426 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Faço votos sinceros por que o governo obtempere aos desejos do digno par o sr. conde de Thomar.
E dito isto, não para lisonjear ninguem, que não estou na idade de receber ou distribuir lisonjas, sendo só meu desejo satisfazer aos dictames da minha consciencia, vou fazer brevissimas considerações a respeito do projecto em discussão, projecto que vae ser transformado em lei.
Não é a primeira vez que digo bem d’este trabalho.
Já antes da minha ida para o Brazil, eu escrevi alguns artigos na imprensa periodica portugueza, pondo em relevo o desassombro com que o governo pretendeu, quanto possivel, corrigir alguns defeitos que havia, e ha, n’este paiz de compadres e afilhados.
Nós não temos creado (por via de regra) concelhos ou comarcas para bem da administração ou da justiça, mas para bem de um, dois ou tres bachareis.
Assim se tem procedido no nosso paiz.
O que digo de Fornos, applaudindo o sr. conde de Thomar, não o digo de outros concelhos e comarcas dissolvido.
Sabe Deus quantas vezes se arrependeram, ou arrependerão, aquelles que pediram a justiça para proximo da sua porta, e festejaram com foguetes, e musicas a graça do governo.
A este, respeito lembro-me de que havia uma terra em que não se conhecia nem medico, nem advogado, e n’ssa terra não havia doenças, nem emandas.
Foram para lá um medico e um advogado, e desde então as doenças e as demandas começaram a apparecer e a multiplicar-se para não mais acabarem.
A justiça ao pé da porta, tem algumas vezes estes inconvenientes.
Portanto, tudo quanto for acabar, salvas poucas excepções, com as pequenas comarcas e os pequenos concelhos, acha o governo, que serão actos dignos de todo o louvor.
Fallemos agora do projecto:
Se me perguntarem se me agrada o systema centralisador na administração publica, eu direi, a v. exa. que não; não me agrada.
Propendo essencialmente para a descentralisação.
O codigo chamado de Sampaio era para mim um codigo excellente. Quasi o meu ideal.
Vieram depois diversas reformas alterar esse codigo, abolindo muitas prerogativas concedidas aos corpos locaes. E foi o partido progressista que começou de novo a centralisar as funcções administrativas.
Nós eramos considerados conservadores, ou reaccionarios, talvez; ao passo que o partido progressista era considerado progressista. Pois a reforma administrativa de Antonio Rodrigues Sampaio foi tão descentralisadora, que o partido progressista substituiu-a por outra menos liberal.
Note-se que não venho agora combater o partido progressista, principalmente não estando aqui nenhum dos seus membros. E a proposito seja-me licito que eu lamente esta ausencia voluntaria e propositada dos dignos pares progressistas. Parecia-me que s. exas., duvidando muito embora da legitimidade da eleição de ande saiu a actual camara dos deputados, não deviam nem podiam duvidar da legitimidade dos seus direitos e da valia, dos seus diplomas de pares.
Sinto muito a sua ausencia. Mas eu agora não vou censurar, vou defender aquelle acto do partido progressista.
Entendeu-se então que uma descentralisação tão ampla como a que estava estabelecida pelo codigo de Rodrigues Sampaio era demasiada para Portugal, como indicavam as perturbações em que se vieram a encontrar os corpos administrativos, que, em virtude das faculdades que por esse codigo houveram, se tinham mettido em despezas com que não podiam; e tornou-se necessario salval-os.
Todos estes precedentes desculpam, por consequencia, e de alguma fórma justificam tambem o actual governo de ter centralisado varios serviços. Eu, que já declarei ser partidario professo da descentralisação, sabendo o reboliço que ella causou no nosso paiz, confesso que tanto o partido progressista como o actual governo são em meu conceito absolvidos, se não louvados, pelos actos que praticaram contra a doutrina que professo.
E, referindo-me especialmente ao. sr. ministro do reino, apraz-me reconhecer que s. exa. tem capacidade para ir muito mais longe, se o julgar preciso, no seu caminho reformador.
O governo supprimiu concelhos; o governo supprimiu comarcas, mas respeitou os districtos.
Por quê?
Por prudencia, talvez, não por conveniencia, quero crer, da administração.
Todos nos devemos recordar de que em 1821, quando a nossa liberdade estava no berço, em vez dos governos districtaes havia os governos provinciaes: Lembro-me até de que a provincia da Beira era uma só, que por causa de governos militares se dividiu em duas: Beira Alta e Beira Baixa.
Ora, no sentido em que foi elaborada a reforma que está em discussão, encontro ensejo de evocar estas reminiscencias e de sentir que não retrocedâmos aqui para 1821.
A verdade é que em 1821 governavamos deste modo o reino, e sem haver reclamações. Então estas circumscripções e as suas capitães não tinham a servil-as os caminhos de ferro, nem as estradas ordinarias. Havia grande dificuldade em ir de um ponto a outro reclamar justiça, e, comtudo, assim se fez sem haver a mais pequena queixa. contra estas circumscripções administrativas.
Ora, porque não acabou s. exa. com muitos districtos que não correspondem a nenhuma necessidade, que não podem com os seus encargos, que não têem nenhuma rasão de ser?
O sr. Mártens Ferrão, de saudosa memoria, sendo ministro do reino, fez uma reforma administrativa muito bem feita, como bem feitos eram todos os seus trabalhos, e, comtudo, caíu essa reforma pelo descontentamento dos povos.
Eu não sei se seria esta a rasão que fez agora recuar o nobre ministro do reino, pois incontestavelmente o ponto de partida da sua obra era reduzir os districtos, ou voltar-nos governos provinciaes.
Deste modo outros elementos viriam á administração publica e seriam bem vindos, que tambem é justo a é bom ir educando os povos em pontos de doutrina civica e, politica. Viriam com esta reforma as juntas provinciaes que . não seriam de todo inuteis. Ellas morreram; ellas, não, mas as juntas, districtaes, por causa, da politica, principalmente, que não por necessidades administrativas, e prestaram em muita parte grandes serviços. Eu podia dizer ao sr. ministro do reino os nomes de alguns districtos onde as conheci e onde fizeram falta; mas não vem a proposito.
Quiz apresentar estas considerações ao nobre ministro do reino porque tive pena de que no apparelho torneador do seu radicalismo, não podesse metter os districtos. Se lhe fosse possivel, certamente o teria feito.
Era mais logico, mais consentaneo com todo o seu trabalho e mais util. E agora permitta-me v. exa. que eu aborde uma questão que, estas considerações me suggerem.
O sr. ministro do reino concedeu aos Açores a sua autonomia administrativa.
Eu sei que a ilha de S. Miguel, hoje em posse d’ella, é uma das terras mais bonitas, uma das mais, laboriosas, uma das mais ricas, e digna de o ser, do territorio portuguez; sei que tem sabido vencer grandes difficuldades pela força da sua vontade, do seu trabalho, do seu saber, da sua persistencia; por consequencia tudo quanto se lhe faça de bem é de justiça, mas eu não gosto de ver excepções,