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N.º 32

SESSÃO DE 2 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. Sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Conde de Lagoaça

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.-Correspondencia.-O digno par Oliveira Monteiro manda para a mesa uma representação da mesa da ordem do Carmo da cidade do Porto, e faz sobre ella varias considerações.- Secunda-as o digno par Thomás Ribeiro, que pede tambem providencias contra as fabricas de calcinação de ossos nos Terramotos.- Responde o sr. presidente do conselho e ministro do reino.- Lêem-se na mesa dois officios vindos da camara dos senhores deputados.- O digno par o sr. Teixeira justifica as suas faltas ás sessões.

Ordem do dia: continuação da discussão do bill de indemnidade.- Le-se uma proposta do sr. Coelho de Carvalho, e é admittida á discussão.- Faz declarações ácerca da reforma do exercito o sr. presidente do conselho.- Usa da palavra o digno par o sr. Cypriano Jardim.- Succede-lhe no uso della o sr. D. Luiz da Camara Leme, que, antes de dar a hora, e por muito fatigado, pede lhe permitiam que suspenda o seu discurso e o continue na sessão immediata. O digno par é attendido. - O sr. conde do Bomfim insta por documentos já pedidos.- O digno par Costa Lobo pede providencias contra o levantamento de terras na capital, e per-gunta se em Macau houve alguma cousa de extraordinario.- Responde-lhe o sr. presidente do conselho- O sr. Barros Gomes manda para a mesa, e pede que seja publicada no Diario do governo, uma representação da commissão administrativa da junta de Santarem contra o lançamento do addicional de G por cento. A camara ap-prova a desejada publicação.- O sr. Luciano de Castro faz varias considerações no sentido de não saírem tão caras, como da outra vez, as actuaes providencias contra o cholera.- Responde-lhe o sr. presidente do conselho.- Toma a palavra sobre o mesmo assumpto o digno par Pereira Dias.- Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e quarenta minutos da tarde, achando-se presentes 24-dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do sr. ministro da instrucção publica, enviando os documentos pedidos pelo sr. Jayme Moniz.

Outro do sr. presidente do conselho, enviando uma informação pedida pelo sr. José Luciano de Castro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Pedi a palavra para perguntar a v. exa. se posso hoje realisar a minha conversa com o sr. presidente do conselho.

Eu, sr. presidente, tinha pedido a v. exa. a fineza de prevenir o sr. presidente do conselho de que desejava que s. exa. estivesse presente n'esta casa, antes da ordem do dia, para tratar de um assumpto importante; mas infelizmente por incommodo de saude não me foi possivel vir hontem á camara.

Eu desejava, pois, que v. exa. me dissesse se o sr. presidente do conselho vem hoje a esta camara, antes da ordem do dia para lhe expor as ponderações que devo fazer ácerca da saude publica.

O sr. Presidente: - O sr. presidente do conselho como o digno par vê, não está presente, mas é muito possivel que s. exa. compareça nesta casa antes da ordem do dia.

O sr. Thomás Ribeiro: - N'esse caso peço a v. exa. me reserve a palavra para logo que chegue o sr. presidente do conselho.

Agora desejo que v. exa. tenha a bondade me dizer se dos documentos, que requeri pelos diversos ministerios, já chegaram á mesa alguns.

O sr. Presidente: - Ainda não chegaram.

O sr. Oliveira Monteiro: - Adverte que embora não veja presentemente nenhum membro do governo, comtudo aproveita a occasião a fim de mandar para a mesa uma representação que lhe fôra entregue pela mesa da ordem do Carmo da cidade do Porto.

Exalçando em seguida os serviços prestados por aquelle instituto de benificencia, pede providencias ao governo, em nome da hygiene publica; contra, segundo lhe consta, se pretender, com o augmento da guarda municipal, instalar as sentinas do quartel junto ao hospital d'aquella ordem e uma estrumeira no seu jardim, sendo alem d'isto muito para temer que lhe tirem parte d'esse jardim, para ahi se instalarem tambem cavallariças para a guarda municipal.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, devo dizer a v. exa. que hontem mandei dizer ao nobre presidente do conselho, por telegramma, a rasão por que não podia estar aqui á sessão e quaes os motivos da minha ausencia, fazendo isto por dever de bem educado, que prezo-me de o ser.

Não vou entrar desde já na apresentação das queixas de uma parte d'esta cidade de Lisboa, que com muita rasão se lamenta; antes d'isso tenho vontade de acompanhar as considerações que fez o digno par que me precedeu a respeito da cidade do Porto, onde tive a honra de ser governador civil.

Conheço perfeitamente todos os edificios, todas as circumstancias apresentadas pelo digno par e meu amigo e que se dão na cidade do Porto.

Conheço e já li um destes dias em alguns jornaes que ha certo receio que o augmento de forças de cavallaria no sitio do Carmo, onde já existe hoje o quartel do Carmo, traga comsigo um augmento de más condições hygienicas, porque v. exa. sabe que das accumulações de gente e animaes provem os naturaes attritos que s. exa. apontou e que de certo prejudicarão o hospital da misericordia que lhe fica vizinho, se o que se tenciona fazer for por diante.

Eu conheço os serviços prestados por ella, por isso espero que o nobre presidente do conselho attenderá a este pedido, feito por pessoas tão dignas.

Quanto ao collegio dos orphãos, a que s. exa. tambem se referiu, eu tenho idéa que na occasião que estava governador civil já pretendi remover as difficuldades que s. exa. apontou, e tanto que devem existir na camara municipal officios meus a este respeito, e esperava que s. exa. se referisse a elles. Já n'esse tempo havia receio de desabamento na parte da igreja e que d'isso fossem victimas os orphãos ali recolhidos.

Portanto era do meu dever acompanhar as reflexões do di-

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gno par, no pedido que fez em nome da misericordia, conheço os seus serviços e as muitas rasões que tem com o augmento das más condições hygienicas que podem trazer o quartel de cavallaria.

Parece me que os jornaes referiram que o proprio commandante da guarda tinha visto as difficuldades e os perigos que havia e pensava em remover o quartel, ou pelo menos não fazer ali o novo quartel.

Eu desejaria que o nobre ministro do reino, na resposta que vae dar ao digno par, manifeste alguma esperança a este pedido.

Dito isto, sr. presidente, visto que tratâmos de questões hygienicas, para que não tenho competencia, perdoe-se-me, se sem embargo d'isso e d'ella haver fallado um medico, para o qual eu fui todo ouvidos, tambem eu por meu turno peça iguaes providencias ao sr. presidente do conselho, a proposito de queixas que faz um dos bairros d'esta cidade á camara dos dignos pares, e, por intermedio d'ella, ao governo de Sua Magestade.

Este caminho, de apresentar-se ao poder executivo na epocha em que tudo é dirigido a Sua Magestade El-Rei, é um favor que nos deve dar um certo orgulho. Ainda alguem acredita que ha aqui ao menos o poder bastante para servir de empenho ante o governo.

É por isso que eu de muito boa vontade acceitei a incumbencia das pessoas que me procuraram para ser interprete dos seus desejos e das suas queixas ante o governo de Sua Magestade.

Tambem não duvido, qualquer que seja a minha situação politica diante do governo, da boa vontade do sr. presidente do conselho era remover tudo que possa ser prejudicial á saude publica, e estou certo que s. exa. fará toda a diligencia para remover as causas de insalubridade gravissima que eu vou apontar.

A cidade de Lisboa tem-se alargado por varias partes em bairros hoje já muito populosos e muito dignos da attenção publica.

Um dos novos bairros que se têem fundado e alargado na cidade de Lisboa, é o bairro de Campo de Ourique.

O bairro de Campo de Ourique pertence actualmente á freguezia do Santa Izabel. No bairro de Campo de Ourique existe o sitio chamado os Terramotos.

O sitio dos Terramotos é um sitio de montes abruptos; e de uma certa população não muito intensa nem muito extensa, onde ha tambem um sitio chamado dos Sete Moinhos.

N'esse logar dos Terramotos existiam umas doze fabricas de calcinação e os respectivos depositos de ossos, ainda não seccos, mas antes verdes, que são verdadeiros focos de infecção, quando, como ali succede, não estão em condições convenientes.

Ali estavam á sua vontade as fabricas onde se queimavam os ossos, e, a par d'isto, ainda mais a engorda de porcos em grande escala com mantimentos que vem do matadouro, e por consequencia, são outros focos de infecção, tanto os viventes como os seus alimentos.

Ora, v. exa. sabe. e sabe o sr. presidente do conselho, que o vento predominante é justamente aquelle que partindo de lá vem trazer por toda a cidade o mau cheiro de calcinação dos ossos.

Em 1885 houve tal epidemia de typhos em todo aquelle bairro, que assustou os seus habitantes, os quaes recorreram era numero de centenares aos poderes publicos, para os libertarem d'aquelle flagello, attribuindo aquelle foco de infecção o mau estado da sua hygiene e da sua saude.

Effectivamente as auctoridades sanitarias competentes unanimemente declararam que não podiam existir ali estes focos de infeção.

Isto em 1885, na occasião dos typhos em que muita gente morreu, do bairro formosissimo de Buenos Ayres e Santa Izabel.

A auctoridade, que sempre no papel faz justiça, declarou que não podiam existir ali similhantes fabricas de calcinação de ossos, e que fossem por consequencia tiradas de lá.

De facto, como sempre ha uns mais ou menos protegidos, duas ou tres fabricas que não catavam n'essa occasião no agrado do governo, porque os seus donos tinham votado contra os candidatos governamentaes, foram d'ali removidas.

Isto sei-o eu, sem elles mo haverem dito; e n'este ponto sou pouco mais franco do que o meu illustre collega que me precedeu, visto que quiz fallar era eleições, mas não fallou: eu, porém, fallo, porque desejo dizer as cousas como as entendo, e não me parece que com isto haja algum mal.

Os donos das fabricas, que não estavam no agrado da auctoridade, foram compellidos a sair dali, e hoje têem as suas fabricas na Porcalhota e mais longe, e os outros que tinham votado a favor do candidato governamental, continuaram a estar ali, a moer ossos, a augmentar os seus depositos e a engordar os seus cochinos, e por consequencia continuam as péssimas condições hygienicas deste sitio, provavelmente porque quem ali governa deseja favorecer estes, da mesma maneira por que desfavorece os outros.

Digo quem ali governa, porque nós somos um estado federal a respeito das regedorias de parochia; quem ali governa são os regedores, e conseguintemente, ha um tal ou qual federalismo, quando não ha absoluta independencia.

Exposto isto, eu não quero impedir o parlamento, porque sei que elle tem diante de si questões muito importantes, ainda que eu supponho esta de muita importancia, especialmente na occasião presente, porque é 9caso de trovejar e só então chamarmos por Santa Barbara, como dizia o meu illustre amigo que me precedeu.

Estou certo que o sr. ministro ha de dar as ordens no sentido que deve dar.

A questão é que o regedor as cumpra.

D'isso é que eu duvido, e, portanto, ponho já a s. exa. de sobre-aviso a este respeito.

E procedo assim, porque até o sr. ministro dos negocios estrangeiros, o sr. Hintze Ribeiro, meu amigo particular, aqui ha dois annos, estando então na opposição, apresentou uma representação, tambem uma nova instancia dos pobres habitantes da vizinhança dos Terramotos e declarou positivamente, que te não fossem removidas estas causas de infecção, durante o ministerio que estava, elle, quando o seu partido estivesse no poder, e porventura fosse ministro, havia de fazer com que ellas fossem removidas.

Isto ouvi eu com estes ouvidos que a terra ha de comer, mas parece que o sr. ministro se esqueceu do que então prometteu.

Portanto, não tenho duvida de dizer, que ha já a affirmação ou promessa formulada pelo governo, pela bôca de um dos seus membros, quando disse que havia de fazer isto. O que resta é que se faça.

Eu podia ler muitos documentos que tenho e pelos quaes se prova, não só a sentença de morte d'aquellas fabricas, mas até os despachos das auctoridades. Podia mesmo ler uns recibos que por lá se fazem sem sêllo, mas não quero que o sr. ministro leve o seu zêlo até ao ponto de metter os seus empregados subalternos n'um processo criminal.

Podia ler ainda outros documentos impressos em um dos jornaes que tenho presentes, e onde se prova tudo isto, e mais o sobresalto da opinião publica, traduzido no mesmo jornal a este respeito; mas não o faço, porque quero poupar tempo á camara. Só lhe quero dizer umas cousas.

Vae tão longe, n'aquelle sitio, o poder da auctoridade autónoma, que, tendo os habitantes d'ali pedido ao governo que mandasse para lá uma esquadra, ou uma estação de policia, porque toda a gente está já acostumada a ouvir pelos jornaes e pelas partes policiaes a noticia de uma ou outra desordem para os lados de Campolide ou S. João dos Bemcasados, que é onde ha os peiores casados, e tanto

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as desordens são frequentes, que os habitantes começam a fugir d'aquelle bairro, o governo disse que não tinha casa para esse fim.

Em vista d'isto, alguns proprietarios comprometteram-se a pagar á sua custa a casa e agua para a estação policial; mas porque isto podia contentar uns certos habitantes e descontentava a auctoridade local, que é quem tem o posso, quero e mando, superiormente se mandou retirar de lá a policia, apesar de estar n'uma casa de que nem ao menos o governo pagava a renda. Aqui está como as desordens por aquelle sitio continuam e hão de continuar, emquanto o sr. presidente do conselho não attender a este estado de cousas e se não der de mão a estas auctoridades e não levar mais longe o seu desejo de governar. No dia em que s. exa. governar, eu estarei então descansado, porque sei que s. exa. ha de cumprir com o seu dever.

Aqui tem v. exa. o que eu tinha a pedir ao nobre presidente do conselho e ministro do reino. Eu podia explanar muitissimo o meu pedido, mas não o faço e creio ter-me explicado de fórma a ser comprehendido por s. exa. e pela camara.

Aguardo a resposta do nobre presidente do conselho, e tornarei a usar da palavra se então o julgar necessario.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Em primeiro logar direi algumas palavras era resposta ao digno par que se referiu ao que está succedendo no Porto, a respeito do hospital do Carmo.

Segundo as informações que me chegaram aos ouvidos, têem-se feito e estão-se fazendo relevantes serviços n'este benemerito estabelecimento; mas como o digno par se referiu á circumstancia de haver ali um quartel pertencente á guarda municipal, eu direi a s. exa. que a guarda municipal foi augmentada, em vista da necessidade que havia de augmentar, tanto a policia civil de Lisboa e Porto, como as respectivas guardas municipaes, e d'ahi resultou o grave inconveniente de que s. exa. se queixa.

Eu posso dizer ao digno par que tomarei nota das suas observações, e, no que depender de mim, esteja s. exa. certo que farei todo o possivel para harmonisar os interesses d'aquelle estabelecimento benemerito com os interesses da policia e ao mesmo tempo da fazenda publica.

Se se tratasse unicamente de harmonisar os interesses d'este estabelecimento, pondo de parte os da economia publica, póde o digno par estar certo que estes seriam de prompto attendidos.

Mas o digno par sabe que o governo não póde deixar de attender tambem ás necessidades da policia e ás economias do thesouro.

Sr. presidente, o digno par mostrou o receio de que, tendo o governo chamado a si os serviços da hygiene, que estavam a cargo da camara municipal, esses serviços não lucrassem com isto; mas para provar a s. exa. que não ha motivo para essa desconfiança, eu lembro ao digno par que districtos ha em que a hygiene tem estado sempre, e com bons resultados, aos cuidados do governo, e eu tenho tanta confiança no sr. governador civil de Lisboa, que estou completamente convencido de que este serviço ha de melhorar estando s. exa. á testa d'elle.

Finalmente, o digno par e meu amigo o sr. Thomás Ribeiro tratou aqui do caso dos Terremotos, de que eu tenho idéa de ouvir fallar, antes mesmo de ser ministro, e em diversas epochas ouvi dizer que havia ahi umas certas fabricas que eram prejudiciaes á hygiene; mas tambem devo dizer ao digno par que desde que estou no ministerio ainda me não foi apresentada nenhuma representação contra essas fabricas; mas, se fossem verdadeiras, como estou certo que são as informações de s. exa., teria logo providenciado.

Entretanto ouvi attentamente e tomei nota das observações do digno par.

Pelo que respeita á estação de policia, direi ao digno par que o governador civil de Lisboa queixa-se e com muitissima rasão, da falta de pessoal.

O digno par sabe que depois que Lisboa tem a amplitude que lhe foi dada por uma lei votada ha cinco ou seis annos, mais se accentua a falta de policia, pelo menos nos pontos que foram annexados á antiga area. Foram creadas estações de policia, mas ellas existem de facto e não na realidade, porque ha uma falta enorme, não só de policias como de praças da guarda municipal.

Ha muita gente que vive afastada dos centros da cidade, ha muitos bairros novos, e por consequencia ha uma necessidade absoluta de crear pessoal que satisfaça as exigencias da grande area que hoje fórma a capital.

Disse que ha falta de praças na guarda municipal, e disse uma verdade, e essa falta accentua-se mais na epocha em que estamos, pelas multiplas necessidades a que é chamado este corpo de policia.

O digno par sabe muito bem que n'este tempo a guarda municipal é chamada a Cintra por causa das touradas, é chamada para a Outra Banda pelo mesmo motivo, é chamada, emfim, a prestar serviços onde as grandes agglomerações de povo os tornam imprescindiveis.

Posso afiançar ao digno par que na guarda municipal faltam actualmente umas cento e tantas praças, e o sr. commandante, que é muito zeloso, tem tratado de preencher a lacuna e continuará no seu empenho.

Ha portanto falta de policia, tanto municipal como civil, para acudir ás exigencias de uma area tão ampla como a que actualmente possue a nossa capital.

Pelo que respeita á guarda municipal, o digno par sabe que um dos decretos da dictadura, que vigora emquanto as camaras o não rejeitarem, tende exactamente a supprir a falta que se aponta, isto é, a crear o numero de praças sufficientes para policiar os bairros novos.

São estas, unicamente, as explicações que posso dar ao digno par.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Tenho a certeza de que o nobre ministro ha de olhar por esta questão da saude publica, como é de justiça e como é de rasão.

S. exa. não recebeu representação igual á que eu tive a honra de mandar para a mesa, porque nós não nos lembrámos do mal, senão quando elle chega, mas se v. exa. procurar no seu ministerio ha de lá encontrar os documentos que provam a verdade das minhas asseverações.

Pelo que respeita á estação de policia, sei perfeitamente que a grande area da capital exige um pessoal avultado mas é preciso que s. exa. saiba que em parte alguma é a policia tão necessaria como nos sitios de Campolide.

Nós sabemos perfeitamente que n'aquelles sitios ha muitas desordens. Se eu quizesse abusar da paciencia da camara, leria noticias que dão conta de desordens gravissimas naquelles sitios...

O sr. Rodrigo Pequito: - Apoiado.

O Orador: - E que tem chegado até a haver resistencias contra a policia.

Creio que já ali esteve ou está ainda estabelecida uma estação com tres ou quatro praças, e é possivel que este pequeno numero, auxiliado pelas praças da guarda fiscal, que tem um posto junto á estrada que circunda a cidade, preste alguns serviços. Comtudo, ha muita gente que não Vae para lá viver em vista das desordens que constantemente ali se dão todas as noites, e se ha algum bairro que mereça das auctoridades especial solicitude, é exactamente aquelle a que me estou referindo.

Se o nobre ministro perguntar ás suas auctoridades, verá que ninguem póde informar o contrario do que acabo de dizer.

Agradeço a s. exa. a resposta que teve a bondade de-me dar, e dizendo que vae averiguar do que ha a este respeito, eu só peço ao illustre ministro que, logo que esteja informado e que possa, nos diga o que ha sobre este

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assumpto. Se s. exa. se esquecer, o que não admira, em vista dos seus muitos affazeres, eu numa proxima sessão farei novamente esta pergunta.

O sr. Presidente: - Vão ler-se uns officios do sr. presidente da camara dos senhores deputados.

Leram-se e são os seguintes:

Officios

Enviando o projecto fixando a força naval no anno economico do 1890-1891.

Enviando o projecto de lei que tem por fim mandar cobrar por deposito a differença entre o direito fixado na pauta geral das alfandegas para o tabaco manipulado e o direito fixado no projecto de lei que auctorisa a adjudicação do fabrico dos tabacos.

Estes projectos vão ás commissões competentes,

O sr. Antonio José Teixeira: - Pedi a palavra, apenas para mandar para a mesa uma nota, declarando que tenho faltado ás Cessões por incommodo de saude.

O sr. Presidente: - Vae passar se á ordem do dia.

O sr. Oliveira Monteiro: - Eu tinha pedido a palavra apenas para uma explicação, e peço a v. exa. a bondade de ma conceder, porque muito poucos minutos tomarei á camara.

O sr. Presidente: - Tem o digno par o sr. Oliveira Monteiro a palavra para explicações.

O sr. Oliveira Monteiro: - Era simplesmente para agradecer ao sr. presidente do conselho a deferencia que teve de responder ás minhas considerações, embora só o fizesse depois do br. Thomás Ribeiro ter vindo em meu apoio.

Transmittirei aos cavalheiros que administram a corporação a que me referi as observações de s. exa., e fixarei bem que a promessa que s. exa. fez é uma garantia para o bom exito d'esta questão. E direi a s. exa. que, se porventura sobre isto ha já por sua parte essa promessa, ha todavia por outra parte uma ameaça, qual a do comandante da guarda municipal do Porto entender que os aquar-telamentos devem continuar ali.

O nobre ministro tomará em consideração o que acabo de indicar, e estou certo que s. exa. accederá ás legitimas aspirações d'aquella benemerita corporação.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 48, relativo ao "bill" de indemnidade

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, que é a continuação da discussão do projecto sobre o bill de indemnidade.

Vae ler-se uma proposta mandada para a mesa na sessão passada pelo sr. Coelho de Carvalho.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Considerando que a fixação dos contingentes de recrutas representa a exigencia do imposto de sangue, o mais grave do todos os impostos;

Considerando que a faculdade decretada para o augmento d'esses contingentes importa uma auctorisação sem limites para o lançamento d'esse imposto;

Considerando que uma tal auctorisação, alias sem precedentes até hoje, deixaria nas mãos do poder executivo uma das mais importantes attribuições do parlamento;

Considerando que a reforma das leis do recrutamento é um problema complexo cuja resolução está simultanea e especialmente ligada ás questões militares e as justas exigencias das industrias e da agricultura;

Considerando que nas actuaes circumstancias não é prodente avolumar as despezas publicas sem uma necessidade reconhecida, fundamentada e absolutamente inadiavel;

Considerando que, em conformidade com o decreto n.° 2 de 10 de fevereiro deste anno, fica o governo auctorisado para augmentar as despezas sem limitação de cifras;

Considerando que, pelas disposições de 1884, sem ampliar os seus quadros, contem os elementos militares sufficientes e que unicamente era preciso aperfeiçoar uma ou outra das suas disposições e organisar convenientemente a segunda reserva;

Considerando que o governo declarou, n'esta camara, não ter apresentado á commissão que encarregou de elaborar a reorganisação do exercito outras bases alem das que estão exaradas no decreto n.° 2 de 10 de fevereiro ultimo, as quaes são vagas e indefinidas;

Considerando que, não se tendo usado até hoje das auctorisações enunciadas pelo referido decreto n.° 2, fica reconhecido de facto que não é necessidade absolutamente inadiavel a sua immediato execução;

Considerando, finalmente, que as disposições d'esse decreto são de altissima gravidade em todas as circumstancias, e principalmente em presença das difficuldades economicas e financeiras da actualidade:

A camara convida o governo a não usar das auctorisações concedidas pulo dito decreto n.° 2, sem ter primeiramente ouvido sobre o assumpto uma commissão mixta, de sua nomeação, composta de officiaes de todas as armas na proporção da força e importancia militares de cada uma d'ellas, e de individuos, da classe civil, de reconhecida competencia nas questões economicas e financeiras.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem que esta proposta entre em discussão conjunctamente com o projecto, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Pedi a palavra para declarar ao digno par que me antecedeu, que, se não respondo desde já, não é por falta de consideração para com s. exa.; mas como outros dignos pares desejam fallar sobre este assumpto, e não posso responder a cada um de per si, e como não desejo tambem prejudicar a ordem da inscripção, reservo-me para pedir & palavra depois de terem fatiado mais dois ou tres dignos pares, e então eu responderei a s. exa.

Mas ao que eu não posso deixar de responder desde já, é a umas palavras que o digno par proferiu hontem, sobre terem corrido boatos de que a reforma do exercito tinha sido imposta superiormente ao governo. Ora, eu posso affirmar a s. exa. que esses boatos são absolutamente falsos e que a reforma do exercito é unica e exclusivamente da iniciativa do governo.

Foi apresentada em conselho de ministros, logo que o governo entendeu que, em presença das circumstancias, devia tomar medidas extraordinarias.

O sr. Cypriano Jardim: - Sr. presidente, tendo de responder ás considerações que hontem foram aqui feitas pelo digno par o sr. Coelho de Carvalho, começarei por dizer que sinto realmente que, tendo s. exa. tão boas idéas sobre cousas militares, e sendo, como mostrou, um tão bom cabo de guerra, como diria o sr. José Paulino, s. exa. não tenha querido seguir a nobre profissão das armas, deixando-se ficar, creio eu, em tenente de infanteria em inactividade, preferindo ás agruras da vida militar, os bons ocios de influente eleitoral, e rico proprietario do Algarve.

Lamento profundamente o facto, e commigo de certo o lamenta tambem o nobre ministro dá guerra, a quem o digno par poderia trazer o concurso dos seus conhecimentos, ajudando-o e esclarecendo-o, sobretudo quanto elle quer fazer a bem do exercito, e da defeza do paiz.

Assim, s. exa., conscio do proprio valor, á falta de diploma militar que o fizesse pertencer á commissão supe-

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rior de guerra, queria hontem que a reforma do exercito fosse feita pelo parlamento, e não por uma commissão qualquer de officiaes do mesmo exercito.

N'este ponto sinto não estar de accordo com o digno par. Nas camaras póde discutir-se um projecto de reforma, já elaborado, mas nunca entregar-se essa elaboração a uma discussão, que seria interminavel.

Se o digno par já estava hontem a discutir as bases geraes de uma reforma que ainda não appareceu, o que seria essa discussão, se a cada um dos pares e deputados o ministro viesse pedir uma opinião, e cada opinião por todos fosse discutida, seguramente durante trezentos dias, antes que ficasse assentada a primeira das dez bases apresentadas no projecto?

A commissão superior de guerra, composta de vinte e dois membros, creio eu, nomeou uma sub-commissão para fazer o projecto de reorganisação, que hoje é discutido pela commissão inteira. A pequena commissão sustenta o seu projecto perante a totalidade dos membros da grande commissão, e creio que a reforma do exercito vae assim bem, e depressa, que é o que é essencial no momento historico que atravessamos. (Apoiados.)

Isto são praxes que por melhores se segue sempre, e foi o que o governo fez.

Mas perguntava o digno par: se o ministro só deu á commissão as bases vagas do projecto, como é que a commissão as entendeu, e como ha de trabalhar?

Descanse s. exa. Quando uma commissão é composta por officiaes que se chamam João Chrysostomo de Abreu e Sousa, Pereira da Costa, Sanches de Castro, conde de S. Januario, José Joaquim de Castro, Francisco Maria da Cunha, Franziui, e tantos outros, essa com missão não precisa de minucias de exposição, nem o ministro lh'as deve dar, apresentando-lhe simplesmente os traços geraes do que deseja fazer.

Estes officiaes, a maior parte dos quaes foram ministros da guerra, sabem bem o que quer o actual ministro, que não podia nem devia, como já disse, descer a minucias que offenderiam a sua illustração.

Queria mais o digno par que se lhe dissesse o que seja, na base l.ª, o aproveitamento dos quadros existentes; se o seu augmento será indefinido, e o que é, em que consiste o futuro dos officiaes, dos soldados? se será rancho?...

E não se detendo em dar rasão das perguntas, continua vertiginosamente: o que é a instrucção dos sargentos? theorica? pratica? Serão os cursos dos corpos? Irão a escolas com prejuizo do serviço? E os braços rouba dos á agricultura? E durará o ministro? Se o ministro não dura como é que elle fará tudo isso? Porque o ministro não póde durar. E não durando o ministro, não durará o seu trabalho.

Emfim, sr. presidente, é tal a avalanche de perguntas do digno par, que me parece melhor para sua inteira satisfação, ir eu desfiando a doutrina de cada uma das bases do projecto, para assim melhor satisfazer a curiosidade do digno par, que ficará sabendo, pela analyse que eu d'ellas fizer, tudo o que eu lhe posso responder, pelo que sei, em cada uma, do que o ministro fez, do que faz, e do que tenciona fazer, tanto na fortificação do porto de Lisboa, como na reorganisação do exercito.

D'esta fórma, talvez possa mesmo prevenir alguma das perguntas que possa fazer o digno par, o sr. Camara Leme, que se me deve seguir no uso da palavra.

O sr. Camara Leme (interrompendo): - Como póde v. exa. responder-me, se eu não fallei ainda?

O Orador: - Eu não disse que ia responder a s. exa. Disse apenas que a analyse das bases do projecto, que vou fazer, poderia prevenir alguma das observações que v. exa. tenha a intenção de lhes fazer, porque supponho que v. exa., como militar, e occupando-se sempre de cousas militares n'esta camara, de certo tiraria os seus argumentos das bases do projecto, no qual não me parece haver mais nada sobre que se possa assentar uma argumentação qualquer.

Mas se o digno par, e illustre general, deixando os assumptos, militares, tem tenção de se entregar á discussão da reforma do municipio de Lisboa, ou da reorganisação judicial, que são tambem leis da dictadura, eu retiro as minhas supposições, que peço a s. exa. que tome á boa parte, e sem offensa á universalidade dos seus conhecimentos, tanto militares como juridicos.

Posto isto, começarei por expor o que sei do que se fez, do que se faz e do que ha intenção de se fazer, sobre a defeza do porto de Lisboa, e reorganisação do exercito.

Na defeza do porto de Lisboa, não me é licito dizer mais do que convem dizer-se n'uma camara, em sessão publica.

O que posso dizer, e o que é preciso que se saiba, é que o ministerio da guerra auctorisou a commissão de defeza a construir varias baterias ao norte e ao sul do Tejo, que, com as que já havia construidas, constituirão um systema de defeza que não deixará muito a desejar para o impedimento da entrada da barra de Lisboa.

Assim, estando já em construcção, ao sul, a bateria da Alpenna, serão ainda construidas a da Raposeira e de Briellas que impedirão que uma esquadra inimiga possa bater Alcantara, e Lisboa, a mais de 4.000 metros de S. Julião, do Bugio, e das mais baterias do norte construidas, e para construir, como são as de Lagoal, S. Gonçalo e Medroza.

E já que fallei da torre do Bugio, consinta o digno par, o sr. Camara Leme, que eu conteste uma asserção feita por s. exa., ácerca do artilhamento da referida torre. Creio que o posso fazer, visto que não previno, ou respondo a cousa que o digno par ainda não disseste, pois que na discussão do orçamento rectificado ouvi dizer a s. exa. que a torre do Bugio fora ha muitos annos mandada examinar pelo marechal Saldanha, por uma commissão que declarou ao marechal ser impossivel o seu artilhamento.

O sr. Camara Leme: - Eu não disse que não se podia artilhar.

O Orador: - Que não se podia defender?

O sr. Camara Leme: - Tambem não disse isso. O que eu disse é que se podia defender por modo mais realisavel por meio de uma bateria fluctuante.

O Orador: - Pois eu digo a s. exa. que lhe ouvi perfeitamente dizer que a torre do Bugio, segundo o parecer d'aquella commissão, não se podia artilhar, attenta a exiguidade ou falta de espaço das plataformas, para conter os reparos das peças. O que de mais se prova pelo conselho da bateria fluctuante.

E digo mais a s. exa. que a commissão nomeada pelo marechal Saldanha, tinha perfeitamente rasão.

O digno par, citando essa commissão de ha vinte annos, veiu provar mais uma vez que Saldanha era um grande general, mas que no tempo em que elle tão bem calculava a importancia do armamento da torre de S. Lourenço da Barra, esse armamento era impossivel, visto que n'esse tempo os reparos das peças de maior calibre de certo não caberiam nas suas plataformas.

Mas de affirmar que uma cousa se não podia fazer ha vinte annos, para affirmar que essa cousa não se póde realisar hoje, vae uma grande differença, e só prova que o digno par, ficando no relatorio da commissão era 1870, não seguiu o progresso da sciencia da guerra, no que respeita á artilheria de costa e praças maritimas.

Em 1870 as peças de maior calibre eram montadas em reparos cujas conteiras de certo não caberiam nas plataformas da torre do Bugio. Mas esses reparos foram soffrendo modificações e melhoramentos, até chegarem a girar em torno de um eixo vertical, sem o antigo recuo, que por fim só se dava, como ainda hoje, na peça, e, ainda assim, modificado por freios automaticos ou hydraulicos,

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Ha muito já que o uso do ferro para revestimento das defezas das fortificações começara a predominar, até que de progresso em progresso se chegou á adopção das cupo-las girantes.

Depois da guerra da Criméa os inglezes, abandonando as suas celebres torres Martello, começaram a applicar ás suas fortificações maritimas as couraças de ferro Lancastre, os escudo Hugues e por fim, a blindagem Drummont-Jervois, que esteve muito em voga.

Só depois de 1870 veio ao allemão Schuman a idéa de substituir por uma cupola de ferro fundido endurecido, a cobertura das canhoneiras nas casamatas, e d'ahi veiu a primeira cupola girante.

Este meio de defeza dos grandes canhões, só em 1880 foi definitivamente acceite, e os allemães aproveitaram-no num grande numere das suas fortificações.

A commissão de defeza mandou, portanto, a planta e alçado da torre do Bugio ás principaes casas constructoras, Creusot, Five-Lille, Krupp, Chantiers de la Mediterranèe e todas ellas mandaram para cá o armamento e couraçamento da Torre do Bugio.

A commissão desejando adquirir o melhor, espera apenas o resultado de umas experiencias que em poucos dias vão ser feitas com uma nova calote de aço espesso, para definitivamente adquirir o melhor typo de cupola.

A torre do Bugio é, portanto, susceptivel de ser artilhada segundo os processos modernos, e creia o digno par que o seu artilhamento será de um grande alcance e vantagem na defeza da barra.

E já que estou respondendo ao que o digno por já disse, deixe-me s. exa. dizer-lhe que, ao contrario do que s. exa. affirmou, tem-se pensado, e vae-se proceder á defeza da peninsula de Setubal, para evitar um desembarque pelo sul do Tejo.

Como s. exa. sabe, o velho general duque de Laifões, no seu plano de defeza do paiz, queria que ao sul de Lisboa o rio Coina fosse ligado a uma ribeira que vae desaguar no Sado, entre Setubal e a torre do Outão, e assim, aproveitando-se as aguas das nascentes das serras da Arrabida e Azeitão, estabelecer uma communicação entre o Tejo e o Sado, que, sendo já defeza natural, podesse ainda ser protegida por fortes isolados que teriam por guarda avançada o forte de Palmella.

A commissão de defeza não adoptou o plano por inteiro, por lhe parecer que as aguas d'aquellas serras não seriam sufficientes para conservar sempre cheia a communicação entre os dois rios, mas vae construir as baterias necessarias para que por aquelle lado não se possa effectuar passagem de forças inimigas.

A peninsula de Setubal será pois defendida.

Mas continuemos a responder ao digno par o sr. Coelho de Carvalho, mostrando a s. exa. como se tem cumprido a doutrina das bases dos projectos, não só da defeza de Lisboa, como da reorganisação do exercito.

Mas antes d'isso, deixe ainda o digno par que eu levante uma asserção feita por s. exa., que não fez, como outros têem feito, mais do que ser echo dos commentarios que por ahi appareceram, depois que um jornal de Lisboa publicou um artigo a respeito do que seria aquella reorganisação. Como se dizia no artigo, disse s. exa. tambem, que o que a reforma annunciava, a respeito da diminui cão de alguns regimentos, trará comsigo o desgosto profundo de algumas localidades do paiz, e a desintelligencia ou animosidade entre as armas do exercito.

A respeito de animosidades, engana se s. exa. absolutamente. Os officiaes do exercito, sempre cordatos e respeitadores das leis que elles sintam que são feitas para bem da instituição militar e defeza da patria, sabem bem que animosidades prejudiciaes na paz, são a ruina e a derrota do exercito na guerra. Apesar de todos os artigos possiveis, e de todas as insinuações perfidas que appareçam, elles sabem que no campo da batalha não ha armas especiaes, nem armas superiores. Todas são superiores, e todas são inferiores, se não se prestarem mutuo auxilio nas combinações de armas que a táctica prescreve. Sabe a infan-teria, a minha das batalhas, que não poderá, ella só, ganhar ama acção, se a artilheria, rompendo o fogo, não lhe preparar a marcha contra as posições do inimigo, já abalado pelos tiros das suas peças, feitos a grandes distancias. Por seu turno sabe a artilheria que não poderá sustentar-se nas posições d'onde deve proteger a infanteria, se por seu turno não for apoiada pela mesma infanteria e pela cavallaria. A primeira na frente, para evitar que os atiradores inimigos se approximem e lhe matem os serventes das peças: e a cavallaria na sua retaguarda, prompta a carregar o inimigo que tente surprehender a artilheria.

Se pois todas as armas se prestam mutuo auxilio, como podem ellas ter inveja umas das outras, se sabem que a falla de auxilio de uma qualquer, é a derrota do exercito, e a sua propria derrota? (Apoiados.)

Creia, pois, s. exa. que entre as armas do exercito não ha, nem haverá nunca animosidades. Isso só póde dar se no animo de algum individuo isolado, que não tendo nunca commandado um soldado, deseje conservar-se em qualquer commissão que lhe permitta ficar até ao fim da vida, a... a não commandar um soldado!

Mas contemos ao digno par, como resposta ás suas observações e perguntas, o que sabemos do que o governo tem feito, do que faz, e do que tenciona fazer, na fortificação do nosso porto e na reforma do nosso exercito.

É claro, e o digno par comprehende-o perfeitamente, que eu só posso dar conta á camara do que todo o mundo póde saber, sem entrar era minucias de artilhamento, combinação de fogos, etc., que não devam ser do dominio do publico, e muito menos do estrangeiro.

Saberá, pois, o digno par e a camara, que Lisboa será defendida por todas as baterias já construidas, chamadas de ruptura, taes como a casamatada de S. Julião, de Caxias, da Ribeira da Lage, e do forte do duque de Bragança, como pelas de calibre medio de costa, que são a bateria da face contigua á bateria de ruptura do forte do Duque, e a bateria do reducto sul de Caxias.

Ao sul vae proceder-se á construcção das baterias de Briellas e Rapozeira, como ao norte á das baterias de Lagoa e S. Gonçalo.

A maior parte destas baterias estão já recebendo a artilheria que as deve armar, estando já em fabrico, e quasi promptos a partir para cá, os obuzes, ou peças curtas de grande calibre, destinados ás baterias de tiro curvo.

Da quantidade e qualidade das bôcas de fogo nada mais devo dizer, podendo o digno par, se quizer, verificar da sua efficacia, pelas notas que possuo; e que não tenho duvida em lhe mostrar, particularmente!

A despeza a fazer com a construcção é artilhamento d'estas baterias, não está ainda, nem podia estar, verificada cifra por cifra. Posso comtudo affirmar ao digno par o sr. Camara Leme, que não chegará á terça parte dos 20.000:000$000 réis em que s. exa. fallou.

Mas não bastam para a defeza do porto as fortificações de terra. É necessaria a defeza na agua, effectuada por torpedos e navios de guerra.

Foi, portanto, a escola de torpedos auctorisada a proceder á compra de um certo numero de torpedos de fundo e automoveis que deverão ser collocados e lançados na barra, em todo o espaço comprehendido entre a torre de S. Julião e o Bugio.

Os torpedos de fundo, ou dormentes, serão adquiridos em condições de não poderem ser deslocados pela corrente das marés, e serão munidos dos respectivos meios de communicação de fogo, podendo explosir pelo encontro simples do navio com a bóia de espoleta fluctuante, ou pela vontade do official director, que de terra poderá fazer explosir, em occasião propicia, um, dois, ou todos os torpedos ao mesmo tempo. Para serviço dos autonomoveis foram já encommen.

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dados os competentes barcos, torpedeiros, lanchas, etc., estando já em construcção o plano inclinado, que tão necessario era para este serviço.

De tudo isto o digno par melhor se convencerá, se quizer fazer, commigo, uma visita ás fortificações e á escola de torpedos em Paço de Arcos. É vista do que observar, ficará s. exa. convencido de que no ministerio da guerra se tem trabalhado e feito mais era seis mezes, do que ali se havia feito era muitos annos. D'isso felicito o sr. ministro da guerra.

Mas continuemos expondo era poucas palavras a doutrina de cada uma das bases da reorganisação do exercito, e respondendo assim ás perguntas de s. exa.

Na l.ª base diz-se que se ha de remodelar a constituição das diversas armas e serviços do exercito, de accordo com as necessidades da defeza do paiz, aproveitando convenientemente os quadros existentes, quando não seja necessaria a sua ampliação, e cuidando-se devidamente da situação e futuro dos officiaes, officiaes inferiores e mais praças.

A simples leitura desta primeira base produziu no digno par um espanto de tal ordem, que o trouxe espavorido a perguntar ao ministro cousas varias, numerosas, que indicavam claramente o desejo de saber, e a anciedade em que ficava, no receio de que a resposta não correspondesse ao desejo.

Pois a explicação é simples. Remodelar a constituição das armas do exercito, de accordo com as necessidades de defeza do paiz, é dar-lhes uma organisação que corresponda na pratica da defeza á estrategia e á táctica que essa defeza exija. Será theorica, será pratica? Perguntava s. exa.; em que bases assenta? E o augmento dos quadros será indefinido? E o futuro dos officiaes? O que é? Dos soldados? Será rancho?

Se a organisação será theorica? Declaro a s. exa. que não comprehendo a pergunta. Uma organisação é theorica quando está no papel, e é pratica quando se executa. Se é praticavel, e é talvez o que o digno par queria perguntar, não o sei eu dizer, porque a não conheço ainda. Se o augmento dos quadros será indefinido? Posso afiançar ao digno par que não será, visto que, não podendo o exercito ser indefinido, não poderá tambem ser indefinido o quadro dos seus officiaes, se tem de corresponder ao numero de soldados que devem constituir as differentes unidades tacticas de que é formado.

Parece-me melhor passar á 2.ª base, na impugnação da qual o digno par lamentou o augmento do contingente annual, por vir roubar mais braços á agricultura.

Na primeira parte direi ao digno par? que, a qualquer systema de defeza que tenha de se adoptar em qualquer paiz, corresponde sempre a força que tem de effectuar essa defeza.

O augmento no numero de praças fortes, exige o augmento no numero de soldados que as devem guarnecer.

O augmento nos vasos de guerra exige o augmento na força naval a recrutar para a sua guarnição.

E quem sabe? Talvez a organisação de regimentos para o ultramar, venha ainda augmentar o contingente annual.

Emquanto ao perigo que virá á agricultura, do augmento do contingente annual, descanse o digno par. Serão licenciados todos os soldados que não façam falta ao serviço ordinario da guarnição, e só serão chamados para a instrucção dos quarteis, dos polygonos, e da brigada de instrucção, em epocha propria, quando os trabalhos dos campos os possam dispensar. O digno par sabe, que ha dois mezes a esta parte, tem reunido aos corpos todas as praças que estavam em uso de licença, e as primeiras reservas, e ninguem se tem queixado da falta de braços pelos campos. Porque os campos estão lavrados e semeados, e o resto pertence ao sol, á chuva, á boa ou má estação, emfim. Todas as nações militares seguem esta regra, e nós não podemos ser excepção á regra geral, se quizermos constituir exercito pelos processos acceites nas mais adiantadas.

Na doutrina da 3.ª base, estamos perfeitamente de accordo, eu, e o digno par. É preciso organisar e instruir a segunda reserva do exercito. É preciso, é essencial, porque a segunda reserva, bem constituida, e convenientemente instruida será, pelo seu numero, a primeira base para a mobilisação de um exercito forte e numeroso. Infelizmente são tantas as proveniencias de que é constituida a nossa segunda reserva, pela lei de recrutamento de 1887, e tão recente é esta lei, que a nossa segunda reserva ainda se acha muito longe do seu desideratum pelo pequeno numero de praças que realmente d'ella façam parte, e pela sua falta de organisação. Não sei se por descuido, se por difficuldades imprevistas, o certo é que a segunda reserva do exercito é, por emquanto uma ficção. Tenho porem a esperança de que a commissão já nomeada para a organisar, levará o seu trabalho a bom termo, e em pouco tempo.

Sr. presidente, a 4.ª base da reorganisação liga-se intimamente com a 6.ª, com a 7.ª e com a 9.ª e difficil será tratar da sua doutrina, independentemente da das outras. A instrucção das differentes armas e serviços do exercito está-se hoje praticando nos regimentos, na escola de infanteria, nos polygonos, em toda a parte onde tem concorrido forças pertencentes ás differentes armas.

Nos regimentos tem-se trabalhado quanto possivel, e attestam-n'o os relatorios dos commandantes, que todos os mezes chegam ao ministerio da guerra.

Nos polygonos de Vendas Novas, e de Tancos, sabe bem o digno par como todos os annos se pratica tudo o que de melhor vae apparecendo em questões do tiro e trabalhos de engenheria.

Está funccionando a brigada de instrucção, onde vão dar provas do capacidade militar, os capitães e coroneis que devem subir ao posto immediato.

E creia s. exa. que os bons resultados obtidos na brigada de instrucção, são muito superiores aos que se esperavam de uma escola de guerra que era uma tentativa apenas; ali se tem executado o programma da sua creação, com resultados surprehendentes. Os officiaes era tirocinio têem satisfeito a todas as provas, por fórma a deixar plenamente satisfeitos os jurys, demonstrando mais uma vez que os officiaes do exercito portuguez têem todos vontade de estudar, e capacidade para sustentar o bom nome que tem alcançado no conceito dos estrangeiros.

Amanhã virão as grandes manobras de divisão, ou de corpo de exercito, completar, em grande, a combinação das armas que já se executa na brigada de instrucção. Espero que não venha longe o tempo era que isto se fará, e espero que o digno par ficará satisfeito, como bom patriota, ao ver que fazemos exercito, e que teremos exercito. (Apoiados.}

N'esta esperança, e seguro, como disse do patriotismo do digno par, não attribuirei as perguntas que s. exa. fez ácerca da 5.ª base, a receios que s. exa. tivesse de que lhe tirassem infanteria 15 de Lagos.

O sr. Coelho de Carvalho (interrompendo):- Infanteria 15 está em Mafra!

O Orador: - Ah! Infanteria n.° 15 está em Mafra? Pois ahi tem o digno par, mais uma prova da efficacia da reforma! Infanteria n.° 15 saíu de Lagos, do extremo sul do paiz, onde permanecia ha trinta e tantos annos, para vir hoje á escola de infanteria, receber a instrucção do tiro de combate, que de certo lhe faltava depois de tantos annos de delicias no bello clima do Algarve, que, a durarem mais algum tempo, perderiam o regimento, como as de Capua perderam Annibal.

A distribuição da força publica de que trata a base 5.ª, será feita segundo o plano de defeza do paiz.

Se, como previa o velho general duque de Lafões, o plano de defeza consistir no estabelecimento de tres corpos de exercito, ao norte, ao sul, e ao Alemtejo, aproveitan-

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do-se as defezas do rio Minho e serras do Mamo e Gerez ao norte, o Guadiana e serras de Monchique e Caldeirão ao sul, e as serras que a leste defrontam com a Estremadura hespanhola, não terá o digno par o minimo receio de que lhe seja tirado de Lagos o regimento de infanteria n.° l5, e a sua influencia eleitoral ficará intacta, e mesmo augmentada, já que para tal tem trabalhado.

Se, como queria Gomes Freire de Andrade, seis corpos de exercito manobrarem independentes, nas seis provincias militares era que o illustre estrategico dividia o paiz, ainda uma ou mais d'essas provincias ficarão no Algarve, e o regimento n.° l5 ainda ficará em Lagos, para satisfação das honras politicas do digno par.

Esperemos, pois, que tudo se fará pelo melhor.

Em todo o caso, entrando eu na base 6.ª, rogo ao digno par que consinta que uma, ou outra vez, o regimento de infanteria 15 venha á escola de infanteria, em Mafra, hoje separada da de cavallaria, para ali se exercitar na pratica do tiro de combate, de reconhecimentos militares, da fortificação do campo de batalha, dos trabalhos de acampamento, bivaques, emfim, de tudo quanto ali se ensino, e que deve ser sabido por todos os individuos que constituem o que se chama exercito moderno. (Apoiados.)

E assim, sr. presidente, somos chegados á base 7.ª, uma das principaes, pois que a sua doutrina nos dá a esperança de um progresso real e pratico na instrucção do nosso soldado.

As carreiras de tiro têem sido sempre o objecto de mais attenção para todas as nações militares.

A sua necessidade e vantagens, são principios axiomaticos.

De que serve a um soldado a sua arma, se elle não souber servir-se d'ella? Se n'ella não tiver confiança? (Apoiados.)

Da confiança na sua arma, virá a confiança em si proprio, e o sangue frio que essa confiança traz comsigo.

E da confiança do soldado em si, virá a confiança do soldado no official que o commanda, pela certeza que o soldado tem de que o seu official, ao dar-lhe uma ordem de fogo, sabe e confia, por seu turno, que a sua ordem será bem executada.

E a confiança reciproca que faz a força dos exercitos. Entre o soldado e o seu official, como entre as armas que os constituem.

As carreiras de tiro são, pois, necessarias, tanto para o soldado, como para o cidadão que não faça parte do exercito activo.

Por isso fez bem o sr. ministro da guerra era mandar organisar o tiro civil, e em ordenar que o seu regulamento fosse distribuido a todas as auctoridades militares e civis. Lá fora faz-se isto, e mais. Estabelece-se concursos annuaes de tiro, com premios dados pelo governo aos melhores atiradores que pertencera a sociedades de tiro particulares. O tiro de Vincennes é uma festa em França, e durante o tempo da sua duração, vêem-se por toda a parte festejados os concorrentes aos premios do governo.

Em todos os arraiaes ou festas populares dos arredores de Paris, e departamentos, abundam as barracas de tiro, sempre cheias pelos mancebos que hão de pertencer ao exercito, e que já vão sendo atiradores antes de chegar aos vinte annos.

Dizia o illustre deputado, e distincto official o sr. Dias Costa, no seu discurso militar, que o governo gastaria mais de 100:000$000 réis por anno, com a organisação do tiro civil. Ao que o meu amigo o sr. Bocage respondeu patrioticamente, que: abençoada será tal despeza, se com ella conseguirmos que a população de Portugal tenha uma instrucção comparavel á que tem a Suissa.

Respondeu muito bem o illustre official e meu amigo, mas podia ter acrescentado, que taes 100:000$000 réis não se gastarão, visto que os cidadãos adestrados no tiro, antes de pertencerem ao exercito, produzirão para o estado a economia da despeza que não precisam depois fazer nas carreiras regimentaes. (Apoiados.)

E esta instrucção previa terá ainda a vantagem de produzir atiradores já feitos, quando a patria em perigo precisasse de um exercito composto de todos os seus filhos! (Apoiados.)

Haverá, pois, carreiras de tiro civil, e nós conseguiremos um exercito de cidadãos, se assim posso dizer, que não se assimilhará de fórma alguma ás milicias de outro tempo. (Apoiados.)

Sr. presidente, trata a 8.ª base de melhorar e completar os armamentos das diversas armas do exercito.

Comprehende-se esta necessidade. Uma nação pequena, que não tem arsenaes onde construa por conta propria, tudo o que constitue o armamento do seu exercito, estuda, e é o que deve fazer, o que de melhor houver lá por fóra. As proprias nações que possuem exercitos numerosos, recorrem á industria particular para armar os seus soldados e as suas fortalezas. Nós devemos fazer exclusivamente isto, estudando com attenção os progressos que vão alcançando os armamentos estrangeiros. Esses progressos são tão rapidos, que nenhuma nação póde dizer, n'um dado momento, que possue a melhor espingarda, ou o melhor canhão.

Nós comprámos a arma Kropatchek, julgada uma das melhores no momento da acquisição. A esse tempo apparecia em França a arma Lebel, julgada a ultima palavra, e hoje já os allemães apresentara, como melhor, a sua nova espingarda, que não tem, ao que dizem, o inconveniente do rapido aquecimento do cano no tiro de repetição, conservando todas as condições balisticas precisas.

Tratemos, pois, nós tambem, de completar o nosso armamento. N'isso está trabalhado uma commissão, que faz a comparação das melhores espingardas, tratando, ao mesmo tempo, do armamento que melhor convirá, segundo a sua indole, á cavallaria, aos serventes e aos conductores de artilheria, etc.

Armemo-nos, pois, e armemo-nos bem. Se não temos recursos para sustentar um exercito numeroso, façamos que a superioridade do seu armamento supra a falta de numero dos seus soldados. (Apoiados.)

Sr. presidente, chego á base 9.ª Chego á base que eu considero, pelo seu alcance, a mais importante de todas as bases da reorganisação do exercito.

Reformar as escolas destinadas á instrucção dos officiaes inferiores.

Sr. presidente, a classe dos sargentos do nosso exercito constitue um funccionalismo militar, onde só se encontram dedicações obscuras, sem premios que as paguem, ou direitos que as compensem.

A lei de 1884, que abre aos sargentos um certo numero de empregos militares e civis, não póde dar satisfação áquelles que aspirem a ser officiaes, e a continuar no accesso aos primeiros postos do exercito.

Para o preenchimento de quasi todos esses empregos exige-se aos sargentos o curso das escolas regimentaes, quando não se lhes exige ainda o conhecimento de linguas, e até cartas de institutos.

Isto equivale a fechar-lhes a entrada em muitos d'esses empregos.

Pois exigindo-se aos sargentos muitas habilitações para os empregos civis, não se lhes exigia, até hoje, mais do que o curso das aulas regimentaes para a sua entrada no quadro dos officiaes.

Mas succederia isto porque os sargentos não desejassem estudar, e habilitar-se com uma instrucção que se podesse equiparar áquella com que outros officiaes saíram das escolas?

De fórma alguma. Os sargentos do exercito, trabalhadores e briosos como são, anciaram sempre habilitações que lhes abrissem as portas do officialato, onde elles podessem entrar fortes da instrucção adquirida, e da confiança

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e amisade a que essa instrucção lhes daria direito. E isto o mais cedo possivel.

Demais sabem os nossos sargentos que, entrando para o quadro dos officiaes pelo terço da promoção, e só depois dos trinta annos, visto que esperam em primeiros sargentos doze e mais annos, a sua carreira militar ficará cortada, perdida, em tenente ou capitão, logo que se estabeleça, como é de suppor, a lei dos limites de idade para os differentes postos.

É preciso, portanto, que um official inferior do exercito possa ser alferes até aos vinte e dois ou vinte e tres annos, o maximo.

Para isso é preciso que se habilite, a tempo, com a instrucção alcançada em escolas especiaes.

Essas escolas vão ser organisadas.

Os cursos regimentaes ficarão para os cabos e segundos sargentos, e serão obrigatorios.

Acabado o curso regimental, o segundo sargento declara que quer seguir o curso de primeiro sargento, e entra na primeira escola. I

Terminado o curso da primeira, entra na segunda, é com o seu exame final entra no quadro dos officiaes.!

Assim se fará no nosso paiz como se faz em França, onde as escolas de Saint-Maexent e de Versailles habilitam1 sargentos para alferes da reserva do exercito activo.

Assim será alargada e mantida a homogeneidade de instrucção nos quadros da nossa infanteria, e da nossa cavallaria.

E assim cessará uma especie de mau estar que sempre se apossa dos animos briosos e dignos dos officiaes saídos das fileiras, quando vêem que só gosam de direitos, sem lhes ser exigidos os deveres. !

Entre os muitos livros militares que tratam do assumpto, poderei ler á camara as phrases de um que aqui tenho:

"A dualidade de proveniencia dos nossos officiaes (em França) contribuo tambem, e muito, para impedir entre elles o desenvolvimento do trabalho intellectual. Como se sabe que nem todos possuem a mesma instrucção, é se obrigado a fazer entre elles uma distincção, sob o ponto de vista do trabalho que lhes é exigido. No dia em que todos os officiaes tivessem, para alcançar as dragonas, dado provas de instrucção de ordem igual, no dia em que entre elles não houvesse distincção official, poder-se-ia pedir a todos o mesmo trabalho, para depois julgar cada um pelas suas obras."

E termina:

"Assim não mais se veria d'esses mal á-vontade entre homens, dos quaes uns certos se baseiam na sua falta de conhecimentos para trabalhar menos, reclamando a mesma parte de accesso e de recompensas que os outros."

Esta ultima parte não é verdadeira entre nós. Nos nossos regimentos reina a melhor camaradagem, e a maior igualdade entre os officiaes, e tenho o prazer de affirmar á camara que os nossos officiaes saídos das fileiras, trabalham sempre por não ficar atraz dos seus camaradas saídos das escolas.

Nos relatorios dos commandantes dos regimentos vê-se, ainda que não muitos, planos de exercicio de tactica applicada feitos por officiaes que não saíram da escola do exercito.

Isto é consolador, e muito para louvar, mas não é bastante. É preciso satisfazer as aspirações dos nossos officiaes inferiores que querem estudar e elevar-se.

E o que as escolas vão fazer, e o que eu desejo que façam depressa.

A doutrina do artigo 2.° do projecto, é consequencia, assim como póde ser origem de muitas das bases que o precedem. A lei do recrutamento que o governo deseja fazer, será boa, assentando a sua doutrina nas 1 a, 2,a, 3.ª e 5.ª bases, mas não poderá elaborar-se antes de ser conhecido o plano de defeza do paiz.

N'isto me refiro ao recrutamento regional, que até hoje não tem sido realisado como as nossas condições geographicas, chorographicas e de população aconselham.

Desejaria tambem que o nobre ministro da guerra, ao elaborar a reforma da lei do recrutamento, n'ella introduza uma condição de premio ou de castigo para os alistados, de maneira que a instrucção elementar se torne obrigatoria para todos os que hão de entrar nas fileiras. Isto poderá talvez conseguir-se pelo premio da diminuição de serviço activo para os que se apresentarem sabendo já ler e escrever, ou pelo augmento d'esse tempo para os que o não souberem. O certo é que as escolas regimentaes não têem produzido, neste ponto, tudo quanto d'ellas se esperava.

Mas não devo tomar mais tempo á camara com questões que não têem amenidades para lhe prender a attenção. Approvo conscientemente o projecto, e já que faço esta declaração, consinta ainda o nobre ministro da guerra que eu lhe diga quanto mais desejaria que s. exa. começasse já a organisar, como é urgente, e em primeiro logar, o serviço militar dos nossos caminhos de ferro.

Sr. presidente, não basta ter exercito; é preciso poder mobilisal-o rapidamente, e poder depois mexel o, transportal-o depressa para o theatro da guerra; abastecel-o a tempo de viveres e munições, e, depois da campanha, fazel-o evacuar o campo, e voltar aos seus quarteis, aos seus lares, ás suas occupações da vida do cidadão.

Escreve Moltke que a rapida mobilisação é a precedencia no investimento, e que a precedencia no investimento é meia campanha vencida.

Com o tiro rapido tudo hoje é rapido, na tactica e na estrategia. O grande alcance do tiro traz comsigo o grande alcance dos movimentos de tropas, a transposição facil de grandes distancias, a concentração rapida que só se póde realisar pelos caminhos de ferro estabelecidos, e pelos de campanha que podem ligar estes entre si.

Mobilisar e concentrar depressa, são as primeiras pedras a mexer no grande jogo da guerra. Que nos seja exemplo o que as grandes nações fazem todos os dias.

Em 1870, os allemães, desde o dia 10 a 24 de julho mobilisaram treze corpos de exercito. Calculando que cada um d'esses corpos de exercito constasse de uma media de 35:000 homens, vemos que a Allemanha mobilizou em sete dias 455:000 soldados! A mobilisação seguiu-se a concentração, e aquelles 455:000 soldados entraram logo em França!

Mas não se reduziram a estes dois os serviços prestados pelos caminhos de ferro. As tropas concentradas foram fornecidas regularmente de viveres e de munições, cousa que, infelizmente para elles, não aconteceu aos francezes.

Por isso eu estou de accordo com o digno par, o sr. Coelho de Carvalho, e faço minhas as suas palavras para pedir ao sr. ministro da guerra que trate quanto antes da organisação da administração militar, principalmente no que diz respeito ao seu serviço em campanha.

O que tem succedido com o serviço da administração militar, nos poucos simulacros de manobras que temos executado no paiz, prova bem a necessidade da sua prompta e radical reorganisação. A melhor que conheço é a da Belgica.

Termino por fazer ao nobre ministro um ultimo pedido, e atrevo-me a isso, por ver a boa vontade e a energia com que s. exa. entrou no caminho das reformas militares. Por ver que s. exa. não despreza idéas, venham d'onde vierem, que sejam para bem e progresso da instituição que hoje dirige. Animado por este pensamento, peço a s. exa. que não deixe de mandar organisar, no seu ministerio, uma secção de cartographia militar, á similhança da que existe no ministerio da marinha.

As cartas ou mappas militares do terreno, são objecto dos maiores cuidados em todas as nações adiantadas. No nosso paiz são ellas de uma extrema necessidade, quando

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se pense no accidentado do nosso solo, nas surprezas que em algumas das nossas provincias se podem de subito offerecer a qualquer movimento de tropas.

É preciso, pois, que ao entrar em campanha todos os officiaes conheçam bem o terreno em que vão manobrar; porque o conhecimento previo do terreno é um grande concurso para a victoria. Sabiam-no já os grandes generaes da antiguidade, como o, sabem os generaes de hoje.

Alexandre na Asia, Annibal na Italia, Cesar nas Gallias, deveram a maior parte das suas victorias ao conhecimento previo que tinham do terreno em que iam combater. Chegavam a escolher o seu campo de batalha. Turenne morreu em Salgsbach reconhecendo o campo da acção.

Frederico, o grande Frederico, andava sempre com o seu estado maior na frente dos seus exercitos.

Napoleão, ao preparar uma batalha, começava sempre pelo estudo minucioso do terreno.

Em Waterloo, quando, em vez do general Grouchy que elle esperava, a batalha recomeçou contra Bulow que chegava á frente de um corpo de exercito de 30:000 homens, Napoleão nunca mais afastou os olhos de um ponto que ao longe fixava constantemente...

Aquella valla! dizia elle por entre dentes, áquella valla! o tumulo dos meus cavalleiros!... Se Grouchy não chega estamos perdidos!

Ouviu-se novamente o canhão... gritou-se por toda a parte: Grouchy que chega!.. e Napoleão dizia absorto: Quantos mil cavallos e cavalleiros na valla. .. é tarde... e perguntou: E Grouchy? Não era Grouchy, era Blucher com um novo corpo de exercito, e Napoleão foi vencido, e para sempre.

Aquella valla, que elle reconhecera tão bem antes da batalha, fôra o tumulo dos seus couraceiros que faltaram depois para romper os quadrados inglezes...

Em 1866, os allemães conheciam tão bem o theatro da guerra, que, ao começar a campanha, já estava ha muito tempo preparado, em Berlim, todo o material de pontes que havia de restabelecer as pontes que os austriacos haviam de destruir.

Em 1870, diziam depois os livros militares, tarde já, que os allemães, mais de tres annos antes da campanha, conheciam melhor a França que os proprios francezes!

Todos os regulamentos estrangeiros impõem a todos os officiaes, a obrigação de possuirem cartas minuciosas do terreno em que tenham de manobrar, e cartas de estradas ou communicações que por elles devem ser distribuidas aos officiaes inferiores.

Mas vou terminar, declarando que approvo sem restricções, e com a esperança de o ver completado, o projecto de reorganisação que o nobre ministro deseja ser auctorisado a realisar.

Approvo-o tanto mais convencido, quanto mais desejo que o sr. ministro da guerra continue intemerato, e corajoso, no largo caminho de reformas que tão brilhantemente encetou. (Muitos apoiados.)

O sr. Presidente: - V. exa. tem a bondade de mandar para a mesa a sua moção de ordem.

O Orador: - A minha moção de ordem é a seguinte:

"A camara dos pares, reconhecendo a necessidade urgente que o governo tinha de proceder á defeza do paiz, pedida pela nação, approva as medidas do governo e continua na ordem do dia.

"Sala das sessões, 2 de julho de 1890.= O par do reino, Cypriano Jardim."

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção de ordem do digno par.

(Leu-se na mesa).

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem esta moção têem a bondade de se levantar.

Está admittida.

Tem a palavra o sr. camara Leme.

O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, eu devia apresentar já ao começo do meu discurso a minha moção, mas tenho-a envolvida com estes papeis e, por conseguinte, mais tarde, quando a encontrar a mandarei para a mesa. Alem d'essa moção tenho ainda outra, que tenciono mandar para a mesa no tira do meu discurso.

Fiquei desorientado com o que acaba de dizer o digno par que me precedeu.

S. exa. tem tal avidez em responder-me, que disse que já tinha um discurso em replica a outro que eu ainda não pronuncie:! Pasmoso.

S. exa. o que fez foi responder ao meu discurso sobre o orçamento rectificado! Foi um bill que votámos, agora é outro que entra em discussão.

Tratando de dictadura, o digno par julgou que a melhor maneira de defender o governo era fazer uma dissertação sobre a pequena guerra, grande tactica e estrategia, s. exa. errou os movimentos, e o governo, á luz dos principios, não póde deixar de ser Derrotado.

Creio que s. exa. não tem a faculdade de adivinhar nem suppor qual seria a ordem da minha argumentação n'este assumpto e, permitta-me que lhe diga que, se estava persuadido de que eu vinha discutir aqui as bases que porventura fossem enviadas á commissão superior de guerra, está perfeitamente enganado.

O sr. Cypriano Jardim: - Eu não disse que v. exa. vinha discutir as bases...

O Orador: - Julgava ser isso que v. exa. disse. Eu sei quaes são os meus deveres como militar e como representante do paiz, e não ha de ser preciso que o digno par mos venha lembrar.

Eu não venho de modo nenhum fallar d'essa questão n'esta camara, se bem tencione apresentar considerações geraes em relação á defeza do paiz, que julgo tão descurada, e ninguem me impedirá de o fazer.

Hei de discutir a questão da defeza do paiz e hei de mostrar o digno par que todas essas despezas de artilhamento e mais que se relacionam com o tal plano militar, podem ser completamente inuteis, se effectivamente s. exa. resolver o grande problema da navegação aerea.

O digno par, que é muito entendido n'este assumpto, deve convir em que, alcançado esse desideratum, pelo qual se anceia ha tanto tempo, a torre de S. Julião, poderá quando muito, srevir de pharol.

O sr. Cypriano Jardim: - Inventa-se logo a defeza.

O Orador: - Peço licença á camara para dizer, em relação á minha humilde pessoa algumas breves palavras.

Quando se discutiu o orçamento rectificado chamei a attenção do governo para verbas, umas que se me affiguraram exageradas, outras que não eram justificadas.

Pois quer v. exa. saber o que os jornaes affectos ao governo disseram a meu respeito!

Se o não disseram claramente, deram a entender que eu era uma especie de especulador politico, e contra esta classificação protesto eu energicamente.

Eu sei que nos diversos partidos existem especuladores politicos, creio que sim, mas v. exa. e a camara que me conhecem muito bera, sabem que, militando eu na politica ha quarenta annos, e tendo perto de cincoenta de serviço na nobre profissão das armas, sou general de divisão, isto é, sou o que seria se não militasse na politica onde tenho encontrado tantas decepções.

Nunca pretendi nenhuma graça honorifica e apenas n'este longo tempo me foi dada a commenda de S. Thiago, por iniciativa de El-Rei D. Luiz, de saudosa memoria.

Protesto, pois, contra tal apreciação, assim como protesto contra outra que se infere de varios artigos escriptos a meu respeito.

Dá-se a entender n'esses artigos que eu sou ambicioso.

Tenho dito muitas vezes, e torno a declarar, que actualmente em politica sou descrente, e que me approximo naturalmente do partido que esteja disposto a votar contra as

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infracções da constituição e contra os desperdicios de toda ordem.

Já disse que a regeneração morreu com o ultimo suspiro que exhalou de Fontes Pereira de Mello. (Apoiados.)

Não vejo que se me possa chamar, com justiça, especulador politico nem ambicioso, quando v. exa. cabe perfeitamente que tenho eu sido muito dedicado ao partido regenerador a ponto de vir tomar parte quasi moribundo nas luctas partidarias, quando o partido regenerador tinha por lemnias na sua bandeira, a espada gloriosa do marechal Saldanha, a penna aparada de Sampaio e o alvião intrepido de Fontes Pereira de Mello.

O sr. Barros e Sá: - Apoiado.

O Orador: - Nunca sai da copa do chapéu de nenhum ministro, nem nunca pertenci á guarda pretoriana de nenhum partido.

Repito, fui sempre muito dedicado ao partido regenerador e ás vezes afastei-me d'elle nas questões de principies, como foram as das irmãs da caridade e da concordata de 1857. Assim é que eu entendo que devera proceder os soldados da velha guarda.

Sai eleito debutado por influencia propria e não sã: nunca da copa do chapéu do sr. ministro do reino, como vulgarmente se diz.

Estão presentes alguns dignos pares que são testemunhas da lealdade e solicitude que tomei nas discussões importantes, sem embargo de estar por vezes muito doente.

Ora, quem teve esta dedicação pelo partido regenerador, não póde ser accusado de especulador nem de falta de lealdade.

Desculpe a camara esta divagação que talvez não tivesse feito, se não visse commetterem-se injustiças e fazerem-se apreciações erradas.

Ainda hoje um jornal declara que o sr. Barros e Sá, ao findar o seu erudito discurso, recebera um abraço meu.

Isto não é exacto.

Como podia eu abraçar o digno par não estando presente na sala.

Tenho dado muitos abraços em s. exa., mas não quando terminou o seu eloquente discurso, porque não estava na sala n'essa occasião.

Sr. presidente, agora vou entrar na questão.

Limitar-me-hei o mais possivel, por que não desejo cansar a attenção da camara, nem a minha voz é eloquente para poder deleitar os dignos pares.

Sr. presidente, no assumpto que se debate, ainda me parece estar a ouvir o echo da voz eloquente do sr. Hintze Ribeiro e a do sr. Serpa, quando s. exas. combatiam a dictadura do sr. José Luciano de Castro. Então sim, então é que a camara estava suspensa nos labios dos dignos pares que de juizes passaram a réus.

O que vemos agora?

Vemos o sr. José Luciano combater a dictadura do sr. Serpa!

Neste assumpto, sr. presidente, não vejo o meu antigo amigo, o sr. Serpa, por quem tenho a maior estima, mas o presidente do conselho.

Nas minhas apreciações não ha nada, absolutamente nada, que possa desmentir a entranhada amisade que consagro ha muitos annos ao sr. Serpa, pelas altas qualidades que o adornam.

Sr. presidente, as dictaduras não se exercem por caprichos seja de quem for, surgem armadas e poderosas do seio dos acontecimentos.

As dictaduras, filhas das revoluções, justificam-se, por que suppõe-se que quem arrisca a sua vida e a sua posição social, o faz pelo interesse da patria.

Tem havido muitas dictaduras em Portugal. Eu não me refiro a todas. Se o fizesse, onde iriamos parar!

Houve a de 1834, que era a organisação liberal saída do echo da lucta fratricida; houve a de 1836, que foi a expressão da soberania nacional receiosa da restauração de um governo reaccionario; a de 1851, que foi um protesto solemne do paiz contra um governo que estava condemnado, e v. exa. sabe, e tambem a camara, as vantagens que d'ella vieram ao paiz; houve a de 1868, chamada dos côrtes implacaveis no orçamento, consubstanciando-os a alcunha de facalhão do bispo de Vizeu; houve a de i 870, e Deus perdoe a quem teve a culpa d'ella, talvez tivesse origem na desconsideração que soffreu um eminente general que foi desconsiderado diante da estatua de um Rei soldado no momento em que se ia inaugurar e que foi justificada por circumstancias graves, nascidas das luctas dos partidos; houve a de 1887, e eu direi ao digno par que a considero como a antithese do titulo do seu partido; houve, finalmente, a actual, que é a contradicção manifesta de outro partido, tomando pôr pretexto á defeza nacional que se tornou uma pura ficção.

Recordo-me perfeitamente que, quando este governo aqui veiu pela primeira vez, lhe prometti o meu apoio se cuidasse sinceramente da defeza do paiz e da approvação da lei de incompatibilidades politicas é parlamentares. Não faltei ao meu compromisso, o governo é que não correspondeu á minha expectativa.

No emtanto, eu aqui estou para o combater, e creiam que numa situação dolorosa para mim, pois me vejo forçado a desagradar a todos, quando pelo contrario gosto de não desagradar a ninguem.

Lembro-me tambem que tomei o compromisso de me defender, quando fui accusado de dictador pelo sr. Margiochi, que sinto não ver presente.

S. exa., deslembrando a historia politica d'essa epocha, chamou-me dictador. Errou o golpe.

Sr. presidente, a defeza da dictadura de 1870 ía-me custando a vida. Não tendo eu a responsabilidade dos actos do marechal Saldanhaa, julguei-me obrigado a defendel-a, por deveres de gratidão, no parlamento, onde eu estava então só, com o sr. Dias Ferreira a meu lado com a sua voz eloquente, contra todos.

Fui, pois, defender a dictadura do marechal Saldanha, no seio da representação nacional. A sessão tornou-se de tal modo vehemente e tempestuosa, e tal calor tomei eu na defeza que me impozera que á saída, ao regressar a casa, apanhei um resfriamento, que me obrigou a estar anno e meio de cama. Dava por muito bem empregado o sacrificio da minha vida defendendo b invicto general que estava ausente.

Aqui tem v. exa., sr. presidente, uma das rasões por que eu tenho medo das dictaduras, (Riso.) e oxalá que esta dictadura não me seja tambem fatal.

Mas, como ía dizendo, esse ministerio já tinha feito alguns actos de dictadura; e talvez o peior acto dictatorial do marechal Saldanha fosse o relativo ao ministerio da instrucção publica, sendo certamente o seu melhor acto o tratado com o Transvaal; da minha iniciativa.

O da reforma dos correios, de tal modo foi bom, que o ministerio que succedeu revogou todos os outros actos dictatoriaes, mas deixou em execução a reforma do correio, taes eram os resultados beneficos que ella tinha produzido.

Compare v. exa. a dictadura que estamos a discutir com a de 1870. A de então foi filha de uma revolução. Foi resumida benefica, patriotica, economica e liberal. Ampliou ou foros populares. Esta restringiu-os, foi ampla até ao tributo de sangue, a mais sagrada das attribuições da camara popular. Contestem isto se podem.

Ha dictaduras que são fataes para quem as exerce e para quem as auctorisa. Recorde-se s. exa. dos tristes acontecimentos que tiveram logar em França em 1830.

Mas o que é da minha responsabilidade immediata, e é isto que eu quero dizer ao digno par, o sr. Margiochi, é o acto dá dictadura que approvou o tratado de limites com os Boers.

Eu vou contar á camara summariamente o que se passou n'essa occasião, ainda mesmo que esse acto de dicta-

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dura não deva ser tomado como tal, porque estava perfeitamente dentro do espirito da letra do acto addicional.

Desde 1852 que o Transvaal andava solicitando do governo portuguez, que se fizesse o tratado de limites com Boers. E permitta-me a camara que eu diga, porque assim o entendo, que um tratado de limites, com quem não tem um palmo de terreno, não é natural. Se ha algum digno par que se preste a fazer um tratado de limites em terrenos onde eu não tenho um palmo de terra, eu estou prompto a entrar n'esse negocio. Isto sem intuito de magoar o digno par que o assignou.

Mas, emfim, fez-se o tratado de limites com os Boers, como todos sabem.

Eu apresentei esse negocio em conselho de ministros, e foi approvado e decretado em 7 de julho de 1870.

Sabe v. exa., sr. presidente, o que aconteceu?

O tratado foi assignado por El-Rei e referendado pelos ministros, para ser publicado no Diario do governo, e n'essa mesma noite recebi eu uma carta do marechal, na qual me dizia que fosse lá, porque elle tinha recebido reclamações da Inglaterra contra o tratado, e que n'essa occasião, não seria, talvez, conveniente publical-o.

Respondi formaes palavras: "Eu não valho nada, v. exa. é o chefe da situação, faça o que entender, na certeza que ponho a minha pasta sobre este importante negocio.

Eu não queria que me acontecesse o mesmo que aconteceu a certo ministro da marinha, que depois de ter sido assignado por El-Rei e referendado pelos ministros um decreto que não permittia a ampliação do praso do caminho de ferro de Lourenço Marques, por influencia de certo syndicato, o meteu na gaveta.

Occorreram então cousas que preoccuparam o marechal. Pouco depois rebentou a guerra franco-prussiano, sobreveiu a questão de Lourenço Marques, que foi resolvida a nosso favor pela Republica franceza. Mas, de então para cá tenho eu sempre lamentado que os governos não tivessem ligado toda a attenção aos negocios da Africa oriental, porque não era preciso grande tacto politico para ver quaes as tenções e a cubica sem limites da Inglaterra. Pois, se acaso se tivesse previsto o inconveniente de conceder o caminho de ferro de Lourenço Marques a uma companhia ingleza, nunca se teriam levantado as questões internacionaes com que nos temos visto embaraçados. E comtudo muitos homens politicos importantes de varios partidos, têem sido directores d'essa companhia. Eis a rasão por que para concluir o caminho gastámos mais 700:000$000 réis e Deus sabe o que teremos que pagar a mais, era virtude das reclamações dos governos de Inglaterra e dos Estados Unidos da America do norte.

Ainda me lembro, sr. presidente, do artigo escripto n'um jornal d'esta capital, intitulado O resto, no qual se faziam graves insinuações ao sr. Serpa Pimentel. Não ré produzirei agora o que se dizia n'esse artigo, porque não quero avivar dissabores.

Digo estas simples palavras ao sr. conde de Arriaga, que de tanto enthusiasmo se possue quando discute este assumpto e offereço ao meu illustre collega alguns periodos d'esse artigo. Quer s. exa. saber aonde estão as minas na costa oriental da Africa que o sr. Marianno de Carvalho vae descobrir?

A este proposito leia o digno par uma noticia do Times, do dia 9 de junho ultimo. Em relação ás minas da costa oriental, diz elle:

"A estatistica comparativa do rendimento das colonias do Cabo da Boa Esperança, durante os mezes de abril de 1889 a 1890, mostra um augmento de £ 50:639 para o mez de abril ultimo, sendo o rendimento no mez de abril de 1890, de £430:223.

"O rendimento dos dez mezes ultimos foi, na mesma colonia, de £ 3.691:990.

"O rendimento total nas minas do Transvaal, nos tres primeiros mezes d'este anno, foi de £ 197:412."

De modo que a nossa fiel alliada leva-nos a materia prima que envia para o banco de Portugal quasi todos os mexes, cunhada era libras esterlinas.

Eis os progressos da Inglaterra e do Transvaal n'aquellas regiões da Africa. Quanto a nós, porém, creio que nem, mesmo as nossas negociações com a Inglaterra progridem.

Sobre essa importante questão o governo guarda inteira reserva. Eu comprehendia perfeitamente que elle tomasse esta grande responsabilidade, se houvese uma lei de responsabilidade ministerial; das imagine v. exa. que ámanhã o sr. ministro dos negocios estrangeiros, por quem tenho a maior estima e consideração, saía do ministerio, acabava-se tudo e era nulla a sua apregoada responsabilidade.

Não admira, pois, que se não saiba.

Ainda me lembro de um facto que me contaram, quando fui ministro.

O governo precisou mandar um official distincto para Solor e Timor, na occasião em que se dizia que fora vendida uma certa porção de territorio portuguez.

Foi nomeado o sr. D. Manuel de Saldanha da Gama, caracter nobre e espirito culto. Fez um relatorio importante, o qual indicava diversas providencias e melhoramentos. Quando regressou a Portugal, perguntou se a respeito do que propuzera, tinha havido alguma resolução.

Responderam-lhe que não se sabia de tal relatorio.- "Não se sabe? Pois eu mandei o." Tratou-se de examinar como era isto e encontraram-se os relatorios todos fechados.

Este facto que se deu então, póde-se dar agora.

O sr. Francisco Gosta: - Seria n'esse tempo, mas agora, assim, que se abrem as malas, distnbue-se a correspondencia e o governo é informado de tudo.

O Orador: - O que eu digo é unicamente para mostrar que nem sempre os governos estão muito ao facto dos negocios e nunca com o intuito de censurar o meu illustre amigo que sei que é irreprehensivel no cumprimento dos seus deveres.

Mas volto ao ponto de que me devo occupar.

Sr. presidente, eu não vou tratar agora senão da dictadura da defeza, e n'este ponto o governo não correspondeu á minha expectativa.

Eu esperei sempre que o governo tivesse aproveitado a occasião em que o espirito publico estava levantado contra a affronta recebida da Inglaterra, para fazer votar algumas d'essas leis, e de mais a mais declarando o partido progressista que estava prompto a apoiar o governo nas medidas que julgasse importantes sobre este assumpto de tanta magnitude; mas o governo não o entendeu assim. Em linguagem militar, para responder ao digno par o sr. Jardim: o governo perdeu a occasião estrategica como diz Willaumé, occasião que não voltará.

Eu, sr. presidente, estou convencido de que não póde haver uma boa organisação militar, sem que haja uma boa lei de recrutamento.

(Interrupção do digno par o sr. Costa Lobo, que não se percebeu.)

Repito. O governo, n'aquella occasião, de certo teria obtido do parlamento a approvação d'esta lei. Eu estou convencido d'isso, embora me possa enganar.

O digno par o sr. Jardim, referindo-se a este assumpto, disse que julgava conveniente discutir no parlamento a organisação do exercito.

Eu devo dizer a s. exa. que uma organisação do exercito não póde ser feita por uma commissão muito grande, por muito competente que ella seja. Das grandes commissões é que eu tenho medo, e exactamente esta organisação está commettida a uma grande commissão, composta de officiaes muito illustrados, e eu receio de que não de resultado algum.

Dizia o general Fois que nós tinhamos um grande de-

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feito a par de apreciaveis qualidades, que eram: as grandes commissões e o dia de ámanhã.

Eu estou convencido que uma boa organisação militar é sempre feita por uma só cabeça. A melhor organisação que tivemos foi feita pelo conde de Lippe.

São estas as difficuldades, são estes os attritos, são taes os inconvenientes que trazem as grandes commissões.

O digno par referiu-se, por exemplo, aos nossos caminhos de ferro considerados estrategicamente.

Ora, sr. presidente, não fallemos n'isto, porque a responsabilidade dos traçados do caminho de ferro é gravissima pelo lado de defeza militar e de todos os governos.

Não sou eu que o digo, sr. presidente, dil-o Tranquei, um illustre militar francez que tem escripto a respeito de todos os caminhos de ferro da Europa, traductor de uma excellente obra allemã sobre o mesmo assumpto.

Sr. presidente, dizia este distincto official que os traçados de caminhos de ferro em Portugal eram os mais prejudiciaes á defeza do paiz

Ainda ultimamente por causa dos caminhos de ferro de Torres, de Caceres e de Cascaes, e especialmente sobre este ultimo, eu levantei esta questão com todo o ardor, e diziam-me os illustres ministros que então se sentavam n'essas cadeiras que este era um caminho de ferro que dava vontade de rir.

Sr. presidente, leiam v. exas. o que diz mr. Tranquet, a respeito de todos estes traçados. Eu passo rapidamente sobre este ponto, porque não quero cansar a camara e mesmo porque eu já me sinto fatigado.

Vou, porém, ler parte do decreto dictatorial n.° 4:

a Artigo 1.° É o governo auctorisado:

"1.° A adquirir quatro cruzadores de um deslocamento não inferior a 3:400 toneladas, velocidade não inferior a 20 milhas por hora na experiencia normal, e armados de tubos de lançamento de torpedos, artilheria de grande alcance, peças de tiro rapido, metralhadoras, e com a maxima acommodação de combustivel, etc."

Foi sobre este assumpto, sr. presidente, que eu outro dia chamei a attenção do governo; foi para a compra distes navios de guerra, d'estes cruzadores que me parecem que eram até certo ponto, segundo opiniões auctorisadas, desnecessarios, porque nós do que precisâmos é de navios para as nossas colonias, e não devemos aventurar-nos a fazer grandes despezas com navios que Portugal não está em condições de ter.

Sr. presidente, eu podia apresentar a v. exa. uma prova do quanto esta opinião é expressiva, é a opinião de mr. Brassey, membro do almirantado inglez, que, apreciando o nosso couraçado Vasco da Gama, dizia que este nosso navio é perfeitamente um navio de guerra, e que elle o preferiria d'estes navios a um grande couraçado como o Inflexivel. "Que as pequenas nações não deviam pôr todos os ovos num cesto que podiam ser esmagados de uma vez". Phrase expressiva.

Ora aqui tem v. exa. uma opinião auctorisadissima e o conselho de um homem prudente. Eu chamo para isto a attenção do sr. presidente do conselho.

Sr. presidente, nós do que precisamos é de navios para as nossas colonias; não devemos, pois, ir gastar dinheiro em cruzadores de 1.ª ou 2.ª classe, com sacrificio de outras necessidades imperiosas.

E agora, sr. presidente, passando de novo ás dictaduras, que é este o assumpto principal que se offerece á nossa apreciação, eu vejo e tenho ouvido dizer, que estamos ameaçados de uma dictadura permanente. Então o que estamos aqui a fazer? A servir de chancella aos srs. ministros?

O sr. Costa Lobo: - Apoiado. É justamente isso o que eu hei de dizer, quando me couber a palavra.

O Orador: - Se ámanhã o sr. Serpa sair do ministerio. e vier outro governo, eu estou certo que teremos mais uma dictadura, por causa da constituição d'esta camara. E a proposito de dictaduras, eu tenho aqui a opinião muito auctorisada do sr. Sampaio, que peço licença para ler á camara.

"O que é verdade é que as dictaduras desauctorisam os parlamentos, e os maus parlamentos auctorisam as dictaduras. Se os parlamentos tivessem feito melhor, é de crer que as dictaduras se não julgassem tão necessarias, e é por isso que eu digo que, quanto a mim, as boas dictaduras ainda são peiores do que as más, porque são essas que nos habilitaram a esperar d'ellas o que não podemos obter do parlamento."

Ora aqui tem v. exa. a opinião do sr. Sampaio com respeito ás dictaduras.

O que eu vejo, pelo que acabo de ouvir ao sr. Costa Lobo, é que estamos ameaçados de dictadura permanente.

O sr. Costa Lobo: - É o que se me offerece dizer, e v. exa. sabe muito bem que eu represento unicamente a minha individualidade modesta e obscura.

O Orador: - Mas, sr. presidente, é cousa singular, o governo no que podia ser desculpado, durante a sua larga dictadura, era no que diz respeito á defeza do paiz. Pois a tal respeito não decretou nada!

A respeito da lei das incompatibilidades politicas, o governo fez muito pouco ou tambem nada, porque o decreto do governo não passou, permitta-se-me a phrase, de uma bola de sabão com as cores do arco Iris que com um sopro, por mais pequeno que seja, se faz desapparecer.

Ora, é exactamente sobre este ponto que eu tenho aqui uma proposta para mandar para a mesa em additamento ao decreto n.° 3, de 29 de março ultimo, precedido de um relatorio, e aproveito a occasião para felicitar o illustre relator pelo seu excellente trabalho e por nos dar esperança de que o governo não deixará de acceitar o parecer da minoria da commissão que está. feito e redigido tão brilhantemente pelo sr. Hintze Ribeiro, como relator, e assignado pelo meu illustre amigo, o sr. presidente do conselho.

Eu tenho aqui esse relatorio e espero, sr. presidente, que não passarei pela decepção de ver que o meu illustre amigo, que o assignou, onde vem as considerações que vou apresentar á camara, deixará de votar o additamento em relação ao decreto n.° 3, que, trata das incompatibilidades politicas dos ministros. Refere-se ás funcções e não aos cargos ou empregos. As funcções dos ministros com outros misteres, são por sua natureza incompativeis. É o tempo que as torna assim.

Diz assim o referido parecer:

"Opportuno julgamos assentar e definir determinadas incompatibilidades politicas.

"No proprio interesse dos nossos homens publicos, convem cortar cerce as rasões de suspeição que todos os dias se alevantam. Melhor é que se lhe tire o fundamento, do que se deixe aggravar com a repetição de factos, que, á parte a intenção que os determina, são mal recebidos na opinião geral. A ninguem particularmente nos referimos. Expomos uma verdade que a observação nos suggere; nada mais.

"É necessario que a medida seja geral, para que todos a ella se sujeitem; restricções d'esta natureza que a todos obrigam ou a ninguem.

"Incompatibilidades, em todos os paizes as ha. De uns para outros variam, porque não representara principios absolutos, regulam-se pelas circumstancias do meio politico a que se apropriam.

"Porque as nossas leis não têem estabelecido até aqui incompatibilidades para os ministros e pares e deputados, não é rasão para que se não estabeleçam.

"Não ferem nem offendem os prerogativas constitucionaes.

"Que é urgente a questão, affirma-o uma votação parlamentar; que uma vez alevantada se deve resolver, pondera-o o governo nas primeiras declarações que faz.

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440 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

"Depois d'isto, mal se comprehende que a commissão aguarde a proposta do governo,- quando o governo aguardava a proposta da commissão".

A par d'isto, diz um jornal que se publica n'esta capital:

"Inglezes".- A companhia The West African Tehgraph Comp. Limited de Londres, tem como seu representante em Lisboa o sr. Carlos Lisboa, gerente da Gazeta de Portugal. E formam o seu conselho de administração os srs.: Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, ministro dos negocios estrangeiros, José de Azevedo Castello Branco, deputado semi-leader da maioria, e Luiz Augusto Perestrello de Vasconcellos, deputado da maioria, e director geral da thesouraria!" Eu não acredito em tal. Faço inteira justiça ao caracter e á consciencia dos illustres ministros.

D'aqui, a impreterivel necessidade de uma lei de incompatibilidades.

O momento não póde ser mais opportuno que o actual para o fazer, invocando os precedentes. O parlamento francez acaba de votar uma commissão especial para se occupar das incompatibilidades politicas que lá se querem mais ampliadas, e em que na nova constituição brazileira se vê uma serie immensa de incompatibilidades politicas e parlamentares, abrangendo até os funccionarios publicos.

Ora, este parecer é muito deficiente ainda, mas contento-me com elle.

Peço ao sr. presidente do conselho que acceite este additamento e creia s. exa. que presta um alto serviço ao paiz.

A opinião publica está compenetrada da imperiosa necessidade de uma nova lei de incompatibilidades que ponha termo a tantos abusos, e confio que o meu illustre amigo, que tem a sua opinião tão compromettida neste assumpto, possa ser taxado de menos coherente.

Eu vou ler a minha proposta:

É esta:

"Em additamento ao decreto n.° 3 de 29 de março de 1890."

Sobre a inconstitucionalidade d'este decreto tenho umas; Considerações a fazer ao sr. Barros e Sá (Continua lendo).

"Artigo 1.° São incompativeis os cargos ou empregos dos ministros e secretarios d'estado effectivos com os da administração ou fiscalisação de qualquer empreza ou sociedade mercantil ou industrial.

§ unico. Os ministros e secretarios de estado terão o vencimento annual de 6:000$000 réis.

Art. 2.° São incompativeis as funcções de par do reino ou deputado da nação com os cargos ou empregos de administração ou fiscalisação de emprezas ou sociedades industrias ou mercantis que tenham contratos com o governo, concessões, privilegios, subsidios ou garantias especiaes do estado.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara, 2 de julho de 1890. = 0 par do reino, D. Luiz da Camara Leme.-"

Depois diz-se que o governo não legislou com relação á camara dos senhores deputados nem dos dignos pares do reino, porque queria deixar livre o parlamento. De maneira que o governo teve escrupulos para legislar a respeito dos membros d'esta camara, mas não os teve para legislar, por actos de dictadura, sobre a sua constituição!

Se eu fosse a apresentar á camara todos os argumentos, toda a legislação, todos os precedentes, teria que lhe ler um livro sobre este importante assumpto, porque, sr. presidente, eu tomo a peito esta questão, que Considero de alta moralidade politica, e como se dizia que eu a tratava apenas pelo lado politico. Juridicamente, aqui estou para a tratar e para me bater com todos os jurisconsultos d'esta camara, com argumentos incontestaveis, desculpando-me os meus illustres collegas tanta ousadia!

Estou de tal modo convencido da rasão que me assista que estou bem certo de que s. exas. seriam infelizes na lucta.

Sr. presidente, eu estou extremamente cansado, se v. exa. e a camara tivessem a extrema benevolencia para commigo, visto faltarem apenas vinte minutos para dar a hora, e tendo ainda realmente muitas considerações a fazer, podiam permittir o continuar o meu discurso amanhã.

O sr. Presidente: - Não posso acceder ao desejo do digno par, sem que a camara se pronuncie.

Vozes: - Descanse, descanse!

O sr. Pereira Dias: - Como estão alguns dignos pares inscriptos para antes da ordem do dia, podia-se-lhes conceder a palavra até fechar a sessão.

O sr. Conde do Bomfim: - Muito poucos minutos tomarei a attenção da camara; mas como está presente o sr. ministro da guerra vou pela segunda vez instar para que s. exa. envie a esta camara os documentos que pedi ha tanto tempo, fazendo por essa occasião algumas considerações a este respeito.

Aproveitando este ensejo renovo o meu pedido e novamente chamo a attenção do nobre ministro da guerra sobre este assumpto.

O sr. Costa Lobo: - Não pude vir antes da ordem do dia, e desejando fazer duas perguntas ao governo, aproveito esta occasião para as fazer.

A primeira é ao sr. presidente do conselho. Alguns jornaes têem se queixado do quanto é inconveniente os movimentos de terra n'esta occasião, constando-lhes até que o apparecimento do cholera em Gandia fôra devido a uns desaterros. Sabendo que actualmente em Lisboa se estão dando alguns d'esses movimentos de terrenos e passando hoje pela Avenida ali vi grandes montes de terra provenientes do encanamento mandado fazer ultimamente pela companhia das aguas. Sei que isto não depende do governo, mas sim da camara municipal; porém, como o governo tem a superintendencia sobre os actos da camara, por isso pedia ao nobre ministro para tomar na devida consideração este meu pedido.

A segunda não sei se o sr. presidente do conselho estará habilitado a responder-me desde já.

Creio que houve algum facto que pozesse em perigo a nossa possessão de Macau. Pergunto o que ha de verdade a este respeito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - A camara comprehende que eu não posso fazer mais do que mandar executar as propostas que me são feitas pelo conselho de saude, que é composto de homens entendidos na questão.

A respeito do desaterro, direi que nada me foi proposto; entretanto eu tomo nota das observações do digno par e mandarei consultar o conselho de saude.

O sr. Costa Lobo: - Em varios jornaes e por varias vezes, tem-se fallado sobre o assumpto.

O Orador: - Procurarei saber o parecer das pessoas technicas a este respeito, e, se for necessario tomar alguma providencia, de certo o governo não deixará de o fazer.

Emquanto á segunda pergunta do digno par, não me consta que em Macau haja nada de extraordinario.

O sr. Costa Lobo: - Agradeço a v. exa. as suas informações.

O sr. Barros Gomes: - Sr. presidente, a commissão executiva da junta geral do districto de Santarem mandou ao nosso collega, o sr. marquez de Rio Maior, uma representação contra o lançamento do novo addicional de 6 por cento.

S. exa. não póde comparecer nesta camara e em attenção talvez á velha amisade que nos liga, ou por sermos proprietarios do mesmo districto, quiz que fosse eu que pedisse a v. exa. para tomar em consideração a representação que eu mando para a mesa e de accordo com o que e tem feito com representações analogas, ella seja publicado no Diario do governo.

O sr. presidente: - Os dignos pares que approvam

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SESSÃO DE 2 DE JULHO DE 1890 441

que a representação que foi mandada para a mesa pelo digno par o sr. Barcos Gomes seja publicada no Diario do governo, têem a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. José Luciano de Castro: - Pouco falta para dar a hora; mas aproveito os poucos momentos que nos restam para chamar a attenção do sr. presidente do conselho sobre um assumpto, que a camara não póde deixar de reputar grave.

Desejo chamar a attenção do sr. ministro do reino para as providencias ultimamente adoptadas com o fim de impedir que cheguem até nós as epidemias que assolam algumas localidades do paiz vizinho.

Quando entrei no ministerio do reino em 1886, tive occasião de verificar que as providencias adoptadas no anno anterior com o tira de impedir a invasão do cholera tinham acarretado despezas, que aggravaram muito e muito as finanças publicas, e de mais a mais muitas d'essas despezas eram completamente desnecessarias.

Não fui eu que auctorisei essas despezas, e só assisti ao desmanchar da feira; todavia doía-me o coração de ver como se malbaratavam os dinheiros publicos, isto certamente nas melhores intenções, e foi como que debaixo de uma preoccupação momentanea de susto, que se attendeu tão pouco á nossa situação economica.

Sr. presidente, eu tive de fallar algumas vezes com os membros da junta de saude, e tive occasião de verificar que são cavalheiros muito illustrados, muito competentes, muito sabedores; mas que, em relação a qualquer epidemia, deixam-se tomar de um susto que, na applicação dos dinheiros publicos, não os deixa attender a nenhuma consideração de economia.

Não digo isto para censurar os respeitaveis membros da corporação a que venho de referir-me, e apenas para dizer ao sr. ministro do reino que, nas providencias que adoptar, gaste unicamente o que for indispensavel.

Vi no Diario de hontem ou de hoje, que se tinha ordenado a adopção de providencias iguaes ás que foram tomadas em 1885, e sei que o sr. presidente do conselho apresentou á outra camara uma proposta, pedindo uma auctorisação a tal respeito; e é por isto que eu peço uma grande cautela contra as exagerações do medo, que não deixam attender considerações muito apreciaveis.

Gastaram-se então sommas importantes, e muitas d'ellas sem justificação plausivel, e pelo que respeita ás providencias adoptadas, algumas d'ellas eram completamente irrisorias. Contarei á camara um caso para provar a minha asserção.

Andava eu então em digressão pelo Minho, e tinha chegado com minha familia a Vianna do Catello. Seguimos dali para Valença, e, chegados a esta localidade, reconheci que a inspecção sanitaria era a cousa mais curiosa que se póde imaginar.

O facultativo encarregado da inspecção entrou na sala onde estavam os viajantes, umas quatorze ou quinze pessoas, comprimentou-nos e saiu pela outra porta.

O sr. Pereira Dias: - Era uma inspecção delicada.

O Orador: - Quando estavamos de regresso, disseram-nos que era preciso que provássemos ter estado oito dias em Valença.

Respondi que me era impossivel apresentar o attestado que me, pediam, e disseram-me então que o parocho da freguezia o costumava passar graciosamente e que a isso se prestaria.

Effectivamente elle passou attestado de que nós tinhamos estado ali durante oito dias, e com esse attestado conseguimos voltar para Vianna, sujeitando-nos a outra inspecção igual á primeira.

Ora, sr. presidente, tudo isto custou muito dinheiro e era pouco pratico e pouco efficaz contra a epidemia.

Eu cito este exemplo, não para censurar ninguem, mas apenas para que o sr. ministro se previna contra a exageração do medo, que quasi sempre existe na secretaria do reino, quando se trata de epidemias, e visto que já fizemos a nossa aprendizagem, que ao menos agora não nos custe tanto dinheiro como custou da outra vez.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Antonio de Serpa): - Sr. presidente, aã prevenções que acaba de fazer o digno par são justas, porque é sabido de toda a gente que da outra vez se gastaram sommas, que podiam deixar de se gastar; agora o que posso asseverar a s. exa. é que na secretaria do reino já existem essas prevenções, porque eu dei ordem, apenas começou a apparecer a idéa de que havia epidemia em Hespanha, para que se fizesse tudo quanto fosse preciso fazer, mas que se fosse mais cauteloso no despendio dos dinheiros publicos.

Posso até acrescentar que já hoje se respondeu para dois districtos differentes, que mostravam a necessidade de se fazerem umas certas despezas, que não era preciso, e que o governo estava disposto á fazer só o que fosse necessario fazer.

Como a camara comprehende, n'este negocio não é o governo quem propõe, são os homens technicos, são os homens da sciencia, e eu estou resolvido a mandar fazer tudo que elles indicarem, pois não quero sobre mira a responsabilidade que me podia advir se por acaso se d'esse um caso de cholera, por não se haverem tomado as medidas que elles indicassem.

E o que tenho a dizer ao digno par.

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, todas as vezes que se falla em ameaças de uma epidemia, eu logo desejo dizer que do que tenho mais medo, não é da invasão, mas da defeza.

E tomo a responsabilidade do que digo.

Direi ao sr. presidente do conselho: um cordão sanitario tão extenso, quanto é necessario para nos isolar da Hespanha, é, na minha opinião, um disparate, e grande disparate scientifico, sem nenhuma vantagem e, ao mesmo tempo, muitissimo dispendioso.

Empregar esta providencia n'um ou n'outro ponto, de accordo.

Eis a minha opinião, que já particularmente tive occasião de fazer saber ao sr. presidente do conselho, e tambem que é muito conveniente evitar a repetição das grandes despezas que se fizeram inutilmente, digo mais, prejudicialmente, nos lazaretos de então, que parece terem sido estabelecidos de proposito, não para evitar o cholera, mas para lá o fazer nascer!

Felizmente que assim não foi; mas quem conheceu principalmente dois d'esses lazaretos, reconhece que foi um milagre não nascer ali o cholera.

Agora quanto ás despezas dos fornecimentos.

Oh! sr. presidente! Eu só digo que aquellas lições nos hão de aproveitar e que se o governo for obrigado pelas circumstancias a tomar as mesmas providencias, ha de ter cuidado.

Tambem eu o não censuro se as tomar. Comprehendo perfeitamente que differença ha entre a minha responsabilidade, opinando contra os cordões sanitarios e os lazaretos, e a do governo, e tanto mais quanto por ahi se diz agora que o paiz não fôra invadido, graças ás providencias então adoptadas, posto seja certo que em nenhum dos lazaretos se deu caso algum de cholera.

Então, os individuos que estavam n'uma posição social um pouco melhor, para evitarem o cholera, vinham no caminho de ferro e os lazaretos eram o peior que encontravam.

As pessoas que conheciam bem o terreno atravessavam com facilidade o cordão sanitario, e os que o não conheciam conseguiam por meio de uma peseta entrar em Portugal.

No meu entender, o cordão sanitario não evita nada, absolutamente nada, nem póde evitar.

Estou fallando diante de um collega meu, que professa a mesma sciencia que eu, que sabe muito bem que a effi-

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cacia dos cordões sanitarios está hoje, não só relativamente, mas absolutamente em decadencia.

Ora, o cordão sanitario para uma extensão de terreno, como é a da fronteira secca que separa Portugal da Hespanha, é completamente inefficaz.

Sr. presidente, ouvi com toda a attenção as palavras que O sr. presidente do conselho pronunciou a este respeito, das quaes deduzi que, pelo menos, d'esta vez ha de haver mais cautela no dispendio dos dinheiros publicos.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar ámanhã, 3 do corrente, e a ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 2 de julho de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Marquez de Vallada; Arcebispo-Bispo do Algarve; Condes, das Alcaçovas, de Alto, d'Avila, da Arriaga, do Bomfim, de Carnide, de Lagoaça, de Thomar, da Folgoza; Bispo da Guarda; Viscondes, de Asseca, da Azarujinha, de Castro e Sola, de Ferreira do Alemtejo, de Moreira de Rey, de Villa Mendo; Moraes Carvalho, Caetano de Oliveira, Sousa e Silva,. Antonio J. Teixeira, Oliveira Monteiro, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Firmino João Lopes, Costa e Silva, Francisco Cunha, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Coelho de Carvalho, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Placido de Abreu, Polycarpo dos Anjos, Rodrigo Pequito, Gusmão, Thomás Ribeiro.

O redactor = Ulpio Veiga.

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