258 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Passo, pois, a outro assumpto sobre o qual, ha dias, eu desejo pedir explicações ao sr. presidente do conselho.
Eu desejo saber qual a rasão por que o sr. presidente do conselho ainda não mandou proceder á eleição dos circulos vagos, que creio que são uns doze ou treze.
Estamos quasi no fim da sessão ordinaria e até hoje ainda me não consta que esteja assignado o decreto, para se proceder á eleição d'estes circulos que representam, proximamente, 500:000 cidadãos, que não têem representante sua outra casa do parlamento. Este procedimento do governo é tanto mais estranhavel, quanto se tem estado a discutir negocios importantes e serios, que têem levantado o espirito publico, e obrigado o governo a conservar Lisboa em estado de sitio; (Apoiados.) é tanto mais estranhavel, repito, quanto se tem mandado cercar o parlamento de policias e municipaes, impedindo a entrada ao publico; aqui, onde elle deve ter a entrada livre. (Apoiados.)
Será o proceder legitimo de um ministerio que se diz progressista! Onde estão as tradições d'esse partido, onde está esse apregoado programma? Salve ao menos, sr. Braamcamp, um farrapo d'esse programma, e guarde-o para reliquia.
Sr. presidente, precisemos a questão.
Eu desejo que o sr. Braamcamp declare terminantemente á camara por que rasão se deixam estar vagos os circulos sem representantes legitimos no parlamento. Qual é a força occulta que o obriga este anno, e que o obrigou no anno passado a deixar de cumprir este importante dever, e a deixar de seguir os exemplos e tradições dos chefes do partido progressista?
Um dos circulos que está vago foi o que deixou já no anno passado o sr. Pereira de Miranda.
Para que não se precedesse a eleição n'elle, visto o governo não poder vencer, fez-se a trica mesquinha do sr. Pereira de Miranda entrar n'esta camara só nos ultimos dias da sessão, e da camara dos senhores deputados não declarar a vacatura!! Eu não sei como o sr. Braamcamp consentiu este facto, que é vergonhoso para si e para o seu partido. Factos d'esta ordem não se commentam, basta apresental-os com a maior simplicidade para, que o publico os aprecie como elles merecem.
Por que rasão não seguiu o sr. Braamcamp os precedentes estabelecidos por homens eminentes do seu partido, os srs. duque de Loulé e bispo do Vizeu, um já fallecido e outro que veja presente, e a quem folgo n'este momento de prestar homenagem, porque estando no poder mandára proceder ás eleições nos circulos vagos? E o sr. bispo de Vizeu foi tão solicito que mandou proceder por duas vezes ás eleições no mesmo anno, estando abertas as camaras; porque não segue e sr. Braamcamp o exemplo do sr. bispo de Vizeu? É que os seus antecessores, liberaes convictos e verdadeiros respeitadores do systema, prestavam homenagem ao parlamento, e não receiavam consultar a opinião publica e o paiz, sempre que se lhe offerecia ensejo; emquanto o sr. Braamcamp, em vez de seguir aquellas tradições nobres e elevadas, dominado por um poder occulto, não tem vontade sua, nem força propria, para manter as declarações feitas aos poderes co-legisladores, e por isso sacrifica os principies, o seu passado, e dá-nos o triste espectaculo de nos fazer hoje uma promessa para ámanhã faltar a ella.
Sr. presidente, limitarei aqui as minhas reflexões, aguardando a resposta do sr. presidente do conselho de ministros; e aguardo tambem a presença do sr. ministro das obras publicas para lhe tomar restrictas contas do seu procedimento ácerca das declarações formaes e categoricas que aqui nos fez, e n'essa occasião apresentarei o abaixo assignado de alguns cidadãos do Porto, protestando contra as suas affirmativas.
Leram-se na mesa as representações que o digno par apresentou, tendo-se resolvido que fossem impressas no Diario do governo.
O sr. Presidente: - Consta-me que se acha nos corredores d'esta casa o digno par, o sr. Gusmão, que vem tomar assento na camara; convido por isso os dignos pares os srs. Quaresma e Cortez a introduzirem o digno par.
Leu-se a carta regia, que é do teor seguinte
"Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da escola polytechnica de Lisboa, deputado da nação. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de lente substituto da escola polytechnica de Lisboa, com exercicio effectivo de mais de dez annos, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.
"0 que me pareceu participar-vos para vossa inteliigencia e devidos effeitos.
"Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881. = EL-REI. = José Luciano de Castro.
"Para Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente substituto da escola polytechnica de Lisboa, deputado da nação."
Prestou juramento e tomou assento o digno par o sr. Gusmão.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, são tres os pontos principaes para que o digno par, sr. Vaz Preto, chamou a minha attenção.
Um d'elles, se me não engano, diz respeito ás representações e abaixo assignados promovidos a favor da politica actual, e affirmando s. exa. que as assignaturas foram extorquidas pela pressão das auctoridades ou com promessas de empregos.
A este respeito, devo limitar-me a responder a s. exa. que tanto as representações a que s. exa. se refere, como outras quaesquer manifestações que tem sido apresentadas a favor do governo, têem sido completamente independentes de qualquer acção ou ingerencia do ministerio.
Nós não podemos por fórma alguma privar as pessoas, que seguem a nossa politica, do direito que lhes assiste de manifestarem a sua opinião favoravel ao governo; mas da nossa parte não tem havido a menor indicação ou pedido a este respeito.
Liberdade inteira e completa de manifestar nos termos legaes a sua opinião tanto para os que seguem a nossa politica como para os nossos adversarios, tem sido o principio que o governo tem tomado como norma do seu procedimento, e unico verdadeiramente liberal.
Nós não queremos de modo algum impedir quaesquer manifestações, dentro da orbita legal, que sejam contrarias ao governo, como não podemos da mesma fórma impedir que as pessoas nossas affeiçoadas manifestem claramente as suas opiniões.
Mas, torno a dizer, não tem havido da parte do governo nenhuma ingerencia n'essas manifestações.
Fallou tambem o digno par das demonstrações da força armada, que se deram n'estes ultimos dias.
Queixou-se s. exa. de que as duas casas do parlamento fossem cercadas de tropa, impedindo o transito publico.
Mal podia esperar que nos fosse dirigida essa arguição, por um membro d'esta casa; o governo tem estricta obrigação de manter a ordem. (Apoiados.)
É um dever a que elle não póde nem ha de faltar.
A força publica que n'aquella occasião se apresentou não foi senão para manter e assegurar a plena liberdade da representação nacional.
A todos os cidadãos foi permittido entrar n'este recinto e tomar logar nas galerias, tanto n'esta como na outra casa do parlamento. O que o governo não podia nem devia consentir era que se désse qualquer manifestação desordeira e que podesse ser contraria a algum dos membros das duas camaras, seja qual for o partido politico a que elle pertença. Era e é essa uma obrigação que se impõe a todos