de Lisboa, e que por nenhum motivo póde ser suspeito á actual situação politica (apoiados), Antonio Alves Martins, grande canonista, dotado de uma alta intelligencia, homem que tem a cabeça ao seu logar (hilaridade geral). Sim, homem que não póde por motivo nenhum ser suspeito a esse povo que grita contra as irmãs da caridade, porque já presidiu esse mesmo povo quando se tratava de fazer a guerra a essas fracas e santas creaturas. Pois é esta alta intelligencia, é:este eximio canonista, que chamado a, dar oficialmente a sua opinião sobre o instituto das irmãs da caridade, segundo a regra de S.

Vicente de Paulo, vota pela sua conservação. O homem póde commetter erros, quando um espirito faccioso em politica o domina, e quem os não tem praticado! Todos assim o têem feito: mas já é grande tributo pago á rasão, á justiça, e á verdade o responder officialmente com a rasão, com a justiça e com a verdade (apoiados). Seguem-se os nomes dos srs. Francisco José da Costa Lobo, Joaquim Filippe de Soure, Antonio de Oliveira Marreca, e João Cardozo Ferraz de Miranda, os quaes por certo não serão julgados suspeitos pelas suas idéas pouco liberaes.

A camara tem presente o parecer da commissão no qual se acham estas notaveis frazes: « e por isso unanimemente votou pela conservação e manutenção do instituto de S. Vicente de Paulo».

Eu deveria agora desenvolver os fundamentos com que se justifica esta tão louvavel conclusão á unanimidade do parecer da commissão; seria comtudo tirar a força e a belleza com que aquelle importante parecer está redigido; todo o meu empenho em exaltar a excellencia, e a utilidade das irmãs da caridade do instituto de S. Vicente de Paulo, seria menos proficuo, porque ficaria muito inferior á elegancia, á eloquencia, e á força da argumentação que se encontra no parecer da commissão.

Eis-aqui como se explica a commissão:

«As nações conservam-se e duram pela educação.

«As estatisticas demonstram que a instrucção, desacompanhada dos principios da religião e da moral, é impotente para cohibir e refrear o crime.

«Procurar educar a mulher para que ella saiba educar o homem, deve ser pois o esforço constante de todo o governo illustrado, como uma das mais seguras garantias da liberdade e prosperidade publica. E semear para colher mais tarde, mas será pouco abundante a colheita, se a semente não germinar aquecida pelo sol vivificador da moral e da religião.

«O instituto de S. Vicente de Paulo, porque é baseado n'aquelles salutares principios, pareceu á commissão ser um grande auxiliar para o fim que se tem em vista.

«A mulher religiosa que, menospresando as lianças e os preconceitos da sociedade, faz voto de viver casta e pobre, repartindo santamente o seu tempo entre a oração e o exercicio das obras de misericordia, essa é de todas a que mais abonos offerece para se lhe entregarem as creancinhas, e sobretudo áquellas que, lançadas ainda balbuciantes do ninho materno, mais necessidade hão de carinhos, que de instrucção, mais precisão de um guia que de um preceptor.

«A commissão, movida pelo firme desejo de cooperar para o bem estar do nosso povo, não podia em boa fé, e sem fazer violência» á consciencia de seus membros, rejeitar um instituto consagrado por dois seculos de existencia, recebido e bemquisto de todas as nações cultas, e sobretudo recommendado pelos aturados e importantes serviços que á humanidade tem prestado, e que o tornam ainda entre mahometanos credor de sympathias e digno de veneração.

«Não reconhecer os beneficios feitos pelas irmãs da caridade, quer no ensino, quer no tratamento dos enfermos, deprimir o seu zêlo e a sua dedicação, desconfiar do sentimento que as anima, menosprezar os serviços que ellas têem prestado e continuam a prestar á civilisação e á humanidade em todas as partes do mundo, é negar o bom senso de todos os povos cultos e barbaros, onde o ardor da sua piedade as tem levado a exercer a sua caridosa missão: é mais ainda, é negar os proprios factos domestico.

«A commissão não podia faze-lo, e por isso unanimemente votou pela conservação e manutenção do instituto de S. Vicente de Paulo».

A camara observou por certo que em cada linha, em cada palavra está uma grande e proficua sentença. Inimigos do instituto, contrariae, se podeis, estas verdades; largae o campo das banalidades, e entrae no exame das maximas e principios que dirigiram a sabia e prudente commissão.

Já o em.mo cardeal patriarcha havia, em uma das suas consultas ao governo de Sua Magestade, escripto o seguinte: « Sobre os pontos principaes, que dizem respeito a este assumpto que desgraçadamente entre nós está sendo tão ruidoso, e causa de uma lastimosa controversia ».

Já em uma outra d'essas consultas dirigidas igualmente ao governo de Sua Magestade havia s. em.ª concluido pela seguinte fórma:

«Só me resta manifestar a V. ex.ª francamente que me não posso persuadir que o instituto de S. Vicente de Paulo, que faz a admiração e o assombro de todas as nações, sem exceptuar as idolatras, em toda a parte em que se acha plantado produza flores de virtudes heróicas, e só em Portugal se receie que d'elle venham a nascer espinhos e abrolhos».

Parabéns a s. ex.ª parabens á commissão por terem a coragem de expender livremente uma opinião favoravel á conservação e manutenção de um instituto, geralmente reconhecido como um dos mais uteis á civilisação e á humanidade.

Mas a commissão foi mais longe, porque não hesitou ainda em propôr, como meio de fazer prosperar e dar vigor aquelle instituto, o restabelecimento da congregação da missão já conhecida entre nós com o titulo de rilhafollenses. A commissão vê no restabelecimento d'aquella congregação o meio de promunir ao abandono, em que se acham, de pastores espirituaes as terras do padroado da India, e as provincias ultramarinas: — «a commissão crê firmemente que, sem uma corporação de clerigos regulares) se não poderão conservar os direitos e a preponderancia que ainda temos n'aquellas longas terras, onde Portugal tanto dilatou a fé e imperio, não menos com a palavra do sacerdote, do que com a espada do guerreiro».

O que dirão á vista d'esta opinião os homens do falso progresso? Vejam como a commissão expondo livre e conscienciosamente a sua opinião sobre as vantagens do instituto das irmãs da caridade, propõe ao mesmo tempo, como complemento d'esta grande idéa, a reorganisação da congregação dos rilhafollenses! Condemnem os falsos progressistas este grande pensamento, tenham como reaccionarios os que aconselham ao governo este grande meio de sustentar o padroado da corôa na India, e a conservação das nossas terras de Africa, que eu em nome de todos os homens que amam a patria, e se não governam por utopias, damos os mais cordeaes parabens á commissão por ter a coragem e o bom senso de lembrar tal meio ao governo de Sua Magestade. Prestando homenagem á verdade, e querendo fallar com a maior lealdade, devo declarar que alguem da commissão assignou com declaração de vencido e alguem com a declaração de que o instituto das irmãs da caridade ficasse immediatamente sujeito aos prelados diocesanos.

Mas não foi sómente a commissão, composta de liberaes por excellencia, que seguiu as boas doutrinas a respeito do instituto de S. Vicente de Paulo; é o proprio sr. presidente do conselho que, envergonhado da medida que adoptou contra as irmãs da caridade, veiu propôr ás côrtes no dia immediato a reorganisação do instituto portuguez das mesmas irmãs da caridade.

Considerou o sr. presidente do conselho o que é o instituto das irmãs da caridade? Estudou devidamente esta questão? Remontou-se o sr. presidente do conselho á analyse do acto legislativo que creou esse instituto? Leu s. ex.ª o decreto com força de lei de 14 de abril de 1819? Acredita s. ex.ª que os catholicos terão fé no seu novo instituto, como a têem, e muito viva, no de S. Vicente de Paulo? Espera o sr. presidente do conselho que sua santidade dará ao instituto do sr. marquez de Loulé a approvação que deu ao d'aquelle instituidor, tão distincto pelas suas altas virtudes e santidade? (Riso.)

Permitta-me o sr. presidente do conselho o chamar a sua attenção sobre o mencionado decreto com força de lei de 14 de abril de 1819. Diz assim:

«Attendendo ao que as supplicantes representam e ás grandes utilidades que em serviço de Deus, meu e do estado devem resultar do pio estabelecimento que se propõe formar, em que a classe mais indigente e desamparada dos meus vasallos (e por isso a mais digna do meu paternal disvelo e real protecção), encontra asylo e soccorros beneficos offerecidos e fomentados pelo mais ferveroso zelo da humanidade e caridade christã: hei por bem e me apraz conceder-lhes o meu real consenso e as precisas faculdades para que possam fundar em Lisboa a congregação das servas dos pobres denominadas tambem irmãs ou filhas da caridade, segundo as regras e direcções dadas por S. Vicente de Paulo, etc.. etc.. etc...

Palacio do Rio de Janeiro, 14 de abril de 1819». Esta disposição: fundar as irmãs ou filhas da caridade, segundo as regras e direcções dadas por S. Vicente de Paulo ha de obstar á approvação do novo instituto, que poderá ser tudo, menos a reorganisação do que foi creado por aquella lei, segundo as regras e direcções de S. Vicente de Paulo.

Cheguei naturalmente á questão que serve de fundamento principal á portaria de 5 do corrente, e que é explicada nos §§ 1.º e 2.° dos considerandos que precedem as resoluções que apontei como iniquas.

Segundo a portaria do governo, invocando o decreto de 9 de agosto de 1833, as irmãs da caridade são obrigadas a prestar exclusivamente obediencia á auctoridade diocesana.

Ponho de parte circumstancias que nem de todos são conhecidas, e que reproduzo unicamente para esclarecer a questão. Posso assegurar que o immortal duque de Bragança nunca julgou comprehendidas nas medidas que publicou a respeito das ordens religiosas de um e outro sexo as irmãs da caridade. Era o instituto de S. Vicente de Paulo aquelle que elle considerou sempre como o mais util á humanidade; que sempre protegeu, deixando como legado á sua virtuosíssima viuva a continuação d'essa protecção que Sua Magestade Imperial tem seguramente continuado com o maior disvelo pelos pobres e classes infelizes, entregues aos cuidados das irmãs da caridade. Passemos comtudo á questão.

Analysemos por parte o referido decreto de 9 de agosto. O seu fim, como muito clara e explicitamente se diz no preambulo do mesmo decreto, foi destruir a instituição de prelados maiores das ordens militares, monachaes e outras quaesquer corporações religiosas que vivem em communidade.

O legislador explica os motivos e fundamentos por que decretou uma tal extincção da instituição dos prelados maiores. Diz que a decreta: 1.°, por ser esta instituição opposta ao espirito do Evangelho e á religião catholica romana (Deixo a sustentação d'este fundamento ao redactor do decreto de 9 de agosto). Diz, 2.°, que a decreta por ter-se a mesma instituição constantemente manifestado contraria á independencia do governo e consolidação da liberdade.

Não contente com isto especifica o mesmo legislador claramente o fim da medida, e tambem especifica as corporações que teve em vista. Leiam-se os artigos do decreto. Diz o artigo 1.°: «Nas communidades de todos os conventos, mosteiros e casas religiosas de um e outro sexo, em que houver doze individuos professos, estes formarão immediatamente um capitulo, em que á pluralidade de votos será eleito um prelado local para os reger e governar durante o tempo de um anno. Feita a eleição, logo o prelado e communidade darão parte d'ella ao ordinario da diocese, a quem prestarão obediencia, e os autos serão enviados á secretaria distado dos negocios ecclesiasticos e de justiça».

Página 909

909

Estas phrases = em que houver doze individuos professos = provam que o legislador sómente cogitou das communidades em que a profissão religiosa tinha logar.

Continua o decreto no artigo 2.° e diz:

«Nos conventos, mosteiros, casas regulares, e hospícios em que houver menos de doze individuos professos, o prelado actual assim o participará pela repartição respectiva ao governo, para que os religiosos d'essas casas sejam unidos aos de outras, que houverem de ficar existindo: as primeiras serão declaradas extinctas, e os seus bens incorporados nos bens nacionaes».

Como, com que logica se poderão applicar estas disposições ás irmãs da caridade?

Em primeiro logar respondam-me em boa fé e livres de espirito faccioso dos partidos. As irmãs da caridade formam ou formaram jamais algumas d'essas ordens militares, ou communidades, que tinham prelados maiores, que constantemente se manifestavam contra as instituições liberaes da monarchia?

Desafio os inimigos do instituto de S. Vicente de Paulo a que apontem um unico facto que auctorise a applicação de um tal fundamento.

Em segundo logar, se o decreto tratou sómente de conventos e ordens religiosas, em que tinha logar a profissão religiosa, como fazer applicação a um instituto, cuja regra começa por declarar, que as irmãs da caridade não são religiosas?

Vejamos o que diz a mesma regra no capitulo 1.° — Do fim e das virtudes fundamentaes do instituto—.

Diz: — «2.° Mas reflexionarão, que, ainda que não sejam religiosas, pois este estado seria incompativel com os empregos de sua vocação, sem embargo, estão muito mais expostas por fóra que aquellas; pois pelo ordinario não tem outro mosteiro, que as casas dos enfermos, outra cella que um aposento allugado, outra capella, que a igreja parochial, outro claustro, que as ruas da cidade, ou as enfermarias dos hospitaes, outra clausura, que a obediencia, outra grade que o temor de Deus, nem outro véu que a santa modestia ».

Se portanto nem o instituto de S. Vicente de Paulo se póde julgar comprehendido no citado decreto de 9 de agosto, nem lhe foi jamais applicado, como se deprehende dos documentos publicados; nem lhe podia por fórma alguma ser applicado, porque este, sómente cogitou de ordens religiosas, em que tinha logar, a profissão, o que se não verifica no instituto das irmãs da caridade, como acabo de provar pelas mesmas regras e prescripções do seu intituidor, como e com que poder foi decretado com falsos fundamentos o confisco dos seus bens, depois de declarada extincta a casa central de Santa Martha?

Mas dado e não concedido, que tal decreto comprehendesse o instituto de S. Vicente de Paulo, não teriam as irmãs da caridade direito a dizer, fundadas no mesmo decreto, que sómente são obrigadas á obediencia canonica ao prelado diocesano, e que em tudo o mais se devem governar pela regra do seu instituto?

Vejamos a disposição do artigo 3.° do citado decreto.

Diz assim:

«Os ordinarios das dioceses dentro das quaes estiverem os sobreditos conventos, mosteiros, ou casas religiosas, aceitarão á sua obediencia as communidades organisadas segundo o disposto no artigo 1.°, e as governarão espiritualmente como aos demais ecclesiasticos da diocese, fazendo lhes observar os institutos e regras da sua profissão».

«Fazendo-lhes observar os institutos e regras da sua profissão » diz o decreto: como combina o sr. presidente do conselho esta disposição com a exigencia da obediencia exclusiva, cuja falta serve de fundamento á sua iniqua portaria?

Ou existe manifesta contradicção nas disposições do decreto de 9 de agosto, não havendo outro meio de as explicar e salvar senão a interpretação authentica pelos poderes respectivos, ou então é necessario não exigir mais do que se contém na regra do instituto, porque é segundo esta que o mesmo decreto manda governar as communidades (apoiados).

Antes de mostrar o que é a regra do instituto de S. Vicente de Paulo, quanto ao seu regimen interno, permitta a camara que eu illucide este ponto da obediencia das irmãs da caridade aos prelados diocesanos, porque a portaria diz que, tendo as irmãs da caridade formalmente desobedecido a s. em.ª o sr. cardeal patriarcha, com menoscabo dos canones da igreja catholica, e em contravenção das leis do reino, é por tal motivo que manda confiscar os bens das mesmas irmãs da caridade, dando a congregação por extincta, e incorporando os ditos bens nos proprios nacionaes.

Em primeiro logar devo declarar que é inteiramente falso que as irmãs da caridade neguem obediencia aos prelados diocesanos, e como poderia ser assim se a regra no capitulo 4.°, que se inscreve da obediencia, logo no n.º 1.º diz:

«Prestarão honra e obediencia, segundo seu instituto, a nossos senhores, os bispos, em cujas dioceses se acham fundadas ».

Mas poderão dizer que a regra não é executada, e que os factos provam o contrario. É n'este ponto que eu appello para as declarações officiaes dirigidas por s. em.ª o sr. cardeal patriarcha ao governo de Sua Magestade.

Chamo a attenção da camara sobre o que passo a expor, e será reconhecido que os documentos publicados são contraproducentes, e que, em vista d'elles, a resolução do governo devia ser bem differente da que o espirito faccioso lhe dictou. Tambem servirá tudo o que vou expor á camara para a convencer de que não é só burla o que se tem passado em politica n'estes ultimos dias, como disse em outra parte o sr. presidente do conselho, é tambem burla tudo o que se está passando a respeito das irmãs da caridade.

Diz s. em.ª o sr. cardeal patriarcha, que as irmãs da caridade francezas vieram precedendo licença do governo para cuidarem dos doentes visitados pela associação de Nossa Senhora Consoladora dos Afflictos, e para tomarem conta dos orphãos da cholera morbus.

Diz mais s. em.ª, que não recebem subsidio algum do governo, e que a fonte da sua subsistencia consiste na caridade christã.

Já se vê que estas irmãs da caridade não podem deixar de ser altamente suspeitas de reaccionárias contra a liberdade, e que são para temer os meios á sua disposição. Quem não temerá que conspirem contra a liberdade os doente» protegidos pela associação de Nossa Senhora Consoladora dos Afflictos, e mais ainda os orphãos da cholera morbus? Quem não temerá que a caridade christã forneça a estas inoffensivas creaturas tantos meios que as habilitem a destruir a nossa liberdade? Fraca liberdade seria a nossa se tivesse receio de acabar com o emprego de meios fornecidos aos doentes e aos orphãos pela caridade christã (apoiados).

Diz, alem d'isto, s. em.ª, que as irmãs da caridade estão sujeitas aos prelados diocesanos, em tudo o que depende da sua jurisdicção ordinaria, e ao seu geral em França no que toca ás obrigações internas do seu instituto. Que o mesmo se deve dizer dos padres lazaristas.

Em vista d'esta declaração, eu empraso o sr. presidente do conselho par t, declarar quaes são os canones e boas doutrinas da igreja, que exigem das irmãs da caridade outra obediencia alem da que ellas prestam, segundo diz s. em.ª, ao prelado diocesano, em tudo o que depende da sua jurisdicção ordinaria. Note s. ex.ª, que exigindo na sua portaria a obediencia canonica, é esta a que ellas prestam, como em outra consulta assevera s. em.ª o sr. cardeal patriarcha. Tambem empraso s. ex.ª para me dizer qual é a lei vigente que exige a obediencia exclusiva das irmãs da caridade, contra a expressa letra da regra do instituto, que o proprio decreto de 9 de agosto manda observar.

Diz mais s. em.ª, que antes da vinda das irmãs francezas para Portugal, as irmãs portuguezas de Lisboa e de Viana do Alemtejo haviam-se reunido á casa mãe do París, sujeitando-se á obediencia do superior geral em França, e que para isso obtiveram licença do seu illustre antecessor. Que a regra que seguem as irmãs da caridade francezas é a mesma que escreveu o seu fundador S. Vicente de Paulo. Que não constituem communidade ou ordem regular, que não vivem em clausura, nem fazem votos perpetuos.

Foi o em.mo cardeal patriarcha Guilherme, o mais profundo e sabio canonista dos tempos modernos, que concedeu licença ás irmãs da caridade para voltarem á obediencia do seu superior, no que toca ás obrigações internas do seu instituto, isto é para se restabelecerem as cousas como estiveram até ao anno de 1838, com o consentimento dos ministerios os mais liberaes. A historia d'este acontecimento é narrada com toda a verdade em um dos documentos publicados. Aquelle eximio prelado, vendo que a sua jurisdicção diocesana era reconhecida e acatada, conforme os canones e o concilio de Trento, não teve duvida em conformar-se com o pedido que lhe fóra dirigido na conformidade do capitulo 4.° da regra do instituto de S. Vicente de Paulo, que, diz assim:

«Prestarão honra e obediencia, segundo seu instituto, a nossos senhores, os bispos, em cujas dioceses se acham fundadas, e obedecerão tambem ao superior geral da congregação da missão, porquanto o é tambem da sua, etc».

N'esta parte o actual prelado foi de accordo com o seu antecessor, porque confirmou todas as licenças por elle concedidas, e fez bem; o contrario seria obrar contra os canones, e contra o decreto de 9 de agosto de 1833, que mesmo a respeito das ordens regulares professas manda executar as regras da profissão. O que eu muito sinto é que s. em.ª quando recebeu o aviso do governo para exigir uma exclusiva obediencia das irmãs da caridade não sustentasse os seus anteriores procedimentos, e as boas doutrinas em que se fundara.

De accordo com o que assevera s. em.ª nas suas consultas dirigidas ao governo de Sua Magestade está a declaração assignada pelas irmãs da caridade, na qual dizem que, não obstante a obediencia ao seu superior no que toca ás obrigações internas, se não consideram desligadas da obediencia que devem a s. em.ª, como seu prelado.

De accordo com tudo isto está um documento, que o sr. cardeal patriarcha classifica de notavel, e que por isso mesmo mandou registar nos livros do patriarchado. Fallo da declaração escripta e entregue pelo superior geral da congregação da missão, a qual vem tambem publicada na folha official, e que aprouve ao sr. presidente do conselho tomar por base da sua extraordinaria portaria.

Diz assim: «Os missionarios francezes que vierem estabelecer-se em Lisboa terão por funcção especial sob o beneplacito, e com os poderes de s. em.ª o cardeal patriarcha, a direcção espiritual das filhas de caridade estabelecidas, ou que vierem a estabelecer-se no reino. Ficarão inteiramente na sua dependencia ¦ em tudo que respeita á jurisdicção e funcções ecclesiasticas. Ficarão tambem á disposição de s. em.ª para prestarem todos os serviços que entender a proposito ordenar-lhes dentro de suas funcções, e segundo a sua vocação. Elles ficarão sob a auctoridade do seu superior geral em tudo o que respeita ao regimen interno, e observação da sua regra.

«As filhas de caridade ficam estabelecidas na mesma posição para com s. em.ª e o seu superior geral. Seria para desejar que houvesse em Lisboa uma casa central de filhas de caridade, onde se collocasse uma administração superior da communidade, encarregada de tratar directamente com as auctoridades ecclesiasticas e civis do reino, sem que estas sejam obrigadas a corresponderem-se com París. Seria este o meio efficaz de preparar e experimentar as vocações, a fim de tornar nacional a instituição, ficando comtudo unida á casa mãe de París.

«Para realisar este pensamento bastava destinar a este objecto um vasto edificio, que tivesse as necessarias commodidades, é uma igreja. Os missionarios e as irmãs poderiam estabelecer-se ahi, e funccionar na igreja, que seria commum ás duas communidades. Não é preciso que se lhes dê a propriedade d'esse edificio, basta que tenham o usofructo, ficando a propriedade sempre á auctoridade ecclesiastica.

«E não se continha mais no original que existe n'esta secretaria, ao qual me reporto.

«S. Vicente, 7 de setembro de 1860. = José Ignacio Roquete, secretario de s. em.ª.

«Está conforme. = Direcção geral de administração civil, 7 de março de 1861. = Antonio de Roboredo».

Desejo que o sr. presidente do conselho me diga franca e lealmente, senão entende que a sua boa fé foi surprehendida quando lhe foi apresentada para assignar a portaria de 5 do corrente? Diga me s. ex.ª, se em vista de tudo o que acabo de expor não serei auctorisado a repetir, que é burla tudo o que se tem feito a respeito d'esta tão lastimosa controversia? Não poderá dizer-se que o ministro que assim fundamentou uma tal portaria faltou á verdade e enganou o Rei, publicando em nome do augusto chefe do estado uma tão iniqua medida? (Apoiados.)

Como! O poder ecclesiastico, conhecedor e observador dos canones, admitte e reconhece como canonica a obediencia das irmãs da caridade á sua jurisdicção episcopal, e como legal e conforme á regra do instituto a obediencia ao seu superior geral; e o sr. presidente do conselho nega estes factos, e por virtude da pressão do que é instrumento accusa as irmãs da caridade de haverem formalmente desobedecido ás ordens do chefe do estado! Desobedecer ás ordens de El-Rei! Se assim é, que um processo se instaure contra as irmãs da caridade; mas se pelo contrario ellas prestam a obediencia, • como exigem os canones, a sua regra e a lei, então que juizo se poderá formar de quem assim enganou o Rei?

Eu entendo sempre que em materias canonicas a opinião dos nossos bispos, sempre zelosos em sustentar as suas prerogativas e direitos, era a mais attendivel; agora observo que, na opinião do sr. presidente do conselho, ha pessoas mais competentes para resolver estes emaranhados assumptos. A essas pessoas competentes se refere a portaria, phrase substituida, que antigamente se dava nos documentos officiaes d'esta ordem: antigamente dizia-se = pessoas doutas e tementes a Deus = hoje estas phrases são substituidas por as de = pessoas competentes =.

Se taes pareceres existem, o que duvido, porque não foram mandados á camara? Não decidiu esta que fossem pedidos todos os que haviam servido de base ao iniquio acto do governo? Não se envergonhem de apparecer os seus auctores, mostrem-se que queremos conhece-los, e confrontar as suas doutrinas com as que sustenta s. em.ª, e o seu digno antecessor.

Empraso igualmente o sr. presidente do conselho para que nos apresente os pareceres d'essas pessoas competentes, queremos examinar quaes são esses eximios canonistas que acharam nos canones a obrigação de prestarem as irmãs da caridade exclusiva obediencia ao prelado diocesano dispensando as de obediencia ao seu superior nas obrigações internas do instituto. Venham esses pareceres, porque desejâmos examinar se foi o conhecimento dos canones, que aconselhou uma tal medida, ou se foi o espirito faccioso que a impoz (apoiados).

Ponhamos de parte e circumstancia de que um governo serio e prudente, um governo amante da justiça e dos principios, quando mesmo o decreto de 9 do agosto auctorisasse um procedimento violento, não devia executa-lo com animosidade nas actuaes circumstancias, porque arma de guerra como disse a nossa commissão de fazenda, para combater a guerra, pedia a prudencia e a boa moral, exigiam os principios de liberdade, que tal medida não fosse executada no estado normal em que nos achamos. Pedia sobretudo a prudencia que em vista dos procedimentos da auctoridade ecclesiastica, estando de accordo com o procedimento das irmãs da caridade: em vista dos actos do governo por cuja licença haviam entrado n'este reino as irmãs da caridade francezas, que o negocio não fosse resolvido por uma portaria na vespera do meeting cujo fim era essa portaria, mas que se pedisse a interpretação authentica aos poderes constitucionaes (apoiados).

Passo agora a mostrar em que consistem as obrigações internas do instituto de S. Vicente de Paulo. Entremos franca e lealmente na questão. Não fique nada occulto, e não venham illudir o povo com phantasmas que não existem. Acaso se encontra uma unica disposição regulando as obrigações internas das irmãs da caridade que não seja justa e santa?

Depois das maximas que o instituidor prescreve para as irmãs da caridade adquirirem todas as virtudes christãs, no n.º 7 do capitulo 1.° diz assim:

«Padecerão de boa vontade, e por amor de Deus as incommodidades, as contradicções, as calumnias e outras mortificações, com que serão affligidas ainda por haver feito bem».

Máxima santa tanto de accordo com as palavras do cruxificado.

Tem no capitulo 2.° designadas as regras e prescripções sobre a pobreza que professam. Lede o capitulo 8.° em que se contêem as prescripções sobre os exercicios espirituaes. Examinae o capitulo 9.° em que se descrevem as horas do dia e as obrigações que têem a cumprir em cada uma d'es-

Página 910

910

sas horas, e achareis o que se chama o regimen interno do instituto, reconhecereis que na observancia d'essas regras em nada se offende nem as regalias e direitos do poder secular, nem as do poder espiritual. N'este ponto de obediencia á auctoridade ecclesiastica local foi S. Vicente de Paulo tão cauteloso e tão escrupuloso que nas regras que prescreveu para as mestras das escólas determinou o seguinte:

«27. Terá assim mesmo entendido que não se hão de receber na escola toda a qualidade de meninas, senão unicamente as pobres, mas se a Providencia e a obediencia as chamar a alguma parochia onde não houver mestras para a instrucção das ricas, e seus parentes as rogarem com grandes instancias que as admittam em o numero das suas discipulas, n'este caso poderão faze-lo com o parecer do reverendo cura, mas com a condição que as pobres sejam sempre preferidas ás ricas e que estas as não despresem ».

A quantas considerações graves não daria logar esta regra imposta por S. Vicente de Paulo ás irmãs da caridade? Teve o santo instituidor principalmente por fim acudir ás necessidades das classes indigentes e pobres, e são estas as que entre nós estão servindo de instrumento contra as irmãs da caridade! (Vozes: — Muito bem.)

Não posso acabar o meu discurso sem dar conhecimento á camara da estatistica que mostra o estado em que se acham as casas regidas pelas irmãs da caridade em Lisboa e seu termo.

Segundo esta estatistica são quatro as casas de educação regidas pelas irmãs da caridade,; 452 orphãos das victimas da cholera morbus e da febre amarella, recebem da caridade christã vestido, alimento e educação.

São nove as irmãs da caridade que se occupam na educação e ensino d'essas 452 creancinhas, sendo cinco francezas e quatro portuguezas!

Acabae com este estado de cousas, esfriae e destrui esse enthusiasmo religioso das sempre virtuosas duqueza de Bragança e infanta Isabel Maria, de grande numero de fidalgas e outras muitas senhoras em differentes posições sociaes, e tereis de carregar com a educação e sustento de tantos centenares de creancinhas que vivem na orphandade de seus paes, e tudo isto se ha de realisar porque uma parte do povo que obra contra os seus proprios interesses assim o exige, excitado por pessoas cujos fins vão mais longe (apoiados).

Nem os factos nem a experiencia servem de lição a certos homens! Quem ignora ahi qual foi o resultado da reunião que teve logar no theatro de D. Maria II com o fim de hostilisar as irmãs da caridade, e substituir o seu ensino pela creação de escólas denominadas de instrucção popular! Qual foi o resultado? Quando se tratou de dar dinheiro todo o espirito patriotico desappareceu. Não se póde obter a somma de 120 réis (sensação, apoiados, é verdade).

Uma outra tentativa foi feita por dois homens de alta importancia, ambos sabios, e um dotado da maior actividade. Fallo do sr. Castilho e do sr. general Palmeirim. Estes dois cavalheiros chegaram a estabelecer tres escólas; duas já não existem, e uma ainda se conserva, porque recebe a protecção da associação das mesmas fidalgas que se acham no numero das que igualmente protegem o instituto de S. Vicente de Paulo (apoiados, é verdade).

Lede um relatorio ha pouco publicado, e que na minha opinião é um dos papeis mais bem escriptos na epocha presente; lede o relatorio do sr. José Maria Eugenio, nosso collega, ácerca do estabelecimento da casa pia, e ahi vereis as difficuldades, não digo bem, a impossibilidade em que se tem visto para achar quatro mestras para aquelle grande e proveitoso estabelecimento pio.

Não venham dizer-nos que é uma offensa á nação confiar o ensino das orphãs ás irmãs da caridade! Não venham accusar-nos de offender assim o bello sexo do nosso paiz. Nós convimos em que existem em Portugal grande numero de senhoras instruidas, e da melhor moral, ás quaes se poderia confiar a direcção e educação de tantas creancinhas, e oxalá que assim se podesse verificar; mas acaso as senhoras que têem essas qualidades querem prestar-se ao arduo trabalho de cuidar e educar taes creanças? Appareçam que serão immediatamente recebidas; mas lembrem-se do que nos diz o sr. José Maria Eugenio no seu excellente relatorio.

Não se illudam, não insistam em sustentar uma medida iniqua e illegal, e que alem d'isto póde ter como consequencia um grande peso para o thesouro, e a infelicidade quasi certa de tantas creanças.

Sr. presidente, eu já estou muito cansado, e a camara deve igualmente estar fatigada (Vozes: — Não, não). Vou concluir dizendo, que espero a resposta do sr. presidente do conselho, e que se ella me não satisfizer hei de mandar uma moção para a mesa.

Lembre-se o sr. presidente do conselho de que essa chamada opinião publica é muito despotica e caprichosa, e que nos arrasta muitas vezes a obrar contra o justo e contra o que temos por melhor. Acautele-se e tenha força para resistir a exigencias injustas, porque não é a opinião do dia a ultima palavra da historia; esta ha de julgar o sr. presidente do conselho, e ha de apresenta-lo segundo os seus actos, e não segundo os elogios de momento (apoiados—Vozes: — Muito bem, muito bem).

O sr. Presidente do Conselho (Marquez de Loulé): — Peço a palavra.

O sr. Conde da Taipa: — Eu tambem peço a palavra. O sr. Marquez de Ficalho: — Peço tambem a palavra. O sr. Presidente: — Tem o sr. presidente do conselho a palavra.

O sr. Presidente do Conselho: — Sr. presidente, esperava que o digno par que acabou de fallar censurasse acremente a portaria de 5 de março, e sustentasse a conveniencia da sua interpellação, mas para o que eu não estava prevenido era ter sido aggredido por s. ex.ª á minha entrada n'esta casa como desleal, e cavalheiro que não cumpro os meus deveres. A camara sabe que na segunda-feira eu aqui me apresentei para responder á interpellação, para cujo dia tinha sido marcada; por consequencia se eu na segunda-feira já estava prompto para responder, muito mais habilitado estaria hoje. Pedi a V. ex.ª de communicar á camara que motivo imprevisto e importante me tinha preso na outra camara, e então se não compareci logo no principio da sessão foi porque na realidade esse motivo existia. (O sr. Presidente: — Apoiado.) Disse um digno par que eu não tomei parte na discussão que se agitava na outra camara. Está s. ex.ª enganado; tanto na sessão passada, em que esta questão se discutiu na camara, como hoje, eu tomei a palavra, e tive de tomar parte na discussão. Disse s. ex.ª — que não havia motivo para eu estar na outra casa, e ao mesmo tempo affirmou que se tratava ali de uma questão que punha o ministerio em crise! Eu pergunto á camara se não foi o digno par mesmo que o affirmou? Se na outra casa se tratava, ou esperava que se tratasse, de uma questão d'esta importancia, não devia estar o ministerio presente á sua discussão (apoiados)?

Muitas outras cousas disse o digno par, mas a hora está muito adiantada, e o ponto principal é averiguar a legalidade da portaria de 5 de março.

Sr. presidente, desde 1833 em todas as occasiões que se tem agitado esta questão, ou de alguma fórma se tem tratado de irmãs da caridade, os homens mais competentes na materia, canonistas abalisados, e prelados distinctos, têem sido de opinião — que o decreto de 9 de agosto de 1883 comprehende nas suas disposições as irmãs da caridade, e para o comprovar eu passo a lêr á camara differentes documentos.

Em 1852 tratou-se de estabelecer em Vianna do Alemtejo um hospicio de irmãs da caridade, e o digno arcebispo de Evora escreveu ao ministerio do reino o seguinte officio (leu).

(Vide Diario de Lisboa n.º 66, de 22 do corrente). Aqui está a consulta do cabido de Evora (leu). (Vide o mesmo Diario).

Sr. presidente os dignos pares deram-me apoiados emquanto fiz estas leituras, mas é necessario que eu explique á camara, que tratava-se exactamente de uma questão identica...

O sr. Conde da Taipa: — Era inteiramente differente...

O sr. Conde de Thomar: — Era uma questão de jurisdicção entre dois prelados diocesanos...

O sr. Presidente: — Eu pedia aos dignos pares que deixassem progredir a discussão com a mesma placidez, porque se assim não for é muito inconveniente e irregular (apoiados).

O Orador: — O sr. patriarcha de Lisboa pretendia então que, se as irmãs da caridade estavam sugeitas ao seu superior, queria que ellas lhe prestassem obediencia e tivesse a mesma jurisdicção que o superior de París exerce nas irmãs francezas, de maneira que a questão é exactamente a mesma.

Ora depois d'esta epocha tratou-se de estabelecer um hospicio de irmãs da caridade no Porto, e aqui tenho presente um decreto que auctorisou essa creação. Parece-me que estava então o sr. conde de Thomar no ministerio, e este decreto é referendado pelo sr. José Bernardo da Silva Cabral (leu).

(Vide o mesmo Diario acima citado).

É exactamente a mesma cousa, na conformidade do decreto de 9 de agosto de 1833, e eu estou no empenho de mostrar que o parecer do governo, em relação a este decreto, tem sido exactamente da mesma opinião dos homens competentes.

Eu vou lêr agora um parecer do sr. patriarcha Guilherme, em que vem a mesma doutrina exactamente; e portanto a doutrina que o governo adoptou vem dos seus antecessores; é a mesma que todos têem partilhado, sem excepção, até hoje.

Aqui está o parecer do procurador geral da corôa a que se refere o que se acabou de lêr (leu). (Vide o mesmo Diario).

Aqui está tambem um parecer do sr. patriarcha Guilherme, que foi consultado sobre o mesmo assumpto (leu). (Vide o mesmo Diario).

O sr. Marquez de Ficalho: — Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: — Eu chamo a attenção da camara, porque o meu empenho é fazer ver que as disposições d'este decreto sempre se tem considerado vigentes, e as irmãs da caridade comprehendidas n'ellas, e assim o entendeu o sr. patriarcha Guilherme (leu).

(Vide o mesmo Diario).

Sr. presidente, ultimamente não leio, porque está transcripto no Diario de Lisboa, a opinião do sr. Mártens Ferrão, tambem pessoa competente, que foi ouvido na questão.

Portanto, recapitulando, digo que desde 1833 sempre que se tem agitado alguma questão a respeito das irmãs da caridade, quando se ha consultado as pessoas competentes, sempre estas entenderam que ellas são comprehendidas nas disposições do decreto de 9 de agosto de 1833 (apoiados). Não sei se é uma lei barbara, mas sei que é uma lei que pertence ao governo fazer executar.

Eu teria muito muito mais que dizer; mas confesso que estou muito cançado, e em pouco estado de poder contar com as minhas forças, e então tomarei a palavra mais tarde, porque julgo que esta questão ha de continuar.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. marquez de Ficalho sobre a ordem.

O sr. Marquez de Ficalho: — Era para pedir ao sr. presidente do conselho de ministros que mandasse estes documentos para mesa.

Agora verá a camara a lealdade com que eu pedi todos os documentos relativos ao objecto de que se trata. O governo enviou os documentos a favor, e presumi que não tinha outros, porque a requisição foi bem explica, de todos, quer pró, quer contra, e quando eu propuz o adiamento desta interpellação, declarei logo que dava dois dias para o sr. ministro do reino mandar a esta camara todos os documentos que tivesse em seu poder a este respeito, e s. ex.ª entendeu que os não devia mandar, mas devia trazer! (O sr. Presidente do Conselho: — Peço a palavra sobre a ordem).

Eu agora peço a s. ex.ª que mande esses documentos para a mesa, porque precisam ser estudados, e porque hão ter resposta com triumpho (apoiados).

Quando pedi que se adiasse esta questão por dois dias, para o sr. ministro do reino poder mandar acamara os documentos que tivesse sobre este objecto, sabia os motivos que tinha para o fazer, e assim ninguem dirá que eu tenho medo de entrar n'esta discussão (apoiados). Sr. presidente, eu tenho todos os defeitos, mas nunca tive medo (apoiados), e hoje mesmo fiz aqui um voto, e disse: se esta questão se não discutir hoje, eu não saio do meu logar emquanto d'ella se não tratar, e então eu tenho direito a ser tratado com toda a lealdade (apoiados).

Nós pedimos os documentos todos, pró e contra, elles hoje apparecem na mão do sr. presidente do conselho! Não é porque me aterre, eu possuo bastantes documentos para combater os contrarios; mas é uma deslealdade, depois de termos combinado com s. ex.ª que se tratasse esta questão com toda a lealdade e clareza, porque é isso conveniente para a camara dos dignos pares e para o paiz. Não póde ser pois na ultima hora em que apparecem estes documentos, que tão importante materia se trate como convem (apoiados). Alem d'isso permitta-me s. ex.ª que eu lhe diga, que está emprasado ou citado para vir aqui responder amanha aos quesitos que fez o sr. conde de Sobral.

Por consequencia peço, sr. presidente, que se levante a sessão, e que continue esta discussão ámanhã, depois e no outro dia (muitos apoiados).

O sr. Conde da Taipa: — Eu peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par.

O sr. Conde da Taipa: — Eu proponho que esta discussão fique adiada para a proxima segunda-feira. Vozes: — Para terça-feira.

O sr. Presidente do Conselho: — Eu não esperava que o digno par marquez de Ficalho me fizesse uma tão injusta accusação: digo injusta, porque se eu não mandei os documentos que acabei de lêr á camara foi porque me não foram pedidos (apoiados). Pediram-se outros, e esses foram presentes á camara: e que duvida podia eu ter em mandar estes, se elles eram todos abonatorios, fortaleciam, e estão em harmonia com a conducta do governo? Nenhuma. Custa-me pois que o digno par me accusasse de deslealdade: nem sou desleal, nem procuro sophismar nada que com esta questão tenha relação; pelo contrario bastantes provas tenho dado de querer responder a ella, e todos quantos olharem despreoccupados para o que se tem passado, reconhecerão esta verdade (muitos apoiados).

Digo, finalmente, ao digno par e á camara, que o governo é o primeiro que tem todo o interesse em que este assumpto se trate largamente, e se examime quanto com isto tiver relação, para assim justificar ao paiz o motivo justo que o decidiu a publicar a portaria em questão, em respeito á legislação vigente que o governo tem o dever de fazer cumprir (apoiados).

O sr. Conde da Taipa: — Eu não trato aqui de lealdades ou de deslealdades, mas trato sim de um direito que tenho e que se me não póde negar, e é o de examinar esses papeis que leu o sr. presidente do conselho; e como para o fazer preciso de tempo, é por isso que eu proponho o adiamento d'esta questão até segunda-feira.

Uma voz: — Segunda-feira é dia santo.

O sr. Conde da Taipa: — Pois eu proponho, em vista d'isso, que fique para terça-feira, e peço votos sobre esta proposta.

O sr. Presidente: — Queira reduzi-la a escripto e manda-la para a mesa.

O sr. Conde da Taipa: — Sim senhor.

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — Eu proponho que fique adiada para sexta-feira.

O sr. Ministro da Fazenda (A. J. d'Avila): — Mas permitta a camara que eu diga ser impossivel aos ministros virem aqui na sexta-feira, em presença da questão que. está pendente na outra casa do parlamento.

O sr. D. Carlos de Marcarenhas: — O sr. ministro não é membro d'esta casa, e não póde fallar com a insolência com que acaba de o fazer, dizendo que seja qual for a resolução d'esta camara o governo não vem.

Muitas vozes: — Ordem, ordem.

O sr. Presidente: — Se não ha ordem na camara, eu usarei do meu direito levantando a sessão.

O sr. Ministro da Fazenda: — O digno par, o sr. D. Carlos de Mascarenhas empregou uma expressão que eu não esperei nunca ouvir proferir aura homem bem educado, como s. ex.ª é! O digno par empregou a palavra insolência, que ninguem tem direito para dirigir a um ministro da corôa (muitos apoiados), nem os ministros esperavam ouvi-la nunca saír da bôca de um par do reino (apoiados).

O sr. D. Carlos de Mascarenhas: — O sr. ministro quando fallava virou-se para mim com insolência, e isso não aturo eu a s. ex.ª

Muitas vozes na camara: — Ordem, ordem.

Rumor nas galerias, e vozes: — Ordem, ordem, ordem.

Página 911

911

O sr. Marquez de Ficalho: — Sr. presidente,.peço a V. ex.ª que mande despejar as galerias se continuar n'ellas o rumor.

(Restabeleceu-se o socego).

O sr. Presidente: — Peço ao sr. conde da Taipa que mande a sua proposta para a mesa para entrarmos em regularidade, como logo se devera ter feito, quando o digno par acabou de propôr (apoiados).

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu preciso da palavra sobre a ordem.

O sr. Conde de Thomar: — Eu peço a palavra sobre a ordem antes de se votar.

O sr. Presidente: — Eu agora espero a proposta do sr. conde da Taipa, e depois direi a ordem em que estão inscriptos os dignos pares, e o sr. ministro da fazenda, que me pediu tambem a palavra já por duas vezes.

O sr. Conde de Thomar: — Eu pedia a palavra antes da votação da proposta, tendo em vista a dignidade da camara. Parece-me que seria em interesse de todos que eu usaria da palavra n'este momento, mas V. ex.ª a concederá de preferencia a quem quizer.

O sr. Conde da Taipa enviou a sua proposta para a mesa, concebida nos seguintes termos:

«Proponho que esta. discussão seja adiada para terça-feira. = Conde da Taipa.

O sr. Presidente: — Eu não posso preterir ninguem, e penso que não hei de preterir na ordem que for seguindo. Agora está já sobre a mesa a proposta, do sr. conde da Taipa, a qual se vae lêr.

Foi admittida.

O sr. Conde de Thomar: — Para um requerimento. O sr. Ministro da Fazenda: — Agora já eu tenho a palavra.

O sr. Conde de Thomar: — E para depois de V. ex.ª fallar.

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu desculpo o procedimento do digno par, o sr. D. Carlos de Mascarenhas, por ver que s. ex.ª seguramente pronunciou aquella palavra em um momento de irritação, e estou certo de que o digno par será o primeiro a retira-la, e a arrepender-se de a ter pronunciado, quando estiver a sangue frio. Mas, sr. presidente, o espectaculo que eu estou vendo é novo para mim: pois ignora alguem n'esta camara, que na outra casa do parlamento se estão discutindo assumptos em que se acha muito empenhada a administração, e que até o proprio digno par o sr. conde de Thomar reconheceu, e que por essa muitissimo attendivel circumstancia têem necessidade todos os membros do governo de acompanhar essa discussão? (Apoiados.) Ora, se nós estamos ali, como poderemos estar ao mesmo tempo aqui? Não podemos comparecer na mesma occasião em ambas as casas do parlamento, isso é impossivel (apoiados), nem o governo póde dividir-se para estar lá e para estar cá n'esta conjuntura; pois ha de, por exemplo, caír lá o ministerio e triumphar aqui, ou vice versa? O digno par, o sr. conde de Thomar, que já foi ministro, quereria isto para si em identidade de circumstancias? Diga-o s. ex.ª com lealdade. Querem os dignos pares sessão á noite, para n'ella se discutir este assumpto? Resolvam-n'o, que nós estamos promptos para vir a ella; mas querer que estejamos na camara electiva e aqui ao mesmo tempo, isso é impossivel, e por isso acho muito notavel que se censurassem os ministros, quando se sabia que elles estavam na outra camara.

Eu achei muito pouco justo que se nos levasse a mal não estarmos aqui, quando muitos dignos pares que vinham da outra camara, tinham observado, e sabiam muito bem, que o ministerio precisava estar ali reunido por força de circumstancias (apoiados).

Agora acrescento ainda que é absolutamente impossivel vir aqui, emquanto não terminarem na outra camara as questões que exigem ali a nossa presença, pois é certo que as horas da sessão de uma camara coincidem com as da outra, de modo que ainda mesmo para virmos aqui na terça-feira é necessario que no sabbado estejam concluidas na outra camara as questões que ali exigem imperiosamente a nossa presença. Se a camara dos dignos pares não quer esperar que esteja terminada a discussão que está agora pendente na outra casa do parlamento, altere a hora das suas sessões, que estaremos promptos a vir aqui, assim como hoje viemos (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: — Era para pedir á camara que não admittisse mesmo a proposta do sr. conde da Taipa, porque em vista do que se declarou por parte do governo, é expor a camara a um desaire, pois a declaração foi clara = o ministerio não vem =. (O sr. Ministro da Fazenda: — Não disse por essa fórma.) Todos ouvimos estas palavras, e foi desde então que se levantou agitação na camara. (0 sr. Ministro da Fazenda: — V. ex.ª dá licença que eu rectifique?) Pois não!

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu disse que não podiamos vir na sexta-feira, mas só na terça da semana seguinte, se no sabbado estiverem terminados os debates que estão pendentes na outra camara.

O sr. Conde de Thomar: — Eu não me refiro ás palavras que o sr. ministro ultimamente proferiu, porque essas foram bem medidas, e não ha duvida nenhuma de que s. ex.ª quando quer sabe fallar muito bem; refiro-me ás palavras que s. ex.ª proferiu primeiro numa simples declaração = o ministerio não vem =. Então se o ministerio nos annuncia já que não vem, para que se ha de expor a camara a um desaire? A minha opinião era que o sr. conde da Taipa retirasse a sua proposta, tomando a camara em, consideração tudo que se tem passado n'esta occasião. (O sr. Ministro da Fazenda: — E o publico.) E o publico sim. (apoiados).

Sr. presidente, eu estou pratico n'estes combates parlamentares; tambem fui muitos annos ministro, mas nunca vi suspender os debates n'esta camara, e n'uma interpellação que diz respeito só a um ministro, que póde deixar na outra casa todos os seus collegas, e honrar-nos aqui com a sua presença, visto que é membro d'esta camara; tanto mais quanto perante ella s. ex.ª se comprometteu a vir como ministro responder (apoiados).

Não se inverta porém o que eu digo; no que eu convenho é em que ainda teria logar o argumento do sr. ministro da fazenda e a desculpa do governo, se porventura no momento em que se carecia aqui da presença do sr. ministro do reino (que a isso estava compromettido) se tratasse na outra camara de uma questão a que estivesse ligada a existencia ministerial, e que tivesse de decidir d'essa existencia. Mas, pergunto eu, deram-se hoje essas circumstancias? Houve motivo para sermos obrigados a começar os nossos trabalhos depois das quatro horas? E se essas questões a que o sr. ministro allude levarem ainda dias na outra casa do parlamento, estamos no mesmo caso, continua o governo a recusar-se? (O sr. Ministro da Fazenda: — Não podemos vir á mesma hora, mude-se a hora das sessões d'esta camara.)

Sr. presidente, isto é um direito novo, uma pratica nova que se quer introduzir, e eu, visto que os srs. ministros nos declaram não poderem assistir aos trabalhos das duas camaras, segundo a pratica estabelecida desde que ellas existem, acho que o melhor será que este tenha as suas sessões em epocha differente, ou então que se fechem as portas d'esta camara, como muita gente quer e deseja. (Vozes: — Muito bem).

O sr. Visconde de Balsemão: — A questão de que se trata é complexa; mas eu queria que ella podesse ser tratada sem ser debaixo do aspecto de uma questão politica.

O sr. Presidente: — O digno par dá-me licença?... Agora do que se trata é da proposta do sr. conde da Taipa.

O sr. Visconde de Balsemão: — Pois eu vou concluir por isso mesmo.

Eu entendo que os documentos que o sr. marquez de Ficalho pediu que fossem para a mesa, devem não só ser do conhecimento da camara, mas tambem do publico, e que por isso devem ser impressos, para que a imprensa tenha tempo de os analysar (apoiados); porque é sabido que a imprensa periodica tem tomado muito interesse e calor n'esta questão; é pois preciso que appareçam todos os documentos, e que haja toda liberdade de os discutir n'esta casa e fóra d'ella. Peço portanto que se consulte a. camara a este respeito.

Eu não faço opposição politica, hei de votar com a minha consciencia, o que pretendo unicamente é conseguir que esta questão se trate no campo dos principios, da legalidade, e da bem entendida liberdade, livre de toda e qualquer influencia de paixões politicas.

O sr. Marquez de Ficalho: — Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Primeiro é o sr. conde da Taipa.

O sr. Conde da Taipa: — Eu cedo a palavra ao sr. marquez de Ficalho.

O sr. Marquez de Ficalho: — Felizmente que se acaba de dar uma certa consideração a estes documentos: o digno par pede que elles sejam, impressos no Diario de Lisboa. Eu voto por essa proposta, porque o que eu queria justamente era toda a publicidade; por isso propuz o adiamento na sessão passada, e hoje, fiz uma accusação com fundamento. As minhas palavras, quando pedi o adiamento, foram claras e ouvidas por esta camara, eu disse que queria dar todos os meios de se esclarecer completamente a questão (apoiados).

Diz o sr. presidente do conselho, que estes documentos que apresentou hoje são a seu favor, e por isso os não mandou. Isso não desculpa s. ex.ª, porque o pedido foi claro; pediram-se todos (apoiados). Eu disse mesmo que os queria de uma e outra parte, pró e contra (apoiados). Os documentos que eu tinha estavam por mim estudados, d'esses não precisava eu tanto, era justamente dos outros que eu tinha fallado, e foi já notando essa falta que propuz o adiamento. Isto é que era lealdade (apoiados). Quando eu portanto accusei o sr. presidente do conselho de não ter andado com a mesma lealdade, foi com fundamento. Agora estão conhecidos os documentos com que s. ex.ª entende que justifica o seu acto: examinem-se, publiquem-se e continue esta questão, quando V. ex.ª a designar de novo para ordem do dia.

O sr. Conde da Taipa: — Eu acabo de pedir o adiamento, porque vi apresentar o sr. ministro uns poucos de documentos com que quer sophismar o negocio (apoiados); os documentos a final dizem o mesmo que nós dizemos (apoiados), tal qual, mas é necessario não deixar passar o sophisma, porque esta questão é uma das mais serias (apoiados). Portanto os documentos precisam ser vistos e estudados, e nós queremos tirar os apontamentos que nos forem necessarios. Peço pois o adiamento para terça-feira, observando ao sr. ministro da fazenda, que não é de rigor que s. ex.ª e os seus collegas aqui compareçam n'essa occasião; em estando o sr. ministro do reino é quanto nos basta: entretanto o ministerio dirá quando póde vir.

O sr. Ministro da Fazenda: — O ministerio espera poder vir na terça-feira.

O sr. Conde da Taipa: — N'esse caso, mantenho a minha proposta que seja para terça-feira, visto que na segunda é dia santo.

O sr. Presidente: — Eu proponho duas cousas: a primeira é—se se deve tratar esta questão na terça-feira; e a segunda, se estes documentos hão de ser impressos no Diario, como propoz o sr. visconde de Balsemão.

O sr. Conde da Taipa: — Eu acho muito difficultoso imprimir-se tudo no Diario a tempo de servir para a discussão, e para este fim parecia-me bastante o estarem sobre a mesa, para tirarmos os apontamentos que forem necessarios, sem dependencia da impressão.

O sr. Visconde de Balsemão: — Eu pelas mesmas rasões que dá o sr. conde da Taipa é que acho necessidade da impressão. A questão é importante, e a impressão dos documentos serve para esclarecimento de nós todos e do paiz. E necessario que isto se trate com toda a lealdade, como diz o sr. marquez de Ficalho: eu entendo que, pela demora de dois ou tres dias, não periga a patria; o perigo póde estar em não terem todos conhecimento completo de tudo que ha a tal respeito. Peço pois que os documentos sejam todos impressos; e se isto se não vencer, peço que se declare na acta, que eu fiz esta proposta, porque quero a questão collocada inteiramente no campo dos principios, da legalidade, da conveniencia, e mesmo da honra d'esta camara.

Posta a votos a moção do sr. conde da Taipa, para esta materia ficar adiada para terça-feira, 26, foi approvada, assim como que se imprimissem no Diario os documentos apresentados, e lidos n'esta sessão pelo sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: — A primeira sessão será na terça-feira, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje. Está levantada a sessão.

Eram quasi sete horas da tarde.

Relação dos dignos pares, que estiveram presentes na sessão do dia 20 de março de 1861

Os srs.: visconde de Castro; Cardeal Patriarcha; marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Pombal, de Ponte do Lima, da Ribeira, de Vallada, de Vianna; condes, das Alcaçovas, do Bomfim, de Mello, de Mesquitella, de Penamacor, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar; viscondes, de Algés, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Campanhã, de Castellões, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Gouveia, da Luz, de Ovar, de Sá da Bandeira; barões, da Arruda, de Pernes, de Porto de Moz, da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, D. Carlos de Mascarenhas, Sequeira Pinto, Felix Pereira de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Pessanha, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Izidoro Guedes, Brito do Rio.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×